O Desafio Constante do Jornalismo
Científico -
Tarefa de Poucos para Muitos
Maria Inês Migliaccio
(Editora assistente e repórter da Agência Estado
Mestre em Jornalismo Científico pelo IMES e Unicamp)
Que o
jornalismo científico é tema de grande importância no mundo atual, demonstra com
facilidade o incremento que vem tendo na informação jornalística o espaço para artigos
e comentários que envolvem a ciência: um dos fatores de soberania das nações. Cada vez
mais o homem se afana em conseguir que os fatos científicos favoreçam o desenvolvimento
social. Para isso o público deve ser informado a seu respeito, de tal forma que seus
benefícios sejam utilizados convenientemente. Porém, as consequências da ciência
penetram de tal modo na vida cotidiana, que a maioria dos cidadãos talvez nem perceba sua
relação com o silencioso trabalho de que resulta a conquista científica.
Às vezes,
o avanço científico é tão espetacular que se torna notícia obrigatória, e o jornal
não pode deixar de registrá-la. Mas, não são só os avanços espetaculares que fazem a
ciência e, por esse motivo, com frequência o trabalho do pesquisador costuma passar
ignorado e incompreendido.
Por outro
lado, o progesso da ciência depende direta ou indiretamente de que o público o
compreenda, pois dele saem seus representantes encarregados de fazer as leis e traçar as
políticas, inclusive a científica.
Cabe ao
jornalista, mais do que ao homem de ciência, sua difusão ao grande público, pois a
pesquisa e o trabalho científico que se dirigem à produção do conhecimento - função
primária do cientista - exigem uma dedicação exclusiva e abrangente, ainda que muitos
cientistas possam colaborar ativamente, enviando publicações aos jornais e demais
órgãos de difusão comunicativa.
Um jornal,
entretanto, não pode sobreviver apenas com profissionais deste gênero, necessita de
pessoas que se dediquem exclusivamente à atividade jornalística, para que possam
fazê-la com eficácia, alcançando seus objetivos.
Atualmente,
a maioria dos profissionais que divulgam ciência no Brasil provém das faculdades de
Comunicação Social. Por essa razão, faz-se urgente o aprimoramento da formação do
jornalista científico no âmbito universitário, tendo em vista que a sociedade lhe
exige, cada vez mais, um alto nível de profissionalização, que manifeste a competência
adequada à categoria da missão que se propõe, justificável pelas seguintes razões: as
realizações científicas e tecnológicas são instrumentos para o desenvolvimento; há
uma necessidade ostensiva de sistematizar, aumentar e melhorar qualitativa e
quantitativamente o volume e os conteúdos da informação especializada que chega ao
público; o acontecimento científico forma parte do patrimônio universal da cultura, que
o jornalista deve enriquecer mediante a transmissão, em forma mais adequada possível,
das notícias científicas em toda a amplitude que o termo científico abrange.
Assim se
expressa, sobre isso, José Reis, um dos mais destacados jornalistas científicos
contemporâneos:
«O mundo em que vivemos é modelado pela ciência e tecnologia, e
é necessário preparar o cidadão para enfrentá-lo (...), especialmente se considerarmos
a urgência de sua ativa participação na vida comunitária para manutenção do estudo
democrático».
Outro
grande especialista, Manuel Calvo Hernando, também ressalta essa necessidade, baseando-se
em sua experiência pessoal:
«Encontrei, quase de modo fortuito, a possibilidade de uma
especialização dentro de minha vocação de jornalista, e me fui formando a trancos e
barrancos, de um modo praticamente autodidata. Estou contente de que haja sido assim, mas
desejaria para meus companheiros jovens, melhores e mais firmes oportunidades para
descobrir sua vocação, formar-se adequadamente e exercer profissionalmente esta
sugestiva especialidade».
Parece ser
que a necessidade da especialização é clara, no entanto, seu conteúdo é, no mínimo,
complexo.
No cume de
sua maturidade intelectual, Heidegger pronunciou uma conferência intitulada «A pergunta:
forma suprema da sabedoria», que se relaciona com essa problemática. Ele observou que na
prática do ensino universitário - como de forma geral - os professores comprovam que a
capacidade dos alunos para fazer perguntas concretas, precisas e carregadas de sentido
aumenta à medida que avança o nível das informações que lhes são transmitidas. Isso
significa que a capacidade de perguntar aumenta à medida que se sabe mais, quer dizer,
perguntar é a faculdade do que sabe.
E o que faz
o jornalista senão perguntar, inquirir as fontes em busca de informação?
A redação
de um texto jornalístico pressupõe uma interrogação em sua origem e uma resposta em
seu conteúdo, escrita em forma opinativa, interpretativa ou informativa, de acordo com o
gênero jornalístico proposto inicialmente; ou seja, o jornalista sempre responde a uma
ou mais perguntas, quando opina, interpreta ou informa sobre os fatos.
Então, se
fazer perguntas concretas, precisas e carregadas de sentido é faculdade do que sabe, e o
jornalista, de um modo geral, tem como função fazer perguntas com estas
características, o que ele deve saber para desempenhar bem sua função?
A resposta está nas fontes
A universidade, ao
proporcionar conhecimentos, confere aptidão para perguntar, para descobrir problemas que
o não iniciado não vê. Repetiu-se muito, e com razão, que o que caracteriza o ensino
universitário é o ser problemático, o que significa estar envolto em interrogantes.
Mas, se todos - o professor porque sabe e o aluno à medida que aprende - se dedicam a
perguntar, quem responde?
Não
existiria a ciência se a solução deste problema não tivesse sido encontrada. Respondem
o método científico, as fontes: a experimentação nas ciências que tratam da matéria
e da energia; os textos e documentos nas ciências históricas; a observação nas
ciências que tratam dos seres naturais; o método experimental nas ciências práticas
etc.
Conclui-se
que a vida acadêmica deveria levar ao desenvolvimento da capacidade de perguntar e de
buscar respostas no método científico, nas fontes. Professores e alunos perguntariam, a
contestação procederia das fontes.
Daí que, o
processo formativo exige uma dedicação intensa, em qualquer classe de conhecimentos e
parcelas do saber, devido à constante evolução científica e tecnológica. Em
consequência, o homem de nossa época padece de uma limitação insuperável, ante o
imenso acúmulo de conhecimentos existentes.
Qual é o
alcance, o efeito desta limitação? Qual é a situação intelectual que provoca? Não
haveria algum caminho para superar essa rigorosa exigência de limitação que o saber
atual impõe ao homem? Não seria possível obter uma visão ampla que compreendesse todo
o conjunto do saber, uma visão totalitária? Ao longo desse século, não faltaram
sugestões para consegui-la. Entretanto, ainda não foi alcançada e nunca o será. Ela é
utópica. Essa intenção de «saber tudo de tudo» faz lembrar a proposta «sereis como
deuses», que deu no que deu!, portanto...
O desafio continua
Em seu
livro, «O que é uma universidade», Luiz Jean Lauand oferece elementos úteis para a
especialização do jornalista científico. Ele destaca que o modo de realizar a
formação universitária deve ser filosófico se se pretende que a Universidade seja algo
mais que simples instituição profissionalizante. Somente à luz desses critério pode-se
compreender a crescente descaracterização, a perda de identidade que a Universidade vem
sofrendo face à «concorrência» das indústrias, empresas e bancos na preparação de
seus quadros.
Hoje, cada
vez mais, as empresas dão cursos para seus funcionários. Evidentemente, esses cursos
não têm um caráter «livre»; antes estão totalmente voltados para a realização de
finalidades práticas. Se também a Universidade mergulha no mundo da utilidade, então
que diferença há entre um curso, digamos, de química na Universidade e outro dado no
setor farmacêutico de uma indústria?, pergunta Lauand.
Talvez,
quem apenas se ativesse à estrita realidade prática, tristemente, só responderia que as
empresas estão melhor aparelhadas e providas de recursos do que a Universidade. Contudo,
a excessiva especialização - e o excesso está também na recusa do caráter liberal do
estudo - leva à ruína do espírito acadêmico, bem como da qualificação profissional
especializada que se propunha.
Um novo modo de ver o mundo
Acadêmico significa
exatamente que a verdadeira riqueza do homem consiste em compreender o ser, as coisas em
si, pelo modo filosófico de ver o mundo e não por uma justaposição das ciências.
Concluímos
que, para o exercício do jornalismo científico é indispensável a posse de uma bagagem
cultural adequada, um conhecimento básico da história e da filosofia das ciências e da
educação.
O
jornalista precisa de espírito científico que não é a genialidade descobridora senão
a aptidão de pensar cientificamente, amor à verdade, consciência e império da vontade
sobre o juízo, preservado de qualquer influência estranha a razão.
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