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2. Alguns dados importantes


          Gostaríamos de trazer a colação algumas informações importantes para a abordagem que se pretende.

          Primeiramente, é elementar a noção de que cada organização policial é peculiar da comunidade em que está inserida, não se podendo avaliar o instituto "Polícia Militar" pela somatória de dados das diversas milícias estaduais, nem comparar o nosso modelo de polícia com o de outros países, ou mesmo estabelecer paralelos entre as PPMM dos Estados. A atividade de polícia está visceralmente ligada às condições socio-econômicas-culturais de cada grupo onde se desenvolve. Vejamos, portanto, o problema sob o seguinte enfoque: 1. "Quem é o policial?"; 2. "Quem é o destinatário da atividade?; 3. "Qual o tipo de delitos enfrentados?".

          O policial será sempre, via de regra, alguém pertencente à comunidade, com os hábitos, os costumes, as referencias políticas, a cultura, etc., idênticos aos de seus concidadãos. Neste sentido o policial de São Paulo não pode ser comparado ao de Pernambuco, e vice-versa. Não é novidade que o Brasil é um país de contrastes, especialmente econômico-culturais.

          Por outro lado o destinatário da ação policial possui características próprias de sua região, e, como a lei penal é igual em todo o território nacional, um indivíduo reage perante a norma de forma diversa do que outro indivíduo de outro Estado ou região. Na medida em que nos afastamos do Sul e Sudeste do país, a noção de legalidade torna-se mais tênue e as relações interpessoais apresentam maior grau de pessoalismo, o que torna a corrupção mais fácil, e a violação de direitos humanos, mais banalizada ou mesmo aceita. Os delitos também mudam conforme se altera o segmento social analisado ou a região abordada. Em grandes metrópoles a ocorrência de crimes de alta complexidade e gravidade, é mais freqüente, bem como a ação de grupos organizados torna-se bastante sofisticada; já em regiões com menos recursos , muito provavelmente, tais delitos nunca serão notícia de jornal.

          Por estas razões o tema ‘Violência Policial’, tratado no Relatório, não poderia jamais abranger todas as organizações do Brasil, generalizando dados e fatos. Cada Polícia Militar, de cada Estado, é uma polícia diferente, com características próprias, com uma realidade própria, com um contingente peculiar, com uma situação interna diversa; igualmente cada Estado possui problemas próprios, tipologia urbana própria, e um peculiar modo de tratar suas polícias. Justamente por isso que, a partir deste ponto, passo a restringir o enfoque deste ensaio à Polícia Militar do Estado de São Paulo, a fim de que se possam realizar considerações realmente consistentes a respeito do problema.

          Antes porém, gostaríamos de abordar a questão da falta de confiança da população apresentada no relatório. Não é difícil de notar que a citada desconfiança precisa ter fundamentos claros: ninguém desconfia pura e simplesmente. Vamos enfocar nossa realidade - Estado de São Paulo. Em nosso Estado a Ouvidoria da Polícia Militar, órgão enaltecido pelo relatório, produz anualmente um anuário estatístico trazendo dados de toda ordem, em números e avaliações. Conforme este anuário, no ano de 1996, último a ser analisado, somente o Centro de Operações da Polícia Militar - órgão que atende as chamadas pelo telefone "190" na cidade de São Paulo - atendeu e gerou 759.775 ocorrências. Destas, conforme avaliação feita pela ouvidoria, 255.688 tiveram atendimento classificado como ‘muito bom’ pelos usuários; 451.980 ocorrências foram classificadas como ‘boas’. Verifica-se, pela avaliação da própria população, que mais de 90% do atendimento realizado pela Polícia Militar na Cidade de São Paulo é, no mínimo, bom.

          Acreditamos que estes dados já são suficientes para mostrar a superficialidade daquilo que é apresentado pelo relatório como sendo algo gritante . Mas gostaríamos de juntar ainda outro fato notório e claríssimo. A crítica feita às Polícias Militares é claramente ideológica; não é científica. A desconsideração de um dado básico, elementar, como o caráter regional de cada polícia já o demonstra. Mas junte-se a isso, o fato da arrasadora propaganda negativa que os veículos de imprensa fazem das PPMM, ignorando sempre, e sistematicamente, inúmeros casos de heroísmo, exemplos de honestidade, de formação sólida, de atuação estritamente legalista dos homens das PPMM. Ainda dados extraídos do Anuário Estatístico da Ouvidoria da PMESP: em 1996, 81 policiais militares deram suas vidas no cumprimento do dever; 825 foram feridos em ações policiais; 300 feriram-se em acidentes durante o serviço e 13 morreram em razão destes acidentes.

          A imprensa nada ou pouco tratou destes casos; quando deles se ocupou, o fez pejorativamente, ou com tanta discrição, que tais fatos passaram inadvertidos. Em contrapartida qualquer ato, ou ação errônea foi tratado com extremo rigor, onde policiais militares viram seus nomes veiculados sem qualquer pudor, envolvidos em tramas muitas vezes distorcidas, e sem qualquer oportunidade de defesa ou contra-argumentação. Eram tidos como marginais, sem qualquer respeito ao seu direito individual de intimidade, constitucionalmente garantido, expondo inclusive seus familiares ao pleno vexame e à exclusão social.

          Com a veiculação de uma crítica tão parcial, por todo o país através dos meios de comunicação, evidentemente a população possui uma base de avaliação plenamente viciada. Como pôde a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ignorar tais fatos? Como poderá subsistir a confiança da população em seus órgãos policiais, diante de uma propaganda desta espécie? As críticas apresentadas não possuem fundamento científico; são meramente ideológicas.

          Quando se fala de combate ao crime, quando se trata de atividade policial, não podem prevalecer ideologias, guerras de idéias, individualismos. O crime atinge a todos independentemente de sua convicção política; o instrumento de combate ao crime é a polícia, que deve ser criticada; mas criticada de forma positiva, e não de forma seletiva. A Polícia Militar não é a vilã da história, não está contra a sociedade; busca sim, ajudá-la, como parte da mesma. Por que então organismos tão renomados ignoram princípios tão elementares? Em conseqüência desta mentalidade, vemos atualmente o Estado inferiorizado perante a criminalidade, sem muitas opções de combate. Não é a polícia, mas o crime que tem que ser reprimido.

 

3. A Polícia e seu caráter ‘militar’


          O caráter ‘militar’ das polícias estaduais é apresentado como um fator negativo pelo relatório da Comissão. O assunto é vasto e profundo, mas vamos abordar apenas alguns pontos: 1. a atuação operacional; 2. o crime organizado; 3. os deveres que assume um policial.

          Como já se frisou, o relatório parece ver o problema de forma ideológica e não científica, ao procurar demonstrar a ligação do caráter castrense das PPMM com regimes militares, já há muito ultrapassados. O amadurecimento das Polícias Militares - especialmente da do Estado de São Paulo - após o fim do regime militar, é claro e notório, sendo que hoje o caráter militar já está em muito depurado. Mas não convém depurá-lo a ponto de anulá-lo por completo; na maioria absoluta dos países do Primeiro Mundo, com toda sua cultura e desenvolvimento, as Polícias são militares ou militarizadas. Isso tem suas razões; não é por obstinação de alguns como se procura mostrar nessas críticas parciais.

          As razões podem em muito estar relacionadas com a questão da atuação operacional. O homem que atua no policiamento de ruas deve possuir uma série de reflexos que o capacitarão a proteger a sociedade e a si mesmo; na atuação policial não há tempo para considerações muito acuradas, e por vezes o policial precisa decidir em fração de segundos. Não poderá perder tempo cogitando seu baixo salário, nem o valor de sua própria vida, pois tem o dever legal de agir, e agir de forma eficaz. Somente uma formação baseada em hierarquia e disciplina possui instrumentos capazes de condicionar este homem, e levá-lo ao pleno cumprimento de seu dever, que deve ser pronto e uniforme. Uniforme para que o cidadão também conheça como age sua polícia e possa ajudá-la e fiscalizá-la.

          A questão agrava-se quando se fala em crime organizado. Tais grupos normalmente são fortemente armados, possuem uma organização e disciplinas internas de fazer inveja a qualquer ditadura, e têm caráter paramilitar. Especialmente contra tais grupos o caráter militar da polícia revela-se mais necessário: primeiro, porque neste campo são comuns confrontos caracterizados por verdadeiras batalhas, como as que têm ocorrido no Rio de Janeiro; segundo, porque os grupos organizados usam a população como escudo, numa covarde ação de guerrilha; terceiro, porque nestas circunstâncias o conhecimento de estratégias de ataque é fundamental.

          É verdade que somente ocorrem circunstâncias assim esporadicamente; entretanto resta ainda um argumento cabal: o policial, para que atue de forma eficaz, assume deveres de uma gravidade muito superior aos conhecidos pelo civil comum. Assim, faltar ao serviço para um civil comum acarretalhe um desconto salarial; retira-se o que é disponível pois o dever violado é igualmente disponível. Para o policial militar faltar ao serviço constitui-se algo muito mais elevado; viola-se o direito indisponível da sociedade à segurança pública. É por este fato que é vedado ao policial militar o direito de greve tão comum entre os civis. Esta falta acarretará ao policial militar uma sanção disciplinar que visa restabelecer-lhe o reflexo perdido. Como este exemplo, estão inúmeros deveres, que o civil ou desconhece ou conhece de forma mais tênue, e que são fundamentais na manutenção da ordem pública.

         

4. Polícia Militar do Estado de São Paulo em números


          Já apresentamos alguns dados anteriormente, mas cabe agora uma abordagem mais abrangente quanto às estatísticas apresentadas pelo Anuário de 1996 da Ouvidoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

          Até o fim de 1996 o efetivo total da PMESP era de 88.308 homens. Destes, 36.145 homens foram fiscalizados pela Corregedoria da PM somente no ano citado. A Corregedoria recebeu somente 1.305 queixas contra policiais neste período. Perante o número de policiais existentes generalizar os fatos é apresentar uma visão distorcida da realidade.

          Não existe um número total dos atendimentos realizados no Estado, mas sabe-se que este número certamente supera os três milhões, já que só na Capital foram atendidas mais de setecentas mil ocorrências. O número de civis mortos em 1996 - 239 pessoas - mostra-se, perante esta realidade, pouco hábil a um questionamento seguro da atuação da PM. Ajunte-se que o número de violações de Direitos Humanos veiculados pela imprensa, igualmente é pouco expressivo diante do montante das atuações legais e cidadãs da Polícia Militar.         

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