Home | Novidades | Revistas | Nossos Livros | Links Amigos O Pecado Capital da Acídia na
Análise de Tomás de Aquino(notas de conferência proferida no Seminário Internacional
"Os Pecados Capitais na Idade Média", http://www.pecapi.com.br/
- Univ. Fed. do Rio Grande do Sul, setembro de 2004)
Jean Lauand
Prof. Titular FEUSP
jeanlaua@usp.brIn Memoriam - Josef Pieper (1904-1997),
no centenário de seu nascimento
Um apelo ao imaginário
A sesquimilenar idéia de pensar as forças da auto-destruição em sete pecados capitais continua exercendo irresistível atração sobre o homem contemporâneo. Trata-se, sem dúvida, de uma idéia genial: a organização de dezenas de vícios em torno de uns poucos eixos, que, uma vez consolidados em sete, apresentam o atrativo adicional que esse número produz sobre a imaginação.
Ainda hoje, mesmo aqueles que não sabem sequer enumerar os sete vícios capitais clássicos, empregam a mesma estrutura de pensamento para diversos outros campos: uma simples busca no Google [1] revela que há, em nosso meio, dezenas de páginas da Internet falando dos "sete pecados capitais": da pequena empresa, da mídia, da tecnologia, da psicologia, da publicidade; do atendimento ao cliente, do treinador etc. etc.
Além do mais, o tema dos pecados capitais continua suscitando grande interesse popular. Só para lembrar alguns poucos exemplos brasileiros recentes e bastante conhecidos, os sete pecados foram objeto de uma coleção temática de livros [2] , de uma muito difundida série de sorvetes [3] e até de samba-enredo no Carnaval do Rio em 2001. Neste caso, além do mais, a Viradouro realizou literalmente a mentalidade profundamente alegórica medieval [4] .
Preguiça ou acídia?
Se compararmos a doutrina dos sete pecados capitais à dos dez mandamentos, verificaremos que aquela, ao contrário desta, não tem, ao longo da história, a fixidez em seu número e conteúdo: os pecados capitais, em sua origem, eram oito e, de acordo com cada autor, a lista pode variar ligeiramente em um ou outro elemento [5] .
O atual Catecismo da Igreja Católica apresenta como pecados ou vícios capitais: soberba, a avareza, inveja, ira, impureza, gula e preguiça ou acídia.
1866 Vitia possunt statui secundum virtutes quibus adversantur, vel etiam ad peccata capitalia reduci quae experientia christiana, sanctum Ioannem Cassianum et sanctum Gregorium Magnum secuta, distinxit. Capitalia appellantur quia alia peccata, alia vitia generant. Sunt superbia, avaritia, invidia, ira, luxuria, gula, pigritia seu acedia [6] .
É bastante sugestiva, e mesmo intrigante, essa ambigüidade em relação ao sétimo pecado elencado: a, familiar a todos, preguiça ou a ilustre desconhecida, acídia...?
Por que o Catecismo hesita entre preguiça ou acídia? Ou será que as toma como palavras sinônimas ou equivalentes [7] ?
Na verdade, parece que o Catecismo não quer, por um lado, propor como pecado capital um pecado - a acídia - do qual nunca ninguém ouviu falar; e, por outro, talvez tenha vergonha de alçar sem mais a, relativamente inofensiva, preguiça ao elevado posto de pecado capital.
A preguiça aparece hoje como um pecadilho simpático. Em "Os sete pecados capitais", samba-enredo da Viradouro, à preguiça são dedicados os versos:
Quero sombra e água fresca
Eu quero na minha rede balançar
Brasil, meu Brasil!A acídia é coisa séria, como se vê se anteciparmos desde já uma primeira aproximação da definição de acídia: a tristeza pelo bem espiritual; a acidez, a queimadura interior do homem que recusa os bens do espírito.
Desde sempre e, durante muitos séculos, essa tristeza foi considerada pecado capital. Modernamente, porém, e não por acaso, houve um esquecimento da acídia e sua substituição pela preguiça. Um autor tão autorizado como Pieper faz notar que não há conceito ético mais desvirtuado, mais notoriamente aburguesado na consciência cristã, do que o de acídia. E numa formulação forte, acrescenta:
O fato de que a preguiça esteja entre os pecados capitais parece que é, por assim dizer, uma confirmação e sanção religiosa da ordem capitalista de trabalho. Ora, esta idéia é não só uma banalização e esvaziamento do conceito primário teológico-moral da acídia, mas até mesmo sua verdadeira inversão [8] .
Mais adiante, quando tivermos discutido os conceitos de pecado capital e de acídia, poderemos avaliar melhor o significado e o alcance - e o caráter perverso - dessa substituição da acídia pela preguiça. Para já, façamos uma nota sobre o papel da linguagem na educação moral
Nota sobre linguagem e educação moral
O problema pedagógico da ausência do conceito de acídia para o homem contemporâneo remete antes de mais nada a uma importante lei que estabelece a correlação entre existência de linguagem viva e o interesse vital de uma realidade para uma comunidade.
Esse esvaziamento a que se refere Pieper ocorre, antes de tudo, no campo da linguagem. Embora o Catecismo da Igreja continue a mencionar a acídia (ou, mais precisamente, o ambíguo par: preguiça/acídia) é óbvio que essa palavra é desconhecida para nós: quem de nós a ouviu ou pronunciou nos últimos anos?
Por trás de um problema de léxico, há um grave problema de campo de visão, uma vez que a ausência da palavra nos impede de divisar a realidade - a terrível realidade antropológica - que está por detrás da palavra acídia.
Na realidade, o problema é ainda mais amplo: na análise de Tomás, toda uma milenar e riquíssima experiência sobre o homem traduz-se em sete vícios capitais, que arrastam atrás de si muitas "filhas", "exércitos", em total de cerca de cinqüenta outros vícios [9] , cujos nomes podem soar estranhos aos ouvidos contemporâneos. E precisamente aí encontra-se um grave problema educacional: é-nos difícil acessar as realidades ético-antropológicas por falta de linguagem: é como se tivéssemos que transmitir um jogo de futebol, mas sem poder contar com palavras como: "pênalti", "carrinho", "grande área", "cartão", "impedimento" etc. E reciprocamente: uma vez que não acessamos as realidades designadas pelas palavras, elas vão se tornando mais e mais obsoletas.
Não se pense que com isto estamos afirmando que Tomás empregue uma terminologia reservada a especialistas. Não. As dificuldades de entendimento decorrem da distância cultural-lingüística e não de tecnicismos. Ele se vale praticamente da linguagem comum de sua época, tão espontânea como, afinal, é para nós o léxico do futebol. Por exemplo, a filha da inveja chamada sussurratio (e que traduzimos academicamente por murmuração) é, pura e simplesmente, a fofoca de inveja.
Com isto, tocamos aquele ponto essencial para a educação moral de hoje, o da mútua alimentação, da relação dialética entre a percepção (e vivenciamento) da realidade moral e a existência de linguagem viva: O empobrecimento do léxico moral é, hoje, um dos mais agudos problemas pedagógicos, na medida em que gera um círculo, literalmente, vicioso: a falta de linguagem viva embota a visão e o vivenciamento da realidade moral; o definhamento da realidade esvazia (ou deforma) as palavras... Faltam-nos as palavras, faltam-nos os conceitos, faltam-nos os juízos, falta-nos acesso à realidade. Como tão bem apontou Fernando Pessoa, numa das "Quadras ao gosto popular", para o caso da saudade:
Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.Quando a realidade é viva, o léxico é vivo: para o futebol, no Brasil, há um vocabulário riquíssimo: para diferentes ângulos de uma jogada bastante semelhante, dispomos dos termos: bicicleta, meia-bicicleta, puxeta e voleio. Para a realidade ética e antropológica, nosso léxico é pobre. Como diz o filósofo espanhol Julián Marías:
Há uma coisa que me preocupa, e já o disse muitas vezes. Que, enquanto o vocabulário de uma área particular, de um campo profissional técnico, de um ambiente específico, na agricultura, por exemplo, ou na pecuária — enquanto esses vocabulários específicos possuem uma riqueza enorme, tudo o que um homem pode sentir por outra pessoa resume-se — em todas as línguas que conheço — a meia dúzia de palavras. Algumas positivas, como "amizade", "amor", "ternura", "simpatia", "carinho", e outras tantas negativas. Parece-me muito restrito. Eu tenho quatro filhos, já adultos, e os amo de quatro maneiras diferentes. Há uma variedade imensa do amor, e a língua não reflete essa variedade. É uma limitação esquisita. Talvez devida a uma certa desatenção pelos sentimentos, pelos conteúdos anímicos, em contraste com a refinada atenção dedicada às técnicas da agricultura, da medicina... E às mil maneiras de dar um chute numa bola! E isso porque há um interesse especial. Muitas pessoas gostam de futebol e precisam distinguir os diferentes matizes dessa atividade. E, em contraste, o que uma pessoa sente por outra — e é algo mais difícil, sem dúvida — não desperta tanto interesse. Eu fico muito perplexo com este fato. [10]
A necessidade da existência de uma linguagem viva para as virtudes e vícios supera, portanto, o mero âmbito lexical e instala-se no da propria possibilidade de visualizar a realidade de que se trata [11] .
Mas voltemos aos sete pecados capitais.
Os pecados capitais: uma elaboração de pensamento sobre experiências
Na enumeração primitiva de São Gregório Magno os pecados capitais são: inanis gloria, inuidia, ira, tristitia, avaritia, uentris ingluies, luxuria. [12]
Enquanto os dez mandamentos estão enunciados na Bíblia, a doutrina dos pecados capitais é uma elaboração de pensamento, que é fruto, como diz o novo Catecismo da Igreja Católica, da "experiência cristã" [13] .
Essa experiência é originariamente a dos padres do deserto, que, na radicalidade de sua proposta, foram realizando uma tomografia da alma humana e descobrindo, em suas profundezas, as possibilidades para o bem e para o mal.
Como num rally ou num enduro, em que as condições da máquina são exigidas em condições extremas, o monaquismo originário buscava testar os limites antropológicos, no corpo e no espírito (os limites do jejum, da vígilia, da oração etc.). Nesse quadro, surgiu a doutrina dos pecados capitais, que - como tantas outras descobertas dos antigos hoje esquecidas ou esvaziadas - bem poderia ajudar ao homem contemporâneo a orientar-se moral e existencialmente.
As primeiras tentativas de organizar essa experiência remontam a autores antigos como Evágrio Pôntico, João Cassiano e Gregório Magno, mas, somente séculos depois, encontramos uma brilhante consolidação em Tomás de Aquino (séc. XIII), que repensa - de modo amplo e sistemático - a antropologia subjacente aos vícios capitais.
Se o filosofar do Aquinate é sempre voltado para a experiência e para o fenômeno, mais do que em qualquer outro campo é quando ele trata dos vícios que seu pensamento mergulha no concreto, pois, citando o sábio (pseudo-) Dionísio, "malum autem contingit ex singularibus defectis [14] " - para conhecer o mal é necessário voltar-se para o fenômeno, para os modos concretos em que ele ocorre. Assim, é freqüente encontrarmos nas discussões de Tomás sobre os vícios - para além da aparente estruturação escolástica - expressões de um forte empirismo como: "Contingit autem ut in pluribus...", que remete ao que realmente acontece na maioria dos casos...
Também para essa experiência e para essa concretude é que se voltam os trabalhos pioneiros de João Cassiano e de Gregório. Cassiano - que bem poderia ser nomeado padroeiro dos jornalistas - é o homem que, em torno do ano 400, percorreu por longos anos os desertos do Oriente para recolher - em "reportagens" e entrevistas - as experiências radicais vividas pelos primeiros monges; também o papa Gregório (acertadamente cognominado Magno), cuja morte em 604 marca o fim do período patrístico, é um campeão do empirismo e não por acaso é um dos maiores gênios da pastoral de todos os tempos. E quem diz pastoral, diz experiência...
É interessante notar que precisamente com relação ao tema que nos interessa - a acídia - é que Cassiano, em entrevista com o abade Serapião, ressalta a força da experiência:
"A tristeza e a acídia - ao contrário dos outros vícios de que falamos anteriormente - não costumam originar-se por uma motivação exterior. É sabido que com freqüência afligem amarissimamente os solitários que vivem no ermo, longe do convívio dos homens. Isto é verdadeiríssimo e quem quer que tenha vivido nesta solidão e tem experiência (expertus) dos combates do homem interior, facilmente o comprova nessas mesmas experiências (ipsis experimentis)" [15]
Os vícios capitais na enumeração de Tomás são: vaidade, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e acídia.
Um outro aspecto interessante está ligado ao próprio significado de vício capital. S. Tomás ensina que recebem este nome por derivar-se de caput: cabeça, líder, chefe (em italiano ainda hoje há a derivação: capo, capo-Máfia); sete poderosos chefões que comandam, que produzem outros vícios subordinados.
Nesse sentido, os vícios capitais são sete vícios especiais, que gozam de uma especial "liderança" [16] . O vício (e o vício capital compromete muitos aspectos da conduta) é uma restrição à autêntica liberdade e um condicionamento para agir mal.
A palavra acídia na obra de Tomás
Tomás de Aquino emprega 233 vezes a palavra acídia [17] ; em 134 passagens de sua vasta obra. Em 6 passagens encontramos também a forma verbal acedieris, neste caso, sempre citando Eclesiástico 6, 25 "subjice humerum tuum, et porta illam, et ne accidieris vinculis ejus" Curva teu ombro e carrega-a (a Sabedoria) e não 'acidies' em relação a suas cadeias".
Dessas 134 passagens, a grande maioria - 88 - reside nos dois momentos em que a acídia é tematicamente enfocada por Tomás: II-II q. 35 e De malo q. 11. De resto, encontramos 9 passagens nos Comentários às Sentenças; 24 em outras questões da Suma Teológica, 3 no De Veritate; 5 em outras questões do De Malo; 1 no In Job; 2 na Catena Aurea in Lucam; 1 no Super I ad Cor. I; 1 no In Ps. e 1 no Ad Titum.
A acídia como tristeza. Acídia ou preguiça?
A gravidade da acídia já se nota na primeira aproximação do complexo conceito de acídia: a acídia é uma tristeza. E a tristeza não só é já em si mesma um mal, mas fonte de outros males. Daí que para explicar que a acídia pode ser vício capital, Tomás argumenta:
Como já dissemos, vício capital é aquele do qual naturalmente procedem - a título de finalidade - outros vícios. E assim como os homens fazem muitas coisas por causa do prazer - para obtê-lo ou movidos pelo impulso do prazer - assim também fazem muitas coisas por causa da tristeza: para evitá-la ou arrastados pelo peso da tristeza. E esse tipo de tristeza, a acídia, é convenientemente situado como vício capital (II-II q. 35, a.4).
A acídia, como pecado capital, é a mesma e única base de duas atitudes contrárias: uma que leva à ação, ou melhor, a um ativismo (como veremos ao examinar as "filhas da acídia) e, por outro lado, a uma inação - e este é o momento - secundário, derivado - em que acídia e preguiça se ligam [18] , embora sejam muitos mais importantes - sobretudo para a análise do homem contemporâneo - as filhas da acídia ligadas ao ativismo.
Se a tristeza da acídia pode levar à inação, leva também a uma inquietude, a uma ação desenfreada, como veremos mais adiante. Para já, vale a pena uma leitura, do ponto de vista da acídia, do poema de Bertolt Brecht [19] :
DER Radwechsel
Ich sitze am Straßenhang
Der Fahrer wechselt das Rad
Ich bin nicht gern, wo ich herkomme
Ich bin nicht gern, wo ich hinfahre
Warum sehe ich den Radwechsel
Mit Ungeduld?A troca de pneu
Fico sentado à beira da estrada
O chofer troca o pneu
Não "tô legal", lá de onde venho
Não "tô legal", lá para onde vou
Por que sigo a troca do pneu
Com impaciência?Da mesma frieza e acidez da alma decorre também a atitude tediosa e aborrecida, como nos versos de Drummond:
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.Eta vida besta, meu Deus.
E tanto no fazer como no não-fazer, o tédio. Com incomparável lucidez, Fernando Pessoa, no Livro do desassossego (#263) diagnostica em seus múltiplos aspectos esse tédio; limitemo-nos a uma passagem que ressalta precisamente que o problema não está no trabalho nem no repouso, mas no centro do eu:
O tédio... Trabalho bastante. Cumpro o que os moralistas da acção; chamariam o meu dever social. Cumpro esse dever, ou essa sorte, sem grande esforço nem notável desinteligência. Mas, umas vezes em pleno trabalho, outras vezes no pleno descanso que, segundo os mesmos moralistas, mereço e me deve ser grato, transborda-se-me a alma de um fel de inércia, e estou cansado, não da obra ou do repouso, mas de mim.
Acídia, Depressão & Cia. Alma e corpo.
Ao caracterizar a acídia como uma tristeza (e, para Gregório, a própria tristeza era o pecado capital), abrem-se inúmeras dimensões antropológicas, com interfaces nem sempre claras e a questão adquire uma imensa complexidade: a tristeza pode (ou não) ser pecado, doença, estado de ânimo, atitude existencial..., ou combinações desses fatores.
Só com enunciar essas dimensões, já se mostra imediatamente a extrema atualidade de nosso tema. Por exemplo, Andrew Solomon, autor de um dos mais importantes livros sobre a "doença de nosso tempo", a depressão, incluiu a velha acídia no próprio título de sua obra: "O demônio do meio-dia - uma anatomia da depressão" [20] . O "demônio do meio-dia" é o da acídia [21] .
Infelizmente, nesse livro - tão oportuno e acertado na análise da depressão - o autor incorre em uma imprecisão ao examinar a obra de Tomás de Aquino, dando a impressão de que Tomás endossa teses que, na verdade, são o avesso das afirmadas realmente pelo Aquinate. E, por se tratar do núcleo da antropologia de Tomás, vale a pena que examinemos o problema. Erroneamente diz Solomon:
Tomás de Aquino, cuja teoria de corpo e alma colocava a alma hierarquicamente acima do corpo, concluía que a alma não poderia ser sujeita às doenças corporais. Contudo, uma vez que a alma estava abaixo do divino, era sujeita à intervenção de Deus ou de Satã. Dentro desse contexto uma doença tinha que ser do corpo ou da alma, e a melancolia estava assinalada para a alma [22] .
Certamente, a descrição que Tomás faz da acídia, das manifestações do vício capital da acídia, aproxima-se muito da descrição que podemos fazer hoje da doença da depressão. Mas isto não significa que Tomás não possa atribuir a tristeza depressiva a causas naturais, alheias ao âmbito moral: quando o Aquinate fala da acídia, de suas "filhas" e manifestações, está focando a dimensão que mais lhe interessa como teólogo: a da tristeza moralmente culpável [23] . Nessa mesma linha, seria interessante, para nós hoje, considerarmos também - para além da realidade da depressão como doença (hoje em dia, mais do que evidente para nós) -, que pode haver uma acídia, uma dimensão moral em alguns casos de tristezas depressivas.
De resto, nada mais alheio ao pensamento de Tomás do que uma incomunicação entre espírito e matéria. O que Tomás, sim, afirma é o homem total, com a intrínseca união espírito-matéria, pois a alma, para o Aquinate é forma, ordenada para a intrínseca união com a matéria.
Nesse sentido, comparemos as afirmações de Solomon com o que realmente diz Santo Tomás, precisamente em relação ao nosso tema, a tristeza, os remédios para a tristeza, que reside na alma. Tomás enfrenta esta questão na Suma Teológica I-II 38 e no artigo 5 chega a recomendar banho e sono como remédios contra a tristeza! Pois, diz o Aquinate, tudo aquilo que reconduz a natureza corporal a seu devido estado, tudo aquilo que causa prazer é remédio contra a tristeza. Tomás destrói assim a objeção "espiritualista":
Objeção 1.: Parece que sono e banho não mitigam a tristeza. Pois a tristeza reside na alma; enquanto banho e sono dizem respeito ao corpo, portanto, não teriam poder de mitigar a tristeza.
Resposta à objeção1: Sentir a devida disposição do corpo causa prazer e, portanto, mitiga a tristeza [24] .
De resto, para os remédios contra a tristeza, Tomás não fala de Deus nem de Satã, mas sim recomenda: qualquer tipo de prazer, as lágrimas, a solidariedade dos amigos, a contemplação da verdade, banho e sono. E ainda sobre a interação alma-corpo, Tomás afirma em I-II, 37, 4:
A tristeza é, entre todas as paixões da alma, a que mais causa dano ao corpo [...] E como a alma move naturalmente o corpo, uma mudança espiritual na alma é naturalmente causa de mudanças no corpo.
Quanto à melancolia, Tomás está longe de considerá-la uma exclusividade da "alma":
Os melancólicos desejam com veemência os prazeres para expulsar a tristeza, porque o corpo deles se sente como que corroído pelo humor mau, como diz o Filósofo [25] .
Os melancólicos têm os corpos sempre incomodados pela má compleição... [26]
A tristeza existencial - o transtorno bipolar [27]
Para Tomás, a tristeza não só afeta ao composto espírito-matéria, como também não é necessariamente uma doença. Antes de nos determos a considerar as características próprias da acídia, é interessante demarcar um quadro mais amplo: o da tristeza existencial [28] , decorrente da ciência, dom do Espírito Santo.
Também aqui quero prestar uma homenagem a meu mestre Josef Pieper. Pieper foi, sem dúvida, um dos mais destacados filósofos do século XX e tratou genialmente do tema que nos ocupa: a acídia. Reproduzimos dois textos de sua autoria sobre a acídia, como anexos a este trabalho. Profundamente identificado com o filosofar de Tomás de Aquino, Pieper sempre soube trazê-lo ao diálogo com a realidade contemporânea, também no que se refere ao tema da depressão.
Comecemos por apresentar - seguindo uma aguda intuição de Pieper - uma das mais surpreendentes teses de Tomás: sua ambivalente postura fundamental diante do mundo, a que Pieper designou por "Psicose Maníaco-Depressiva". Reproduzimos, a seguir, o breve texto "Manisch-Depressiv", publicado nos Buchstabier Übungen, München, Kösel, 1980.
Psicose Maníaco-Depressiva
Josef Pieper
(trad.: J. Lauand e H. Marianetti Neto)
O mundo está constituído de tal forma que quem o compreendesse a fundo poderia ser precipitado num abismo de tristeza: o próprio Verbo de Deus feito homem teve de padecer uma morte terrível e infamante. E no fim dos tempos, ocorrerá o domínio universal do mal. Tomás de Aquino ensina que o dom da ciência (que permite conhecer o que é este mundo) corresponde à bem-aventurança: "Bem-aventurados os que choram...".
Quem pensa nisto (e o ser humano não precisa necessariamente de uma reflexão consciente para aperceber-se dessa realidade) pode muito bem verter lágrimas e cair na mais profunda depressão; depressão que, aliás, não tem porque ser considerada "infundada" ou "sem objeto", uma vez que a criatura procede do nada.
Mas a criatura é também - para além de qualquer medida concebível - tão intensamente mantida na existência pelo Amor de Deus que, quem considera este fundamento e sabe reconhecê-lo, pode facilmente ser invadido pela alegria (também aparentemente "infundada" e efetivamente não causada por nenhum motivo externo próximo e determinado). Uma alegria tão arrebatadora que, pura e simplesmente, extravasa a capacidade de recepção da alma.
Como é que fica então o meio-termo, o "normal"? E por que meios é essa normalidade regulada? Talvez pelo estado fisiológico do aparelho hormonal das glândulas ou do sistema nervoso.
Assim, segundo Tomás, a criatura é dúplice em sua estrutura fundamental: por um lado, participa do Ser (e da verdade, da bondade, da beleza...) de Deus; mas, por outro lado, é treva, enquanto procede do nada. E essa estrutura dúplice projeta-se num apelo contraditório ao homem (também ele criatura...) em seu relacionamento com o mundo: daí a "normalidade" da "psicose maníaco-depressiva existencial" ou, como se diz hoje, do transtorno bipolar.
A gravidade dessa "patológica" normalidade - que deveria ser a constante situação do ser humano no mundo - passa, na verdade, despercebida para a imensa maioria, que não se dá conta de nenhum dos dois pólos do transtorno, situando-se numa morna mediocridade, alheia ao dramático potencial contido em cada centímetro quadrado do quotidiano. Essa incapacidade de se deixar abalar, de sentir a vertigem existencial do apelo da realidade, traz consigo a "tranqüilidade" do anestesiado, que só se inquieta para reagir quando algo ameaça romper a segura redoma em que instalou seu pequeno mundo [29] .
O pólo positivo do transtorno bipolar
Na realidade, a criatura é mais do que seu ser aparente. É uma questão de saber ver, de epistéme theoretiké, no sentido - resgatado por Heidegger - de competência (appartenance) do olhar. Essa competência do mirandum - como diz Tomás, em seu comentário à Metafísica de Aristóteles - é o que aproxima o filósofo do poeta. E ninguém melhor do que a poeta Adélia Prado - que em "De profundis" [30] , também ela, fala do transtorno bipolar, da "alma ciclotímica"! - para testemunhar esse plus de visão:
"De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo" [31] .Esse pólo positivo do transtorno - a que, segundo Tomás, a criatura nos convoca - é exposto no capítulo 2 da Contra Gentiles II e - como todos os temas essenciais de seu pensamento - remete-nos à doutrina da participação [32] .
"Meditei em todas as tuas obras e em todas as coisas feitas pelas tuas mãos" [33] . Esta sentença do Salmo (143, 5) é posta como epígrafe do Livro II da Contra Gentiles e é - como diz o próprio Tomás - o princípio estruturador de seus estudos [34] sobre a criação: Deus, como artífice e artista, deixa sua marca nas coisas criadas [35] .
Assim, a criação impõe um convite a meditar [36] , à admirada alegria da contemplação. E Tomás insiste uma e outra vez: todas as criaturas são boas e têm de bondade o que têm de ser: "Unaquaeque creatura quantumcumque participat de esse, tantum participat de bonitate" (Ver. 20,4). E mais: é certo que a felicidade definitiva do homem reside na posse de Deus pela contemplação, pelo olhar de amor; mas, para o Aquinate, essa felicidade não é algo "transferido" para depois da morte, e sim, algo que irrompe, que já se inicia nesta vida, pela fruição do bem de Deus nos bens do mundo, até mesmo em um copo de água fresca num dia de calor:
"Assim como o bem criado é uma certa semelhança e participação do Bem Incriado, assim também a consecução de um bem criado é uma certa semelhança e participação da bem-aventurança final" (De malo 5,1, ad 5) [37] .
Tudo isto é muito bonito e está na base não só da doutrina do ser de Tomás, mas também de sua estética [38] . Porém, essa análise ficaria incompleta e falsa, se não víssemos o outro lado, o da dessemelhança, o depressivo...
O pólo negativo do transtorno bipolar
De fato, para Tomás, o dom da ciência (conhecer a fundo as coisas criadas), dom do Espírito Santo, corresponde à bem-aventurança dos que choram: "scientia convenit lugentibus" (II-II 9, 4 sc). Pois a criatura, enquanto procede do nada, de per si é treva "creatura est tenebra in quantum est ex nihilo" (só é luz enquanto, por participação, se assemelha a Deus "in quantum vero est a Deo, similitudinem aliquam eius participat, et sic in eius similitudinem ducit") (De Ver. 18, 2, ad 5). E obscuro é também o conhecimento que a criatura oferece: "sed quia creatura ex hoc quod ex nihilo est, tenebras possibilitatis et imperfectionis habet, ideo cognitio qua creatura cognoscitur, tenebris admixta est" (In II Sent. d 12, q3, 1, c)
Quanto mais scientia, maior a depressão: porque se constata quão deficientes são as coisas do mundo "Ad lugendum autem movet praecipue scientia, per quam homo cognoscit defectus suos et rerum mundanarum; secundum illud Eccle. I qui addit scientiam, addit et dolorem" (I-II, 69, 3 ad3).
A referência de Tomás ao Eclesiastes não é casual: Salomão, que tem "mais sabedoria que todos seus antecessores" (I, 16), verifica - após examinar as coisas mais magníficas - que "tudo é vento" e "quanto mais conhecimento, mais sofrimento". Quem lê a Bíblia como ela é, sem beatices nem afetações, verificará que Salomão entra em um "surto" existencial, depois de entregar-se ao vinho, e resolve declarar "o que é, afinal, a 'felicidade' dos humanos"(Ecl. 2,3). Começa enumerando as riquezas e obras de sua imensa grandeza (4-10):
Fiz para mim obras magníficas; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz para mim hortas e jardins, e plantei neles árvores de toda a espécie de fruto. Fiz para mim tanques de águas, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. Adquiri servos e servas, e tive servos nascidos em casa; também tive grandes possessöes de gados e ovelhas, mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro, e tesouros dos reis e das províncias; provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens; e de instrumentos de música de toda a espécie. E fui engrandecido, e aumentei mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria. E tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o meu coração de alegria alguma; mas o meu coração se alegrou por todo o meu trabalho, e esta foi a minha porção de todo o meu trabalho.
E Salomão - podemos imaginá-lo com a voz engrolada e derrubando objetos, sob o efeito do álcool - conclui: pelo nada (11 e ss.):
E olhei para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol. [...] Os olhos do homem sábio estão na sua cabeça, mas o louco anda em trevas; então também entendi eu que o mesmo lhes sucede a ambos. Assim eu disse no meu coração: Como acontece ao tolo, assim me sucederá a mim; por que então busquei eu mais a sabedoria? Então disse no meu coração que também isto era vaidade. Porque nunca haverá mais lembrança do sábio do que do tolo; porquanto de tudo, nos dias futuros, total esquecimento haverá. E como morre o sábio, assim morre o tolo! Por isso odiei esta vida, porque a obra que se faz debaixo do sol me era penosa; sim, tudo é vaidade e aflição de espírito. Também eu odiei todo o meu trabalho, que realizei debaixo do sol, visto que eu havia de deixá-lo ao homem que viesse depois de mim. E quem sabe se será sábio ou tolo? Todavia, se assenhoreará de todo o meu trabalho que realizei e em que me houve sabiamente debaixo do sol; também isto é vaidade. Então eu me volvi e entreguei o meu coração ao desespero no tocante ao trabalho, o qual realizei debaixo do sol [39] .
Essa situação "ciclotímica" do homem foi também notavelmente expressa por Adélia Prado em um poema desgarrado, "Acácias" [40] , que fala do transtorno - , angústia - ante a beleza de uma criatura, uma simples acácia que seja.
ACÁCIAS
Minha alma quer ver a Deus.
Eu não quero morrer.
Quero amar sem limites
E perdoar a ponto de esquecer-me
Radical, quer dizer pela raiz
O perdão radical gera alegria
Exorciza doenças, mata o medo
Dá poder sobre feras e demônios
Falo. E falo é também membro viril,
Todo léxico é pobre,
Idiomas são pecados;
Poemas, culpas antecipadamente perdoadas
Eis, esta acácia florida gera angústia
Para livrar-me, empenho-me
Em esgotar-lhe a beleza
Beleza importuna,
Magnífica insuficiência,
Porque ainda convoca
O poema perfeito.Toda essa doutrina de Tomás encontra uma inesperada e discreta confirmação até na canção "Garota de Ipanema", de Vinicius e Tom Jobim [41] . A letra, como todos recordam, vai falando da beleza:
Olha que coisa mais linda,
mais cheia de graça
É ela, menina,
que vem e que passae de como "o mundo inteirinho se enche de graça etc." e, de repente, o verso, tão profundo quanto inesperado e (só) aparentemente contraditório:
"Oh, por que tudo é tão triste?"
Por que a beleza traz consigo também a sensação de solidão e tristeza? Talvez também porque se adivinha que a criatura tem a beleza de modo precário e contingente; só Deus é a Beleza incondicional e simpliciter [42] .
Concluímos esta seção, com um par de considerações de Solomon, que, de algum modo, vêm ao encontro do que estamos afirmando:
O fato é que o existencialismo é muito verdadeiro quanto à tendência à depressão. A vida é fútil. Não conseguimos saber por que estamos aqui. O amor é sempre imperfeito. Etc. Os depressivos vêem o mundo claramente demais, perderam a vantagem seletiva da cegueira [43] .
E do ponto de vista meramente médico, empírico:
Pessoas que atravessaram uma depressão e estão estabilizadas freqüentemente têm uma aguda consciência da alegria da existência cotidiana. Mostram-se capazes de uma espécie de êxtase imediato e de uma intensa apreciação de tudo que é bom nas suas vidas [44] .
A acídia, tristeza em relação aos bens interiores
A partir de agora, voltamos a examinar a caracterização que Tomás faz da acídia, tristeza que é vício capital. Nada impede, porém, que alguns dos "sintomas" da acídia possam também surgir em casos de mera doença, sem alcance moral. E, reciprocamente, o diálogo com Tomás pode ser interessante para o estudioso de hoje, precisamente porque aponta para esse aspecto moral, tão esquecido.
Comecemos pela caracterização geral da acídia, que Tomás faz no De Malo, a acídia é o tédio ou tristeza em relação aos bens interiores, ao bem espiritual divino em nós.
A acídia - como João Damasceno deixou claro (De fide II, 14) - é uma certa tristeza, daí que Gregório (Mor. 31, 45) por vezes empregue a palavra "tristeza" em lugar de "acídia". Ora, o objeto da tristeza é o mal presente, como diz João Damasceno (De fide II, 12). Ora, assim como há um duplo bem - um que é verdadeiramente bem e outro que é um bem aparente, pelo fato de que é bom só segundo um determinado aspecto (pois só é verdadeiramente bem o que é bom independentemente deste ou daquele determinado aspecto particular) -, há também um duplo mal: o que é verdadeira e simplesmente mal e o mal relativo a um certo aspecto, mas que - para além desse particular aspecto - é, pura e simplesmente, bom.
Portanto, como são louváveis o amor, o desejo e o prazer referentes a um bem verdadeiro, e reprováveis, se referentes a um bem aparente, que não é verdadeiramente bem; assim também o ódio, o fastidio e a tristeza em relação ao mal verdadeiro são louváveis, mas em relação ao mal aparente (mas que em si mesmo é bom) são reprováveis e constituem pecado.
Ora, a acídia é o tédio ou tristeza em relação aos bens interiores e aos bens do espírito, como diz Agostinho a propósito do Salmo (104, 18): "Para a sua alma, todo alimento é repugnante". E sendo os bens interiores e espirituais verdadeiros bens e só aparentemente podem ser considerados males (na medida em que contrariam os desejos carnais) é evidente que a acídia tem por si caráter de pecado. (De Malo, questão 11 - A acídia. Artigo 1 - "Se a acídia é pecado")
Algumas passagens complementares
Alguns aspectos complementares, mais ou menos importantes - mais importantes ou menos importantes - extraídos de observações esparsas na obra de Tomás, podem nos ajudar na compreensão desse pecado capital.
A acídia é uma possibilidade exclusiva do homem: o pecado dos anjos não pode ter sido o de acídia, porque o anjo não pode ter tédio em relação aos bens espirituais [45] .
Em sua dimensão que produz inação, a acídia caracteriza-se pela veemência da tristeza, que imobiliza o homem, retardando a ação, daí que S. João Damasceno afirme ser uma tristeza agravante, pesada, isto é, paralisadora [46] .
Há dois vícios capitais que são tristezas: acídia e inveja. A acídia é a tristeza pelo próprio bem espiritual; a inveja, pelo bem alheio [47] .
A acídia - tal como os outros pecados capitais - gera outros pecados, mas isto não quer dizer que os pecados não possam ter, por vezes, outras causas. Pode-se dizer, no entanto, que todos os pecados que provêm da ignorância, podem recair na acídia, à qual pertence a negligência, pela qual se recusa a aquisição dos bens espirituais [48] .
Tomás, ao comentar que alguns autores estabelecem uma correspondência entre os sete dons do Espírito Santo e os sete pecados capitais, indica que o oposto da acídia seria o dom da fortaleza (In III Sent. d. 34, q. 1, a.2 , c), o esforço por não se deixar dominar por essa acidez da alma.
Na ligação entre acídia e desespero (da qual ainda havemos de falar), Tomás faz uma fina observação psicológica: chega-se à situação de considerar que o bem árduo seja impossível de alcançar por si ou por outro, por meio de um profundo abatimento, que, quando chega a dominar o afeto do homem, parece-lhe que nunca mais poderá empreender algo de bom. E como a acídia é uma tristeza que abate o espírito, a acídia gera o desespero. Ora, a esperança tem por objeto próprio aquilo que é possível, pois o bem e o árduo, dizem respeito também a outras paixões. Daí que o desespero nasça especialmente da acídia [49] .
E à objeção de que o desespero provém da negligência, Tomás responde que a própria negligência decorre da acídia. E observa que o homem triste não pensa em coisas grandes e belas, mas só em coisas tristes, a menos que por um grande esforço - lembremos que a acídia se opõe à fortaleza - afaste-se das coisas tristes [50] .
A acídia tematicamente tratada em II-II, 35 (e em De Malo, 11)
Tanto a Suma Teológica (II-II, 35) como o De Malo (q. 11), há uma questão sobre a acídia, nos dois casos a argumentação é muito semelhante e inclusive essas questões estão divididas nos mesmos quatro artigos: a acídia como pecado, a acidia como vício especial, como pecado mortal e como vício capital. Neste tópico. tomaremos como base a Summa, complementando com o De Malo, quando for o caso.
Artigo 1, se a acídia é pecado. E a dificuldade de ter iniciativas.
A primeira objeção é a de que sendo a tristeza uma paixão, não é boa nem má. Em sua resposta, Tomás reafirma que a tristeza pelo bem, a acídia, e a tristeza demasiada pelo mal é que são más [51] .
A segunda objeção é a de que não pode haver pecado que se deva à fraqueza corporal, pecado com hora marcada (a tentação do meio-dia). Tomás responde dizendo que "a culpa" do assédio da acídia ao meio-dia é do jejum dos monges, pois toda fraqueza corporal predispõe à tristeza, mais aguda nessa hora, pela fome e pelo calor [52] . Tomás é tão "materialista", que nas questões de Quodlibet, tratando do jejum, dirá que o jejum é sem dúvida pecado (absque dubio peccat), quando debilita a natureza a ponto de impedir as ações devidas: que o pregador pregue, que o professor ensine, que o cantor cante..., que o marido tenha potência sexual para atender sua esposa! Quem assim se abstém de comer ou de dormir, oferece a Deus um holocausto, fruto de um roubo [53] .
Uma outra observação interessante no corpo do artigo 1 da Suma é a de que o peso da tristeza da acídia de tal modo deprime o ânimo do homem, que nada do que ele faz o agrada; tal como as coisas ácidas, que são frias. Daí o tédio e a enorme dificuldade de começar qualquer ação e a caracterização da acídia como "torpor da mente em começar um ato bom" [54] . Tanto para a acídia como para a depressão, essa dificuldade para empreender, para começar, essa falta de "iniciativa" (não por acaso "iniciativa" vem de "iniciar", pois: "Burro só não gosta de principiar viagens" [55] ) manifesta-se - bem o sabem os que passaram por depressão - até no ato de iniciar o dia, o banho. No "Poema em Linha Reta", o heterônimo Álvaro de Campos diz:
"Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho".
Ou, em outro depoimento do livro de Solomon:
Lembro de estar deitado na cama, imobilizado, chorando por estar assustado demais para tomar banho, e ao mesmo tempo sabendo que chuveiros não são assustadores. Eu continuava dando os passos, um por um, na minha mente; você gira e põe os pés no chão; fica em pé; anda até o banheiro; abre a porta do banheiro; vai até a borda da banheira; abre a água; entra embaixo dela; passa sabonete; enxágua-se; sai da banheira; enxuga-se; volta para a cama. Doze passos, que me pareceram tão onerosos coma as estações da via-crucis. Mas eu sabia, logicamente, que os banhos eram muito fáceis de tomar, que durante anos eu havia tomado uma ducha todos os dias e que o fizera tão rapidamente e tão prosaicamente que isso sequer era digno de um comentário. Etc. etc. etc. [56]
No artigo 2, Tomás discute se a acídia é vício especial.
Trata-se de trazer à tona a especificidade da acídia, pois todo qualquer vício se opõe ao bem espiritual. Distinguindo-a também da fuga do bem espiritual por considerá-lo trabalhoso, molesto ao corpo ou impeditivo dos prazeres corporais. A acídia se entristece do bem divino, que se alegra na caridade [57] .
O artigo 3 discute se a acídia é pecado mortal e a atitude oposta à acídia.
A primeira objeção é interessantíssima: se a acídia fosse pecado mortal, chocaria de frente com algum mandamento da lei de Deus; mas percorrendo, um por um, os dez mandamentos vê-se que a acídia não se opõe a nenhum deles e, portanto não é pecado mortal. A resposta de Tomás - sugestivamente, sem maiores explicações - é que a acídia se opõe ao mandamento de guardar o sábado, que prescreve o repouso da mente em Deus [58] .
Como é possível identificar preguiça e acídia, se esta opõe-se ao mandamento do repouso?!
Observemos mais de perto a formulação de Tomás:
"...praecipitur quies mentis in Deo, cui contrariatur tristitia mentis de bono divino"
Nesse sentido, é interessante observar que, para Tomás, essa quies mentis é a atitude de festa da alma, instalada na skholé (no sentido aristotélico) e fruindo da contemplação.
Ao falar da vida contemplativa e de sua superioridade, a superioridade de Maria em relação a Marta, diz:
4. In vita contemplativa est homo magis sibi sufficiens, quia paucioribus ad eam indiget. unde dicitur Luc. X, "Martha, Martha, sollicita es et turbaris erga plurima. (...)
6 Vita contemplativa consistit in quadam vacatione et quiete, secundum illud Psalmi, "Vacate, et videte quoniam ego sum Deus". (II-II 182, 1)E explicando o sentido da fala de Cristo "vinde e vede" (Jo 1, 39), de como se chega ao conhecimento de Deus, Tomás diz:
Per mentis quietem, seu vacationem; Ps. XLV, 11: 'Vacate, et videte'. (Super Ev. Io. cp 1 lc 15)
Esse salmo "vacate, et videte quoniam ego sum Deus" (skholasate na versão dos Setenta!) é citado dezenas de vezes por Tomás: como atitude típica do terceiro mandamento (In III Sent. d. 37 q. 1 a. 2bco; I-II, 100, 3 ad 2 etc.), o avesso da acídia. Não se trata somente de ausência de perturbações exteriores, mas também das interiores (II-II 181, 4 ad 1).
Ainda nesse artigo, a terceira objeção é também sugestiva: se a acídia - como diz Cassiano - é experimentada principalmente pelos varões perfeitos, pelos ascetas, então como pode ser pecado? Tomás responde dizendo que os santos estão sujeitos aos "sintomas" da acídia, não que consintam com essa tentação de repugnância pelos bens do espírito [59] .
Artigo 4: as filhas da acídia
O artigo 4 é muito importante. Nele encontramos os desdobramentos da acídia, particularmente importantes para o homem de hoje:
Gregório (Mor. XXXI, 45) acertadamente indica as filhas da acídia. De fato, como diz o Filósofo (Eth. 7, 5-6, 1158 a 23): "ninguém pode permanecer por muito tempo em tristeza, sem prazer", e daí se seguem dois fatos: o homem é levado a afastar-se daquilo que o entristece e a buscar o que lhe agrada e aqueles que não conseguem encontrar as alegrias do espírito instalam-se nas do corpo (Eth. 10, 9, 1176 b 19). Assim, quando um homem foge da tristeza opera-se o seguinte processo: primeiro foge do que o entristece e, depois, chega a empreender uma luta contra o que gera a tristeza. Ora, no caso da acídia, em que se trata de bens espirituais, esses bens são fins e meios. A fuga do fim se dá pelo desespero. Já a fuga dos bens que conduzem ao fim dá-se pela pusilanimidade, que diz respeito aos bens árduos e que requerem deliberação, e pelo torpor em relação aos preceitos, no que se refere à lei comum. Por sua vez, a luta contra os bens do espírito que, pela acídia, entristecem, é rancor, no sentido de indignação, quando se refere aos homens que nos encaminham a eles; é malícia, quando se estende aos próprios bens espirituais, que a acídia leva a detestar. E quando, movido pela tristeza, um homem abandona o espírito e se instala nos prazeres exteriores, temos a divagação da mente pelo ilícito (...).
Já a classificação de Isidoro dos efeitos da acídia e da tristeza recai na de Gregório. Assim, a amargura, que Isidoro situa como proveniente da tristeza, é um certo efeito do rancor; a ociosidade e a sonolência reduzem-se ao torpor em relação aos preceitos: o ocioso os abandona e o sonolento os cumpre de modo negligente. Os outros cinco casos recaem na divagação da mente: é importunitas mentis, quando se refere ao abandono da torre do espírito para derramar-se no variado; no que diz respeito ao conhecimento, é curiositas; ao falar, verbositas; ao corpo, que não permanece num mesmo lugar, inquietudo corporis (é o caso em que os movimentos desordenados dos membros indicam a dispersão do espírito); ao perambular por diversos lugares, instabilitas, que também pode ser entendida como instabilidade de propósitos [60] .
A primeira das filhas da acídia é o desespero. Este ponto foi especialmente analisado por Pieper (a quem sigo de perto neste parágrafo), que liga diretamente o desespero à outra filha da acídia: a pusilanimidade: paralisado pela vertigem, pelo medo das alturas espirituais e existenciais a que Deus o chama, a acídia não encontra ânimo nem vontade de ser tão grande como realmente está chamado a ser; abdica do "torna-te o que és", a famosa sentença com que Píndaro resume toda ética, que, como a de Tomás, está centrada no ser. Quando passamos ao plano da graça, a acídia é uma "tristitia de bono spirituali inquantum est bonum divinum" (II-II 35, 3), um aborrecer-se de que Deus o tenha elevado ao plano da filiação divina, à participação em sua própria vida íntima. Queimado por essa tristeza - existencialmente suicida - e movido pela queimadura de sua acidez, surge a evagatio mentis, a dispersão de quem renunciou a seu centro interior e, portanto, entrega-se à importunitas: abandonar a torre do espírito, para derramar-se no variado, buscando afogar a sede na água salgada das compensações e prazeres de uma atividade desenfreada: num falatório inócuo (verbositas), o agitar-se, o mover-se (instabilitas), a incapacidade de concentrar-se em um propósito (instabilitas) e a um afã desordenado de sensações e de conhecimento (curiositas).
Acídia e suas filhas, hoje.
Mesmo uma descrição breve das filhas da acídia, torna evidente seus perigos: o desenraizamento, a abdicação do processo de auto-realização profunda do eu, que passa a espalhar-se no variado (importune ad diversa se diffundere) etc. Se já Pascal, em um dos Pensamentos (136/139), afirma que toda a infelicidade do homem procede de uma única coisa: ele não poder estar a sós consigo mesmo em um quarto [61] , hoje, mais do que nunca, essas possibilidades de dispersão estão disponíveis e encontram-se - potenciadas ao máximo - por toda parte.
Doença, pecado ou um misto de falta moral e enfermidade, o fato é que a tristeza é uma poderosa força destruidora, convidando a (ou impondo) diversas compulsões: das drogas ao jogo, do consumismo ao workaholism, etc. Por trás de tudo isto, não haverá um componente daquela desperatio, daquela curiositas, daquela evagatio mentis, daquela instabilitas?
Paulinho da Viola [62] , cuja obra representa o avesso da acídia, a atitude de festa da alma (quem assistiu ao filme "Meu tempo é hoje" - com as inesquecíveis cenas da Velha Guarda da Portela, da roda de samba com Zeca Pagodinho, dos trabalhos com madeira de Paulinho etc - concordará imediatamente), apresenta-nos agudamente a acídia em nosso quotidiano, na canção "Sinal Fechado".
SINAL FECHADO - Paulinho da Viola
Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem eu vou indo, correndo
Pegar um lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca
De um sono tranqüilo, quem sabe?
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
Oh! Não tem de quê
Eu também só ando a cem
Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
Pra semana, prometo talvez nos vejamos
Quem sabe?
Quanto tempo... pois é...
Quanto tempo...
Tanta coisa eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge a lembrança
Por favor, telefone, eu preciso
Beber alguma coisa, rapidamente
Pra semana
O sinal...
Eu procuro você
Vai abrir...
Prometo, não esqueço
Por favor, não esqueça, por favor
Adeus...
Não esqueço
Adeus... Adeus...Para finalizar, uma nota sobre o consumismo, que é, como dizíamos, uma das formas daquel "derramar-se no variado". A propósito do consumismo, Tomás tem uma observação muito interessante e extremamente "moderna". No começo da I-II, ao se questionar se o fim último, a felicidade está nas riquezas, ele, naturalmente, responde que não: os bens naturais ordenam-se ao homem (e não ao contrário), e o dinheiro, por sua vez, serve apenas para a aquisição desses bens. Porém o dinheiro traz em si um perigo específico: ele imita falsamente a infinitude do verdadeiro bem supremo:
O apetite das riquezas naturais não é infinito, porque, a partir de uma certa medida, as necessidades naturais são satisfeitas. Mas o apetite das riquezas artificiais é infinito, porque está a serviço de uma concupiscência desordenada e que não tem medida, como fica evidente pelo Filósofo. No entanto, são diferentes os desejos infinitos do Sumo Bem e das riquezas. Pois quanto mais perfeitamente se possui o Sumo Bem, mais ele é amado e mais se desprezam os outros bens (...); já com o apetite do dinheiro e dos bens temporais acontece o contrário: quando são obtidos, são desprezados e buscam-se outros (...) Sua insuficiência é mais conhecida quando são possuídos (I-II, 2, 1 ad 3) [63] .
Começa assim o famoso "ciclo vicioso": o desespero leva-me ao consumo, que, mostrando-se insuficiente (e os bens de consumo mostram-se mais insuficeintes quando são consumidos), leva a mais desespero e a mais consumo... E o mesmo se dá em relação às demais atividades movidas pela acídia. Um significativo anúncio publicitário, do começo da era dos video-games, dizia:
Atari. Antes com ele do que mal-acompanhado. Atari. Transforma um simples aparelho de TV numa máquina que vai além da imaginação. Atari. O fascínio da ficção dentro da realidade da sua casa (...). Atari. De manhã, de tarde, de noite, a hora que você quiser. Atari. Muitos cartuchos já lançados. Atari. Todos os meses, novos hits. (...) Atari. Companheiro dos solteiros, dos solitários, dos mal-amados, dos descasados. Atari. Um sistema de 6a. geração combatendo a solidão...
E uma última palavra sobre a resistência à acídia. Tomás observa que a luta contra os pecados não é uniforme: em alguns casos deve-se fugir simplesmente, sem considerações intelectuais; em outros, como no caso da acídia, quanto mais nos aplicamos a refletir intelectualmente sobre os bens espirituais, mais agradáveis eles se tornam para nós e, assim, cessa a acídia [64] .
ANEXO
As filhas da acídia. A contribuição de Pieper.
Quando se compreende o significado das filhas da acídia, vê-se imediatamente a enorme atualidade e o alcance existencial do tema. Lembremos que Gregório havia enumerado: desespero, pusilanimidade, torpor, rancor, malícia e divagação da mente. Quanto a esta última, Isidoro, por assim dizer, a desdobra em: importunitas mentis, curiositas; verbositas; inquietudo corporis e instabilitas.
Anexo 1 - Ácídia e curiositas - Texto de Josef Pieper [65]
Há um desejo de ver que perverte o sentido original da visão e leva o próprio homem à desordem. O fim do sentido da vista é a percepção da realidade. A 'concupiscência dos olhos', porém, não quer perceber a realidade, mas ver. Agostinho diz que a avidez dos gulosos não é de saciar-se, mas de comer e saborear; e o mesmo se pode aplicar à curiositas e à 'concupiscência dos olhos'. A preocupação deste ver não é a de apreender e, fazendo-o, penetrar na verdade, mas a de se abandonar ao mundo, como diz Heidegger em seu Ser e Tempo. Tomás liga a curiositas à evagatio mentis, 'dissipação do espírito', que considera filha primogênita da acídia. E a acídia é aquela tristeza modorrenta do coração que não se julga capaz de realizar aquilo para que Deus criou o homem. Essa modorra mostra sempre sua face fúnebre, onde quer que o homem tente sacudir a ontológica e essencial nobreza de seu ser como pessoa e suas obrigações e sobretudo a nobreza de sua filiação divina: isto é, quando repudia seu verdadeiro ser! A acídia manifesta-se assim, diz Tomás, primeiramente na 'dissipação do espírito' (a sua segunda filha é o desespero e isto é muito elucidativo). A 'dissipação do espírito' manifesta-se, por sua vez, na tagarelice, na apetência indomável 'de sair da torre do espírito e derramar-se no variado', numa irrequietação interior, na inconstância da decisão e na volubilidade do caráter e, portanto, na insatisfação insaciável da curiositas.
A perversão da inclinação natural de conhecer em curiositas pode, conseqüentemente, ser algo mais do que uma confusão inofensiva à flor do ser humano. Pode ser o sinal de sua total esterilidade e desenraizamento. Pode significar que o homem perdeu a capacidade de habitar em si próprio; que ele, na fuga de si, avesso e entediado com a aridez de um interior queimado pelo desespero, procura, com angustioso egoísmo, em mil caminhos baldados, aquele bem que só a magnânima serenidade de um coração preparado para o sacrifício, portanto senhor de si, pode alcançar: a plenitude da existência, uma vida inteiramente vivida. E porque não há realmente vida na fonte profunda de sua essência, vai mendigando, como outra vez diz Heidegger, na 'curiosidade que nada deixa inexplorado', a garantia de uma fictícia 'vida intensamente vivida'.
Anexo 2 - Acedia y desesperación - Texto de Josef Pieper [66]
El principio y raíz de la desesperación es la «acedia», la «pereza». No hay probablemente un concepto de la ética que se haya «aburguesado» tan notoriamente en la conciencia del cristiano medio como el concepto de la «acedia». (Parte de culpa es, ciertamente, de la traducción por «pereza», la cual corresponde en cierta medida al sentido inmediato de la palabra griega akedia, pero sin dar más que una idea incompleta e imperfecta del auténtico contenido conceptual).
La noción que se ha hecho popular del pecado capital de la pereza gira en torno del dicho «la ociosidad es la madre de todos los vicios». La pereza, según esta opinión, es lo contrario de diligencia y laboriosidad; es casi sinónimo de dejadez y desaplicación. De este modo la «acedia» se convierte casi en un concepto de Ia vida industriosa de la burguesía. Y el hecho de que se la cuente entre los siete «pecados capitales» parece que es, por así decirlo, una confirmación y sanción religiosa de la ordenación capitalista del trabajo.
Ahora bien, esta idea no es sólo una mera trivialización y vaciamiento del concepto primario teológico-moral del pecado de la «acedia», sino su verdadera subversión.
La teología tradicional de Ia Iglesia considera Ia «acedia» como una especie de tristeza, species tristitiae (1-2, 35, 8; 2-2, 35; Mal. 11; Ver. 26, 4 ad 6), precisamente una tristeza respecto del bien divino del hombre. Esta tristeza, a causa de la elevación del ser humano producida por Dios, paraliza, pesa, descorazona (el momento de la auténtica «pereza» es, por tanto, sólo secundario).
Lo opuesto a la «acedia» no es la laboriosidad y la diligencia, sino la grandeza de ánimo y aquella alegría que es el fruto del amor divino sobrenatural. La «acedia» y la diligencia burguesa no sólo pueden coexistir perfectamente, sino que hay que buscar el origen del desmesurado y excesivo pathos del trabajo, propio de nuestra época, en la «acedia», que es precisamente un rasgo fundamental de la fisonomía espiritual de este tiempo. (La absurda frase «trabajar y no desesperar» es instructiva a este respecto). La pereza a que alude el concepto de la «acedia» se contrapone tan poco al «trabajo» en el sentido burgués, que Santo Tomás puede decir que la «acedia» es precisamente un pecado contra el tercer mandamiento, en el que se ordena al hombre el «descanso del espíritu en Dios» (14 2-2, 35, 3 ad 1; Mal. 11, 3 ad 2). El auténtico descanso y ocio sólo es posible presuponiendo que el hombre se adhiere a su auténtico y verdadero sentido.
La teología clásica de la Iglesia considera como «acedia» la tristitia saeculi (Mal. 11, 3), aquella tristeza del mundo de la cual dice San Pablo, en la segunda Epístola a los Corintios (7, 10), que «lleva a la muerte».
Esa tristeza es una carencia de grandeza de ánimo; no quiere proponerse la empresa grande propia de la naturaleza del cristiano. Es una especie de angustioso vértigo que acomete al hombre cuando se da cuenta de la altura adonde lo eleva Dios. El hombre afectado de «acedia» no tiene ni el ánimo ni la voluntad de ser tan grande como realmente es. Preferiría empequeñecerse para sustraerse de este modo a la obligación de la grandeza. La «acedia» es una humildad pervertida; no quiere aceptar los bienes sobrenaturales, porque implican esencialmente una exigencia para el que los recibe. En la esfera anímico-vital del sano y del enfermo hay algo parecido. La psiquiatría se encuentra frecuentemente con el hecho de que un neurótico tiene superficialmente el deseo de curarse, pero en realidad nada teme más que la exigencia de lo que naturalmente se exige a una persona sana.
La «acedia» es, en la medida en que pasa del terreno del afecto al de la decisión espiritual, una aversión consciente, una auténtica huida de Dios. El hombre huye ante Dios porque lo ha elevado a un modo de ser superior, divino, y le ha obligado, por tanto, a una norma superior de deber. La «acedia», finalmente, es una franca detestatio boni divini (Mal. 8, 1. 17), lo cual significa la monstruosidad de que el hombre tenga la convicción y el deseo expreso de que Dios no le debería haber elevado, sino «dejado en paz» (2-2, 35, 3).
La pereza como pecado capital es la renuncia malhumorada y triste, estúpidamente egoísta, del hombre a la «nobleza que obliga» de ser hijos de Dios.
Esta filiación divina, sin embargo, es a su vez -como posibilidad y necesidad real- un hecho irrevocable que nadie puede cambiar en nada. Y puesto que este hecho irrevocable, que no se puede comparar con la oferta, procedente del exterior, de un regalo, no es otra cosa que una nueva conformación del ser íntegro del hombre y que afecta al centro mismo de su esencia, por eso la «acedia», en último término, significa que el hombre no quiere ser lo que Dios quiere que sea, es decir, que no quiere ser lo que realmente es.
La «acedia» es lo que Kierkegaard, en su libro sobre la desesperación (La enfermedad y la muerte), ha llamado «la desesperación de la debilidad», que es un estado previo de la auténtica desesperación, y que consiste en que el «desesperado no quiere ser él mismo»
La desesperación no es la única hija de la «acedia», aunque sí la más legitima. Santo Tomás ha reunido, en una especie de diabólica constelación, las filiae acediae, los acompañantes y hermanos de la desesperación (Mal. 11, 4; 2-2, 35, 4 ad 2. 19). Es útil dirigir un momento la atención a estas concomitancias. Pues como no es azarosa esta conexión, sino que está fundada en el hecho de su común origen, el conocimiento de esa afinidad arroja una luz que ilustra el modo de ser propio de la desesperación.
Además de la desesperación, la «acedia» engendra, en primer término, una vagabunda inquietud del espíritu, la evagatio mentis: «Ningún hombre puede mantenerse en la tristeza» (Mal. 11, 4.); y como es precisamente su mismo ser auténtico lo que produce tristeza en el hombre que cae en la «acedia», resulta que este hombre se esfuerza en evadirse del reposo en el centro auténtico de su esencia.
La evagatio mentis se revela a su vez en la abundancia de palabras de Ia conversación (verbositas), en la insaciabilidad del afán de novedades (curiositas), en el desenfreno sin respetos con que «saliendo de la mansión del espíritu se dispersa en diversas cosas» (importunitas), en la interna falta de sosiego (inquietudo), en la inestabilidad de lugar y decisión (instabilitas loci vel propositi) (2-2, 35, 4 ad 3.). Una observación incidental: todos estos conceptos, relacionados, con la «vagabunda inquietud del espíritu», se repiten en el análisis heideggeriano de la «existencia humana cotidiana», el cual, ciertamente, no llega a calar en la significación religiosa de la «acedia»: «Huida de la existencia humana de si misma», «charlatanería», «curiosidad» como estar ocupado en las «posibilidades de entregarse al mundo», «no parar», «dispersión», «falta de reposo».
A la evagatio mentis y a la desesperación sigue la tercera hija de la «acedia», la embotada indiferencia (torpor) ante todo lo que en verdad es necesario para Ia salvación del hombre; esa indiferencia está unida, por una interna necesidad, a la triste e indolente negación del «hombre superior». La cuarta hija es la poquedad de ánimo (pusillanimitas), ante todo, en cuanto a las posibilidades místicas del hombre. En quinto lugar, la irritada oposición a todo aquello cuyo oficio es cuidar de que la verdadera y divina mismidad del hombre no caiga en el olvido, en el enajenamiento. Y, finalmente, la auténtica maldad (malitia), nacida del odio contra lo divino que hay en el hombre, la consciente e interna elección del mal en cuanto tal (Mal. 3, 14 ad 8)
Decíamos que la apática tristeza de la «acedia» es uno de los rasgos decisivos de la fisonomía íntima de nuestra época, la misma época que ha proclamado como ideal el «mundo trabajador totalitario».
Esta apatía determina -como característica de la secularización- la fisonomía de toda época en la que la llamada a las tareas auténticamente cristianas empieza a perder obligatoriedad pública. La «acedia» es el sello de toda época que desespera de sacudirse de encima la «nobleza que obliga» de ser cristiano y que, por tanto, en su desesperación, intenta negar su verdadera mismidad.
Aquella mera enumeración de las «hijas de la apatía», las hermanas de la desesperación, ¿no es ya una sorprendente confirmación de este diagnóstico? ¿No se lee con el vergonzoso fastidio de un hombre al que se le hubiese sorprendido en malos pasos? ¿No ve nuestra época que han madurado todos aquellos frutos de la tristeza desesperada?
Todo esto no se dice por el placer inútil, y por lo demás muy fácil, de rastrear las debilidades de nuestra época, sino porque las tentaciones de la «acedia» y de la desesperación no son de tal índole que con apartar los ojos de ellas pierdan su fuerza. La tentación de la «acedia» y de la desesperación se vence únicamente con la vigilante resistencia de una mirada penetrante y atenta (2-2, 35, 1 ad 4.). El «trabajar» no anula la desesperación (a lo sumo la conciencia de ella) , sino sólo la clarividente grandeza de ánimo que confía en la grandeza de la existencia humana, auténtica en su mismidad, y se la exige, y el impulso sobrenatural de la esperanza en la vida eterna.
La raíz y el principio de la desesperación es la apática tristeza de la «acedia». Su «perfección» está acompañada de orgullo. La Teología ha señalado a menudo esta relación entre orgullo y desesperación. Si el hombre que al principio desespera «por debilidad» llega «a darse cuenta de por qué no quiere ser él mismo, entonces cambia repentinamente y entonces se presenta la obstinación» (Kierkegaard).
[1] Feita em 22-03-04, para as expressões "os sete pecados da" e "os sete pecados do".
[2] A Coleção "Plenos Pecados", lançada em 1998 pela editora Objetiva. Cf. http://www.objetiva.com/releases/plenos_pecados.htm
[3] Os sorvetes Magnum da Kibon. http://www.kibon.com.br/1/f_index.html
[4] Destacando-se Luma de Oliveira, que, alegorizando o pecado capital da luxúria (ver link abaixo), foi aclamada no desfile das grandes campeãs com o título de "Rainha das rainhas" de bateria: http://jbonline.terra.com.br/jb/evento/carnaval2001/rio/materia/2001/03/carriomat20010304015.html
[5] Esse fato - aliado à ignorância do assunto - permite "liberdades" como a da peça publicitária da Kibon, que inovou radicalmente, afirmando ser a vingança um pecado capital...!
[6] Ponto 1866.
[7] O Catecismo emprega o ou sinonímico, seu (como em "Lex nova seu Lex evangelica" #1952, #1965; "dies Domini seu Dominica" #2191). Mas no #2094 diz: "Acedia seu spiritualis pigritia".
[8] . Pieper, Josef Virtudes Fundamentales, Madrid, Rialp, 1976, pp. 393-394.
[9] Cf. Tomás de Aquino, Sobre o Ensino - Os Sete Pecados Capitais, trad. e estudos introdutórios de Jean Lauand, São Paulo, Martins Fontes, 2001.
[10] Entrevista a Jean Lauand et al., http://www.hottopos.com/videtur8/entrevista.htm
[11] Além disso, o relacionamento entre ética e linguagem torna-se ainda mais problemático por conta da conhecida "lei" - C. S. Lewis estuda isto brilhantemente em seu clássico Studies in Words - que registra a inflação semântica das palavras que exprimem realidades morais. O pior é que não se trata só de esvaziamento das palavras fundamentais, mas, por vezes, de autêntica inversão de polaridade: a palavra que designava uma virtude passa a designar um vício. É o que ocorreu, por exemplo, com a palavra "simples" (simplex) e com a palavra "prudência" (prudentia). Cf. p. ex. http://www.hottopos.com/mirand14/evucc.htm . É por essa razão que Pieper fala de inversão, de perversão na moderna substituição da acídia pela preguiça.
[12] Moralia in Iob 31, 45. Nessa enumeração a tristeza compreende a acídia
[13] Ponto 1866.
[14] Por exemplo em Sent. Libri Ethicorum Lb2, Lc 7, 2
[15] Conlationes V, 9
[16] . Nos dois sentidos da palavra: líder - o primeiro lugar; e líder - aquele que dirige, leader.
[17] 115 vezes grafada como accidia; 128, como acedia)
[18] A preguiça, diz Tomás, diz respeito à tardança na execução das ações: "Pigritia autem et torpor magis pertinent ad executionem, ita tamen quod pigritia importat tarditatem ad exequendum; torpor remissionem quandam importat in ipsa executione. et ideo convenienter torpor ex acedia nascitur, quia acedia est tristitia aggravans,idest impediens animum ab operando". (II-II, 54, 2 ad 1).
[19] . http://members.aol.com/mdersch/brecht.html
[20] . Solomon, Andrew O demônio do meio-dia - uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro, Objetiva, 2002. Tit. orig. A noonday demon - an atlas of depression.
[21] . De fato, Cassiano começa o livro X das Instituições, dedicado à acídia, falando de como especialmente os solitários estão sujeitos a ela, sobretudo à "hora sexta". É, prossegue, o que os monges mais antigos designam por "demônio do meio-dia". Ao explicar o porquê do título de seu livro sobre a depressão, Andrew Solomon, diz: "Tomei a frase [de Evágrio e Cassiano] como título deste livro porque descreve exatamente o que se experimenta na depressão. A imagem serve para conjurar a terrível sensação de invasão que acompanha a situação difícil do depressivo. Há algo duro e afrontoso na depressão. A maioria dos demônios - a maioria das formas de angústia - apóia-se na cobertura da noite. Vê-los claramente é derrotá-los. A depressão apresenta-se ao fulgor total do sol, não se sentindo desafiada pelo reconhecimento. Etc." (op. cit. p. 271).
[22] . Op. cit. p. 272.
[23] . Por exemplo em II-II, 28, 4 ad 1, ele explicita que está a discutir a tristeza que é vício.
[24] . Videtur quod somnus et balneum non mitigent tristitiam. Tristitia enim in anima consistit. Sed somnus et balneum ad corpus pertinent. Non ergo aliquid faciunt ad mitigationem tristitiae.
Ad primum ergo dicendum quod ipsa debita corporis dispositio, inquantum sentitur, delectationem causat, et per consequens tristitiam mitigat.
[25] . I-II, 32, 8 ad 2.
[26] . In Sent. IV, d. 49. q. 3, a. 5, c.
[27] . Trato mais detalhadamente deste aspecto em "Transtorno Bipolar: a Normal 'Patologia' de Tomás de Aquino", Mirandum 9, Porto, GFM - Univ. do Porto, 2002. Disponível também on line em: http://www.hottopos.com.br/mirand9/bipolar.htm
[28] . Trato mais detalhadamente deste aspecto em "Transtorno Bipolar: a Normal 'Patologia' de Tomás de Aquino", Mirandum 9, Porto, GFM - Univ. do Porto, 2002. Disponível também on line em: http://www.hottopos.com.br/mirand9/bipolar.htm
[29] . Tomás - comentando aquela inquietante cena do Evangelho na qual, após Cristo livrar a cidade de um energúmeno furioso, os habitantes unanimente rogam-lhe que vá embora (Mt 8, 34; Mc 5, 17; Lc 8, 37) - desfere um terrível diagnóstico: "Infirma enim mens... non potest pondus sustinere sapientiae", a mediocridade não suporta a grandeza da sabedoria... Só a partir da "felicidade" do néscio, se faz, de algum modo, compreensível a mudança de sentido da palavra "nice" (do latim nescius) em inglês (cfr. OED): desde seu significado original - 1. Foolish, stupid, senseless. (common in 14th and 15th c.) - até o atual: 15. Agreeable; that one derives pleasure or satisfaction from; delightful. O OED observa ainda - no sentido do Aquinate: "Dicitur enim aliquis insensatus, si in aetate perfecta discretione careat, non autem in puerili aetate" (In Met. X, 6, 20) - que nice se aplica propriamente a adultos. The Oxford English Dictionary, 2nd. Edition on Compact Disk, Oxford University Press, 1992.
[30] . Prado, Adélia Poesia Reunida, São Paulo, Siciliano, 1991.
[31] . Ibidem, "Paixão".
[32] . Também para a doutrina da participação, vejas-se o já citado: "Transtorno Bipolar..."
[33] . "Meditatus sum in omnibus operibus tuis, et in factis manuum tuarum meditabar".
[34] . "Quem quidem ordinem ex praemissis verbis sumere possumus" CG II, 1
[35] . "Secunda vero, eo, quod sit perfectio facti, 'factionis', nomen assumit; unde 'manufacta' dicuntur quae per actionem huiusmodi ab artifice in esse procedunt" (CG II, 1).
[36] . "Divinorum factorum meditatio necessaria est - CG II, 2
[37] . "Sicut bonum creatum est quaedam similitudo et participatio boni increati, ita adeptio boni creati est quaedam similitudinaria beatitudo".
[38] . Cfr. p. ex. meu estudo: "A doutrina da participação na Estética clássica", Revista Internacional d'Humanitats, Univ. Autònoma de Barcelona - Dep. de Ciències de l'Ant. i de l'Edat Mitjana/ Edf-Feusp, Barcelona-S. Paulo, vol. II, 1999, pp. 51-58.
[39] . Neste trecho e o anterior, cito pela Bíblia on line da Nathan: http://www.nathan.co.za/biblipor.asp
[40] . A autora ofertou-me o único manuscrito - durante a entrevista que me concedeu em 5-11-93 e que foi publicada em Lauand, L. J. Interfaces, São Paulo, Hottopos, 1997 - com a sugestiva dedicatória "com a esperança do Reino, que já está aqui".
[41] . Note-se que Tom Jobim afirma uma concepção de arte como participação, no sentido tomasiano, como procurei mostrar em "A Filosofia da arte de S. Tomás e Tom Jobim", Atualidade, semanário da PUC-PR, N. 246, 28-7 a 3-8-91, p.8. Nesse sentido está "... o depoimento, imensamente profundo, de Tom Jobim sobre a criação artística em recente entrevista quando foi contemplado nos EUA com a mais alta distinção com que pode ser premiado um compositor, o Hall of Fame : 'Glória? A glória é de Deus e não da pessoa. Você pode até participar dela quando faz um samba de manhã'. E complementa: 'Glória são os peixes do mar, é mulher andando na praia, é fazer um samba de manhã'".
[42] . "Est autem duplex defectus pulchritudinis in creaturis: unus, quod quaedam sunt quae habent pulchritudinem variabilem, sicut de rebus corruptibilibus apparet (...) Secundus autem defectus pulchritudinis est quod omnes creaturae habent aliquo modo particulatam pulchritudinem sicut et particulatam naturam; hunc defectum excludit a Deo, quantum ad omnem modum particulationis... Deus quoad omnes et simpliciter pulcher est" (In De div. nom. cp 4, lc 5).
[43] . Op.cit., p. 380.
[44] . Op.cit., p. 381.
[45] . Angeli in hoc quod Deo ministrant et merentur, laborem vel taedium non habent: et ideo peccatum accidiae eis non competit (In II Sent. d.5, q. 1, a.3, ad 3).
[46] . Accidia autem intensionem tristitiae, intantum ut immobilitet hominem, actionem retardans; unde dicitur a Damasceno, quod est tristitia aggravans, idest immobilitans. (In III Sent. d. 26, q. 1, a.3, c).
[47] . Quia aut hoc est respectu boni proprii, et sic est acedia, quae tristatur de bono spirituali, propter laborem corporalem adiunctum. Aut est de bono alieno, et hoc, si sit sine insurrectione, pertinet ad invidiam, quae tristatur de bono alieno, inquantum est impeditivum propriae excellentiae... (I-II, 84, 4 c).
[48] . Ista vitia dicuntur capitalia, quia ex eis ut frequentius alia oriuntur. unde nihil prohibet aliqua peccata interdum ex aliis causis oriri. Potest tamen dici quod omnia peccata quae ex ignorantia proveniunt, possunt reduci ad acediam, ad quam pertinet negligentia qua aliquis recusat bona spiritualia acquirere propter laborem, ignorantia enim quae potest esse causa peccati, ex negligentia provenit. (I-II 84, 4, ad 5).
[49] . Ad hoc autem quod aliquod bonum arduum non aestimet ut possibile sibi adipisci per se vel per alium, perducitur ex nimia deiectione; quae quando in affectu hominis dominatur, videtur ei quod nunquam possit ad aliquod bonum relevari. Et quia acedia est tristitia quaedam deiectiva spiritus, ideo per hunc modum desperatio ex acedia generatur. Hoc autem est proprium obiectum spei, scilicet quod sit possibile, nam bonum et arduum etiam ad alias passiones pertinent. Unde specialius oritur ex acedia. (II-II, 20, 4, c).
[50] . Ipsa etiam negligentia considerandi divina beneficia ex acedia provenit. Homo enim affectus aliqua passione praecipue illa cogitat quae ad illam pertinent passionem. unde homo in tristitiis constitutus non de facili aliqua magna et iucunda cogitat, sed solum tristia, nisi per magnum conatum se avertat a tristibus. (II-II, 20, 4, ad 3).
[51] . Ad primum ergo dicendum quod passiones secundum se non sunt peccata, sed secundum quod applicantur ad aliquod malum, vituperantur; sicut et laudantur ex hoc quod applicantur ad aliquod bonum. unde tristitia secundum se non nominat nec aliquid laudabile nec vituperabile, sed tristitia de malo vero moderata nominat aliquid laudabile; tristitia autem de bono, et iterum tristitia immoderata, nominat aliquid vituperabile. Et secundum hoc acedia ponitur peccatum. (II-II, 35, 1 ad 1).
[52] . Ad secundum dicendum quod passiones appetitus sensitivi et in se possunt esse peccata venialia, et inclinant animam ad peccatum mortale. et quia appetitus sensitivus habet organum corporale, sequitur quod per aliquam corporalem transmutationem homo fit habilior ad aliquod peccatum. Et ideo potest contingere quod secundum aliquas transmutationes corporales certis temporibus provenientes aliqua peccata nos magis impugnent. Omnis autem corporalis defectus de se ad tristitiam disponit. Et ideo ieiunantes, circa meridiem, quando iam incipiunt sentire defectum cibi et urgeri ab aestibus solis, magis ab acedia impugnantur. (II-II, 35, 1 ad 2).
[53] . Et ideo huiusmodi sunt adhibenda cum quadam mensura rationis: ut scilicet concupiscentia devitetur, et natura non extinguatur; secundum illud Ad Rom., XII, 1: "exhibeatis corpora vestra hostiam viventem; et postea subdit: rationabile obsequium vestrum. Si vero aliquis in tantum virtutem naturae debilitet per ieiunia et vigilias, et alia huiusmodi, quod non sufficiat debita opera exequi; puta praedicator praedicare, doctor docere, cantor cantare, et sic de aliis; absque dubio peccat; sicut etiam peccaret vir qui nimia abstinentia se impotentem redderet ad debitum uxori reddendum. unde Hieronymus dicit: "De rapina holocaustum offert qui vel ciborum nimia egestate vel somni penuria immoderate corpus affligit; et iterum rationalis hominis dignitatem amittit qui ieiunium caritati, vigilias sensus integritati praefert. (Quodl. 5, q. 9, a. 2, c).
[54] . Respondeo dicendum quod acedia, secundum Damascenum, est quaedam tristitia aggravans, quae scilicet ita deprimit animum hominis ut nihil ei agere libeat; sicuti ea quae sunt acida etiam frigida sunt. Et ideo acedia importat quoddam taedium operandi, ut patet per hoc quod dicitur in glossa super illud Psalm., "omnem escam abominata est anima eorum"; et a quibusdam dicitur quod acedia est torpor mentis bona negligentis inchoare. (II-II, 35, 1).
[55] . Guimarães Rosa, João Grande Sertão: Veredas, Riode Janeiro, José Olympio, 1979, 13a. ed. p. 392.
[56] . Op.cit., p. 381.
[57] . Respondeo dicendum quod, cum acedia sit tristitia de spirituali bono, si accipiatur spirituale bonum communiter, non habebit acedia rationem specialis vitii, quia sicut dictum est, omne vitium refugit spirituale bonum virtutis oppositae. Similiter etiam non potest dici quod sit speciale vitium acedia inquantum refugit spirituale bonum prout est laboriosum vel molestum corpori, aut delectationis eius impeditivum, quia hoc etiam non separaret acediam a vitiis carnalibus, quibus aliquis quietem et delectationem corporis quaerit. Et ideo dicendum est quod in spiritualibus bonis est quidam ordo, nam omnia spiritualia bona quae sunt in actibus singularum virtutum ordinantur ad unum spirituale bonum quod est bonum divinum, circa quod est specialis virtus, quae est caritas. unde ad quamlibet virtutem pertinet gaudere de proprio spirituali bono, quod consistit in proprio actu, sed ad caritatem pertinet specialiter illud gaudium spirituale quo quis gaudet de bono divino. et similiter illa tristitia qua quis tristatur de bono spirituali quod est in actibus singularum virtutum non pertinet ad aliquod vitium speciale, sed ad omnia vitia. Sed tristari de bono divino, de quo caritas gaudet, pertinet ad speciale vitium, quod acedia vocatur. (II-II, 35, 2, c).
[58] . Ad primum ergo dicendum quod acedia contrariatur praecepto de sanctificatione sabbati, in quo, secundum quod est praeceptum morale, praecipitur quies mentis in Deo, cui contrariatur tristitia mentis de bono divino. (II-II, 35, 3 ad 1).
[59] . Ad tertium dicendum quod in viris sanctis inveniuntur aliqui imperfecti motus acediae, qui tamen non pertingunt usque ad consensum rationis. (II-II, 35, 3 ad 3).
[60] . Gregorius convenienter assignat filias acediae. Quia enim, ut Philosophus dicit, in VIII Ethic., nullus diu absque delectatione potest manere cum tristitia, necesse est quod ex tristitia aliquid dupliciter oriatur, uno modo, ut homo recedat a contristantibus; alio modo, ut ad alia transeat in quibus delectatur, sicut illi qui non possunt gaudere in spiritualibus delectationibus transferunt se ad corporales, secundum philosophum, in X Ethic. In fuga autem tristitiae talis processus attenditur quod primo homo fugit contristantia; secundo, etiam impugnat ea quae tristitiam ingerunt. spiritualia autem bona, de quibus tristatur acedia, sunt et finis et id quod est ad finem. fuga autem finis fit per desperationem. Fuga autem bonorum quae sunt ad finem, quantum ad ardua, quae subsunt consiliis, fit per pusillanimitatem; quantum autem ad ea quae pertinent ad communem iustitiam, fit per torporem circa praecepta. Impugnatio autem contristantium bonorum spiritualium quandoque quidem est contra homines qui ad bona spiritualia inducunt, et hoc est rancor; quandoque vero se extendit ad ipsa spiritualia bona, in quorum detestationem aliquis adducitur, et hoc proprie est malitia. inquantum autem propter tristitiam a spiritualibus aliquis transfert se ad delectabilia exteriora, ponitur filia acediae evagatio circa illicita (...)Illa autem quae Isidorus ponit oriri ex tristitia et acedia reducuntur ad ea quae Gregorius ponit. nam amaritudo, quam ponit isidorus oriri ex tristitia, est quidam effectus rancoris. Otiositas autem et somnolentia reducuntur ad torporem circa praecepta, circa quae est aliquis otiosus, omnino ea praetermittens et somnolentus, ea negligenter implens. omnia autem alia quinque quae ponit ex acedia oriri pertinent ad evagationem mentis circa illicita. quae quidem secundum quod in ipsa arce mentis residet volentis importune ad diversa se diffundere, vocatur importunitas mentis; secundum autem quod pertinet ad cognitivam, dicitur curiositas; quantum autem ad locutionem, dicitur verbositas; quantum autem ad corpus in eodem loco non manens, dicitur inquietudo corporis, quando scilicet aliquis per inordinatos motus membrorum vagationem indicat mentis; quantum autem ad diversa loca, dicitur instabilitas. vel potest accipi instabilitas secundum mutabilitatem propositi. (II-II, 35, 4 ad 2).
[61] . Tout le malheur des hommes vient d'une seule chose, qui est de ne pas savoir demeurer en repos dans une chambre.
[62] . Também ele autor de uma canção intitulada "Pecado Capital", que começa dizendo: "Dinheiro na mão é vandaval...". E em outra de suas canções, encontram-se os sugestivos versos: "Carente de ternura, eu fiz tanta loucura, andei de mão em mão".
[63] . Ad tertium dicendum quod appetitus naturalium divitiarum non est infinitus, quia secundum certam mensuram naturae sufficiunt. sed appetitus divitiarum artificialium est infinitus, quia deservit concupiscentiae inordinatae, quae non modificatur, ut patet per Philosophum in I polit. Aliter tamen est infinitum desiderium divitiarum, et desiderium summi boni. nam summum bonum quanto perfectius possidetur, tanto ipsummet magis amatur, et alia contemnuntur, quia quanto magis habetur, magis cognoscitur. Et ideo dicitur Eccli. XXIV, qui edunt me, adhuc esurient. Sed in appetitu divitiarum, et quorumcumque temporalium bonorum, est e converso, nam quando iam habentur, ipsa contemnuntur, et alia appetuntur; secundum quod significatur Ioan. IV, cum dominus dicit, qui bibit ex hac aqua, per quam temporalia significantur, sitiet iterum. Et hoc ideo, quia eorum insufficentia magis cognoscitur cum habentur.
[64] . Resistendo autem, quando cogitatio perseverans tollit incentivum peccati, quod provenit ex aliqua levi apprehensione. et hoc contingit in acedia, quia quanto magis cogitamus de bonis spiritualibus, tanto magis nobis placentia redduntur; ex quo cessat acedia. (II-II, 35, 1 ad 4)
[65] . Virtudes Fundamentais, Lisboa, Aster, 1960, pp. 280-282. Trad. de Narino e Silva e Beckert da Assumpção
[66] . Virtudes Fundamentales, Madrid, Rialp, 1976, pp. 393-398. Trad. de Raimundo Pániker.