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Apresentação de "A Vargem do Sobrado"

 

Beatriz A. de Moura Fétizon
Faculdade de Educação da USP

 

Quando você deixa a larga estrada asfaltada que, pelos contrafortes da Mantiqueira, leva de Caxambu a Juiz de Fora, e, entrando em Bom Jardim de Minas, começa a se embrenhar numa das últimas manchas da mata Atlântica, descendo (e subindo) pelos contrafortes da serra em direção a Santa Rita do Jacutinga, sempre por estrada de terra, larga e pitoresca, entre árvores, arroios de serra, marulho de água e folhas, "contínuo" de cachoeira no fundo instrumental de muitas vozes (em que pássaros, vento, estalos, chiados e mugidos são o entorno sonoro) – quando, então, tudo isso lhe acontece, você está "na paz das montanhas e na solidão dos caminhos" ( São Francisco de Assis, eu acho).

É só o começo. Aí você chega a Santa Rita do Jacutinga. Pequenininha. Antiga. Existente numa outra dimensão da hodiernidade: aquela em que o moderno nunca é "pós"- porque "hoje" é "sempre".

 

Tem ruas calçadas (e de terra); tem casa velhas (e novas). Tem jardins - com casas pequeninas (e grandes) que se abrem diretamente sobre eles. Tem, na cidade e nos arredores, um total de 72 cachoeiras. E tem gente. E que gente! Não é a escolaridade superior (abundante na população de status médio) que irradia a cultura e os conhecimentos de que por lá se desfruta.

 

É o jeito de ser e de viver.

 

As anotações que trouxe de lá e que ora publico, me foram cedidas pela autora, professora e diretora aposentada, nascida e criada lá mesmo, onde até hoje (a data em que o texto me foi entregue) vive. Quem quer que tenha sido ensinado, nos seus primeiros anos escolares, por mestres dos quais a autora é uma amostra, vive e vivifica seu entorno, interpreta e constrói o seu mundo com olhos, mente e alma de "seres do tempo" –ou sujeitos da história.

 

Aí vão, pois, as anotações da professora Célia Mendonça da Fonseca[1]. Não constituíram um texto preparado por ela para alguma explanação. Foram somente anotações que ela fez para atender a uma professora de escola estadual local, que lhe pedira a indicação de alguns fatos da história da cidade, a fim de usá-los como ilustração de uma palestra (o original nem sequer o nome da autora continha – que ela não cogitara de o assinar – como a significar, para mim, que dela o recebi, que esse era um saber-sem-dono, porque, de direito, propriedade e posse de cada membro dessa "Aldeia de Beijos Perdidos" – se se lembram do filme, então entendem o que eu quero dizer). Constituindo, embora, simples anotações, observe-se a riqueza e a correção da linguagem, a elegância do estilo, o fino humor e a aguda observação que perpassam todo o texto. Um acadêmico não faria melhor – para além da memória - viva, da história consubstanciada e personalizada, da perspicácia do julgamento subjacente ás descrições rápidas e despretensiosas, da segurança com que é pinçado o detalhe, sugerindo de imediato todo o conjunto de que foi extraído. Que pena que eu não saiba escrever esta apresentação com a linguagem e o estilo do texto (e da conversa !) da professora Célia Mendonça da Fonseca!

 

(Obs: a Vargem do Sobrado, a que se refere o texto é uma das muitas coisas lindas de Sta. Rita do Jacutinga).

 

Nota:

Este texto, conjunto de textos (o da professora Célia Mendonça da Fonseca e o meu) foi encaminhado à Revista da Faculdade de Educação da USP, em 10.2.92. E foi recusado por nada ter que ver com educação. Bom, se não tem, então foi bom que me tenha aposentado, pois significa que não sei absolutamente nada de educação depois de a ela me haver dedicado por cerca de cinqüenta anos, vinte dos quais na própria Faculdade de Educação da USP, na qual me aposentei.

 


[1]. Diretora de 1º grau aposentada. Pertence a antiga família originária de Santa Rita do Jacutinga (MG), onde exerceu o magistério e foi diretora da Escola Estadual “Dona Antonia de Almeida”