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A Educação para a Verdade

 

(Resumo de palestra que o autor - renomado escritor de livros didáticos da Editora Saraiva - tem proferido para professores de 1o e 2o graus nos mais diversos pontos do país. Recolhemos também alguns trechos de textos propostos para discussão nesses eventos)

 

Elian Alabi Lucci

 

O modelo espanhol de educação - que vem servindo de base para a reforma da Educação brasileira nestes últimos anos - tem como orientação fundamental a educação para os valores. É, sem dúvida, uma proposta muito válida, julgamos porém, mais correto, diante da conjuntura atual em que vivemos, falar em educação para as virtudes ou, melhor ainda, para a verdade, independentemente das disciplinas que compõem o currículo escolar. Mas, por que educação para as virtudes e por que, mais ainda, para a verdade?

O declínio das virtudes cívicas e políticas no mundo atual e o fato de que “a corrupção só não está no centro do sistema de governo em apenas dez ou doze países dos cento e oitenta e cinco filiados à ONU” estão entre as mais duras constatações feitas pelo escritor, filósofo e acadêmico Jean-François Revel, no discurso que pronunciou sobre o tema virtude, no mês de dezembro de 1998, durante a sessão pública de encerramento das atividades da Academia Francesa. Desde a fundação da Academia, no século XVI, o discurso sobre as virtudes é praxe obrigatória na sessão do fim de ano, a principal de todas, com a presença das figuras mais representativas do pensamento europeu.

Revel começou seu pronunciamento dizendo que não é raro, hoje em dia, ouvirmos falar da virtude num tom que, se não é de zombaria, pelo menos é de indulgente ironia. Qualificar um homem de virtuoso é situá-lo entre os personagens mais entediantes da literatura edificante do séc. XIX, quando não se trata de um pérfido recurso para chamá-lo de hipócrita.

Mas onde está o verdadeiro desarranjo da virtude neste "final de século cinzento" (João Paulo II) e "século do vício" (Revel) e que tem muito que ver com a educação e com a maneira de pensar dos jovens catequizados ininterruptamente pelos meios de comunicação e pela mídia (braços armados do processo de globalização) para o acúmulo de bens?

A MERCANTILIZAÇÃO DO MUNDO

“Neste final de século, a dinâmica dominante é a globalização da economia. Ela se fundamenta na ideologia do pensamento único, o qual decretou que uma só política econômica é, a partir de agora, possível, e que somente os critérios do neoliberalismo e do mercado (competitividade, produtividade, câmbio livre, rentabilidade etc.) permitem a uma sociedade sobreviver num planeta que se tornou uma grande selva do ponto de vista da concorrência. Sobre esse osso duro da ideologia contemporânea vão se formando novas mitologias, elaboradas pela mídia, que tenta fazer os cidadãos aceitarem esse novo estado do mundo.

A mercantilização generalizada de coisas e palavras, da natureza e da cultura, do corpo e do espírito, é a característica central de nossa época, lugar de violência (simbólica, política e sociológica) no coração do novo dispositivo ideológico. Esta, mais que nunca, repousa no poder da mídia, em plena expansão por causa da explosão das novas tecnologias. Ao espetáculo da violência e seus efeitos miméticos juntam-se, cada vez mais, de maneira muito insidiosa, novas formas de censura e de intimidação que mutilam a razão e obliteram o espírito.

Enquanto, aparentemente, triunfam a democracia e a liberdade num planeta parcialmente livre de regimes autoritários, reaparecem paradoxalmente as censuras, as colonizações culturais e, sob aspectos muito diversos, as manipulações dos espíritos. Novo e sedutor “ópio do espírito”, a mídia distrai os cidadãos e os afastam da ação cívica e reivindicativa.”

(Extraído de: Culture, Idéologie e Sociète. Ignácio Ramonet et al. Paris. Mar. 1997, pp. 6 e 7).

Jean Guitton, também da Academia Francesa, em sua obra – pequena no tamanho, mas maiúscula quanto ao seu conteúdo – Silencio sobre lo Esencial, no primeiro capítulo que trata da verdade, diz que o mundo está sempre em crise e que o que se chama de História não é senão a narração dessas crises, que recomeçam sob diversas formas (o problema presente é saber se a crise atual difere em grau ou em natureza da antecedente).

LA VERDAD

“Las crisis narradas por la historia son accidentes de trayecto: victorias, derrotas, revoluciones. Hay otras crisis más raras, más profundas, poco discernibles en su propio momento, que han puesto en causa un principio esencial y que han representado para la humanidad la ocasión de una elección entre su desaparición o un nuevo comienzo. Debemos citar en la historia religiosa la vocación de Abraham, de la cual salió la Religión. En la historia de las técnicas, como diré un poco más adelante, tras la invención del fuego, nada ha igualado a la del fuego nuclear. Todo sucede como si, en este vigésimo siglo de la era cristiana (período furtivo), la humanidad estuviera en vísperas de conocer una crisis que no afecta ya a tal o cual accidente sino a la existencia de la humanidad como tal. Se trata también de una crisis de las esencias, y con ello quiero decir: de las Ideas que hasta ahora formaban el lazo entre las civilizaciones.

No cabe duda de que ciertos espíritus, perspicaces y escépticos, habían puesto en cuestión estas nociones fundamentales: sus dudas no estaban difundidas sobre el planeta como lo están en nuestros días. En adelante ya no puede haber una crisis solitaria: todas las crisis se comunican entre sí, se reabastecen para lo peor y para lo mejor. Esta es, sin duda, la razón de la angustia profunda que ocupa el inconsciente de todos los hombres. La angustia há existido siempre desde que apareció la conciencia en esse animal frágil, mortal. Pero la angustia actual es diferente de la de nuestros padres”

(Silencio sobre lo Esencial. J. Guitton. Edicep, Valencia, 1988. pp.17-18).

Eric Hobsbawn, por sua vez, autor de A Era dos Extremos, falando sobre crises, diz que comparada a crises anteriores, a atual é muito mais aguda e complexa, porque não se vê nenhum modo de resolvê-la.

Mas, voltando a François Revel, para ele a maior parte das penúrias alimentares, dos atrasos nos desenvolvimentos, das catástrofes qualificadas de humanitárias e que deveríamos, muitas vezes, chamar de humanas por causa da ação persistente dos homens - , se dissecadas até as últimas razões, tem, na realidade, causas políticas, ou mais precisamente, sua fonte está no desarranjo das virtudes política e cívica.

Montesquieu para justificar a decadência, sobretudo da virtude política e cívica, dizia algo que podemos considerar hoje como o óbvio ululante: “éramos livres com as leis, queremos ser livres contra elas”.

Voltando ainda uma vez a Revel, ele vai mais longe ainda e põe realmente o dedo na ferida durante sua palestra na Academia Francesa quando diz que o declínio da virtude cívica é imputável tanto aos cidadãos governados quanto aos governantes. Aí está a grande importância que ganha a educação para a cidadania.

Também, pudera! Obnubilados pela massa de informações e principalmente pelo apelo da atual sociedade onde o ter é mais importante, não só o adulto, já não reivindica mais nada, quanto menos então o jovem de hoje que em sua maioria não sabe explicar o que é engajamento político, o que é discernir, o que é ser politizado.

Os gritos dos jovens atuais através da música, o seu absenteísmo político e social, nada mais são do que sua forma de tapar os ouvidos para a verdade. Hoje, mais do que nunca, nestes tempos de globalização, é preciso educar para a realidade das coisas, porque nunca como atualmente se tenta ocultar a realidade das coisas, principalmente para os jovens. Nunca se procurou dissimular tanto, educar de forma ambígua os jovens quanto aos verdadeiros valores, como hoje, para fazer crescer a filosofia do ter em detrimento da do ser.

Esta é a razão pela qual, mais do que educar para os valores ou educar para as virtudes, preferimos falar em educar para a verdade. Mais ainda, numa sociedade cheia de falsidade como a nossa neste ocaso do século XX, que tinha tudo para ser o século da afirmação da razão e do bom senso, da fraternidade entre os povos e acabou sendo o mais brutal de todos, onde só na sua primeira metade se deram duas grandes guerras mundiais cujo preço estamos pagando até hoje, tanto assim que a maioria dos cientistas sociais e outros intelectuais e artistas, para apagarem de nossas memórias tantos desequilíbrios, tantos descalabros estão tentando “inventar” a pós-modernidade, que, talvez, não seja mais do que uma tentativa - talvez inconsciente - de resgatar valores mais transcendentais.