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Educação e Formação de Identidade(s) -
Considerações acerca da Formação
de Identidade do Grupo "Nikkey"

 

Érica A. Sacata Tongu
(Mestranda em Educação - FEUSP)
e-mail: eastongu@ensino.net

 

“Um indivíduo é outro para o outro. Alteridade formal: um não é o outro, seja qual for o seu conteúdo. Cada um é outro para cada um. Cada um exclui todos os outros, e existe à parte, e existe por sua parte. Negatividade puramente lógica e recíproca na comunidade do gênero.”
(Lévinas, Emmanuel. “Sobre a unicidade”. Entre nós, 1997, p.240)

 

A heterogeneidade presente na formação (étnica, cultural, social) da população brasileira gerou discussões sobre a identidade nacional, historicamente marcada pela diversidade de enfoques(1) desde os primeiros trabalhos em Ciências Sociais no país, a partir do século XIX.

 

Maria Isaura Pereira de Queiroz(2) mostra, além de um panorama esclarecedor das diferentes perspectivas, a existência de sinonímia envolvendo os conceitos de identidade cultural e identidade nacional, distinto do que ocorre na Europa. Chama, assim, a atenção para a questão da influência histórica e cultural na elaboração de conceitos e definições utilizadas por cientistas sociais.

 

Em relação à imigração japonesa no Brasil, iniciada no começo do século (1908), mesmo não sendo interrompida, passou por períodos de forte baixa, sendo por um lado estimulada pelo governo japonês e por outro sujeita à uma política descontínua do governo brasileiro, reflexo das opiniões divergentes sobre a capacidade de assimilação do imigrante amarelo.

 

Sendo ainda, uma imigração fundamentalmente familial, o que propiciará um certo isolamento, na medida em que se fixaram predominantemente em algumas regiões agrícolas, cedo será colocado a questão da educação de seus descendentes, o que também significava a continuidade da tradição cultural japonesa, representativo na existência de escolas japonesas, - com professores, currículos e programas iguais ao do curso primário japonês - que surgem para complementar a educação familiar.(3)

 

O que não significa, pelo contrário, que essas crianças não freqüentassem a escola brasileira. Ao freqüentar as escolas brasileiras, o contato de imigrantes e descendentes com membros de fora desta comunidade passa a ocorrer com maior regularidade, principalmente àqueles estabelecidos em zonas rurais. Segundo Demartini(4), em 1919 a freqüência de estrangeiros e descendentes era elevada na rede pública na cidade de São Paulo. Assim, a escola apresenta-se, especialmente a escola pública, como um ambiente fértil para o contato entre pessoas de origens distintas, através das possibilidades de relações, tais como, professor-aluno, aluno-aluno, etc.

 

Integração e mobilidade social

 

Em seu trabalho, no início da década de 70, Ruth Corrêa Leite Cardoso(5) já apontava para a rápida mobilidade social apresentada pelos imigrantes japoneses e seus descendentes, mesmo considerando ser essa uma população muito diferente da nacional e levando em conta que entre as grandes correntes imigratórias, esta se tratava da mais recente.

 

Em sua tese, Cardoso aponta a estrutura familiar como elemento fundamental para essa rápida mobilidade social, entretanto chama atenção também para a questão educacional, onde o desejo de maior escolarização encontra-se atrelado ao processo de ascensão social.(6)

 

A esse respeito, Demartini aponta para um dado importante: a tradição de ensino no Japão do começo do século(7).

 

Esses estudos, apontam a importância do papel da educação e da escolarização, indicando - mesmo com a existência de escolas diferenciadas (italianas, alemãs, suiças, portuguesas, francesas, norte-americanas, inglesas, japonesas, para população negra, etc.) -, uma elevada participação na rede pública oficial.

 

No que se refere aos nikkeys o “aparecimento da noção de Colônia Japonesa”(8) representou um papel importante para a mobilidade social, entretanto, diminui à medida que caminhe o processo de integração, sendo clara sua função instrumental.(9)

 

A partir dessa perspectiva, a integração desse grupo à sociedade nacional apresenta-se delineada. Contudo, o que não significa uma convivência “tranqüila”, principalmente no período correspondente à Segunda Guerra Mundial, onde Brasil e Japão encontram-se em lados opostos na frente de batalha, repercutindo, é evidente, na relação entre as pessoas.

 

Se pensarmos essa relação tal como nos coloca Erving Goffman, os nikkeys, enquanto grupo apresentam uma “elaboração da face”(10) que propicie a integração à sociedade nacional, podendo estar, ou não, de acordo com posturas individuais.

 

Tais colocações, bem como as de Goffman, não pretendem apresentar julgamentos, mas aventar a possibilidade de uma formação de identidade do grupo que coordenasse as suas expectativas de ascensão e aceitação social, pelo menos em um primeiro momento, ou diante de situações em que a exposição frente a um contato que pudesse gerar conflitos - dadas as características étnicas facilmente identificáveis, que nesse sentido possibilitam o medo ao desconhecido e diferente, tornando fácil o estabelecimento de pré-conceitos. Daí, a importância dos grupos em um primeiro momento - até as pessoas poderem conhecer e articular melhor os valores - e também a importância do domínio da língua, abrindo espaço para a sua aceitação e integração à sociedade nacional.

 

Em relação aos imigrantes, o próprio Goffman faz uma referência interessante ao afirmar que: “... Acha-se certo que os imigrantes representem o papel de americanos natos na maneira de vestir e nos padrões de decoro, mas é ainda um assunto controverso americanizar o próprio nome ou o próprio nariz.” (11)

 

Considerações finais

 

Através desses diversos contatos estabelecidos entre as pessoas, grupos, indivíduos e grupos, inclusive com o grupo ao qual pertence, podemos considerar a formação de identidade, ou identidades.

 

Considerando um grupo específico, com características peculiares, visíveis ou não, e muitas vezes desconhecidas, o estudo dessa formação, ou conformação pode contribuir para a construção de uma sociedade que consiga aproveitar de sua heterogeneidade formas de relação mais humanas e menos ameaçadoras.

 

Em matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, Marcio Aith(12) chama atenção para o dado de que dos 30 mil brasileiros, menores de 14 anos, que estão no Japão, 23 mil não estudam, de acordo com o Ministério da Educação Japonês.

 

A matéria aponta ainda duas principais razões do alto índice de crianças brasileiras no Japão fora da escola: a discriminação e o medo dos pais que seus filhos se adaptem ao Japão e não queiram mais voltar ao Brasil.

 

Aith associa esses dados ao perfil da migração dos dekasseguis brasileiros ao Japão, considerando que nos últimos três anos, com o declínio econômico japonês, a média de permanência dos brasileiros subiu de três para oito anos. Esse período maior de permanência desencadeou a ida de famílias para o Japão, o que de início não ocorria, mas que essas famílias não chegaram a se preparar para garantir aos filhos educação escolar.

 

Assim, Aith coloca que “as opções foram isolar as crianças brasileiras da sociedade japonesa, impedindo-as de freqüentar escolas, ou colocá-las no sistema educacional japonês e correr o risco de vê-las perder parte da identidade brasileira.”

 

É interessante observar essa contraposição entre os imigrantes japoneses que vieram para o Brasil no início do século e os brasileiros, em sua maioria descendentes de japoneses, que se encontram no Japão hoje. Evidentemente, o contexto histórico, social, econômico e cultural são distintos. Entretanto, para a presente consideração várias questões podem ser consideradas.

 

Sem dúvida, a discriminação é elemento crucial. Com características étnicas bem marcadas, esses brasileiros, apesar de todo processo de nacionalização e integração com a sociedade brasileira, no geral ainda é identificado como “japonês”. No final da década de 80, com o atrativo do sucesso da economia japonesa, inicia-se um processo de migração inversa. E uma nova realidade se impõe: na terra de seus ancestrais eles também são estrangeiros.

 

Um segundo ponto: a importância do papel da escola na nacionalização das crianças, no início do século no Brasil e agora no Japão, para o qual precisamos procurar conhecer diferentes panoramas e contextos.

 

Entretanto, em pelo menos um ponto parece-me haver uma ligação entre um movimento e outro: o anseio por uma ascensão social. Atualmente muito mais atrelada apenas às conquistas econômicas. Nesse sentido, o segundo plano dado à educação - aliada à formação de identidade, ou identidades - parece fornecer indícios que contribuam para uma melhor compreensão dessa situação.

 


(1). Cf. Fischmann, Roseli. “Educação, democracia e a questão dos valores culturais”, 1996

(2). Queiroz, Maria I. Pereira de “Identidade cultural, identidade nacional no Brasil”, 1989

(3). Cf. Cardoso, Ruth C. L. “O papel das Associações juvenis na aculturação dos japoneses”, 1959, p.101.

(4). Demartini, Zeila de Brito Fabri. “São Paulo no início do século e suas escolas diferenciadas”. Ciência e Cultura (Revista da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), 41(10): 981-995, outubro (1989)

(5). Cardoso, Ruth C. Leite. “Estrutura familiar e mobilidade social”, 1995

(6). Ibidem, p.24

(7). Demartini, Zeila de Brito Fabri. cit., p.984

(8). Cf. Cardoso, cit, 1995, especialmente p.113-149

(9). Ibidem, p.126

(10). Cf. Goffman, E. “A elaboração da face - uma análise dos elementos rituais na interação social” In: FIGUEIRA, Sérvulo Augusto (org.). Psicanálise e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves Ed. Coloca que “Por elaboração da face pretendo designar as ações através das quais uma pessoa é capaz de tornar qualquer coisa que esteja fazendo consistente com a face. Esta elaboração serve para contrabalançar ‘incidentes’ - isto é, eventos cujas implicações simbólicas efetivas ameaçam a face ...” (p.82)

(11). Idem, p.62

(12). Aith, Marcio. “Brasileiros abandonam estudos no Japão” Folha de S. Paulo, 1º caderno, p.14, 04/01/99.