Por que a Alegria na Escola?
(resumo de palestra que o autor - renomado escritor de livros didáticos da
Editora Saraiva - tem proferido para professores de 1o e 2o graus nos mais
diversos pontos do país)
Elian Alabi Lucci
Vivemos nestes últimos anos do século XX num mundo sombrio,
cheio de incertezas. Se atentarmos para o semblante das pessoas em qualquer lugar do mundo
vamos notar uma tristeza estampada nos seus rostos. Mesmo que alguns procurem exteriorizar
uma certa alegria, no seu interior nota-se um quê de tristeza. Em muitos casos, um dos
motivos para essa depressão é que um alguém que lhe é caro está desempregado. O poder
de desestruturação psicológica do desemprego esta em função da importância que o
trabalho exerce na vida: como uma das forças centrais da realização humana.
Em vários países da Europa Ocidental as taxas atuais de
desemprego atingem patamares altíssimos: 18%, 19%, 20%, como é o caso da Alemanha,
França e Espanha. No Brasil, a partir do mês de abril deste ano esta taxa que se
mantinha por volta dos 5%, começou a disparar (Cfr., por exemplo, o caderno especial de
1º de maio publicado pela Folha de S. Paulo).
Como se isto não bastasse, acaba de surgir na Europa e nos Estados Unidos um novo
conceito (correspondente a uma nova realidade...?): o quarto mundo?
A Europa inteira fala e escreve sobre o quarto mundo. O quarto
mundo que preocupa sobremaneira o europeu, e o norte-americano neste final de século é
constituído pelos excluídos do Primeiro Mundo.
Segundo Alex Masllorens, na obra O Quarto Mundo, publicada
em 1997 e Pierre Noël Giraud, em A Desigualdade no Mundo, também de 1997, o
abismo entre pobres e ricos nos Estados Unidos é o maior de todo o Ocidente e vem se
acentuando assustadoramente nos últimos anos. E o mesmo se dá na Alemanha, na Espanha,
na França e em muitos outros países ditos desenvolvidos.
Faz pouco tempo, a Comissão de Médicos Contra a Fome dos
EUA, vinculada à Universidade de Harvard, publicou um informe em que dizia: "apesar
da ausência de cifras exatas, se pode estimar razoavelmente que existem mais de 20
milhões de americanos que passam fome, pelo menos alguns dias de cada mês".
Segundo os dois autores acima citados, já existem correntes
contra os pobres chamadas de "esteticistas". Segundo essas correntes, a
situação de pobreza é analisada com tal frivolidade que elas chegam a afirmar que os
pobres são feios e estorvam e que portanto convém afastá-los de nossas vistas, para
não dizer do mundo.
Giraud, ao final do seu livro, ao falar do nosso futuro mais
provável afirma que nas atuais condições em que o mundo se encontra a desigualdade
tende a aumentar no Primeiro Mundo e a classe média será destruída, algo já bem
visível entre nós de há muito tempo.
Acabando de regressar de uma missão científico-editorial
(Editora Mandruvá - USP) ao Velho Mundo, sinto o coração apertado com o que pude
observar convivendo com intelectuais europeus e com as pessoas da rua, em seu dia-a-dia.
Nessa pesquisa ao vivo, alguns afirmavam que a próxima guerra mundial ocorrerá devido à
escassez de água no planeta e ao mau uso do que sobra desse recurso importante. Outros
afirmavam que assistiremos a um conflito de civilizações entre o mundo ocidental contra
o mundo mulçumano.
"Após a Guerra Fria, a política mundial deixou de reger-se
por posturas ideológicas; agora se realiza segundo pautas culturais. A maior fonte de
conflitos internacionais não será o enfrentamento ideológico, mas o choque de
civilizações." Huntington, Samuel. Aceprensa ("Pensamiento"),
Madrid, junho de 1997, p. 2.
Pessoalmente, chego a estes últimos anos do século quase
afirmando que em breve estaremos envolvidos numa terceira Grande Guerra provocada, sim,
pela globalização e pelo desemprego que esse processo vem desencadeando em todo o mundo.
No processo de globalização, que desde o início da década de
90 vem assolando o mundo, praticamente só há perdedores. Apenas três países, Alemanha,
Japão e EUA, conhecidos como a tríade, tornam-se cada vez mais ricos, enquanto a maioria
da sociedade mundial vai empobrecendo não só financeira e socialmente mas, o que é
pior, culturalmente.
Esses donos da globalização vem impingindo um modo de vida cada
vez mais consumista e superficial, procurando encher os nossos olhos pela propaganda
veiculada nas emissoras de televisão, revistas e outros meios de comunicação. Pude
reparar há poucos dias atrás em países europeus, e o mesmo - guardadas as devidas
distâncias - também já ocorre por aqui: toda a propaganda veiculada exalta os carros, o
cigarro e a bebida, enfim o ter. Assim, as pessoas hoje passam a ser avaliadas pelo que
têm e não mais pelo que são.
Entrevistando em Madrid um dos maiores pensadores vivos da
atualidade, Julían Marías (um intelectual que tem abarrotado toda semana o auditório do
Instituto de Espanha com trezentas pessoas para assistir a suas conferências sobre
as perspectivas para o século XXI), ouvi dele o seguinte: "O homem hoje é um
primitivo cheio de informação e sem uma visão do mundo". Dizia também que o homem
de hoje está coisificado e não quer pensar mais. O homem, segundo Marías, achou mais
fácil se render aos encantos da moderna tecnologia ou da droga e da corrupção do que
pensar no seu fim último como pessoa. Afirmava também este pensador que a moral coletiva
está claudicando, criando assim, uma perspectiva sombria para o século XXI.
Mas, o que é que faz o homem pensar?
Sem dúvida nenhuma é a Educação. Para fazer o homem voltar a
pensar, temos que relembrá-lo, constantemente, por meio da educação de alguns
princípios filosóficos básicos como: O homem é um ser que esquece, e o que é pior,
que neste "mundo maravilhoso das compras" em que vivemos, ele se esquece do mais
importante que é para que ele foi criado, para que ele existe:
Que falta faz a filosofia hoje em todos os níveis de ensino!
Quando o homem filosofava ele vivia verdadeiramente. Na medida em que ele foi deixando a
filosofia de lado ele foi se desumanizando e vive hoje como um antropóide que cada vez
mais só atende aos seus instintos. Vocês já perceberam com que banalidade se mata uma
pessoa hoje? Isto já não abala mais ninguém. "É mais um que foi. Que
pena...!".
Cabe portanto à educação hoje a árdua tarefa não só de
transmitir conhecimentos, mas principalmente esperança, alegria. Para demonstrar isto,
basta apresentar alguns dados de pesquisas realizadas em nível internacional e dentro do
nosso país com os estudantes dessa pobre geração cheia de coisas e carentes de amor.
Segundo a pesquisa da American Research Association o que os alunos entrevistados
mais aspiram é ter professores amigos, alegres, simpáticos e virtuosos ao invés de
professores deprimidos, antipáticos e imorais. Quanto aos métodos de ensino o que se
constatou é a existência de uma lista desorganizada de atividades de aprendizagem, em
que o professor é convidado a selecionar o que agrada mais a sua fantasia do que
efetivamente as necessidades dos alunos.
No Brasil, numa pesquisa publicada pelo jornal O Estado de S.
Paulo, em 1996, 78% dos alunos entrevistados diziam preferir um professor de bom humor
e apenas 51% um professor com mais conhecimentos.
Uma das atividades, a de nº 4, propostas no livro Combater as
dificuldades de aprendizagem, de autoria de Diana Felizardo, publicado em Lisboa, em
1994 é: "Rir é bom". Para justificar tal colocação eu diria que a risada é
a linguagem universal dos seres humanos. O sorriso não só caracteriza o homem mas lhe
confere uma força mágica, às vezes milagrosa.
Santo Agostinho, grande retórico e professor, inquirido por
inúmeros colegas sobre o que fazer para pôr fim ao tédio dos alunos em sala de aula e
também dos professores, num determinado período do Império Romano escreveu um livro
chamado A instrução dos catecúmenos (traduzido e publicado pela Editora Vozes,
em 1973). Nesse livro ele faz várias recomendações, das quais a mais importante segundo
ele importantíssima, é: ao ensinarem, procurem pôr mais alegria.
Também o educador Paulo Freire afirma a necessidade da alegria no
ensinar. No prefácio que fez para o livro Alunos felizes, de autoria de Georges
Snyders, publicado em 1993. Nesse prefácio, Freire deixa claro o que é a alegria na
escola, que tanta falta faz hoje e que deve conduzir o educando à alegria de viver,
conforme se pode observar no texto que recolho a seguir.
Este é, sem dúvida, um livro profundamente atual. Um livro que
ultrapassa certo ranço tradicionalista em que a alegria se afogava envergonhada de
si mesma, contida, para não virar pecado, que supera certo cientificismo arrogante da
modernidade e grita, mesmo discretamente, mas decididamente, ao estilo do autor, em defesa
da alegria. A alegria na escola, por que Georges Snyders vem lutando, alegremente, não é
só necessária, mas possível. Necessária porque, gerando-se numa alegria maior a
alegria de viver , a alegria na escola fortalece e estimula a alegria de viver. Se o
tempo na escola é um tempo de enfado em que educador e educadora e educandos vivem os
segundos, os minutos, os quartos de hora à espera de que a monotonia termine a fim de que
partam risonhos para a vida lá fora, a tristeza da escola termina por deteriorar a alegria
de viver. É necessária ainda porque viver plenamente a alegria na escola significa
mudá-la, significa lutar para incrementar, melhorar, aprofundar a mudança. Para tentar
essa reviravolta indispensável é preciso deixar bem longe de nós a distorção
mecanicista; é necessário encarnar um pensar dinâmico, dialético. O tempo que
levamos dizendo que para haver alegria na escola é preciso primeiro mudar radicalmente o
mundo é o tempo que perdemos para começar a inventar e a viver a alegria. Além do mais,
lutar pela alegria na escola é uma forma de lutar pela mudança do mundo.
Pensando na necessidade de um ensino mais alegre, mais
descontraído e na necessidade que o homem tem de ser lembrado de seu fim último, há
mais de vinte anos venho percorrendo este país divulgando junto aos colegas o Método
Lúdico de ensino para a área de Ciências Sociais, defendido hoje desde a
alfabetização pelo professor Paulo Nunes de Almeida um dos seus introdutores no Brasil,
como pela grande maioria das agências de recrutamento e departamentos de recursos humanos
das empresas, principalmente em tempos de globalização quando começa a se instalar um
novo tipo de sociedade, chamada por Peter Drucker de sociedade do conhecimento.
Aprendendo a aprender
"Educação básica significa tradicionalmente, por
exemplo, a capacidade de efetuar multiplicações ou algum conhecimento da história dos
EUA. Mas a sociedade do conhecimento necessita também do conhecimento de processos
algo que as escolas raramente tentaram ensinar.
Na sociedade do conhecimento, as pessoas precisam aprender como
aprender. Na verdade, na sociedade do conhecimento as matérias podem ser menos
importantes que a capacidade dos estudantes para continuar aprendendo e que a sua
motivação para fazê-lo. A sociedade pós-capitalista exige aprendizado vitálico. Para
isso, precisamos de disciplina. Mas o aprendizado vitálico exige também que ele seja
atraente, que traga em si uma satisfação."
Drucker, Peter Sociedade pós-capitalista. São Paulo,
Pioneira Editora, 1995, p. 156.