Ao que Rege
Vitória
Rebeca Monteiro
Vitória era uma planta muito verde e
jovem que vivia feliz flutuando sobre a superfície de uma lagoa muito bonita. Olhando
assim de fora, ninguém desconfiava do que havia por baixo da aparência. Ficariam até
admirados em saber que, na verdade, ela não flutuava solta. Unia-a ao fundo do lago, que
era deveras fundo, esbeltas, mas fortes raízes.
Ela atribuía toda a força e vigor do
seu verde ao sol que sempre brilhara sobre ela. Mesmo em dias de tempestade, quando a
vontade maior era de queixar-se, Vitória lembrando do sol, confortava-se com a idéia:
- Se não fossem as tempestades, eu não saberia como é bom ver o
raiar do sol!
E assim, mantinha-se sempre otimista,
adorando o sol, que, tinha certeza, era também o que lhe dava força e vitalidade a cada
dia e era o que a criara. E Vitória foi descobrindo que o sol não era uma força
impessoal, mas um Alguém que lhe respondia no dia da aflição e no dia da alegria.
Certo dia, flutuando nas proximidades da
margem da lagoa, Vitória parou de súbito, olhando impressionada para um abacateiro, que
perguntou:
- Ei, quem é você e o que você faz?
- Chamo-me Vitória, e sou da espécie das régias. Ando flutuando
nesse lago e louvando meu Criador, Sr. Sol.
- Ora, ora. Muito interessante. Mas já lhe passou pela cabeça
olhar para a realidade dos vegetais terrestres, sempre fincados ao chão? Para você é
fácil falar aí, do seu refrescante lago. Pare de sonhar e encare a dura realidade das
coisas.
Profundamente impressionada com essas
palavras, Vitória continuou conversando com o abacateiro até altas horas da madrugada.
Vitória admirava a segurança e firmeza dos fortes galhos do abacateiro. Depois de mais
algum tempo, desenvolveu-se entre eles um companheirismo.
Sabiam muito bem que os mundos em que
cada um vivia eram muito diferentes, mas Vitória sempre se dizia:
- Não temos em comum o Criador que brilha sobre nossas cabeças?
É certo que não somos perfeitos e temos muitas diferenças, mas olhando para o alto,
acabaremos olhando para nós mesmos e tudo dará certo.
Vitória sabia e o abacateiro também
acabou descobrindo que tinham outro ponto em comum. É que, no fundo, no fundo, ela
também tinha raízes fincadas no chão, ou, melhor até, na lama. O que o abacateiro
aparentemente ignorava, pois decepcionou-se demais em saber que Vitória não flutuava
solta por aí, é que o sol lhe dava força para limpar a lama e manter-se bela.
O tempo foi se passando e Vitória,
acabou notando que o abacateiro mantinha outra relação com o Sol, e não costumava, como
ela, adorá-lo todos os dias. Isso o tornava muitas vezes triste e mal humorado. Ele já
não falava muito, e, com o tempo, as pessoas o chamava de "o ranzinza".
Era tanto o pessimismo, que até Vitória
deixou-se contaminar pelas nuvens negras da sombra do abacateiro, que se preocupava muito
mais é com o duro chão da realidade. É claro que também se preocupava com Vitória e
ficava horas a fio observando-a ali boiando. Mas incomodava-se com a mania dela de olhar
para o alto e não para ele.
Mal sabia ele que, se experimentasse
olhar, junto com ela para o alto, teria outro destino. Não só veria melhor todo o
esplendor da natureza que o rodeava, como também se enxergaria melhor e, de quebra, à
medida que crescesse seu respeito e amor pelo sol, também aumentaria o seu amor por
Vitória.
Mas infelizmente, o abacateiro não olhou
para o alto e ficou concentrado no pau e na pedra que endureciam a sua realidade e na lama
que existia no fundo de Vitória.
E suas folhagens, regadas assim pelo
desgosto, foram ficando mais densas e, com isso, ocultavam cada vez mais o Sol de
Vitória, deixando-a, por vezes, totalmente no escuro.
Assim, Vitória foi deixando de lado o
bom costume de venerar o Sol, já que parecia nem sequer fazer falta ao abacateiro. Outro
motivo para a desistência foi a preguiça e puro comodismo, pois Vitória cansara de
ficar recomendando sol ao abacateiro e já não era fácil manter-se a si mesma olhando
para o alto. Em vista da falta do Sol, que era vital para ela, Vitória foi sufocando e
definhando a olhos vistos.
Certo dia, o abacateiro disse a um
lenhador que ia passando:
- Por favor, venha me cortar e implante-me em outra terra que
esta, eu não suporto mais.
O lenhador atendeu imediatamente ao
pedido, para desgraça e desespero de Vitória. Aquele foi um dos maiores choques da vida
dela, pois até então, ela mesma falava em ir embora, se o abacateiro não deixasse de
lado o mau humor. Não contava com a possibilidade de "virada do jogo".
E, de tanta dor pela perda, ela nem
reparou que, com o corte do abacateiro, os raios do Sol tiveram acesso direto novamente a
ela, o que lhe fazia um bem enorme.
Quando finalmente se deu conta disso,
começou a adorá-lo novamente como antes e tudo voltou ao normal.
Passado mais algum tempo, brotou, no
lugar do abacateiro, um pé de laranja lima.
Tinha as raízes mais fincadas no chão
ainda do que o abacateiro. E precisamente essa foi a salvação de Vitória, pois quando
ele a viu e olhou para o sol que a iluminava, imediatamente notou - por contraste com a
escuridão da terra, para a qual havia olhado a vida toda - onde estava a fonte da
vitalidade dela.
O pé de laranja-lima então resolveu
servir-se da mesma fonte que dava toda a vitalidade a Vitória e, à medida que ia
crescendo, suas folhagens, ao invés de encobrir o sol de Vitória, foram-se elevando cada
vez mais em direção ao sol e florescia como nunca.
Vitória e o pé de laranja-lima passaram
então a juntos glorificar o Sol por toda aquela maravilha e... viveram felizes para
sempre.
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