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O Livro das Interpretações dos
Nomes Bíblicos de São Jerônimo

 

Jean Lauand
Prof. Titular FEUSP
jeanlaua@usp.br

 

Jerônimo e os nomes bíblicos

Jerônimo (347-419) é conhecido como o responsável pela edição latina da Bíblia chamada Vulgata [1] e como o famoso mestre e comentarista da Sagrada Escritura.

O Livro da interpretação dos nomes bíblicos [2] é uma fusão de antigos Onomastica - referentes ao Antigo Testamento e atribuídos no século IV a Filão - com os trabalhos de Orígines para o Novo Testamento. Jerônimo dá em seu livro o significado em latim de cerca de 2.000 nomes próprios que aparecem na Bíblia.

Em suas análises, segue o que o próprio texto bíblico diz sobre o significado deste ou daquele nome, ou vale-se de seus conhecimentos do hebraico [3] e do siríaco para escrever seus verbetes. Jerônimo, tradutor nato, não foge, porém, à regra dos estudos etimológicos medievais: diversas de suas interpretações são inexatas, dando a impressão de que, para a interpretação do Antigo Testamento, o latim é mais determinante do que o próprio hebraico...

No entanto, não devemos julgar, repito, que autores antigos tão geniais como Agostinho ou Jerônimo estivessem destituídos de espírito crítico, mas sim que, entre outras razões, neles prevalecia a mentalidade alegórica (a busca do sentido espiritual e místico) sobre os nossos critérios atuais de rigor [4] . Seria impensável que um pregador moderno fizesse um comentário como este, de Agostinho: "Deus julgará todo o orbe (...), pois também Adão (Adam) significa em grego o orbe da terra. Quatro pontos cardeais, quatro letras: A, D, A e M. Em grego, as quatro partes do orbe começam por essas letras: A de anatolen (oriente); D de dysin (ocidente); A de arkton (norte); M de mesembrian (sul)" (En. 95,15).

Mais do que a presunção de que a palavra de Deus teria estado condicionada pelo futuro aparecimento das línguas grega e latina, Agostinho valeu-se aqui de um engenhoso recurso de pregação, nada chocante para uma mentalidade em que predominava fortemente o colorido e a sugestividade da interpretação alegórica da Bíblia e do mundo.

O mesmo se diga de certos verbetes do Livro da interpretação dos nomes bíblicos. Um dos critérios usados pelo autor parece-nos, hoje, no mínimo curioso: para Jerônimo, a diversidade entre duas ou mais interpretações que ele deu ao nome de um personagem bíblico se devia, não a uma equivocidade da língua original, mas sim à coincidência de transliteração que ocorre em latim! "Esta profunda divergência entre as interpretações dos nomes - diz Jerônimo a propósito de um de seus verbetes - advém da diversidade das letras e acentuações" [5] , isto é, da confusão que se produziria ao identificar, em latim, distintas letras semitas.

Pois, como se sabe, as línguas semitas possuem uma variedade de sons guturais e enfáticos sem correspondência no latim ou nas línguas latinas. Esta é a razão pela qual Jerônimo reduziu, por exemplo, à transliteração por C letras hebraicas como Qof (Q) e Kaf (K).

Tal fato, em si, não apresentaria maiores dificuldades; problemático é - assim parece à primeira vista - que Jerônimo tenha desrespeitado a real diversidade original a partir da transliteração-versão latina. Nesse sentido, é freqüente nas gramáticas de línguas semitas dirigidas a leitores ocidentais encontrarmos a advertência sobre certas "sutilezas" [6] fonéticas que podem causar-lhes sérios problemas numa viagem ao Oriente. Um erro clássico registrado nas gramáticas árabes: o ocidental quer dirigir-se à amada oriental dizendo "meu coração" (qalby), mas na realidade o que diz é "meu cão" (kalby). O mesmo exemplo em hebraico - próximo ao árabe acima -, faz com que Jerônimo interprete o nome bíblico Caleb (Núm 13,6) como "coração, coração todo, ou cão" (17,12).

Na verdade, no caso da Bíblia, o procedimento de Jerônimo não pode ser considerado pura e simplesmente abusivo e acrítico, na medida em que a própria Bíblia, em diversas passagens, aproxima - para efeitos de trocadilho e de jogos de linguagem - letras (e, portanto, palavras) diversas.

Procuremos compreender e avaliar melhor o procedimento por vezes  utilizado por Jerônimo no Livro da interpretação...

Suponhamos um Jerônimo árabe, interpretando para leitores árabes textos brasileiros de História Pátria, e suponhamos também que esses textos contenham, no original, jogos de linguagem, como ocorre na Bíblia.

Ora, na língua árabe não existe a nossa letra P (que ao ouvido árabe soa e é transliterada como B); como não existe V, que se reduz a F; e, do mesmo modo, confundem-se em U: o O e o U; em I, o E e o I. Tal como na piada do "Salim saieu" [7] , esse Jerônimo árabe confundiria então Deodoro com deu duro; fila com vila etc.

Tais confusões, porém, acabam por dar certo, pois o próprio original bíblico associa seus relatos a jogos de palavras (permutações de letras, metáteses etc.) e, nesses jogos verbais, muitas vezes a permutação para trocadilho em língua oriental [8] se dá entre letras que o falante ocidental não distingue e identifica na transliteração.

Assim, por vezes encontraremos na Bíblia ritmos e jogos fonético-semânticos que tornam legítima a liberdade com que Jerônimo fez diversas de suas interpretações. É freqüente que o relato bíblico, em sua língua original, seja formalmente semelhante aos nossos conhecidos versos:

- "Sou caipira, Pirapora, Nossa Senhora de Aparecida; ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida" (Romaria, de Renato Teixeira).

- "O povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas" (Sampa, de Caetano Veloso).

E, assim, o Jerônimo árabe não erraria quando identificasse filas e vilas: sinais de opressão no texto acima.

E, quanto aos nomes próprios, lembremos duas canções de Chico Buarque nas quais o relato está, por assim dizer, concatenado com o nome (note-se também o efeito fonético da imitação do ruído do trem):

- "Toda a gente homenageia Januária na janela".

- "Pedro pedreiro, penseiro, esperando o trem (...) que já vem, que já vem, que já vem, que já vem, que já vem".

Ora, também costuma ocorrer na Bíblia essa vinculação do significado do nome (literal ou por aproximação fonética) ao papel da personagem, tal como acontece com freqüência nas historietas infantis, piadas ou programas humorísticos: Cinderela, como seu próprio nome indica, lida com o borralho (em inglês, cinder); o loquaz enrolador do programa humorísitico da TV era Rolando Lero; o marido traído, Cornélio etc.

Casos como esses são comuns no Antigo Testamento: de Nabal, por exemplo, diz sua mulher Abigail: "Não dê o meu senhor atenção àquele homem groseiro que é Nabal, nome que lhe vai bem [9] . Ele se chama o bruto, e realmente é grosseiro" (I Sam. 25,25); a casta Susana (Dn 13) é julgada por Deus através de Daniel (Dan juiz; el, Deus).

E quando nosso Jerônimo árabe explicasse aos leitores orientais da História do Brasil que o nome Deodoro não significa apenas "presente de Deus", mas também aquele que trabalhou arduamente, "deu duro" - porque constaria dos anais da História: "Deodoro deu duro para implantar duradoura República" -, embora estivesse cometendo um erro do ponto de vista do rigor estrito da etimologia, estaria acertando do ponto de vista do colorido original do relato bíblico.

É neste sentido que, após oferecer significados díspares de um mesmo nome bíblico, Jerônimo podia afirmar que tais diferenças advinham da diversidade de acentos e de letras que produzem significados tão contrários".

As metáteses nas línguas semitas

Para exemplificar um aspecto da complexa estrutura de significação das línguas orientais e dos jogos de linguagem na Bíblia, examinemos um traço típico da "magia semântica" semita, e particularmente da língua árabe: a metátese.

O ocidental costuma ficar perplexo com a (para ele) indeterminação semântica das palavras orientais. Como se sabe, cada radical semita tri-consonantal atinge um campo semântico infinitamente fluido para os padrões ocidentais.

Assim, em torno da raiz, S-L-M, da palavra árabe SaLaM (ou da hebraica ShaLoM), confundem-se, entre muitos outros, os significados de: integridade [10] no sentido físico [11] e moral (SaLyM é o íntegro); saúde (fórmula universal de saudação), normalidade (o plural SáLiM na gramática é o plural regular); salvação ("sair-se são e salvo", mas também salvação no sentido religioso); submissão, aceitação (de boa ou má vontade), daí iSLaM e muSLiM (muçulmano); acolhimento; conclusão de um assunto; paz etc.

A questão complica-se ao infinito, para o ocidental, quando ele descobre que ainda há mais: não só o radical trilítere é difuso, mas não é raro que, por metátese, se lhe associem (ainda mais difusamente) outros campos semânticos.

É comum que a metátese, isto é, a mudança de ordem das três consoantes, faça surgir uma nova raiz de significado relacionado com a original, como, em português, seria o caso de terno/tenro.

Entre nós, a metátese é casual; no Oriente, é constante [12] e, muitas vezes, dotada de real (e encantadora) conexão de sentido. É o que se pode ver na relação abaixo, dentro da língua árabe:

S F R (viajar)         F R S (cavalo) [13]

K B R (fazer crescer)  B R K (abençoar) [14] B K R (primogênito)

Q M R (lua)            R Q M (numerar, regrar)

X R B (beber, brindar) B X R (alegrar-se, anunciar boa nova)

B H R (mar)            R H B (amplo, espaçoso, ser bem-vindo)

T F L (criança pequena)L T F (delicado, gracioso)

Assim, metatética e realmente, a primogenitura (BKR) é na Bíblia associada à bênção (BKR) e ao engrandecimento (KBR). E, como faz notar Strus, há na Bíblia recursos à metátese: a forma sonora de SaRaY, mulher de Abraão, liga-se assim a herança, herdeiro (YRSh); Israel é também chamado Jeshurum (Jeshurum engordou e, como um touro - shor - deu coices, Dt 32,15); etc.

Outros jogos de linguagem/significação serão objeto de notas aos verbetes de Jerônimo; mas antes de concluir este tópico vejamos ainda um par de exemplos:

- A raiz Sh-L-M (ou, em árabe, S-L-M) significa paz, integridade. Dela deriva o nome Salomão. Assim, a Davi, que foi um homem de guerra, Deus diz: "Este teu filho será um homem de paz, pois Salomão é o seu nome" (ICrn 22,9). E Deus mantém a integridade do reino de Salomão (cujo nome significa integridade); só após sua morte vem o cisma.

- É tal a presença de semitismos nos evangelhos, que um estudioso como Jean Carmignac chega a supor que os originais não foram escritos em grego. Quando, entre outros casos, Zacarias diz: "Fez misericórdia a nossos pais, lembrando-se de Sua santa aliança, do juramento que fez a Abraão" (Lc 1, 71 e ss.), há no original semita um jogo de linguagem referente aos três personagens envolvidos na cena: João (hanan= fazer misericórdia), Zacarias (zakar, lembrar) e Isabel (shaba, jurar).

O livro de Jerônimo e a exegese medieval

Para a cartesiana mente ocidental, todos estes recursos podem parecer mera fantasia e etimologia popularesca, mas a Bíblia não é cartesiana, e tampouco a Idade Média.

Tomás de Aquino, por exemplo, no tratado da vida de Cristo, apóia-se nas interpretações de Jerônimo. Ao argumentar que o Jordão era o lugar adequado para que Cristo recebesse o Batismo (III, 39, 4), afirma que a ascensão produzida pela graça no Batismo pressupõe um descenso de humildade "e a tal descenso refere-se o nome Jordão" [15] (III, 39, 4 ad2).

E uma das razões que aponta para o fato de Cristo ter querido nascer em Belém é que Belém significa "casa do pão" e Cristo diz de si mesmo "Eu sou o pão vivo que desci dos céus" (III, 35, 7). No mesmo artigo, diz que Nazaré [16] significa "flor" e Cristo quis criar-se - florere - lá (III, 35, 7 ad2).

Discutindo a conveniência de que a anunciação a Maria tivesse sido feita por um anjo e, precisamente por Gabriel, explica: "Como diz Gregório, o nome corresponde à missão: pois Gabriel significa <<força de Deus>>. E, assim, pela força de Deus devia ser anunciado o Senhor da força e do poder na luta que veio para desbaratar os espíritos maus" (III, 30, 2 ad4).

De Maria, diz ainda o Aquinate: "Só ela conjurou a maldição, trouxe a bênção e abriu a porta do Paraíso. Por esta razão lhe convém o nome de Maria, que significa <<estrela do mar>>. Como a estrela do mar orienta para o porto os navegantes, Maria conduz os cristãos para a glória" (De salutatione angelica).

O Livro da interpretação dos nomes bíblicos teve uma influência ainda maior sobre a Idade Média pelo fato de ter sido recolhido, de modo condensado, por Isidoro de Sevilha na "enciclopédia" de maior difusão na época: Etimologias. Isidoro antecede esses verbetes pelas seguintes considerações sobre o nome: "A maior parte dos nomes dos primeiros homens têm na sua origem razões próprias. Alguns são nomes dados profeticamente, que se ajustam a fatos futuros ou passados. Embora permaneça neles seu mistério espiritual, aqui trataremos apenas do seu significado literal. Quando não pudermos interpretar sua etimologia, limitar-nos-emos a tratá-la em latim: pois um mesmo nome hebraico pode-se interpretar de diversos modos de significados diferentes de acordo com a diversidade de transliteração. Como diz Jerônimo: Adão etc." (VII, 6, 1-4).

A seguir, apresento verbetes selecionados do Livro da interpretação dos nomes bíblicos de Jerônimo, seguidos em alguns casos de breves comentários.

 

Livro das Interpretações dos Nomes Bíblicos

 

São Jerônimo
(seleção, notas e tradução dos verbetes: J. Lauand)

 

Abel= dor, sopro, vento, digno de compaixão (2,17; Gên 4,2). [Comentário de Isidoro de Sevilha (VII,6,8): "Pranto, porque o nome já prefigurava sua morte; vento, porque logo se dissiparia". BJ [17] anota: 'ebel, luto].

Abraão= pai que olha a multidão, pai que olha o povo (3,3; Gên 17,5).["Em verdade está escrito: <<Eu te constituí pai de muitas nações>> (Gên 17,5) aos olhos daquele em que acreditou" (Rom 4,17). O nome Abraham é evocado pelo texto citado, 'Ab hamon, pai da multidão (BJ)].

Abrão= pai elevado (2,28; Gên 11,26).

Adão= homem, isto é terreno; natural do lugar; terra vermelha (2,17; Gên 2,7). [Note-se que, para a etimologia medieval, homo relaciona-se com terra, barro, humus. "O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra..." Do mesmo modo que no hebraico bíblico: 'adam (homem) - 'adamah (terra). Daí o efeito sonoro em Gên 9,6, que fala do sangue do homem sobre a terra: dam ha"adam ba"adam damaw (Strus)].

Ana= graça (64,3; Lc 2,36).

Ananias= graça do Senhor (66,31; At 5,1).

Barnabé= filho de profeta; filho que vem; ou, como julgam muitos, filho da consolação (67,23; At 4,36).

Bartolomeu= filho que levanta as águas (é siríaco não hebraico. Bar, em siríaco, é filho) (60,20; Mt 10,3).

Benjamim= filho da direita (3,24; Gên 35,18). [Na Bíblia, e em geral, a direita, yamin, representa o poder, a mão boa e forte, o que dá certo, o bom augúrio (ao contrário da esquerda, à qual se associam sinistro e canhestro)].

Caim= possessão ou aquisição (4,2; Gên 4,1). ["Eva concebeu e deu à luz Caim e disse: <<Possuí um homem com a ajuda do Senhor>> (Gên 4,1). BJ anota: "Por um jogo de palavras, Qayn se aproxima de qanah, <<adquirir>>"].

Daniel= juízo de Deus ou Deus me julga (61,10; Mt 24,15). [Gên 49,16 joga com Dan-yadin (juiz-julgar): "Dan julgará o seu povo", assim como há uma seqüência de aliterações em Gên 49,19: "Gad, guerreiros lhe farão guerra e ele os fustigará", Gad gedud yegudennu... yagud (BJ)].

David= mão forte ou amado (35,11; ISam 16,13).

Débora= abelha; eloqüência ou loquaz (5,9; Gên 35,8). [Comentário de Isidoro (VII,6,53): "Abelha porque sempre esteve em extremo disposta para a guerra e, quando lutando contra Sisara, após matá-lo, entoou um cântico: daí a eloquência"].

Dina= julgamento (5,8; Gên 30,21).

Elias= Senhor Deus ou o Senhor é Deus (72,14; Tg 5,17). [Comentário de Isidoro (VII,8,4): "Foi assim chamado por presságio do futuro. Pois quando disputava com os sacerdotes de Baal, tendo invocado o nome do Senhor, desceu fogo do céu sobre o holocausto: <<E o povo, vendo isto, prostrou-se com o rosto em terra, e exclamou: O Senhor é Deus!>> (I Re 18,39)"].

Eliazar= (12,29; Ex 6,23) vide Eliezer.

Eliezer= auxílio de Deus (6,3; Gên 15,1).

Elisabete= juramento de meu Deus; plenitude do meu Deus ou sétimo de meu Deus (13,2; Ex 6,23).

Eliseu= salvação de Deus (64,20) , salvação do meu Deus (42,4; IRe 19,19)

Ester= a escondida (Isidoro VII, 8,29).

Eva= vida; calamidade ou Ai! (5,17; Gên 3,20). [Hayy, vida: "Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos os viventes" (Gên 3,20). Comentário de Isidoro (VII,6,6): "Mulher, tantas vezes salvação, mas, também, tantas vezes calamidade para o homem"].

Gabriel= força de Deus; Deus me deu força (64,24; Lc 1,19). [Comentário de Isidoro (VII,5,10-11): "O nome hebraico <<Gabriel>> se traduz em nossa língua por <<força de Deus>>. Assim, quando o poder e a força de Deus se manifestam, Gabriel é enviado. Daí que quando chegou o tempo em que Deus deveria nascer e triunfar sobre o mundo, foi Gabriel enviado a Maria para anunciar aquele que se dignou vir em humildade para vencer a luta contra os poderes invisíveis"].

Gérson= banimento deles (13,4; Ex 2,22). [Gersh, "expulsar", "exilar"; sham, "lá" (terra estrangeira). "Chamou-o Gersam pois disse: <<Sou um imigrante em terra estrangeir>>"].

Isaac= riso ou alegria (7,15; Gên 17,19). Abraão ri quando lhe é anunciado que Sara lhe dará um filho na velhice; Sara também ri ante esse anúncio (Gên 17,17 e ss.; 18, 12-15). [Tshaq, "rir", entre outros significados. Daí que haja, também em Gên 26,8, outro jogo de palavras: Isaac acariciava, Yitshaq metshheq... (BJ)]

Isabel= outra forma para Elisabete.

Isaías= salvação do Senhor (69,3; At 8,28).

Ismael= audição de Deus (7,15; Gên 16,11). [Ouvir, Shm`. Ante Agar aflita, o Anjo de Deus diz: "Vais dar à luz um filho, dar-lhe-ás o nome de Ismael porque o Senhor te ouviu em tua aflição" (Gên 16,11). E, em outro momento de aflição, ante o temor de que o filho morresse no deserto: "O Anjo de Deus chamou Agar, do céu, dizendo-lhe: "Que tens Agar? Nada temas, porque Deus ouviu a voz do menino (Ismael)" Gên 21,17. Pois Deus tinha prometido a Abraão: "Eu te ouvirei também acerca de Ismael" (Gên 17,20)].

Jacó= o que suplanta (7,19; Gên 26,34). ["Será por que ele se chama Jacó que já me suplantou duas vezes?"(Gên 26,34): 'aqeb, "suplantou"].

Jair= iluminador (19,2; Núm 32,41).

Jairo= o que ilumina; o iluminado (65,2; Lc 8,41).

Jeremias= excelso do Senhor (62,6; Mt 2,17).

Jesus= salvador ou o que salvará (61,24; Mt 1,1).

Jó= o que sofre (59,24; Jó 1,1).

Joaquim= preparação ou preparação do Senhor (56,11; Dn 13,1); ressurreição do Senhor ou o Senhor suscita (62,3).

João= nele está a graça (69,16); ou graça do Senhor (62,6; Mt 3,1); ou misericordioso Deus (65,1).

Joel= Deus é, ou é de Deus; o que começa (52,5; Jl 1,1). ["O que começa para Deus" (Isidoro VII, 8,11)].

Jonas= pomba ou o que se lamenta (52,10; Jn 1,1).

José= aumento, o que acrescenta, o que aumenta (7,20; Gên 30,24). ["E deu-lhe o nome de José dizendo: <<Dê-me o Senhor ainda outro filho>>" (Gên 30,24)].

Josué= salvador (vide Jesus) (35,29; ISam 6,14).

Judas= louvor (7,19; Gên 29,35).

Judite= a que louva; judia (7,18; Gên 26,34).

Madalena= torre; da torre (62,21; Mt 27,56).

Manuel (ou Emanuel)= Deus conosco (49,30; Is 7,14).

Mara= amargor (14,9; Ex 15,23).

Maria= A que ilumina ou estrela do mar [(Isidoro VII,10,1). Note-se também que em siríaco Maria significa senhora (62,16; Mt 1,16)].

Marta= a que provoca, instiga, irrita. Já em siríaco significa senhora ou dominadora (65,11; Lc 10,38)

Mateus= o que foi dado (62,20; Mt 9,9).

Miguel= Quem como Deus? (19,7; Núm 13,12). [Comentário de Isidoro (VII,5,12): "Quando se faz no mundo algo de um poder assombroso este arcanjo é enviado. Daí seu nome, porque ninguém é capaz de fazer o que Deus pode fazer"].

Moisés= o que toca; o que apalpa; ou melhor (65,8): tomado da água (14,1; Ex 2,10). [BJ aponta esta última como etimologia popular].

Natanael= meu Deus ou dom de Deus (19,4 Núm 1,8).

Noé= repouso (9,4; Gên 5,29). O pai de Noé, ao dar-lhe este nome, disse: "Este nos trará descanso" (Gên 5,29). Etimologia poética que procura aproximar noh do verbo naham (Strus)].

Rafael= significa cura ou remédio de Deus. Assim, onde quer que seja necessária cura e remédio, este arcanjo é enviado por Deus (Isidoro VII,5,13).

Raquel= ovelha; a que vê o princípio; a que vê a Deus ou a que vê o mal. Essas diferenças advêm da diversidade de acentos e de letras que produzem significados tão contrários (9,25; Gên 29,6). [Comentário de Isidoro (VII,6,37): "Raquel, ovelha, porque por ela Jacó apascentou as ovelhas de Labão"].

Rubem= filho da visão ou filho que vê (9,28; Gên 29,32). [Chamou-o Rubem "porque, dizia ela, o Senhor olhou a minha aflição" (Gên 29,32)].

Salomão= pacífico (63,5; Mt 1,6).

Samuel= nome do seu Deus (36,20; ISam 1,20).

Sansão= sol deles; força do sol (33,23; Jz 13,24).

Sara= princesa (10,28; Gên 17,15). ["Ela será mãe de nações e dela sairão reis" (Gên 17,16)].

Simão= o que ouve, o que presta atenção (73,7; IIPe 1,1).

Simeão= ouvir ou nome do habitáculo (11,30; Gên 29,33).

Susana= lírio ou a sua graça (56,19; Dn 13,2).

Tiago= outra forma para Jacó.

Tomás= gêmeo ou abismo (63,10; Mt 10,3).

Tomé= vide Tomás.

Zacarias= memória do Senhor ou o Senhor se lembra (63,16; Mt 23,35).



[1] . Jerônimo fez revisões (de antigas versões latinas) e traduções dos livros da Sagrada Escritura, sendo o principal responsável pela consolidação em latim do texto das Escrituras, que viria a ser conhecido pelo nome de Vulgata. Essa edição era já usada faticamente em quase todo o Ocidente no século VI e logo depois foi adotada pela Igreja. Somente em nossos dias, 1979, uma nova versão latina, a Nova Vulgata (apoiada na de Jerônimo), veio a ser oficializada para a Liturgia.

[2] . Seguimos para a tradução do Livro da interpretação dos nomes bíblicos a edição de P. de Lagarde (Onomastica Sacra, Gottingae, 1887), recolhida em Corpus Christianorum Series Latina LXXII, 57-161. As citações indicam a página e a linha respectivamente; assim, (7,10) é a décima linha da sétima página da edição de Lagarde.

[3] . Ao longo deste texto, haverá exemplos do árabe, outra língua semita, muito semelhante ao hebraico e ao aramaico.

[4] . Aliás, os nossos critérios ocidentais contemporâneos de "rigor" não se aplicam imediatamente à realidade oriental de ontem e de hoje.

[5] . Livro da interpretação..., 9,26 e ss.

[6] . "Sutilezas" para o ocidental; K e Q, por exemplo, são para os falantes nativos sons claramente distintos, que só se confundem para efeitos de trocadilho.

[7] . Batem à porta do Salim. - Quem-i-é? - O seu Salim está? - Salim saiyu: é brá bagá u brá ricibê? - Para pagar! - Entra: Salim sou-i-eu!

[8] . Para as "regras" de mudança de letra nos jogos verbais, veja-se STRUS, Andrzej, Nomen-omen, Roma, Biblical Institute Press, 1978, especialmente o cap. II.

[9] . Encontramos o mesmo tipo de recurso lingüístico numa conhecida canção dos Beatles: "Michelle, ma belle, these are words that go together well". E, num antigo samba: "essa paixão que me devora; ôpa, quase que eu disse agora o nome daquela mulher (Débora)".

[10] . Neste sentido primário de Salam/Shalom, como união, integração, remoção de barreiras, entende-se melhor a sentença - um dos tantos semitismos no grego neo-testamentário - do apóstolo Paulo: "Cristo, nossa paz, que de dois fez um, derrubando o muro que os separava" (Ef 2,14). Se, para um ocidental, esta sentença é enigmática, para um semita ela é clara: nossa paz é o mesmo que "nosso integrador".

[11] . Assim se compreende que sullum signifique "escada", a que faz a união.

[12] . O que, para usar uma casual metátese brasileira, desorienta/desnorteia o ocidental.

[13] . É evidente a relação entre viagem e cavalo. Esses radicais geraram duas palavras conhecidas nossas: certo tipo de excursão, SaFaRi, e certa patente antiga do exército, al-FeReS.

[14] . Já Q L L, ser pouco, é também desprezar e, no hebraico bíblico, amaldiçoar!

[15] . Jordão, diz Jerônimo (7,20), significa descensio.

[16] . Nazaré, diz Jerônimo (62,24), significa flos.

[17] . Bíblia de Jerusalém.