O homem é um ser social e possui uma individualidade. Não é perfeito
e portanto, sob diversos aspectos, limitado. Precisa viver consigo mesmo e com os outros,
porém, as leis pessoais não são as mesmas que as sociais. Pelo valor que é a
individualidade, alguns homens são melhores em certos aspectos; outros, em outros, e
assim a sociedade se completa e a vida social é possível. Mas a moeda tem outra face
e o fato das pessoas diferirem em tantos aspectos pode gerar atritos de valores. Os
limites das pessoas também são diferentes. Neste ponto começa o limite entre o pessoal
e o social. Existem situações que podem ser ignoradas, passíveis de serem aceitas, em
prol da sociedade, do bem comum. Mas o limite não é fixo, pode variar muito: toleramos
algo numa manhã, mas se o mesmo assunto for apresentado à noite..., passa dos limites.
Quereríamos que este limite fosse mais elástico, e de certo modo o é. O limite da
tolerância tem por um lado a manutenção da individualidade e por outro a inclusão do
individual no social. Se isto não ocorrer, alguns perdem sua individualidade e outros
são excluídos e preferem se isolar do convívio social.
Neste conviver, o homem percebe que seus sonhos nem sempre são
realidades quando se analisa na perspectiva do tempo. A certeza da morte o incomoda, seja
pelo desejo de realizar-se, de deixar uma contribuição para a sociedade, ou pelo
nihilismo teórico-prático em que muitos podem mergulhar.
Nossa liberdade é o preço da nossa existência, segundo
Rodríguez-Rosado (1976). Existimos como seres humanos livres. Se não tivéssemos
liberdade, nossa existência com certeza não seria da mesma forma. Seríamos outros
seres, incapazes de optar, pois nosso protocolo seria rígido. Ao optar, por exemplo,
entre ficar em casa estudando ou sair com os amigos para descansar, em qualquer um dos
casos, mostraremos que somos livres - e responsáveis -, mas pagaremos o preço da nossa
livre decisão. Cada ser humano pode optar, e ao escolher exclui algo. E todas as nossas
ações podem ser vistas por terceiros, que nos rotulam em função das nossas ações.
Existimos e somos, mas nem sempre gostamos de ser rotulados pelos nossos defeitos, modos
etc. Algumas pessoas possuem defeitos mais evidentes, que se manifestam no convívio
social. A semelhança de uma verruga negra e grande na ponta do nariz; caso estivesse
escondida em outra parte do corpo, chamaria menos a atenção. Assim são nossos defeitos.
Muitas vezes eles são evidentes, outras não.
A mente humana por vezes tende a caricaturizar em função dos traços
ou atitudes negativas daqueles que nos cercam. Melhor seria ver os aspectos positivos dos
outros: é mais fácil ensinar algo do que fazer alguém esquecer alguma coisa.
Assim, poderíamos afirmar que a primeira impressão é a mais forte. Mas as pessoas
mudam, por conta própria ou com a ajuda de terceiros. E no processo de mudança se
percebe, por um lado, um limite pessoal; por outro, uma tolerância social. No final de
cada interrelação, ambas as partes são capazes de exibir um estado superior ao
anterior. É sobre estes pontos que iremos tecer algumas considerações.
A tolerância
A palavra tolerância provem do latim tolerantia, que por sua vez procede de tolero,
e significa suportar um peso ou a constância em suportar algo. Teve no passado, e com
sentido negativo, a função de designar as atitudes permissivas por parte das autoridades
diante de atitudes sociais impróprias ou erradas. Hoje em dia, pode ser considerada uma
virtude e se apresenta como algo positivo. Esta é uma atitude social ou individual que
nos leva não somente a reconhecer nos demais o direito a ter opiniões diferentes, mas
também de as difundir e manifestar pública ou privadamente(1).
Tomás de Aquino diz que a tolerância é o mesmo que a paciência(2).
E a paciência é justamente o bom humor ou o amor que nos faz suportar as coisas ruins ou
desagradáveis. Ao tratar do tema da justiça, o Aquinate também nos indica que "a
paciência - ou tolerância - é perfeita nas suas obras, no que respeita ao sofrimento
dos males, em relação aos quais ela não só exclui a justa vingança, que a justiça
também exclui; nem só o ódio, como a caridade; nem só a ira, como a mansidão, mas
também a tristeza desordenada, raiz de todos os males que acabamos de enumerar. E por
isso, é mais perfeita e maior, porque, na matéria em questão, extirpa a raiz. Mas não
é, absolutamente falando, mais perfeita que as outras virtudes, porque a fortaleza não
suporta os sofrimentos sem se perturbar, o que também o faz a paciência, mas também os
afronta, quando necessário. Por isso, quem é forte é paciente, mas não, vice-versa.
Pois a paciência é parte da fortaleza."(3)
A diferença de abordagem, seja ela histórica ou dentro dos diferentes
campos das ciências particulares, nos permite observar que dentro das humanidades, a
tolerância diz respeito ao ser humano ou a sociedade, enquanto que nas ciências exatas,
está baseada em leis físico-químicas e biológicas. Alguns exemplos ilustram o uso da
palavra (in)tolerância ao longo dos séculos.
No final do séc. XVI, muito se falou de tolerância religiosa,
eclesiástica ou teológica. Hoje em dia também se tolera - pacientemente - em pontos que
não são essenciais de uma determinada doutrina mesmo que seja em detrimento da mesma,
mas para uma melhor convivência social(4).
No passado (desde meados do séc. XIX), maison de tolérance(5)
era a casa ou zona de prostituição: muitos toleram esses locais, procurando evitar,
assim, a disseminação desses costumes em toda sociedade.
Na medicina, a palavra "tolerância" é utilizada para
significar a aptidão do organismo para suportar a ação de um medicamento, um agente
químico ou físico. Desta forma, as diferentes espécies toleram de diferentes modos os
microrganismos: alguns adoecem e morrem, a outros nada ocorre. Os níveis de tolerância
à radiação têm tal limite... Tecnicamente, a tolerância é o limite do desvio
admitido dentro das características exatas de um objeto fabricado ou de um produto e as
características previstas. Não são todos que suportam os medicamentos, e algo que está
fora das normas algumas vezes pode ser tolerado. E assim pode se falar também de suportar
fisicamente ou mentalmente algo pesado; em tolerar erros gramaticais; assim, podemos
descer um degrau, recebendo o conhecimento neste nível, o qual é mais tolerável; algo
pode ser tolerável, inclusive indiferente, aceitável: "o almoço foi bastante
tolerável". Até mesmo dentro da ecologia Odum (1953) no seu livro Fundamentos de
Ecologia coloca exemplos de limites de tolerância dentro da natureza(6).
Dentro das leis físicas, o universo tende a se desorganizar. Por outro
lado, tudo que está vivo, tende a se organizar. Mas o homem, sendo livre, pode
"ajudar" a desorganizar o mundo. Como num processo de tentativa e erro, as
pessoas buscam soluções para viver consigo mesmo e com as demais. Às vezes parece que
temos na mão um saco cheio de bolas, que tentamos arremessar e colocá-las dentro de um
buraco distante. De modo simplista, dizemos que podemos acertar ou não, mas na prática,
as coisas não ocorrem bem assim. O acerto aparece como uma vitória. Foram centenas de
arremessos, e um acerto! Tolerar é aceitar os limites, é na realidade ser paciente. A
paciência é justamente aceitar o desagradável, com bom humor.
Também na literatura universal, existem alguns provérbios que nos
recordam a tolerância.
Tolérance nest pas quittance(7), que poderíamos traduzir
por: "Tolerância não é liberdade total...". Numa pequena cidade do interior,
um deficiente físico, sem pernas, perambulava pela cidade com auxílio das duas mãos e o
apoio do tronco. Durante anos, no seu trajeto, era debochado por um homem que dizia: - Vai
gastar o... Um dia ele perdeu a paciência e matou o importunador. Na justiça, o aleijado
foi duramente atacado, e tido como assassino cruel. O advogado, ao iniciar a defesa, falou
durante dez minutos elogiando a qualidade de cada membro do júri, até que o juiz
interrompeu: - Se o senhor não iniciar a defesa, não permitirei que prossiga.
Sabiamente, o advogado respondeu: - Meritíssimo, se o senhor não agüentou dez minutos
de elogios, imagine a situação do réu que suportou anos de insultos... Nestes casos,
pode valer o provérbio: "Não seja intolerante a menos que você se confronte com a
intolerância"(8).
Quanto à tolerância, costumamos atuar, como diz o provérbio,
"com dois pesos e duas medidas": tendemos a ser muito complacentes com os
desvios de nossa conduta (e isto quando os reconhecemos...) e implacáveis com os outros:
não lhes damos o tempo necessário para mudar. De fato, abandonar um mau costume e atuar
de modo completamente oposto é uma tarefa que exige esforço e pode durar meses ou
anos... E, quanto aos outros, exigimos que tudo ocorra no mesmo instante, esquecendo que
as coisas têm seu ritmo natural. Um feijão demora para germinar, crescer, florir, dar a
vagem... e nós às vezes somos semelhantes às crianças, que deixam o feijão no
algodão do pires com água, e no dia seguinte se decepcionam com a ausência de vagens.
Para viver, deixar viver(9).
O que leva duas pessoas a entrarem em discórdia? A invasão do direito
alheio, o ultrapassar o limite de tolerância, a incapacidade de compreensão mútua ou
própria, a falta de empatia, a nossa própria natureza, o nosso temperamento. Somos
limitados, e isto se manifesta também no modo tosco com que nos relacionamos muitas vezes
com as pessoas.
A distância que existe entre as pessoas, em parte é criada por cada
um. Às vezes percebemos que com alguns, já num primeiro momento, se consegue chegar
perto, e falar sem gritar ou mandar mensageiros, mas nem sempre é assim. É preciso usar
a inteligência, para encontrar o caminho da comunicação entre as pessoas. Inteligência
e vontade de querer se comunicar... ou não.
Os limites
Nossas limitações são patentes. Não somos o que queremos, não fazemos tudo que
sonhamos, não temos o dom de estar onde desejamos. Dentro destes limites é que nos
movemos. Conhecer os limites pessoais e os dos outros - pois somos seres que não se
repetem - é uma tarefa que dura toda a vida. O limite também não é algo estático, as
pessoas mudam. Logo, o sistema de comunicação entre as pessoas é algo dinâmico e tem
suas "leis" próprias, que cabe a cada um descobrir em cada momento. Em vez de
gastar tempo reclamando que não existe comunicação, poderemos empregá-lo, verificando
como estabelecer esta relação.
Por outro lado, quando as pessoas se aproximam, uma tem em relação a
outra uma expectativa. Na prática existe também um pré-conceito, mas por ora, vale a
pena refletir sobre a expectativa.
Expectativa
Nossas atividades estão inseridas no contexto da expectativa. Spes em latim,
significa tanto esperança como expectativa de algo feliz. Um novo emprego, um novo
trabalho, uma nova amizade geram expectativas. Alguns defendem a postura de não ter
expectativa de nada, e assim, o que ocorrer de bom nos fará felizes. Mas isto não condiz
com a etimologia da palavra. Temos esperança de que se agirmos de um modo, seremos
felizes. Se nos relacionamos com alguém, é porque precisamos deste alguém, ou gostamos
de estar com ele.
Quando um aluno se aproxima do professor para pedir um estágio, ambos
têm uma expectativa. Explicitar estas expectativas um ao outro, evita a decepção. O
combinado não sai caro, reza o ditado popular. Desta forma se evitaria a conhecida
antropofagia...
A antropofagia nos une, quando os interesses pessoais têm a
possibilidade de serem supridos pelas habilidades alheias. Agumas vezes o aluno apenas
quer uma bolsa, ou aprender uma técnica, publicar um trabalho, decidir sua vida
profissional; ou talvez ele esteja querendo ficar no estágio uma semana, um mês, um
ano... sua vida toda. E como iremos saber se não perguntarmos? O professor também espera
algo do aluno. Às vezes de modo possessivo, outras vezes de modo diferente, como mão de
obra. Pode pensar também num talento para vida acadêmica, e se por um lado vê um
discípulo, não pode deixar de encobrir as dificuldades pelas quais irá passar. Mas isto
tudo, não passa de dúvidas. Um tem expectativa do outro, e nada mais lógico e razoável
que exista um diálogo entre ambos, antes de iniciar as atividades. Alguém tem
expectativa de alguém, mas ninguém não tem expectativa de ninguém... E os outros são
para nós alguém... ou ninguém?!
Compreensão
Compreender cada um como é, acaba sendo o melhor modo de interagir. As vezes as pessoas
precisam de peixe, outras vezes, precisam de trabalho educativo sobre a pesca, e sempre
atenção externa de outras pessoas. Todos precisamos de cúmplices em nossas atividades.
Compreender, querer, perdoar. Esta tríade resume bem o relacionamento
humano ideal. Da cultura popular somos capazes de lembrar: "Deus perdoa sempre, os
homens de vez em quando, a natureza nunca" ou "Errar é humano, perdoar é
divino". O perdão absoluto é divino. Nós podemos ter o ideal de perdoar, mas nem
sempre conseguimos, como na terrível fórmula: "Perdoar, eu perdôo; mas esquecer,
não esqueço...".
O erro das pessoas leva às vezes a conseqüências sérias para um
perdão imediato. A reação pessoal ou social contra aquele que errou, pode ser irasciva,
vingativa, punitiva. Mas o que se quer mesmo, é que aquele que errou, e com isto de certa
forma agrediu, reconheça e mude. Talvez precise sofrer as conseqüências do seu ato para
merecer o perdão. Não reconhecer o próprio erro ou de certa forma encobri-lo já
consiste em parte da pena, por não se adequar com a verdade. Perdoar antes porém, abre
uma porta honrosa para o agressor, que não precisa gastar tempo se justificando. Aqui
vale mais uma definição do ser humano: aquele que é capaz de se desculpar e justificar
em todos os seus atos, mas que ficaria envergonhado de manifestar esta desculpa ou
justificativa em voz alta para outros. Sim, as desculpas que damos a nós mesmos para
fazer coisas erradas, não convencem...
O castigo piora o ruim e melhora o bom, e como o bom deve ser
melhorado, não se deve evitar o castigo. Mas, o ruim? Não merece o castigo, ou além do
castigo precisa de algo para melhorar? Talvez precise também da compreensão... As
pessoas aprendem também pelos erros, próprios ou alheios, históricos ou do presente.
Quanto maior o erro, piores as conseqüências, e menores as chances de errar de novo. A
evidência do erro para a sociedade mexe com os brios daquele que errou. A compreensão
não pode ser confundida com a cumplicidade no erro; a cumplicidade está associada ao
desejo de ser solidário com a pessoa que errou e disposição de ajuda para reverter esta
situação. Esta aventura de compreender implica num compromisso. O amigo, é aquela
pessoa que apesar de conhecermos perfeitamente como é, continua sendo amigo ou: "O
amigo é o amigo do amigo".
O perdão, pode ser imediato ou não, com consequências ou sem elas.
Ora, o tempo é apenas uma convenção, mas nem por isto deixa de existir... As pessoas,
como o bom vinho, melhoram com o tempo ou, para continuar remetendo a provérbios: "O
tempo é o melhor remédio". As pessoas, como já dissemos, buscam sempre uma
justificativa para os seus atos, e também para perdoar. Em todos estes casos, é difícil
ter a medida, pois a pena deve ser proporcional a ofensa, e o ofendido mostra que é
grande, perdoando. As leis positivas neste sentido são como que a segurança da
sociedade, na tentativa de se estabelecer uma medida; um verdadeiro protocolo social a ser
atingido.
Sintonia
Uma rádio que está sintonizada, pode ser escutada sem ruídos, interferências. Escutar
é um ato humano que reflete uma disposição interior. Peter Drucker dizia que "o
verdadeiro comunicador é o receptor". Escutar é permitir o diálogo. A prática
medieval de dialogar num debate, merece ser lembrada. Enquanto um falava, o outro era
obrigado a escutar, pois antes de colocar seu ponto de vista, era obrigado a repetir a
idéia do primeiro - com sua expressa aprovação - antes de colocar a sua resposta.
Alguns têm o defeito quase físico de não escutar e a partir deste ponto seguem as
discórdias.
Essencial, importante e acidental
Uma classificação das realidades pode incluir estas três divisões: essencial,
importante e acidental. Talvez exista desacordo no que incluir em cada item. Pensar antes
de discutir se aquilo é essencial ou importante ou acidental, em muito reduziria as
discussões. Usar a inteligência para identificar exatamente onde se pretende chegar,
também é uma forma de diminuir os problemas. Seja na via direta, não
"criando" problemas, seja indiretamente, pela compreensão das realidades
limitadas.
"Humildade não faz mal" - esta máxima popular, ajuda a
retratar mais uma vez a dificuldade que temos de enxergar o mundo real. Por um lado, temos
esta deficiência, e por outro temos a teimosia de justificar os atos errados. Se o
diálogo amigo nos faz ver o erro, nada melhor que reconhecer. A humildade é a verdade...
e a humildade não faz mal!
Ignorância e preconceito
As pessoas muitas vezes não atuam de modo errado por má fé, e sim por ignorância. Com
certeza fariam de modo distinto, se soubessem como fazer. Esta tarefa não tem fim, e
questionar-se sobre o empenho pessoal de diminuir o nível de ignorância, nos faria no
mínimo reconhecedores da dívida social que carregamos. Aprendemos tanto, e por este
motivo somos capazes de questionar as deficiências. Não são os professores e pais os
únicos interessados. Ninguém dá o que não tem, e por isto sempre temos algo que
dar a outrem, e assim diminuir a ignorância.
Outro ponto é o preconceito... O preconceito gera um prejuízo (e
também um prejuízo). Uma idéia pré-concebida cria uma barreira para compreender a
realidade. Uma pessoa que não queira ouvir, ver ou escutar, tem muitas vezes o
preconceito de não aceitar que os outros possam pensar de modo diferente.
Considerações finais
A incapacidade pessoal provada, leva a ressaltar os possíveis limites alheios em vez de
reconhecer os próprios.
No convívio social, a tolerância com os demais, clama por uma
interação. Ou se ajuda, ou se atrapalha. A indiferença explica mas não resolve.
Mas a quem ajudar? E como ajudar? Castiga o bom e ele melhorará,
castiga o ruim e ele piorará. Ou É melhor ensinar a pescar que dar o peixe.
Como resolver situações pontuais, sem levar em conta o princípio da subsidiariedade? Se
ajuda quem precisa, até que ela tenha condições de independência para aquele tipo de
ajuda. Assim se respeita a autonomia, se exerce a autoridade, se compreende o verdadeiro
valor da humildade.
As crianças mimadas representam um problema para a sociedade. As
pessoas precisam de afetividade, mas mimar é dar mais do que elas realmente precisam. Com
certeza, a tolerância e sua medida requerem um salutar e apaixonante exercício de
análise e síntese. Esta é a postura de quem quer simplificar as coisas para ter o tempo
livre, ou o ócio tão necessário em nossos dias.
Tolerância zero, é um tipo de lei social, que não permite o erro sem
punição. Isto é levar em conta, que as pessoas são boas... Castiga o bom e ele irá
melhorar... Mas o homem não é bom por natureza. Ele pode se fazer bom, se tem
disposição de ser, pois o homem é um ser axiotrópico.
Não ter tolerância com qualquer tipo de erro, de certa forma ajuda a
resgatar o que é próprio da personalidade humana: participação, unicidade, autonomia,
protagonismo, liberdade, responsabilidade, consciência, silêncio, provisoriedade e
religião. Höffner (1983). Cada uma das características do ser humano poderiam ser
exploradas neste estudo, mas o protagonismo talvez seja o que mais atenção mereça.
Somos sujeitos do nosso pensar, agir e omitir. Nossos atos assumem um caráter
irrevogável do nosso eu. Podemos arrepender-nos, mas não nos desfazer nossos atos(10). E
numa sociedade onde tudo é socialmente aceito, tudo acaba sendo tolerado. As pessoas
perdem a noção do que é certo ou errado. A inteligência deixa de discernir, e a
vontade fica fraca para agir. As pessoas prezam o que lhes é caro, e o dinheiro é caro a
todos. Assim multar é uma forma de obrigar as pessoas a refletirem sobre si mesmas e a
sociedade. Isto não é um direito, é uma tolerância(11).
Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive. Aprender a
observar a realidade do ser pessoal e do ser social é a melhor forma de compreender o
limite que existe nas coisas e nas pessoas. Caso contrário, gastar-se-ia tempo moendo
água, encontrando defeitos onde existem apenas características. Com certeza assim,
seremos mais tolerantes com os outros e conosco próprios.
Para finalizar, vale a pena recordar os ensinamentos de Sócrates,
recolhidos por Reale & Antiseri (1990) "A felicidade não pode vir das coisas
exteriores, do corpo, mas somente da alma, porque esta e só esta é a sua essência. E a
alma é feliz quando é ordenada, ou seja, virtuosa. Diz Sócrates: Para mim quem é
virtuoso, seja homem ou mulher, é feliz, ao passo que o injusto e malvado é infeliz.
Assim como a doença e a dor física são desordens do corpo, a saúde da alma é a ordem
da alma - e esta ordem espiritual ou harmônica interior é a felicidade"(p. 92).
Referências Bibliográficas
Le Petit Robert Dictionnaire de la Langue Française. [en
CD-ROM] Liris Interactive : Paris, 1996.
The Oxford English Dictionary 2ed. [on CD-ROM] Oxford : Oxford
Univ. Press, 1992.
Höffner, J. Christliche Gessellschaftslehre. Verlag Butzon
& Becker. 1983.
Maloux, M. Dictionnaire des proverbs sentences et maximes.
Paris: Larousse, 1986. p.516.
Morató, J.C.; Riu, A.M. Diccionario de filosofía en CD-ROM.
Barcelona: Editorial Herder. 1996.
Reale, G.; Antiseri, D. História da filosofia. vol. I. São
Paulo : Paulus, 1990. p.92.
Rodríguez-Rosado, J.J. La aventura de existir. Pamplona :
Eunsa, 1976.