Ao método geométrico de Descartes (esprit de géometrie), Pascal opõe o método
afetivo (esprit de finesse); às idéias claras e distintas, as idéias
emcionantes; à precisão da razão, o entusiasmo do coração. (Mondin, 1981).
Pascal ao falar sobre o coração na sentença: "O coração tem razões que a
própria razão desconhece", não se refere exatamente aos sentimentos, mas sim a
um tipo peculiar de inteligência. (Gomiero, 1998) (12). O coração está na fonte dos
conhecimentos humanos de maior valor, conhecimentos que a razão não pode compreender nem
justificar: as verdades da moral, da religião e da filosofia. À razão pertencem os
conhecimentos científicos.
Ponto de Partida da Apologética de Pascal
O mecanismo e o racionalismo
haviam esvaziado a noção de mundo físico, as de bem e de mal e a necessidade de o homem
encontrar um apoio exterior a ele. "Para Pascal, esse ponto de apoio não estaria
situado nem na natureza física, nem na natureza humana (razão), mas em Jesus Cristo
(13). Desse modo, somente a religião daria respostas plenamente satisfatórias as
questões colocadas pela condição humana." (Gomiero, 1998).
O ponto de
partida da apologética de Pascal (ou seu cogito) é a constatação da dualidade
da natureza humana: o homem é um amontoado de misérias e de grandezas. Um rei sem trono,
mas sempre um rei. Um caniço, mas um caniço pensante. O homem é um complexo de bem e de
mal, digno ao mesmo tempo de respeito e de desprezo. (14) Ao dualismo cartesiano de
pensamento e extensão, Pascal opõe o dualismo de grandeza e miséria. À dúvida
metódica de Descartes opõe uma desconfiança total na razão, no tocante à salvação
eterna, que "não se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho. (...) Que não se
conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho. (...) Submissão completa a Jesus
Cristo (...)." (Mondin, 1981). (15)
A razão
pode, sem dúvida, tomar conhecimento da dualidade que dilacera a vida humana até em suas
manifestações mais íntimas, mas não pode fazer nada para superá-la. Somente a fé
cristã pode explicar ao homem a origem desta ruptura e dar-lhe a graça de saná-la (16).
Com isso Pascal não quer afirmar que a razão não tenha nenhum valor. Ele não ensina o
fideísmo, como se vê claramente pelo uso freqüente que faz de argumentos racionais para
defender o cristianismo. Ele prova, por exemplo, a verdade do cristianismo mostrando que o
dogma do pecado original é a única explicação suficiente para todos os males que
afligem a humanidade. Prova, em outro lugar, a existência de Deus, aplicando a ela o cálculo
das probabilidades.(17) O argumento, em resumo, soa assim: "ninguém pode evitar
o dilema: ou Deus existe ou não existe. É um problema que diz respeito à vida, não um
problema puramente especulativo, uma vez que é necessário agir ou como se Deus existisse
ou como se não existisse. (18) A neutralidade é impossível: É necessário apostar;
não está em nosso arbítrio; somos obrigados; que alternativa escolhemos?"
(Pascal, 1966).
Consideremos o dilema como um jogo no qual sairá cara ou coroa. "Em qual
apostaremos?" Segundo a razão, não se pode apostar nem em uma nem em outra porque,
segundo a razão, nenhuma das alternativas pode ser excluída. Apostaremos na que
corresponde melhor aos nossos interesses. "Admitamos que Deus exista. Que coisa nos
arriscaremos a perder se viveremos como se Deus existisse? Os prazeres e os bens do mundo,
isto é, bens finitos. Que coisa ganharemos? Um bem infinito." Então, se ganharmos,
ganharemos tudo, e se perdermos, não perderemos nada. (19) Só nos resta, pois, apostar
sem hesitação que Deus existe. Mesmo que se admitissem infinitas possibilidades
negativas contra uma só favorável, ainda seria melhor apostar na existência de Deus,
porque se tem pela frente uma eternidade de vida e de felicidade. Mas, na realidade, as
probabilidades são finitas e o que se arrisca é finito em face de uma infinidade de vida
infinitamente feliz. (20) "Isto encerra o jogo: quando se trata do infinito e quando
não existe infinidade de probabilidades de perda contra as de ganho, não há igualdade:
convém dar todos os bens deste mundo pela vida eterna." (Mondin, 1981).
Deste
argumento e do tom geral da filosofia de Pascal segue-se que, mais do que opor a razão ao
coração, ele quer integrar a razão com o coração; mais do que negar valor à
demonstração, ele deseja completar a demonstração dialética com a dedutiva.
Alguns "Pensamentos"
"Digo em verdade que se todos os homens soubessem o que
dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos no mundo. Isso se vê pela querelas que
provocam as indiscrições ocasionais."
Os homens têm um grande defeito: falar demais. Faz uso do que
"acha" ou sabe sobre o outro para fofocar, intrigar ou até mesmo difamar o
mesmo. Se se soubesse o que os outros dizem, não haveria a amizade.
"Contrariedade - O homem é naturalmente crédulo,
incrédulo, tímido, temerário."
"Descrição do homem - dependência, desejo de
independência, necessidade."
"Condição do homem - inconstância, tédio,
inquietação."
O homem é um ser muito complexo, inconstante. É um ser tão
miserável que não consegue saber o que é e o que quer.
"Divertimento - Não tendo conseguido curar a morte, a
miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para ser felizes, de não pensar nisso
tudo."
O homem vendo que é incapaz de solucionar todos os problemas e
que isso o aborrece, para ser feliz ignora-os.
"Que cada qual examine os seus pensamentos, e os achará
sempre ocupados com o passado e com o futuro. Quase não pensamos no presente; e, quando
pensamos é apenas para tomar-lhe a luz a fim de iluminar o futuro. O presente não é
nunca o nosso fim; o passado e o presente são os nossos meios; só o futuro é o nosso
fim. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver, e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é
inevitável que nunca o sejamos."
O homem está tão preocupado com o passado e com o futuro que
esquece de viver o presente. Esquece também que o passado não pode ser mudado. E que se
o presente não for vivido como se deve, alterará o futuro.
"A sabedoria envia-nos à infância. Se não vos
converterdes e não tornardes crianças não entrareis no reino dos céus."
"Quanto é difícil propor uma coisa ao julgamento de outra
pessoa sem corromper-lhe o julgamento pela maneira pela qual a propomos."
O homem ao propor uma coisa ao julgamento de outro narra o fato
sob o seu ponto de vista, por mais que queira se manter indiferente.
"Quando se lê depressa ou muito devagar, não se entende
nada."
Ao ler muito rápido não há concentração para interpretar o
que se lê. Ao ler muito devagar presta-se mais atenção no significado de cada palavra e
não do conjunto como um todo
Comentários finais
O gênio
Blaise Pascal apresenta uma obra científica fragmentada e inacabada. Esbanjando
magnificamente seu gênio, Pascal se limitou a apontar caminhos novos, que imediatamente
abandonava. Seus sucessores, tais como Leibniz, percorreram-nos deslumbrados. Pascal foi
sem dúvida o maior "poderia-ter-sido" da história da matemática: no entanto
é um dos elos importantes no desenvolvimento da matemática.
Após a sua
conversão, Pascal passou a dedicar-se mais à reflexões filosóficas e teológicas. Suas
obras nessa área (Pensamentos e as Provinciais) são temas de debate nas
academias e congregações religiosas até hoje.
Pascal em
sua filosofia não quis opor a razão ao coração, e sim integrar ambos. E acreditava
também ser a religião a única a dar respostas as questões colocadas pela condição
humana.
12. "Nascemos com um traço de amor em nossos
corações, que se desenvolve na medida em que o espírito se aperfeiçoa e que nos leva a
amar o que nos parece belo sem que jamais nos tenha dito o que é. Além disso, o amor
e a razão não são opostos, porque o amor e a razão não são mais que a mesma
coisa. Quanto maior o espírito, maiores as paixões."
13. "A verdade de Deus não pertence a pura ordem
geométrica nem a pura ordem física; o Deus vivo não é uma proposição nem um
fenômeno. Deus deve ser sentido, e é o coração quem sente a Deus, não a razão.
Esta é a fé: Deus sensível ao coração, não a razão (cf. Pensée, 278). Isto é,
Deus não é sensível a razão geométrica dos matemáticos e dos dogmáticos, senão a
razão concreta, ao pensamento que também é coração. Pascal se opoe totalmente a uma
interpretação sentimentalista ou fideista do problema de Deus. Por outro lado, é
necessário não esquecer que Pascal se volta ao ateu e quer persuadi-lo. É possível
persuadir o ateu com os argumentos racionais? Não. É necessário que o ateu esteja
disposto a recebê-los, que deseje a Deus." (Sciacca, 1955, p.226)
14. Neste ponto, Pascal reconhece que A grandeza do
pensamento reside na consciência da própria miséria. O homem sabe que é miserável: é
pois miserável em quanto tal, mas é sublime porque o sabe. O homem é grande porque se
reconhece desgraçado. (cf. Schurmann, 1946)
15. "Este é o cristianismo defendido por Pascal:
Deus consola com a dor, cura com o ferro e o fogo, desperta ao toque da trombeta, sacode
com a guerra interior. O homem que não está em guerra consigo mesmo está em guerra com
Deus, porque está em paz com o pecado. A guerra que fere nossa consciência é o sinal da
graça divina; Deus nos chama e o mundo nos retém. A boa vontade do homem e a graça
divina colaboram para que o desapego seja completo e alegre. Desde o cume da fé, não
entre as ataduras e as leis mortais da sociedade humana, fundamentada na imaginação
enganadora e na outra concupiscência, nos amamos e já não nos odiamos a nós mesmos:
amamos aos outros homens e não nos afastamos deles. Se realiza o milagre da solidão
cristã, a única que é comunhão de espíritos, a única povoada de
caridade."(Sciacca, 1955, p.214)
16. Para Pascal A fé é dom de Deus; jamais
afirmaremos que é um dom da razão (cf. Pensée 279). "Para que Deus exista por
convicção racional é necessário que inexista pelo movimento do coração que o busca.
Deus está escondido não só para a razão, como também para o coração. (Sciacca,
1955, p.227)
17. "O argumento da aposta vê chegado ao
seu tempo quando se coloca o dilema entre o Deus do catolicismo e o nada. O argumento é
uma aplicação do cálculo da de probabilidades ao problema da existência de Deus.
Assim, pois, se move no âmbito da lógica matemática." (Sciacca, 1955, p.242)
18. Somente dois tipos de pessoas podem ser
razoáveis: as que servem a Deus com todo o coração porque o conhecem e as que o buscam
com todo o coração porque não o conhecem. (Pensamentos, 194) "É vão tentar
provar a existência de Deus com as obras da Natureza. Quem crê, quem tem viva no
coração a fé, vê claramente que tudo que existe é unicamente obra de Deus. Mas em
quem se encontra apagada a luz da fé, ausente a graça, ainda empregando toda sua
inteligência na busca de algo que possa conduzi-los ao conhecimento de Deus, não
encontram na natureza mais que escuridão." (Sciacca, 1955, p.225)
19. "Por isto, o finito se anula ante o
infinito, se faz o puro nada. Assim ocorre com nosso intelecto diante de Deus, e assim com
nossa justiça diante da justiça divina. Sabemos que existe um infinito, mas
ignoramos sua natureza. Sabemos que existe, mas não o que é. Do mesmo modo se pode
saber que existe um Deus, sem saber o que é. Graças a fé conheceremos no céu a sua
natureza. Por isto Deus é "infinitamente incompreensível." Quem poderia
empreender a solução de um problema semelhante?" (Sciacca, 1955, p.242-242).
20. O convite está feito, o desafio proposto:
"Aposte pois, o libertino e esteja seguro de que em qualquer caso não ficara
desiludido. A cada novo passo que deres por este caminho, descobrireis cada vez maior
probabilidade de vencer, e cada vez mais a nulidade de tudo que arriscais: finalmente
reconhecereis ter apostado por algo certo, infinito, em troca do qual não ofereceste
nada." (Sciacca, 1955, p.255)
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