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Palavras em Mutação: a Busca dos
Paulistas e o Achado de Pedro Taques

 

Pedro Garcez Ghirardi
Prof. Livre Docente DLM-FFLCHUSP

Já se tem observado o curioso destino de algumas palavras. Usadas ao longo dos séculos, vão tomando sentido tão diferente do que tiveram na origem que às vezes passam a significar o oposto do que primitivamente queriam dizer. Foi o que se deu com persona, que, como se sabe, em latim indicava um disfarce humano, a máscara, e passou a significar, nas línguas latinas, a realidade mesma do ser humano. Numa destas línguas, o francês, veio, além disso, a tomar o signifcado paradoxal de ausência humana: personne, ninguém.

Curioso também o destino da palavra América. Tendo surgido para designar o litoral do Brasil e as outras costas meridionais percorridas por Américo Vespúcio, acabou sendo atraída para o norte, por onde Américo Vespúcio nunca viajou. Note-se, aliás, que a imprensa de língua inglesa, que há muito associou somente aos Estados Unidos o adjetivo american, vem agora divulgando o uso do adjetivo latin para designar os americanos. Ainda há não muitos anos quem ouvisse falar, por exemplo, em arte latina pensaria nos afrescos de Pompéia ou na Ars Poetica de Horácio. Hoje será grande o número dos que, ao ouvirem a mesma expressão, pensarão em artesanato andino ou em cantores de mambo. Se hoje Machado de Assis reescrevesse suas poesias Americanas, não lhe faltaria quem sugerisse mudar o título para Latinas. E se o mesmo criador de Dom Casmurro voltasse a indagar porque se haviam retratado, na casa do Engenho Novo, personagens da história romana não faltaria quem pusesse reparo à sua hipótese de que "era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas"(1) O provável é que alguns hoje lhe sugerissem escrever "pinturas latinas".

São ainda setores da imprensa (não a de língua inglesa, desta vez) que parecem estar promovendo a mudança radical de uma palavra, que até meio século atrás, não suscitava hesitação e que andava na boca de todos os habitantes da cidade de São Paulo. Qualquer criança nascida na Capital do Estado tinha consciência de ser paulista e assim se dizia. E os adultos não lhes ficavam atrás. Alguns destes, aliás, julgando-se descendentes dos primeiros habitantes da cidade, criaram a conhecida expressão "paulista de quatrocentos anos". Basta prestar atenção a essa expressão, ainda hoje usada, para que nela se manifeste a consciência de que o vocábulo paulista indica, propriamente, o natural da cidade de São Paulo. Da cidade, note-se, e não do Estado. Este, como se sabe, só surgiu com a República, em 1889. Está longe, portanto, de ter quatrocentos anos. Nem as antigas Província e Capitania de São Paulo chegaram aos quatrocentos anos. Lembre-se, para falar na mais antiga, que a Capitania de São Paulo só passou a existir a partir do início do século XVIII, sucedendo à de São Vicente. Paulista, portanto, é expressão ligada, especificamente, à Capital de São Paulo.

Contudo, neste ano de comemoração dos quatrocentos e cinqüenta anos da cidade de São Paulo, o sentido próprio e primitivo da palavra paulista parece andar cada vez mais esquecido. É lugar-comum dizer que somos um povo sem memória histórica, mas, neste caso, o esquecimento é mais estranho que nunca, pois atinge o que não suscitava a menor hesitação ainda há cinqüenta anos (portanto, há tempo muito recente).

Nem é só um esquecimento dessa ordem, diga-se de passagem, o que causa estranheza. Valha uma pequena digressão para contar o ocorrido há alguns meses. Creio que isto ajudará a perceber o descaso para com alguns dados de nossa memória histórica e a dificuldade que se encontra em reavivá-los. O caso teve início quando um leitor, folheando um conhecido Guia de viagens para automobilistas, notou uma inexplicável incoerência. Cidades do Estado de São Paulo como Santos e São Vicente eram classificadas pelo guia rodoviário como "históricas". Esta indicação, porém, não se estendia à Capital de São Paulo. Estranha omissão, quer pelo critério de antigüidade, quer pelo do urbanismo, quer pelo da importância no plano histórico. Por antigüidade, fundada em pleno século XVI, São Paulo é uma das primeiras cidades do Brasil. Seu patrimônio histórico-arquitetônico, embora continue maltratado, contém jóias como o conjunto do mosteiro da Luz, as velhas igrejas do Centro, em especial as duas franciscanas, ou a capela jesuítica de São Miguel. É, de qualquer modo, patrimônio inegavelmente superior ao da cidade mais antiga do Brasil, São Vicente (onde nada resta de autenticamente colonial, a não ser a matriz, muito remanejada). Quanto à importância histórica da cidade, não é preciso falar nos Bandeirantes, nem na Semana de 22, nem nas "Diretas-Já": basta lembrar que na cidade de São Paulo foi proclamada a Independência do Brasil. Diante disso, o leitor encaminhou mensagem à redação da revista, expondo sua estranheza e pedindo se esclarecesse por que o mesmo critério que a levava atribuir a classificação de "histórica" a algumas cidades do Estado de São Paulo não levava a atribuí-la, e com maior razão, à Capital. Sugeria, ainda, o leitor que se revisse a classificação no Guia destinado a se publicar em 2004, ano de celebrações na cidade. O resultado do que se acaba de contar foi uma curta resposta, que prometia encaminhar a mensagem para análise. E nisto se ficou, pois até hoje não se respondeu como a análise da mensagem (se é que houve) lhe teria contestado os argumentos. Certo é que o Guia de 2004 manteve inalterada a disparidade de classificações.

Basta esse episódio para mostrar que nem só no plano do vocabulário temos de lamentar perdas e esquecimentos de alcance histórico. Mas, para voltar ao terreno lingüístico, se no quarto centenário da cidade se assistiu ao apogeu da expressão paulista para a designação de seus habitantes, agora, nesta celebração de quatrocentos e cinqüenta anos, essa designação parece condenada ao ostracismo. Jornais, televisão e muitos dos chamados formadores de opinião abusam do adjetivo paulistano. Os paulistas, que havia na cidade de São Paulo em 1954, agora parecem ter perdido o lugar, tomado pelos paulistanos...

Costuma-se pensar que esta recente tendência atende à necessidade de distinguir os nascidos na Capital do Estado de São Paulo dos demais coestaduanos. Diga-se de passagem que muitas vezes se toma por necessidade o que é simples vício de linguagem. Mas, nos raros casos em que a necessidade realmente posssa existir (para fins estatísticos, digamos), a solução não será difícil, quando se fale, simplesmente, em "paulistas da Capital" e "paulistas de outros municípios". Ou será que essa "necessidade" só existe no tocante a São Paulo? Será que algum cidadão de Salvador admitiria a necessidade de passar a ser chamado somente de "soteropolitano", para o que o nome de "baianos" ficasse reservado aos outros muncipíos de seu Estado? Ou algum cidadão de Porto Alegre ou de Belo-Horizonte aceitaria ser chamado somente de "porto-alegrense" ou "belo-horizontino", pela suposta necessidade de os distinguir sempre dos gaúchos e mineiros de outros municípios? Até no Estado do Rio de Janeiro, onde a distinção entre "fluminenses" e "cariocas" podia ser, até certo ponto, necessária (pois, todos o lembram, durante muito tempo, a cidade e o Estado do Rio de Janeiro tiveram existências político-administrativas separadas), até naquele Estado é o vocábulo popular, "carioca", que se vem estendendo mesmo aos demais municípios do Estado ("sou 'carioca' de São João do Meriti", escuta-se dizer, como se ouve falar sempre em "Campeonato Carioca" para designar disputa de futebol que reúne competidores de todo o Estado do Rio).

Poderia alguém sustentar que o uso do vocábulo, paulistano, para designar os habitantes da cidade de São Paulo é autorizado por vocabulários modernos. Aos que se limitem aos dicionários correntes, basta recordar que ainda há não muitos anos, um vocabularista da autoridade de Silveira Bueno, em dicionário destinado aos escolares de todo o Brasil, alertava para a carência de fundamento da distinção entre paulista e paulistano(2). Distinção não autorizada pelos bons dicionários mais antigos. Na cidade de São Paulo, porém, muitos parecem não ter consciência de que recentemente vêm sendo transformados paulistas em paulistanos...

Cabe, decerto, lembrar que não é recente o vocábulo paulistano: pelo contrário, remonta ao menos ao século XVIII. Sua difusão se deve à célebre obra genealógica de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, a Nobiliarquia Paulistana. Obra que, como é bem sabido, trata, justamente, das famílias ilustres originárias da cidade de São Paulo. Se Pedro Taques, nascido nesta mesma cidade, costumava chamar a si e a seus concidadãos de paulistanos, já se vê que não há novidade no que se faz hoje.

A conclusão, porém, parte de um pressuposto falso: a de que Pedro Taques se designasse habitualmente como paulistano ou que costumasse assim designar outros naturais da cidade de São Paulo. Ora, não é isso o que ocorre. Paulistano é vocábulo antigo, mas é em seu uso impróprio que está a novidade indevida. Ou seja, a palavra achada por Pedro Taques para título da Nobiliarquia Paulistana é hoje empregada em sentido diferente do original, como se verá. De fato, é de paulistas, não de paulistanos que o genealogista colonial chama os naturais da cidade de São Paulo. Ao longo das páginas de sua obra, sempre que fala em seus concidadãos Pedro Taques os chama de paulistas.Que sentido terá então, para o escritor o neologismo erudito que achou, paulistano? Por que o terá limitado, praticamente, ao título de sua obra?

Não será difícil responder a essas indagações se tivermos em vista uma prática de buscar denominações solenes para determinadas coletividades é, aliás, comum na retórica das letras coloniais brasileiras. É a prática de ressaltar a nobreza moral de certas coletividades dando-lhes uma denominação solene, erudita. Os escritores coloniais brasileiros neste ponto seguiam o grande exemplo vindo de Portugal, o exemplo de Camões. Para o poeta os portugueses se tornam muitas vezes "os lusitanos" e, no título do poema, Os Lusíadas. Assim também, no Brasil colonial, escritores como frei António de Santa Maria Jaboatão acharam denominações solenes para as coletividades cujas crônicas escreviam. Os títulos dessas crônicas, em particular, revestiam-se de solenidade. De fato, Jaboatão, tratando dos franciscanos brasileiros, intitula sua célebre crônica Novo Orbe Seráfico Brasílico. Nem por isso alguém pensaria em contrapor "orbe" a "mundo", "seráfico" a "franciscano" ou "brasílico" a "brasileiro"...

Tal como Jaboatão, Pedro Taques segue a tradição retórica de Camões. Em lugar de "nobreza" o genealogista diz "nobiliarquia"; em lugar de "paulista", "paulistana". Ou seja para o escritor, paulista e paulistano são, em ambos os casos, designações dos habitantes da cidade de São Paulo, só que a segunda mais formal, solene. Este o achado de Pedro Taques. A diferença que estabelece entre os termos não é geográfica, mas retórica, de registro, como diriam os lingüistas: o segundo adjetivo tem ressonância erudita, poética, ao passo que o primeiro é popular, prosaico. E tal como Camões, que limita o uso do nome "lusíada" ao título da obra, também é ao título de sua obra que Pedro Taques reserva a denominação paulistana.

Trata-se, como se acaba de ver, de distinção convencional, como advertia Silveira Bueno. E a convenção instituída pela Nobiliarquia não é senão esta: fala-se, costumeiramente, em paulistas mas, em situações solenes, pode também falar-se em paulistanos. Outra coisa é o que se tenta fazer hoje, ou seja, mudar o sentido da convenção achada por Pedro Taques. Dizer que nem todos os paulistas são paulistanos é tão exato quanto dizer que nem todos os "portugueses" são "lusitanos" ou "lusíadas"...

Para confirmação do que se acaba de observar, basta abrir, quase em qualquer ponto, a Nobiliarquia Paulistana. Ao longo de suas páginas, fica de lado o adjetivo solene do título. Os habitantes da cidade de São Paulo são repetidamente chamados de paulistas, segundo a designação tradicional e popular. Vejamos alguns exemplos, que vou grifando, tomados de vários pontos da obra(3):

"Manuel Bueno da Fonseca foi cidadão de São Paulo [...] Foi este paulista adornado de muitas virtudes..." (tomo I, p. 95-96);

"D. Maria de Lara casou na matriz de S. Paulo a 24 de novembro de 1631 com Lourenço Castanho Taques, natural e cidadão da mesma cidade. Este cavalheiro paulista..." (tomo I, p. 258);

"Mathias Cardoso de Almeida, nobre cidadão de São Paulo [...] Este paulista..." (tomo II, p. 44);

"Do matrimônio de Pedro Dias Paes Leme [...] nasceram em São Paulo nove filhos [entre os quais] Fernando Dias Paes, governador das Esmeraldas [...]. Fernando Dias Paes [...] ocupou repetidas vezes os honrosos cargos [...]. Este paulista [...]" (tomo III, p. 161);

"Braz Esteves Leme foi natural de São Paulo [...]. Este paulista..." (tomo III, p. 175).

Os exemplos ocorrem quase a cada passo. O difícil será encontrar no escritor, fora do título da obra, o uso de paulistano. Aliás, se quiséssemos estabelecer distinções, o que seria de notar é que este último nome é que parece mostrar no genealogista âmbito geográfico mais largo. Pedro Taques inclui na Nobiliarquia Paulistana não só os nascidos na cidade de São Paulo, mas também seus descen-dentes, já nascidos em outras vilas e povoações da mesma Capitania. Pode-se lembrar um caso em que se distinguem claramente os paulistas, pertencentes à então sede da Capitania (e, mais concretamente, os paulistas de maior prestígio na cidade), de outro biografado, o capitão Gaia, nascido em Santos. Veja-se o que diz Pedro Taques:

"Manuel Affonso Gaya [...] foi de grande respeito e veneração assim dos moradores da vila de Santos, sua patria, como dos paulistas de primeira graduação. No anno de 1640, em que os jesuitas do colegio de São Paulo foram lançados pelos paulistas [...] se declarou protetor dos ditos padres o capitão Gaya [...]".

O exemplo não poderia ser mais claro. O capitão Gaya, natural de Santos, merece ser incluído na Nobiliarquia Paulistanapaulistano, portanto), mas se distingue dos paulistas, isto é, dos habitantes da cidade de São Paulo. De um lado, os "moradores da vila de Santos"; de outro, os "paulistas". Todos, porém, registrados pela Nobiliarquia Paulistana. Ou seja, se quiséssemos manter para ambos os termos a distinção convencional feita por Pedro Taques, o que se teria de concluir é que paulistano, vocábulo solene, designa todos os nascidos na Capitania de São Paulo, ao passo que paulista é o designativo próprio da população da Capital. A distinção do escritor, aliás, obedece à lógica: assim como os filhos e netos dos primitivos paulistas, embora nascidos em outros lugares, podem receber por descendência o mesmo nome pátrio de seus avós, assim também o termo que os inclui a todos é paulistano, termo também criado por derivação. Este ensinamento ficou tão esquecido que hoje se inculca o uso desses vocábulos em sentido oposto ao original.

Mas nem somente de Pedro Taques é a lição esquecida. Não seria difícil mostrar que os escritores coloniais chamam de paulistas os nascidos na cidade de São Paulo. Mais ainda: são esses mesmos escritores que chegam a contrapor os paulistas aos habitantes de outras vilas da Capitania de São Paulo, são hoje municípios do interior. Para nos lembrarmos um dos grandes nomes das letras brasileiras, vejamos este exemplo, que também vou grifando. Encontra-se em Claúdio Manuel da Costa e diz o seguinte:

"O grande número de concorrentes que buscavam as Minas, e a emulação que logo se acendeu entre os da Vila de São Paulo e os de Taboaté [sic] fez que, estendidos por várias partes, buscasse cada um novo descobrimento em que se estabelecessem, não se contentando os Paulistas de entrarem em parte nas repartições das faisqueiras que denunciavam os de Taboaté, nem estes nas que denunciavam os Paulistas" (4).

Os paulistas, de um lado; os de Taubaté, de outro. Não se poderia indicar com maior clareza que paulista é, propriamente, quem pertence à cidade de São Paulo.

O mesmo diz outro poeta colonial, frei São Carlos. Em seu poema, A Assunção, passam-se em revista as principais cidades do Brasil, às vésperas da Independência. Nos versos que tratam de São Paulo (que uma vez mais vou grifando) frei São Carlos louva a povoação banhada pelo Tamanduateí, cujos habitantes compara aos Argonautas (5):

            "Voltando ao Austro, os bosques senhoreia
            A ilustre povoação da Paulicéia
            Aprazível lugar, cuja campanha
            O Tamandataí cercando banha
            Cujos alunos fortes e briosos [...]
            Darão com terras pingues e abundantes [...]
            Aqueles que forrando o peito duro [...]
            Voltam de Colcos, ledos, transportando
            D' oiro a lã, não disputem as conquistas
            Que hão de tentar os ínclitos Paulistas".

É clara, portanto, a lição dos escritores clássicos. Lição ainda não esquecida pelo povo. E, hoje, surpreendentemente, mais lembrada pela população outros estados que pela do Estado de São Paulo. Observe-se que quando, no Rio de Janeiro, se alude à bem-humorada rivalidade entre as duas maiores cidades brasileiras, sempre se fala em cariocas e paulistas. Os muitos que continuam a o que se poderia chamar de "seqüestro dos paulistas" (como se não bastasse ter de sofrer com outros seqüestros mais graves...) só revelam, portanto, ignorar a voz dos bons escritores e a voz do povo...

 Com isto não se quer deixar de lado o adjetivo paulistano. Também este, como se viu, tem seu lugar. Seu uso cabe, sim, mas no plano mais formal ou retórico, sobretudo em títulos, tal como pode caber o uso do adjetivo "lusíada". Tanto assim que hoje o adjetivo que intitulou a obra de Pedro Taques se conservou como título, seja de obras ou periódicos (lembrem-se a Lira Paulistana de Mário de Andrade, as Novelas Paulistanas de António de Alcântara Machado e o extinto jornal Correio Paulistano), seja como título cívico (o diploma municipal de "Cidadão Paulistano"). Em resumo: paulistano se aplica a títulos, principalmente; no uso mais geral, paulista.

Devemos, então, concluir que os habitantes de outros pontos do Estado de São Paulo não se possam chamar de paulistas?. Não é preciso chegar a tanto. Assim como o cidadão de Feira de Santana ou de Ilhéus pode chamar-se de baiano (embora o vocábulo se refira, originalmente, a Salvador, à Cidade da Bahia, da qual se espalhou por todo o Estado baiano), assim também o cidadão de Taubaté ou de Santos pode chamar-se de paulista (embora o vocábulo se refira, original e propriamente, à Cidade de São Paulo, que estendeu seu nome a todo o Estado). O inaceitável seria perder a memória histórica e excluir os habitantes das capitais da Bahia ou de São Paulo da designação pátria a que suas cidades deram origem.

Podem-se dizer paulistas, portanto, os habitantes de todo o Estado de São Paulo, mas não esqueçam aqueles a quem esse nome cabe em primeiro lugar. Não se esqueça que paulistas são, propriamente, os nascidos na Capital de São Paulo. Então, sim, poderemos lembrar que são também paulistas os que vieram de todas as partes do Brasil e do mundo e contribuíram para construir a cidade de São Paulo ou o Estado a que a cidade deu nome. É de esperar, em conlusão, que nestes quatrocentos e cinqüenta anos da maior cidade brasileira, os paulistas originais não se conformem em ter o mesmo destino de tantos americanos, ou seja, o de se tornarem personne...

 

Notas

(1) Machado de Assis, Dom Casmurro, cap. II.

(2) "A distinção entre paulista e paulistano é puramente convencional e não aceita por todos" (Silveira Bueno, verbete "Paulistano", in Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, Ministério da Educação e Cultura, s.d. [1969], 6a., p. 930).

(3) As citações referem-se à seguinte edição: Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Nobiliarchia Paulistana Historica e Genealogica. São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, s.d. [1955], tomos I-III. (A obra constitui o volume IV da coleção Biblioteca Histórica Paulista, dirigida por Afonso de E. Taunay).

(4) Cláudio Manuel da Costa, "Fundamento Histórico" do poema Vila Rica (cito segundo a Lírica dos Inconfidentes, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1996, p. 363).

(5) Frei Francisco de São Carlos, A Assunção da Santíssima Virgem, canto VI.