O Ensino Religioso
Matilde Tiemi Makiyama
(Pedagoga-FEUSP)
Introdução
Podemos definir a educação
das mais diferentes formas e com parâmetros diversos, mas, em se tratando de seu objetivo
final, todas as definições convergem para o desenvolvimento pleno do sujeito humano na
sociedade. É aqui onde o Ensino Religioso fundamenta a sua natureza: o homem para
adquirir seu estado de realização integral necessita da perfeição religiosa, também.
"Dentre os inúmeros instrumentos de que dispõe a sociedade para alcançar tão
elevado objetivo está a religião, pois somente quando se coloca a questão da
transcendência, a que se denomina Deus, encontra a comunidade humana e cada uma das
pessoas individualmente, respostas às perguntas fundamentais que todos se colocam diante
da vida." (Catão, 1995).
O Estado, a
quem, hoje, se confia a educação da maior parte da sociedade, reconhece a necessidade de
uma educação religiosa, sem no entanto dizer como realizá-lo. Em todo caso, ele não
pode prescindir dos questionamentos fundamentais de toda pessoa humana, e que constitui o
próprio fundamento da sociedade.
Ensino
Religioso é a disciplina à qual se confia, do ponto de vista da escola leiga e
pluralista a indispensável educação da religiosidade. Aqui, já vale observar a
necessidade de se superar uma posição monopolista e proselitista, para que haja uma
autêntica educação da religiosidade inserida no sistema público de educação em
benefício do povo.
"Pela
primeira vez, pessoas de várias tradições religiosas, enquanto educadores, conseguiram
encontrar o que há de comum numa proposta educacional que tem como objeto de estudo o
transcendente." (Parâmetros Curriculares Nacionais). É certo, alguns comemoram como
uma grande conquista a sua aprovação em lei, porém ninguém pode negar a complexidade e
seriedade desta questão.
Então,
será mesmo a aprovação do Ensino Religioso uma conquista? Ou estaria havendo, como
muitos alegam, uma confusão de papéis: escola/igreja, ciência/religião,
público/privado?
Os
problemas da carência de fundamentação nas ciências vem reforçar o binômio
fé/ciência. Portanto, qual é o fundamento, que parâmetros são tomados para a
viabilização do Ensino Religioso? Esta é a questão que pretendo discutir no presente
artigo, a partir da bibliografia ainda escassa, principalmente em se tratando de
discussão filosófica.
O Ensino Religioso na L.D.B.
Com a nova L.D.B. muitas
mudanças vem sendo organizadas a curto e longo prazo, seja do ponto de vista estrutural,
quanto do conteúdo de nosso sistema educacional.
Para o
Ensino Religioso, inicia-se uma nova fase da história, foi aprovado uma nova lei que o
constitui, agora, em uma disciplina com todas as propriedades, enquanto tal. Isto
significa que o Ensino Religioso não se dá mais no processo linear como foi concebido
até recentemente, mas por meio de articulações complexas num mundo pluralista e
multiforme, pois é nela e a partir dela que se inicia o processo. O próprio artigo 33 da
L.D.B., já sofreu muitas críticas e está hoje em vigor na redação que segue mais
adiante. Antes do artigo, é interessante observar o texto em que foi remetido à
imprensa, na tarde de 17/6/97.
"O
substitutivo do deputado Padre Roque (PT-PR) foi votado na Sessão da Câmara dos
Deputados no dia 17/06/97. O texto aprovado corrige distorções históricas do Ensino
Religioso, modificando a redação do artigo 33 da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. (...)
A grande
novidade a ser introduzida é que o Ensino Religioso deverá ser tratado como disciplina
do sistema de ensino, cujos conteúdos deverão primar pelo conhecimento religioso que
forme consciências e atitudes anteriores a qualquer opção religiosa." (Joel de
Holanda, PE).
"Substitutivo
ao Projeto de Lei n. 2.757, de 1997. (Dá nova redação ao artigo 33 da Lei n. 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.) O
Congresso Nacional decreta: Art. 33 O ensino religioso, de matrícula facultativa,
é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 1º - Os sistemas
de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino
religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. 2º
- Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes
denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso."
É
interessante observar que apesar do decreto, o substitutivo não está sendo publicado
pelo GAT Estadual (Grupo de Assessoramento Técnico Estadual.
É preciso
esclarecer e renovar o conceito de ensino religioso, da sua prática pedagógica, da
definição de seus conteúdos, natureza e metodologia adequada ao universo escolar, como
propõe os Parâmetros Curriculares Nacionais.
2. A Natureza do Ensino Religioso
Para a compreensão da razão
de ser do Ensino Religioso é preciso partir de uma concepção de educação que a
entenda como um processo global, integral, enfim, de uma visão de totalidade que reúne
todos os níveis de conhecimento, dentre os quais está o aspecto religioso.
Toda
sociedade possui um ethos cultural que lhe confere um caráter todo particular, e
fundamenta toda a sua organização, seja ela política, social, religiosa, etc. E não é
senão a partir da compreensão desse ethos, que poderemos contribuir com as novas
gerações, no seu relacionamento com novas realidades que nos são propostas: o
individualismo, o descartável, a experiência religiosa sem instituição etc.
O
conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição
na Escola. Em vista da operacionalização deste processo, o Ensino Religioso tem se
caracterizado pela busca de compreensão desse sujeito, explorando temas de seu interesse,
de forma interdisciplinar, com estratégias que considerem este novo perfil de
indivíduos, estimulando, sobretudo, o diálogo.
A
antropologia cultural, depois de muitos estudos históricos, deu ao fenômeno religioso o
reconhecimento de seu caráter universal. Fato este, que nos leva a um reconhecimento
ainda maior da originalidade deste fenômeno em e de cada cultura em
específico.
"A
religião nasceu a partir do fenômeno morte."- afirma Frei Vicente Bohne, da
Coordenação dos Parâmetros C.N.). A angústia existencial que necessita de uma
resposta, ao longo da história da humanidade conseguiu elaborar, basicamente quatro
respostas: a Ressurreição, a Reencarnação, o Ancestral, o Nada.
Aqui, é
preciso deixar muito claro que o Ensino Religioso não pretende ser nenhuma experiência
de fé, mas que precisa se manter para a sua própria razão de ser, sob o fundamento do
conhecimento.
3. A dimensão Pedagógica
A partir de uma abordagem
antropológico filosófica, que reconhece o fenômeno religioso como decorrência de sua
propriedade humana, de sua condição existencial, e seguindo para uma abordagem mais
específica e de nossos interesses que é a de ordem pedagógica, podemos dizer que o
específico do religioso para o Ensino Religioso é ajudar o aluno a se posicionar e a se
relacionar da melhor forma possível com as novas realidades que o cercam. Primeiramente
em relação aos seus limites e depois quanto às linguagens simbólicas.
O Ensino
Religioso é , portanto, uma questão diretamente ligada à vida, e que vai se refletir no
comportamento, no sentido que orienta a sua ética.
"Na
medida em que as religiões tenderam a se institucionalizar e a se tornarem organizações
públicas, mantidas e presididas pelo rei ou sustentadas oficialmente como um bem do
Estado, pela comunidade política, introduziu-se uma distinção, mais ou menos perversa,
entre ética, regulada pela fidelidade dos cidadãos aos costumes e bens da comunidade
política, e a religião, cujas práticas eram ditadas pela fidelidade aos ritos e
celebrações, independentemente da qualidade ética, tanto dos cidadãos como dos
sacerdotes que os presidiam." (Catão, p. 44). Essa dicotomia entre religião e vida
marcou muito fortemente a religião, tornou-se um dos mais graves problemas do
cristianismo latino-americano, como identificou o episcopado católico em Santo Domingo,
em 1992.
Tudo isto,
ilustra um pouco da necessidade e a seriedade para se orientar a formação de um
profissional que ainda não temos. Este, deverá estar capacitado, qualificado por uma
visão e atuação muito maior que mostrou possuir a prática até hoje, e no qual o
conteúdo deixe de ser quase que exclusivamente uma reflexão de valores, mas possa
explicitar áreas específicas do conhecimento religioso.
Houve
avanços quanto ao direcionamento pedagógico desde as reflexões e lutas pela inserção
do Ensino Religioso, garantida na constituição Federal, em 1987/1988 "O
Ensino Religioso ocupa-se com a educação integral do ser humano, com seus valores e suas
aspirações mais profundas. Quer cultivar no ser humano as razões mais íntimas e
transcendentais, fortalecendo nele o caráter de cidadão, desenvolvendo seu espírito de
participação, oferecendo critérios para a segurança de seus juízos e aprofundando as
motivações para a autêntica cidadania.". Todavia, a inquietação do "como
fazer" ainda continua sendo crucial.
A sala de
aula não pretende ser uma comunidade de fé, mas um espaço privilegiado de reflexão
sobre limites e superações. Isto implica a necessidade de se construir uma pedagogia que
favoreça tal perspectiva, porque o que objetivamos é fruto de uma experiência pessoal,
na incansável busca de respostas par as questões existenciais. É preciso interpenetrar
teoria e prática.
Nesse
processo, a elaboração de uma linguagem simbólica favorece a descoberta e experiência
dessa realidade, portanto, podemos considerar quanto aos aspectos essenciais que orientam
a ação pedagógica do Ensino Religioso a pedagogia do limite, a linguagem simbólica, os
livros sagrados, e a dimensão dos valores.
A prática
vai se dar na ordem da linguagem simbólica, procurando desenvolver o educando na
capacidade de decifrar a linguagem simbólica e na compreensão das experiências do
transcendente.
4. O Ensino Religioso e Ética
Muitos - sem compreender sua
dimensão específica - questionam: "para quê o Ensino Religioso se já temos a
Ética como um dos Temas Transversais, com todo um conteúdo?". A própria história
do Ensino Religioso nos mostra que a Ética até há poucos foi o principal objeto do
Ensino Religioso, quando não uma doutrinação religiosa. Nesta perspectiva, precisamos
compreender com clareza de que ética se está falando.
"Toda
religião comporta uma ética e toda ética desemboca numa religião, na mesma medida em
que a ética se orienta pelo sentido do transcendente da vida humana" (Catão, p.
63). É necessário superar as errôneas e muitas vezes limitadas definições de ética e
propor uma ética da consciência e da liberdade em lugar da ética da lei e da
obrigação. Na raiz da Ética, como contempla o Ensino Religioso, está a busca da
Transcendência que dá sentido à vida, que proporciona a plena realização do ser
humano pessoal e social.
Considerações finais
A universalidade de uma
discussão com base no respeito à pluralidade de posições e opiniões diante do
religioso, na minha opinião, é a essência que viabiliza o Ensino Religioso.
Passou-se o
tempo, como diz o Frei Vicente Bohne, em que este conceito era apreendido com o leite
materno. Considero que, certamente, a família e a Igreja são os espaços por excelência
dessa reflexão, mas o fato é que vivemos hoje numa realidade em que, apesar das
limitações, a escola é o espaço privilegiado em que se pode realizar tais discussões.
A Igreja em participação com outras entidades civis, longe de quaisquer forma de
proselitismo, quer dar a oportunidade a todo indivíduo de refletir sobre as questões
fundamentais da existência humana.
Passamos
por uma megatendência de mudanças sociais, políticas e tecnológicas que se formam
gradualmente a partir de diferentes variáveis ambientais e que, uma vez configurada, nos
influencia. As instituições e organizações existem para agir no mundo, na sociedade e
na história ajudando o indivíduo a pensar, a se posicionar frente às questões
fundamentais da vida e a encontrar respostas, ou meios para uma resposta.
Acredito
que as reflexões que nos propõe o Ensino Religioso, incluindo mesmo os que optam para
uma negação de sua religiosidade, permite esclarecer posições, e uma autenticidade na
busca da integridade humana, e a colaborar para a construção de uma sociedade melhor.
Muitos
dizem que a sociedade está em crise, a educação está em crise, que não existem mais
valores, mais ética, culpando esta ou aquela estrutura, mas talvez seja necessário,
antes disso questionar as oportunidades que oferecemos às crianças e jovens de
desenvolver a dimensão da consciência religiosa que faz parte de seu ser.
Bibliografia
VIESSER, Lizete C. Um Paradigma didático para o Ensino Religioso. Rio de
Janeiro, Vozes, 1994.
Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Religioso. Forum
Nacional Permanente do Ensino Religioso. 1996.
CATÃO, Francisco. O Fenômeno Religioso, São Paulo,
Editora Letras & Letras, 1995.
Lei de Diretrizes e Bases, 1997.
Parâmetros Curriculares Nacionais Ética.
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