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VIDETUR - 24

ISSN  1516-5450

 

Há Fé na Terra da Razão

Livro-reportagem sobre o Projeto Universidades Renovadas

Projeto Experimental apresentado ao Dep. de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru, para obtenção do grau de Bacharelado em Comunicação Social, Habilitação em Jornalismo, de acordo com a Resolução nº 02/84 do C.F.E. e MEC.

Orientador: Prof. Ângelo Sottovia Aranha. Examinado e aprovado com nota máxima em 8-12-03.

 

Ariana Virgínia Pereira

 

A Fé e a Razão constituem como que as duas asas pelas quais o coração humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecê-Lo, para que conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio...  João Paulo II - Carta Encíclica Fides et Ratio

Para começar...

“O papel dos católicos nas universidades não pode se restringir somente à oração. Nosso projeto de evangelização passa pela pregação da ética dos evangelhos. Por isso, os católicos precisam estar inseridos em todos os assuntos universitários. Quem assume o cristianismo tem de assumir a cidadania” (Padre Zeca, Revista Família Cristã, 1999).

Encarar como alienação a presença da Igreja Católica ou qualquer outra forma de relação com o sagrado nas instituições de ensino superior, ou apenas como um “refrigério espiritual para almas necessitadas” pode ser considerada uma visão simplória e superficial da realidade, para os que vivem a religião nos centros do saber. Não é segredo que a formação das lideranças da sociedade está diretamente ligada à vida acadêmica. A grande maioria dos que estarão à frente de um povo são cultivados e preparados para a realidade na estufa da universidade.

Além de exercerem liderança, os profissionais que passam, pelo menos, quatro anos nas cadeiras da academia irão prestar serviços de extrema importância para a população, cada um na sua área de atuação. Advogados, engenheiros, médicos, arquitetos, jornalistas... Profissionais diretamente relacionados com a integridade e o equilíbrio de uma comunidade.

Se o capitalismo trouxe desenvolvimento, quando o homem deixou de lado a escuridão da Idade Média, trouxe também competição, individualismo, lucro a qualquer custo, acúmulo de capital. Houve melhoras no sistema, mas como qualquer modelo econômico, o capitalismo tem seus defeitos. Acentuou as diferenças entre ricos e pobres, existe sim a “mobilidade de castas”, mas é bem mais provável que uma criança que nasça pobre na Somália morra desnutrida, do que ela cresça e se torne um grande empresário.

Diante de um país como o Brasil, onde cerca de 50 milhões de pessoas passam fome, não é possível esperar que a solução dos problemas típicos de países de terceiro mundo venha do nada, por meio de um salvador da pátria. É necessário que se priorize nos projetos pedagógicos escolares a preocupação social, a inquietação com a situação de miséria e a resistência à situações de violência para que, dessa maneira, os profissionais saiam das universidades com maior senso de responsabilidade social, além da vontade incondicional de ganhar dinheiro e vencer na vida.

Se a Igreja Católica, que professa sua preferência pelos mais pobres, depois do “aggiornamento” do Concílio Vaticano II, não contribuir para tal formação humana, estará em falta com a sociedade da qual é parte integrante. Por meio de movimentos como a Pastoral Universitária (PU) e o Projeto Universidades Renovadas (PUR), a Instituição milenar se dispõe a colaborar com o sistema de educação superior no país. A preocupação com a formação integral do estudante não é mais única e exclusiva das faculdades e universidades. Torna-se preocupação também da Igreja e dos próprios estudantes. O intuito eclesial, no entanto, visa não perder de vista a dimensão religiosa e cristã dentro da formação profissional.

O Projeto Universidades Renovadas alcança certa expressividade no quadro da Igreja Católica nacional, ainda mais quando o movimento está prestes a completar dez anos de existência. Não há novidade em fundar grupos de oração nas universidades. Jovens como o Padre Joselito - que em 1981 iniciou um grupo de oração na Universidade Federal de Viçosa – e Eros Biondini – precursor do grupo de oração Carisma da Universidade Federal de Minas Gerais – deram início às atividades da Renovação Carismática Católica (RCC) nos campi universitários muito antes do surgimento do Projeto, em 1994. As grandes novidades do movimento surgido em 1994 são o desejo e as iniciativas concretas para se unir fé e razão, consideradas por muitos imiscíveis.

Após o início do  movimento, o número de grupos de oração em faculdades e universidades do país cresceu consideravelmente. Em 1996, a RCC acolheu o Projeto como parte integrante das atividades em nível nacional, fato que abriu ainda mais os olhos da Igreja para as atividades dos tímidos e intrépidos universitários católicos carismáticos, dispostos a mudar a realidade social por meio de um “sonho de amor” para a história não só do país, como também do mundo.

Antes da história

Grandes obras sociais como as que realizaram Madre Tereza de Calcutá, Betinho e tantos outros não surgiram da noite para o dia. Ninguém acorda de um dia para o outro com uma idéia genial e simplesmente a coloca em prática reunindo milhares de pessoas, em uma semana, para realizar seu desejo de uma humanidade melhor. Uma grande história sempre tem outra história anterior, um contexto, um fato marcante na vida de alguma pessoa, que serve de ponto chave, de “pontapé inicial”.

O Projeto Universidades Renovadas, ou simplesmente PUR, não é, ainda, uma grande expressão de mudança diante do mundo. Presente em praticamente todos os estados do país, pode existir em uma universidade há dois, três anos, sem que ninguém da instituição saiba que existe, ali dentro, um grupo de universitários que se reúne semanalmente para sonhar com um mundo melhor e para viver uma experiência íntima com Deus. Não são raros os grupos que passam despercebidos pela universidade, o que não faz com que os integrantes desistam de ser a “voz que clama no deserto”, como dizem os evangelhos a respeito de João Batista, o precursor de Jesus Cristo.

Muitos de seus participantes, principalmente os que já estão no movimento há algum tempo, ou que deram início às atividades do Projeto, acreditam que ele ainda é o início de uma história. Se grandes idéias precisam ser pensadas e amadurecidas, um grande sonho também passa por um processo de maturação. Com dez anos de existência, o Projeto Universidades Renovadas ainda engatinha. Dez anos, no entanto, não foram apenas dez anos. O Ministério das Universidades Renovadas, como também é chamado o Projeto Universidades Renovadas, traz, antes mesmo de 1994 - quando universitários reuniram-se pela primeira vez para discutir a presença de Deus dentro das instituições de ensino superior -, uma história.

Passeando por Pittsburgh

Pode-se dizer que o início do Projeto Universidades Renovadas deu-se bem antes do que é considerado o marco inicial do movimento, o Seara de 1994, na Universidade Federal de Viçosa. Em 1967. Também em uma universidade. Pittsburgh; Universidade do Espírito Santo de Duquesne, Estados Unidos, quando um grupo de universitários resolveu questionar a história da Igreja Católica. Esses universitários norte-americanos, após estudarem os capítulos de um a quatro do livro bíblico dos Atos dos Apóstolos e lerem A Cruz e o Punhal, escrito pelo pastor evangélico David Wilkerson, começaram a questionar o porquê de todos os milagres relatados pelos primeiros cristãos e os acontecimentos sobrenaturais contados por evangélicos não acontecerem na Igreja Católica contemporânea.

Questão pertinente. A Igreja acabava de passar pelo Concílio Vaticano II. O Concílio é uma reunião de autoridades da Igreja para a discussão de assuntos doutrinais e disciplinares. O Vaticano II chega no período em que a Igreja vive um dilema: continuar o caminho que trilhava até então (as missas eram celebradas em latim, vivia-se, ainda, sob regras da Igreja da Contra-Reforma), ou rever algumas posições e adaptar-se aos novos tempos nos quais estava inserida, juntamente com toda a humanidade. O Concílio foi convocado pelo papa João XXIII e aberto em 11 de outubro de 1962. João XXIII tinha, na época, 78 anos e havia assumido a cadeira papal há apenas três meses. Em 1965, depois de quatro sessões consecutivas, das quais participaram cerca de dois mil e duzentos bispos, a Igreja que esteve reunida apresenta à humanidade quatro constituições que iriam reger a história dos católicos do mundo inteiro, a partir de então: Dei Verbum, Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium e Gaudiumet Spes. Em busca do “aggiornamento”, a atualização, a Igreja procurou novos rumos para os tempos atuais para a Evangelização, missão que tem desde a sua origem. As novas conclusões às quais chegou a cúpula eclesial fermentaram, por um lado, o surgimento e crescimento de movimentos sociais (como a Teologia da Libertação, por exemplo) e, por outro lado, o nascimento da Renovação Carismática Católica. “Toda a face do catolicismo no século XX ficará marcada pela grande vontade de mudança que representou o Vaticano II, expressão de atualidade e modernidade”. (PRANDI, 1997, pg. 30).

É nesse contexto vivido pela Igreja que os jovens universitários de Duquesne, que se reuniam em uma sociedade chamada CHI RHO, nome que deriva das duas primeiras letras da palavra grega correspondente a “Cristo”, resolvem, após prepararem-se com as leituras já mencionadas, fazer um retiro de fim-de-semana. Esse fim-de-semana marcou na história da Igreja o início da Renovação Carismática Católica (RCC). O acontecimento ficou conhecido como o Fim-de-Semana de Duquesne. Não se pode ignorar o fato de que outro livro escrito por um pastor protestante influenciou também os participantes da CHI RHO nesse início, Eles Falaram em Outras Línguas, de John Sherril.

“No sábado à noite, tínhamos programado uma festinha de aniversário para alguns dos colegas, mas as coisas foram simplesmente acontecendo sem alternativa. Fomos sendo conduzidos para a capela, um de cada vez, e recebendo a graça que é denominada de Batismo no Espírito Santo, no Novo Testamento. Isso aconteceu de maneiras diversas para cada uma das pessoas. Eu fui atingida por uma forte certeza de que Deus é real e que nos ama. (...) Esse não era, pois, um simples bom fim de semana, mas, na realidade, uma experiência transformadora de vida que ainda está prosseguindo e se desenvolve em crescimento e expansão”. (Patti Gallagher Mansfield, Como um Novo Pentecostes, carta a monsenhor Iacovantuno, 29 de abril de 1967)

A partir desse encontro, quando cerca de 25 pessoas se reuniram, a RCC nasceu, cresceu e alastrou-se rapidamente pelo mundo. “O crescimento da RCC foi tão rápido que, já no ano seguinte ao de sua fundação, um congresso nacional realizado nos Estados Unidos reunia uma centena de pessoas. (...) Em 1974, no segundo congresso internacional, participaram mais de trinta mil pessoas, vindas de 35 países. Calcula-se que a RCC já atingia, nessa época, cerca de oitocentos mil membros espalhados pelos quatro cantos do mundo”. (PRANDI, 1997, pág. 44).

Atualmente, a Renovação Carismática Católica está presente nos cinco continentes do mundo. De acordo com informações da Zenit, agência internacional católica de notícias, mais de cem milhões de católicos vivem a experiência da Renovação Carismática. Os números foram fornecidos por Alan Panozza, presidente dos “Serviços Internacionais da Renovação Carismática Católica” (ICCRS, sigla em inglês do serviço com sede no Vaticano), reconhecidos pelo Conselho Pontifício para os leigos. Com 35 anos, o movimento está presente em mais de 200 países.

Em seu início, no fim da década de 60, a RCC não foi muito bem vinda, pois foi vista com preconceito por diversos segmentos da Igreja. Ainda hoje, segundo o pregador da Casa Pontifícia, Raniero Cantalamessa, existe certo “medo” da RCC:

“Quero dizer aos fiéis, aos bispos, aos sacerdotes, que não tenham medo. Desconheço por que há medo. Talvez, em alguma medida, porque essa experiência começou entre outras confissões cristãs, como pentecostais e protestantes. Contudo, o Papa não tem medo. Falou dos movimentos eclesiais, inclusive da Renovação Carismática, como sinais de uma nova primavera da Igreja, e com freqüência faz referência da importância disso. E Paulo VI afirmou que era uma oportunidade para a Igreja. Não há que ter medo.”, continua Raniero, “há Conferências Episcopais, por exemplo, na América Latina - é o caso do Brasil -, onde a hierarquia descobriu que a Renovação Carismática não é um problema: é parte da solução à questão dos católicos que se afastam da Igreja porque não encontram nela uma palavra viva, a Bíblia vivida, uma possibilidade de expressar a fé de maneira gozosa, de forma livre, e a Renovação Carismática é um meio formidável que o Senhor pôs na Igreja para que se possa viver uma experiência do Espírito, pentecostal, na Igreja católica, sem a necessidade de se sair dela. Tampouco se deve considerar que se trata de uma ‘ilha’ na qual se reúnem algumas pessoas um pouco mais emocionais. Não é uma ilha. É uma graça destinada a todos os batizados. Os sinais externos podem ser diferentes, mas em sua essência é uma experiência destinada a todos os batizados” (Zenit, boletim de 25-09-03, entrevista concedida no encontro internacional da RCC, em Castel Gandolfo, Itália).

Para alguns universitários que participaram do Fim-de-Semana de Duquesne, o encontro não teve nenhum significado especial. Foi apenas um fim-de-semana de encontro, como qualquer outro da Igreja da época. Para outros, como a jovem Patti Mansfield, ele mudaria completamente a história de suas vidas.

A partir do encontro vivido pelos universitários de Pittsburgh, nasce o movimento que marca a história da Igreja com a experiência do “Batismo no Espírito Santo”. Sobre essa “novidade” na Igreja, uma das vozes oficiais do Papa, na mesma entrevista concedida à Zenit por ocasião do encontro internacional da RCC, diz o seguinte:

“O batismo no Espírito não é uma invenção humana, é uma invenção divina. É uma renovação do batismo e de toda a vida cristã, de todos os sacramentos. Para mim foi também uma renovação de minha profissão religiosa, de minha confirmação, de minha ordenação sacerdotal. Todo o organismo espiritual se reaviva como quando o vento sopra sobre uma chama. Por que o Senhor decidiu atuar neste tempo desta maneira tão forte? Não sabemos. É a graça de um novo pentecostes. Não é que a Renovação Carismática tenha inventado o batismo no Espírito. De fato, muitos o receberam sem saber nada da Renovação Carismática. É uma graça; depende do Espírito Santo. É uma vinda do Espírito Santo que se traduz em arrependimento dos pecados, que faz ver a vida de uma maneira nova, que revela Jesus como o Senhor vivo - não como um personagem do passado - e a Bíblia se converte em uma palavra viva. A verdade é que não se pode explicar. Há uma relação com o batismo, porque o Senhor diz que quem crê será batizado e será salvo. Nós recebemos o batismo de crianças e a Igreja pronunciou nosso ato de fé; mas chega o momento em que nós temos que ratificar o que sucedeu no batismo. Esta é uma ocasião para fazê-lo, não como um esforço pessoal, mas sob a ação do Espírito Santo. Não se pode afirmar que milhões de pessoas estejam equivocadas. Yves Congar, teólogo que não pertencia à Renovação Carismática, em seu livro sobre o Espírito Santo afirmava que a realidade é que esta experiência mudou profundamente a vida de muitos cristãos. E é um fato. A mudou e iniciou caminhos de santidade”. (http://www.zenit.org/portuguese,  acesso em 28/09/2003).

De volta ao Brasil

No Brasil, a RCC surge pouco depois de Duquesne, uma vez que o movimento saiu dos Estados Unidos e ganhou o mundo com grande velocidade. Foi trazida para as terras nacionais pelo padre Eduardo Dougherty s.j., que teve grande ajuda do padre Haroldo Rahm, s.j. O padre jesuíta, Eduardo Dougherty, fundador da Associação do Senhor Jesus, uma obra voltada para a comunicação, um meio de evangelização, principalmente, pela televisão, é o principal responsável pela propagação da Renovação em todo o território nacional. De maneira muito parecida, às vezes até mesmo na “clandestinidade”, pois muitos padres não viam com bons olhos o movimento nascente, os grupos de oração, célula-identidade da Renovação Carismática Católica, que surgiam por todos os cantos do país. A Igreja, que pouco antes presenciava missas em latim, depara-se com grupos de pessoas fazendo orações efusivas, à maneira pentecostal, que não hesitam em bater palmas e gesticular enquanto cantam e rezam, e dispostas a renovar a face da Igreja.

Dessa maneira, começa a formar-se o cenário que abrigaria, alguns anos mais tarde, o Projeto Universidades Renovadas, Ministério das Universidades Renovadas da Renovação Carismática Católica. Em uma cidade de Minas Gerais, a RCC imita a situação em que surgiu, no ano de 1967. O primeiro grupo de oração da cidade de Viçosa tem início em uma universidade, por iniciativa de jovens que vão para a cidade estudar na Universidade Federal.

O grupo de oração de Viçosa começa em 1982 e passa alguns anos no anonimato. Na época, quem chama a atenção não só da universidade, como também da Igreja presente na cidade mineira, é um grupo de jovens universitários de linha pastoral. Enquanto o pequeno grupo carismático contava com 20 pessoas, o grupo pastoral “arrebentava”, inclusive nas festas universitárias, com cerca de 100 membros. Aliás, a juventude universitária da época não era só festa. O Brasil vivia o fim de uma ditadura traumática, final que teve participação significativa de jovens universitários. Não só deles, como também da Igreja que, por meio das comunidades eclesiais de base, auxiliou na luta contra o regime militar e pelo estabelecimento de eleições diretas para presidente. Desde 1983, o Brasil “fervia” com a campanha pelas eleições diretas e o fim da era militar que assolava o país há 20 anos.

A Igreja da época, por meio das comunidades eclesiais de base, aliou-se a partidos de oposição à ditadura militar (PMDB, PDT, PT, PC do B, PCB e outros) e a entidades como a UNE (União Nacional de Estudantes), ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), sindicatos e algumas outras instituições, representando os anseios de cerca de 90% da população brasileira.

Enquanto o Brasil vivia esse contexto político conturbado, o cenário para o surgimento do Projeto Universidades Renovadas ia se estabelecendo na Universidade Federal de Viçosa. Até 1987, o grupo de oração criado na universidade continuou uma trajetória oculta e não muito ousada. Ao contrário do grupo de jovens. Os jovens da pastoral eram conhecidos da universidade inteira, ganhavam, inclusive, quase todos os anos o prêmio de melhor bloco da Festa Nico Lopes (festa política, como um carnaval fora de época, que até hoje é conhecida na Universidade Federal de Viçosa) com suas fantasias exóticas. Era um grupo de amigos católicos que se destacava dentro dos programas tanto religiosos quanto seculares na faculdade. Até 1987...

O grupo de oração da Universidade

O primeiro dia de aula é um desafio para qualquer “bixo”, ou “calouro” que chega ao curso superior. Para os que não moram na cidade onde se encontra a faculdade escolhida, a situação é algumas vezes mais complicada. Há aqueles que em pouco tempo se adaptam à nova realidade, mas há também os que nunca se acostumam. Os que se adaptam, além de levarem consigo, depois do último dia de aula, junto com o “canudo”, uma carga de conhecimentos para a vida profissional, levam uma experiência inesquecível que é o tempo universitário, mas costumam deixar marcas também.

Em 1987, o estudante Fernando Galvani, o Mococa, é aprovado para o curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Viçosa. Tipo despojado, entrosado, daqueles que deixam marcas, boas ou más, mas marcas. Galvani já havia tentado passar no vestibular da Federal em anos anteriores, foi quando teve contato com o grupo de oração da universidade e conheceu o Padre Mendes, fundador da cadeira n° 3 da Academia de Letras de Viçosa. “O padre Antônio Mendes foi um querido amigo, pai e pastor por muito tempo. Tenho muitas e boas recordações dele. Na minha chegada em Viçosa para o primeiro vestibular, desembarquei às 12h30; por volta das 15 horas já havia conhecido o padre Mendes. No surgimento do PUR, ele teve pouca participação direta, uma vez que quando começamos o Projeto ele já estava muito doente, mas na história da RCC de Viçosa ele tem participação diretíssima. Foi o nosso diretor espiritual por muitos anos e grande incentivador, patrocinador, foi pai, conselheiro, orientador espiritual, confessor...”, relembra o agora médico veterinário Fernando Galvani. A ligação de Padre Antônio Mendes com o contexto que antecede o Projeto Universidades Renovadas deve-se à proximidade entre o sacerdote e os universitários precursores do Ministério das Universidades Renovadas, em Viçosa.

Depois que Mococa entra no vestibular e no contexto da RCC de Viçosa, o jovem universitário torna-se o responsável pelo movimento carismático na região. “Foram quatro anos como coordenador regional (cerca de 50 cidades da região de Viçosa). Os trabalhos de evangelização nessas cidades eram realizados pelos jovens universitários. O desejo de encher as cidades da experiência do Amor de Deus (que eu chamo de Batismo no Espírito Santo) era desafio dos universitários, além do trabalho com as demais pessoas da cidade de Viçosa. Essas missões, e outras, como a realização do Seara (onde surgiu o PUR), eram acompanhadas pelo Padre Mendes, um homem intelectualíssimo, carismático, político e de Deus, que ainda encontrava tempo para nos acompanhar. Viveu e sonhou muitos dos nossos sonhos e, com certeza, hoje é um grande intercessor nosso e deve nos olhar com carinho e alegria lá do céu. Sou um homem feliz por tê-lo como um dos meus primeiros diretores espirituais. Além de tudo, era um grande incentivador por bom desempenho acadêmico, como forma de testemunho”, conta, saudoso, Fernando.

À frente da Renovação Carismática e vivendo intensa atividade de evangelização juntamente com outros jovens universitários da Federal de Viçosa, Fernando Galvani formava-se, sem reparar, para ser o fundador e um dos principais personagens do Projeto Universidades Renovadas. O contexto em que os estudantes de Viçosa viviam no fim da década de 80 e início da década de 90 é essencial para que surja a idéia de renovar o país por meio da ação direta de Deus nas instituições acadêmicas. Muitos estavam longe de casa e sentiam-se amparados pela “comunidade” de católicos que os acolhia em Viçosa. O próprio Fernando Galvani afirma que, por ocasião da primeira vez que foi até a cidade mineira prestar vestibular, ficou extremamente tocado e motivado com a experiência de Renovação Carismática e a Igreja Católica que pôde presenciar.

O que Galvani não sabia era que, ao entrar no curso de medicina veterinária na Universidade Federal de Viçosa ele iniciaria, anos mais tarde, um projeto de evangelização nas instituições de ensino superior, que atingiria não só o território brasileiro, como também se expandiria para além de nossas fronteiras.

Mãos no barro

“A sociedade traz consigo o desejo de que a Universidade responda às suas necessidades específicas, a começar pelo emprego para todos”, é o que prevê a carta A presença de Deus na universidade, escrita para as instituições de ensino superior. A Igreja sempre procurou deixar claro que sua missão primeira é a evangelização. Depois de viver um período de confusão de valores na Idade Média, a Instituição decidiu também dar ouvidos aos apelos da sociedade na qual está inserida. Devido a isso, nas últimas décadas também tem voltado um olhar atencioso às universidades. Altos escalões eclesiais da América Latina estiveram reunidos em Medellín (1979) e em Santo Domingo (1992) para compor documentos que orientassem a Igreja neste continente. Em nenhuma dessas ocasiões foram esquecidas abordagens sobre o tema Universidade.

Nota-se, nesses documentos, o interesse na formação de profissionais comprometidos com a ética profissional e sobretudo com a valorização do ser humano. Aliás, a Igreja já mostrou sua preocupação com a humanização e chama os seus fiéis a promover a dignificação do ser. “O ser humano, quando não é visto e amado na sua dignidade de imagem viva de Deus (cfr. Gn 1, 26), fica exposto às mais humilhantes e aberrantes formas de ‘instrumentalização’, que o tornam miseravelmente escravo do mais forte. E o ‘mais forte’ pode revestir-se dos mais variados nomes: ideologia, poder econômico, sistemas políticos desumanos, tecnocracia científica, invasão dos mass-media. (...) Manchas de pobreza e miséria, ao mesmo tempo física e moral. (...) Tornar-se protagonistas e, em certa medida, criadores de uma nova cultura humanista, é uma exigência ao mesmo tempo universal e individual”, explica o Papa João Paulo II, na exortação apostólica aos fiéis leigos Christifideles Laici.

No documento de Puebla, no capítulo 1074, o episcopado latino-americano deixa claro que as universidades são o fórum para a formação de novos líderes, e que sejam eles os construtores de uma nova sociedade. No contexto universitário, o leigo católico tem uma missão dupla: a primeira, como leigo inserido no mundo com função de promover a humanização; a segunda, como universitário, de preparar-se para oferecer à sociedade um retorno eficaz dos investimentos que a mesma faz, por meio dos impostos, na educação.

O Projeto Universidades Renovadas tem raízes profundas nos documentos da Igreja acima citados (Puebla e Santo Domingo), e, além de basearem-se nesses documentos, os profissionais do Ministério das Universidades Renovadas têm desenvolvido estudos fundamentados no documento eclesial Christifideles Laici, que consiste em um conjunto de instruções para os fiéis leigos inseridos na realidade secular. Desde o início oficial do movimento, o fundador Fernando Galvani preocupava-se com a função social que os universitários têm de exercer. Aliada à preocupação social, havia também a questão espiritual, pois ambos devem caminhar lado a lado, na visão de Fernando. A RCC nasceu dentro de uma universidade. Galvani sempre se questionou sobre o porquê de Deus escolher tal lugar para repetir a experiência de Pentecostes, do derramamento do Espírito Santo como fez na Igreja Nascente, na Galiléia. Ante esse questionamento, por volta de 1992, Fernando Galvani, o Mococa, ouve atento um pronunciamento de Dom Luciano Mendes de Almeida. “Tem muita gente que pensa que a profissão é para ganhar dinheiro, é para preencher lacunas na vida. Ela pode ser para tudo isso, mas é importante que vocês saibam que a sua profissão é um dom de Deus para ser uma prestação de um serviço social para a comunidade. Através do dom da sua profissão, a sociedade que paga os impostos – mesmo para aqueles que estudam em universidades particulares, pois elas recebem subsídios do governo – você estudante cristão, você que comunga da fé cristã, deve saber que a sociedade do Brasil espera uma resposta sua para equacionar os problemas existentes na sociedade”, ensinava Dom Luciano.

Mococa tinha a intenção, na época, de formar-se e trabalhar na área de inseminação artificial em cavalos, ramo veterinário crescente e lucrativo, no início dos anos 90. Depois de refletir em seu chamado como universitário católico, de acordo com as palavras de Dom Luciano, Galvani decidiu mudar os planos. Ao relembrar o impacto que as palavras do bispo causou em seu interior, Mococa entusiasma-se: “Mudou minha vida da água para o vinho. A interpretação social da Palavra de Deus mudou a história da minha vida”.

Com essa visão, os universitários do Projeto Universidades Renovadas sentem-se profundamente chamados a mudar a sociedade, colocando a serviço dela o que foi aprendido na universidade, uma vez que a própria população os sustentou por quatro ou cinco anos em um curso superior. E assumem esse compromisso.

E por que esperar chegar o tão esperado e suado diploma para começar a colocar isso em prática? Dentro do PUR, os estudantes são chamados a ir ao encontro daqueles que necessitam desde o dia em que colocam os pés na universidade. O resultado mais visível e palpável são os projetos sociais, mas os membros do movimento buscam também realizar trabalhos de conscientização da sociedade por meio de palestras, principalmente quando assuntos polêmicos estão em pauta.

Para os membros do PUR, as obras assistenciais podem começar logo no primeiro dia de aula. Mais precisamente, no dia do trote. Aliás, trote em calouros tornou-se um problema, muito mais depois do trágico fato ocorrido na Universidade de São Paulo (USP), em 1999. Inesquecível para qualquer vestibulando ou estudante universitário, a maneira como o calouro Edison Tsung Hsueh morreu afogado na piscina da Associação Atlética Oswaldo Cruz, no dia 22 de fevereiro de 1999, por causa de uma brincadeira estúpida de estudantes, os veteranos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Depois da morte de Edison, muitas universidades repensaram a questão do trote. E não só universidades. Calouros “perdidos” nas instituições, no primeiro dia de aula, encontraram mais do que tinta, tesoura, fantasias, bandanas coloridas e sarro de veterano (como a tão famosa frase: “bixo é burro!”). Houve, sim, muito sangue doado, roupas espalhadas, quilos de alimentos. Um grande despertar de trotes-vampiros (doações de sangue), arrecadações de agasalhos e alimentos para aqueles que têm mais necessidade. Uma experiência de trote que deu muito certo no Projeto Universidades Renovadas, tendo a idéia partido, justamente, do revoltante episódio da morte do calouro de medicina: o Trote Solidário.

Atualmente, é a primeira atividade desenvolvida com os calouros em muitas universidades nas quais o Projeto Universidades Renovadas atua. A experiência mais marcante talvez seja a de Belo Horizonte. Além da assistência pelo lado substancial, os novos universitários, acompanhados dos “veteranos”, não esquecem de doar livros (literários e didáticos) e material escolar. O “bando de bixos” mais solidário de cada turma, geralmente, é homenageado e premiado com camisetas com os nomes dos cursos que, a partir do vestibular, passarão a cursar.

“Sensibilizados com a realidade social brasileira e com a morte do estudante de medicina da USP em um trote no início do ano passado (1999), um grupo de veteranos da PUC Minas promove, de 21 a 25 de fevereiro, o 2° Trote Solidário da Universidade. Integrantes do Projeto Universidades Renovadas (PUR), os organizadores do evento, visitarão 38 salas do campus  de Belo Horizonte e sete salas da unidade de Contagem, que somam 2.700 calouros. (...) O 1° Trote solidário arrecadou 982 quilos de alimentos e 1.868 peças de roupas, doados à comunidade Reviver, que assiste a  população de rua de Belo Horizonte e trabalha com a recuperação de dependentes químicos. O 1° Trote Solidário (10 a 16 de agosto, 1999) teve apoio da Reitoria da PUC Minas, que arcou com todas as despesas de divulgação: cartazes, folders, panfletos e faixas” (TROTE civilizado. Pampulha, o semanário de Belo Horizonte, Belo Horizonte, 26 fev. a 03 mar. 2000. Educação, p.9)

Assistencialismo? Pode ser, mas é o início de uma consciência social, da responsabilidade que o universitário, semente do profissional do futuro, deverá ter. Em muitos trotes solidários, os estudantes são convidados a saírem da redoma universitária e irem aos locais onde os alimentos e roupas serão distribuídos. Se considerarmos que, de acordo com relatório da Unesco do ano 2000, apenas 9% da população brasileira conclui um curso superior (desses, 7% são homens e 11% mulheres), tal ação significa retirar a “nata” brasileira da taça de cristal e levá-la a conhecer a realidade social que espera por ela, depois do “canudo”, e até mesmo antes dele. A obra de “caridade” torna-se muito mais caridosa para o próprio calouro. Quantos não vêm de um vestibular pensando na carreira que mais traz lucro e possibilidades de enriquecimento de maneira rápida e fácil. Sem contar aqueles que entram em determinados cursos superiores por pressão dos pais ou por “herança” de família. Inseridos no contexto do Projeto Universidades Renovadas, os graduandos procuram fazer tudo o que está ao alcance de um universitário. O que, muitas vezes, é algo restrito pela falta de diploma. Atividades de maior profundidade ou que requerem experiência, geralmente, tem de ser monitoradas pelos “donos” de diploma, os profissionais.

Sementes lançadas ao vento

O que os formados que passaram pelos GOUs (Grupos de Oração Universitários) um dia na vida acadêmica, não esquecem, no entanto, é a lição de amor ao próximo tão bem apreendida nos momentos de encontro com o Sagrado. Portanto, o que não está ao alcance dos universitários de hoje será totalmente possível ao profissional de amanhã. Na realidade, o PUR dentro das instituições de ensino superior é semente. Não há como não comparar o trabalho do Ministério das Universidades Renovadas com a parábola que Jesus conta aos discípulos sobre o semeador que espalha suas sementes pelo caminho. “O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram. Outros caíram em terreno cheio de pedras, onde não havia muita terra. Logo brotaram porque a terra não era profunda. Mas, quando o sol saiu, ficaram queimadas e, como não tinham raiz, secaram. Outras caíram no meio dos espinhos, que cresceram sufocando as sementes. Outras caíram em terra boa e produziram frutos: uma cem, outra sessenta, outra trinta.” (Mateus 13, 3-8).

Aqueles que resolvem dedicar-se ao PUR sabem que correm o risco de nada conseguirem em curto prazo. É lançar sementes e deixar que a natureza trate de fazê-las crescer. Desanimador? Se comparados o número de corruptos no Brasil e a quantidade dos que ainda acreditam em um país melhor, não. Considerando-se também a força que brota dos universitários e profissionais envolvidos com o Projeto, uma sociedade mais justa é questão de tempo.

VIII ENUCC - Fernando "Mococa" Galvani
e Elen Resende Santos

“Eu entendo que a Renovação surgiu em uma universidade porque os homens públicos hoje, os políticos, em sua grande maioria, têm algum grau de escolaridade. Pelo menos, 87% tem nível superior. Já pensou se esses políticos já tivessem passado pelo seu GOU (Grupo de Oração Universitário)? Se você tivesse rezado por eles e eles fossem batizados no Espírito Santo? Por isso eu acredito que a Renovação surgiu numa universidade. Somos chamados, vocacionados a tirar o Brasil dessa situação em que se encontra atualmente e o colocarmos em uma situação muito melhor. Começa pela sua vida, passa pela sua sala de aula, pela sua república, vai na sua família, vai no seu trabalho, vai para a sua cidade, vai para o mundo inteiro. É para isso que nós estamos aqui. Eu não consigo imaginar nada além disso”, afirma Mococa, dirigindo-se aos 1.600 universitários presentes no VIII Encontro Nacional de Universitários Católicos Carismáticos em Goiânia, no ano de 2003.

...e elas passam a brotar

E lá vão eles. Profissionais e estudantes tentam oferecer o que podem. Dessas tentativas nascem os mais variados projetos. Infelizmente, os trabalhos que cada estado desenvolve ficam restritos a poucas comunidades. Aqui e ali, nas listas de discussão na internet surgem um ou dois textos contando o que os membros do PUR têm feito nos diversos pontos do país, mas o projeto de uma comunidade ou fica esquecido como um belo testemunho, ou, e essa é a melhor opção, torna-se modelo para realizações em outras comunidades. O que acontece, na maioria das vezes, é o desenvolvimento de ações que ficam apenas sob o conhecimento de quem as inicia.

Algumas, pouquíssimas, foram resgatadas e estão impressas, mas são mínimas, o que não as impede de promoverem impactos razoáveis sobre as comunidades nas quais estão inseridos os GOUs que as desenvolvem. Talvez os trabalhos realizados pelo Projeto sejam o tão sonhado retorno que a academia luta para dar à sociedade local, que a abriga. Não se compara à extensão universitária, claro. Mas preenche as lacunas que a universidade deixa na hora de oferecer à comunidade os frutos da sua presença. Não é raro encontrar-se sociedades que nem tomam conhecimento da presença de uma universidade estadual, por exemplo, em suas proximidades.

O Projeto Universidades Renovadas incita seus participantes, ou pelo menos deveria, a estender-se ao outro. Uma das primeiras necessidades que surgem na mente e coração dos universitários é um cursinho pré-vestibular gratuito àqueles que não têm condições financeiras para  pagar por um. Certamente, em muitos locais do Brasil nos quais o movimento chegou, os alunos já deram ou dão aulas aos que têm dificuldades ou para cursinhos pré-vestibulares da própria faculdade na qual estudam. O Ministério das Universidades Renovadas também tem iniciativas nesse sentido: participantes do movimento que ainda estão na graduação, mestrandos e doutorandos, arranjam tempo e doam seus “saberes” àqueles que sonham em passar no vestibular.

Existem no país algumas iniciativas de cursinhos, uma delas, de maneira expressiva, procura firmar-se no estado do Amazonas. “Hoje a diocese de Manaus está toda trabalhando em cima do cursinho pré-vestibular que nós temos como projeto, o Cursinho Pré-vestibular São Lucas. Quem organiza, quem vai ministrar as aulas são os membros do PUR. Os alunos irão pagar uma taxa que é o valor da apostila e a escola nos foi cedida pelo município. O trabalho é voluntário, todos os professores são voluntários. Desses 20 reais de taxa, nós iremos tirar o dinheiro da apostila e, no caso de alguns professores que necessitam pegar ônibus, nós vamos dar o transporte deles também. O cursinho vai funcionar no turno da noite porque durante o dia os professores não têm tempo por serem alunos formandos da faculdade ou estudantes já formados, fazendo mestrado. Nós temos duas salas com capacidade para 30 alunos cada. Vamos abrir vagas para toda a cidade, mas 60 vagas não são nada. A prioridade é para os membros do bairro no qual vai ser realizado o curso, mas queremos expandir para o centro da cidade. A demanda vai ser um pouco maior. O projeto é antigo. Em Parintins, antes de terem implantado o PUR, já existia o projeto do cursinho. O GOP (Grupo de Oração Pré-vestibular) virou a idéia de um cursinho cristão e o início vai ser no ano que vem, em março (2004). Temos a intenção de preparar estudantes para a Federal e para a Estadual também”, comemora a formanda em fonoaudiologia da Universidade Federal do Amazonas e coordenadora do Projeto Universidades Renovadas no estado, Tatiana Vanessa.

Devido ao contato diário dos universitários com a educação, projetos que visam ensinar seja lá o que for para os mais carentes são sempre muito bem-vindos. Outro projeto que deu certo e trouxe frutos visíveis aos que o organizaram, foi um curso de computação ministrado por membros do PUR de Bauru, São Paulo. Com o apoio logístico da Universidade do Sagrado Coração, que cedeu o laboratório de computação, profissionais recém-formados em Ciência da Computação e Análise de Sistemas ministraram aulas de informática aos que não tinham condições de pagar. Como saber lidar com o computador tem se tornado um dos pré-requisitos para se conseguir um bom emprego, os voluntários pretendiam diminuir a exclusão digital nessa cidade do interior de São Paulo. As poucas vagas foram preenchidas rapidamente. Depois de seis meses de aulas voluntárias, nos fins de semana, pelo menos dois alunos do curso saíram com empregos novos.

Renovar a sociedade nos atos, “arregaçar as mangas” para o Projeto, no entanto, parte de um profundo movimento interior. E, para a coordenadora nacional do PUR, o objetivo tem sido alcançado. “A gente acredita que tem alcançado o objetivo de corações renovados para que exista uma sociedade renovada, primeiro, porque temos visto a juventude mudar muito nas nossas faculdades. Por meio dos grupos de oração com professores, com universitários e com funcionários das universidades. Aí, eles têm vivido o amor de Deus, Pentecostes. Vemos pessoas envolvidas com drogas, com tráfico dentro da faculdade mudarem de vida; pessoas profundamente decepcionadas com seu curso, com dúvidas vocacionais se resolverem por trocar de curso ou até por criar uma nova visão, começar a sonhar com seus cursos de forma diferente. Além de pessoas que estavam desistindo do curso – por saírem de suas cidades e sentirem-se extremamente isoladas, tristes, entram muitas vezes até em depressão –  mudarem completamente ao encontrarem nos nossos grupos de oração muito mais do que simples momentos de oração, elas encontram também acolhimento, carinho, uma segunda família. Na realidade extra-pessoal, o Projeto lança o sonho de sociedade nova. Temos visto pessoas optarem por temas de teses de mestrado, trabalhos de pós-graduação, monografias de conclusão de curso que, de alguma forma, fazem diferença na sociedade. Para citar alguns exemplos, a tese de doutorado de um dos participantes do Projeto na Universidade Federal de Viçosa. Ao estudar uma planta, a pessoa constatou que aquela reduziu 50% da incidência da diabete em ratos. A pessoa passou a buscar formas de estudar isso em humanos. Temos um trabalho de monografia de conclusão de curso, em Santa Catarina, de uma formada em artes. Ela elaborou um projeto para levar a escola de artes para o presídio. Então, começou a realizar com os presos escolinhas de arte, ensiná-los a trabalhar com madeira, pintura. Com o término do trabalho de conclusão de curso, ela começou a realizar um programa interdisciplinar com isso. Várias pessoas se interessaram e foi tão bom em Florianópolis que o Secretário de Segurança do Estado resolveu ampliar o projeto e levá-lo para os presídios de todo o Estado de Santa Catarina. Assim, todo o estado tem escolas interdisciplinares nos presídios, projeto que nasceu dentro do Projeto Universidades Renovadas, no grupo de oração”, conta com entusiasmo Elen Resende, responsável pelo Projeto Universidades Renovadas em âmbito nacional. A mineira da cidade de Araxá é formada em Engenharia Química e, após concluir seu mestrado na Universidade de Campinas (Unicamp), passou a trabalhar em um laboratório em Marabá, no estado do Pará.

As obras não param nos benefícios materiais que são capazes de trazer. Reduzir o ser humano à dimensão física é correr o risco de coisificá-lo. Proporcionar o bem-estar material em uma sociedade repleta de necessidades desse âmbito é urgente e indispensável, esquecer-se do interior do homem, porém, é ignorar sua essência, a fonte do verdadeiro bem-estar do ser humano, de acordo com a convicção do Projeto Universidades Renovadas.

Se enumerar a quantidade de obras sociais realizadas pelo PUR nos diversos estados do país não é tarefa fácil, as moções interiores que provoca nos participantes e naqueles que atinge de alguma forma são praticamente incontáveis. Como parte integrante da Renovação Carismática Católica, o PUR assume, nitidamente, a identidade do movimento, ou seja, características voltadas para a espiritualidade, a interioridade do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus. Assim sendo, os fazeres e afazeres partem, primeiramente, de um impulso interior.

Ao remeter o ser humano para dentro de si mesmo, o movimento incentiva descobertas pessoais que refletem diretamente no relacionamento do indivíduo com a sociedade da qual faz parte.

A primeira grande obra “subjetiva” realizada é o encontrar-se consigo mesmo. Por meio desse encontro inusitado, o sujeito é capaz de certificar-se, por exemplo, se o curso que faz corresponde realmente à formação para o que gostaria de exercer profissionalmente. Muitos participantes do Projeto desistiram do curso que faziam e optaram até mesmo por outras áreas, depois de voltarem-se para si e ordenarem a “bagunça” interior em que se encontravam, segundo constatam os próprios participantes do Ministério das Universidades Renovadas.

Sendo a espiritualidade uma das principais identidades do movimento, os diversos encontros de fins de semana realizados em todos os cantos do país não são surpresa. O maior deles é o Encontro Nacional de Universitários Católicos Carismáticos, o Enucc. A importância desse encontro é tanta para o movimento que ele deve ser tratado como um caso a parte, mereceu um capítulo inteiro só para ele.

Há também, quando se fala em encontros que tratam especificamente do Projeto Universidades Renovadas, os de âmbito regional, diocesano e estadual. Recebem os nomes mais diversificados: Erucc (Encontro Regional de Universitários Católicos Carismáticos), Educc (Encontro Diocesano), Sampa Pur (encontro do Projeto que envolve as dioceses da Grande São Paulo), Encontro do Vale do Paraíba, do Projeto Universidades do Sul do país, entre outros. Além dos encontros que envolvem especialmente os graduandos, o Ministério das Universidades Renovadas não esquece dos formados, os profissionais. Pelo pouco tempo de existência e recentes gerações do movimento que se formaram, o primeiro e único encontro nacional de profissionais foi realizado em maio de 2002.

O movimento “espiritual” é maior nas dioceses. Encontros vocacionais, terços nas repúblicas, tardes de oração, novenas de natal e pentecostes. Em algumas realidades, as atividades dos universitários nas comunidades acadêmicas são de fazer inveja a qualquer paróquia. No interior paulista, o PUR tem certa expressividade na cidade de Presidente Prudente, uma das primeiras do estado de São Paulo a abraçar o movimento. “Nós estamos fazendo encontros quinzenais vocacionais nas repúblicas e na moradia (alojamento universitário). Nos encontros fazemos uso de um livrinho lançado pela Igreja (semelhante ao da novena de Natal), no qual em cada encontro se fala de um tema relacionado à vocação. Temos momentos de louvor, oração e de meditação de uma palavra da Bíblia. Esse livrinho também faz com que as pessoas que participam partilhem através de algumas perguntas referentes à palavra lida e também à vocação. Claro que procuramos falar mais sobre a vocação de ser universitário (que é o nosso objetivo principal), de ser família, do que do chamado ao sacerdócio ou vida religiosa, mesmo porque em muitas das casas que visitamos nem todos aceitam o GOU e mesmo a Deus. Outra coisa legal que fazemos todo ano é a novena de Natal nas repúblicas. Cada dia é em uma república diferente e a própria casa que nos acolhe prepara o encontro seguinte para a outra república, e assim sucessivamente. Tem dado muitos frutos e, no ano passado, foi muito legal porque envolveu não só nós do PUR, como também a comunidade do bairro próximo à Unesp (Universidade Estadual Paulista). Muitas senhoras da comunidade acompanhavam-nos nos encontros que aconteciam às 22h30 (para elas é super tarde)”, conta a formanda em Matemática Michele de Oliveira Alves que, apesar da correria com a conclusão do curso, é responsável pelo Ministério das Universidades Renovadas na diocese de Presidente Prudente.

Se a assistência social que os GOUs procuram realizar – às vezes sem muito sucesso, é verdade – propicia melhorias na vida dos beneficiados, o trabalho que os universitários fazem no aspecto espiritual e individual gera mudanças de comportamentos que podem ser consideradas verdadeiros milagres. Mudanças sensíveis no modo de ser, agir, pensar, notadas por aqueles que convivem de perto com integrantes do GOU. O modo de viver em comunidade e a experiência com Deus que caracteriza o Projeto Universidades Renovadas faz com que muitos dos integrantes vejam um novo sentido na vida e abandonem práticas autodestrutivas como o envolvimento com drogas ou egocentrismo acentuado, por exemplo, fatos que isolam e desumanizam aos poucos as pessoas que adotam tais tipos de procedimento, fato já acentuado pela coordenadora nacional, Elen Resende.

Ao sair de si, vão diretamente ao encontro do outro, observam necessidades que, anteriormente, não conseguiam ver, por não se importarem com realidades que não lhes diziam respeito. A preocupação com o bem-estar do próximo, no entanto, não se limita ao campo material. Prova disso, além dos encontros de oração, é a busca do conforto interior para aqueles que não podem tê-lo exteriormente. Essa busca desencadeia projetos como o Andorinhas, de Uberlândia, Minas Gerais. Estudantes da Universidade Federal de Uberlândia dispõem-se há três anos a levar alegria aos doentes. Toda semana, os membros do Projeto Universidades Renovadas da faculdade mineira reúnem-se para cantar nos corredores do Hospital das Clínicas e no setor de psiquiatria da universidade. “O Projeto Andorinhas nasceu no coração de dois integrantes do PUR/Uberlândia, que sentiram a necessidade de avançar no sonho de uma universidade mais justa e fraterna. Não mais nos sentimos satisfeitos por apenas receber, mas, abastecidos nos GOUs pelo Espírito Santo, fomos impelidos a sair do nosso comodismo e fazer algo mais. Assim, começamos esse projeto que hoje conta com o apoio e reconhecimento dos médicos, enfermeiros, psicólogos e funcionários do HC. Todos testemunham as maravilhas que Deus tem feito nos corredores, nos leitos e principalmente nas vidas que lá estão. No início, não tínhamos nome, até que, ao retornar em mais um dia de missão, as enfermeiras do HC nos recepcionaram dizendo que as andorinhas haviam voltado. Diversos pacientes das alas cirúrgicas, de pediatria, moléstias infecciosas, maternidade, de psiquiatria e UTI já ouviram o nosso canto. E puderam receber também o amor de Deus, através de nossa alegria, olhar, orações. Com a graça de Deus, hoje temos o apoio de todos do HC, e passamos a fazer parte do projeto interno de humanização do hospital. Recentemente, fomos presenteados com matérias exclusivas em duas emissoras de TV, no jornal da cidade, em um programa na rádio universitária e recebemos o reconhecimento da Câmara Municipal de Uberlândia”, contaram ao jornal do Projeto Universidades Renovadas na internet, o Jornal de Partilha on-line, Eduardo Duarte Faria e Leiriane Alves de Souza, responsáveis pelo “Andorinhas” da Universidade Federal de Uberlândia.

Os estudantes dedicam-se e revezam-se na “missão de levar alegria” aos corredores do hospital. Quem  vê uma obra como essas em prática, algumas vezes, pode não imaginar que se tratam de estudantes em trabalho voluntário que “têm muito mais o que fazer”. O colocar-se à disposição é inclinação sincera e sem esperar nada em troca, a não ser o que o doar-se pode causar na vida do outro. “Foram três anos de muita luta, em meio a provas, estágios e monografias mas, acima de tudo, três anos de muita alegria e só temos que render graças a Deus por tudo o que Ele tem realizado e principalmente por nos dar força a cada dia para seguirmos em frente nesse projeto, mesmo diante de tantas provações e dificuldades. Sonhamos que um dia todos os hospitais públicos e privados possam também receber as andorinhas de Deus e que elas possam sempre voltar, cada vez em número maior”, contam os organizadores do Projeto Andorinhas ao Jornal de Partilha on-line.

Com limitações e em pequenas doses, muitas vezes, os jovens universitários carismáticos não se intimidam na hora de colocar a mão no barro. Se, em uma visão pessimista de mundo, não o são para a sociedade, para a Igreja, as iniciativas têm extrema importância e correspondem a um apelo: “Tornar-se protagonistas e, em certa medida, criadores de uma nova cultura humanista, é uma exigência ao mesmo tempo universal e individual”, como expressa e espera o Papa João Paulo dos fiéis leigos na exortação Christifideles Laici.

Fé e razão

Não seria equívoco afirmar que o PUR nasce não somente da RCC, mas também de apelos da própria Igreja Católica. Na América Latina, os bispos na Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, nos documentos originados dessas conferências, Puebla, de 1979, e Santo Domingo, de 1992, a Instituição deixa clara sua preocupação com a evangelização bem como com a formação dos profissionais cristãos nas universidades. A Igreja percebeu, e não só ela sabe disso, que ali, dentro dos centros da razão, são formadas as futuras lideranças de um país. Até aí, tudo parece perfeito. Mas, somente quem passou por uma universidade, porém, tem a noção exata do ceticismo que se instala em algumas delas. Fé e razão se “estranham” abertamente, desde que o homem começou a pensar em tirar Deus do centro (teocentrismo) e, na Época das Luzes, estabelecer-se como centro da cultura (antropocentrismo). Alcançar o equilíbrio entre Theos e anthropos torna-se praticamente “missão impossível”, em algumas situações e realidades.

O PUR surge antes que o Papa João Paulo II se pronuncie sobre o duo Fé e Razão, mas, desde sua concepção, já traz em si o desejo de fazer de Fé e Razão não rivais, mas aliadas. Em 1998, a Igreja se aprofunda nesse tema: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” assegura João Paulo II, na introdução da encíclica Fides et Ratio, ou Fé e Razão.

Um desafio. Conciliar fé e razão. Talvez não um desafio para os altos escalões da Igreja. Bispos, cardeais, homens formados e “re-formados” em Filosofia, Teologia e quantas “ias” forem necessárias para constituir líderes capacitados para caminhar à frente de uma instituição de nome como a Igreja Católica Apostólica Romana. Desafio, sim, para jovens universitários que saem de seu ensino médio e cursinhos pré-vestibulares e enfrentam novas formas de viver e pensar no mundo acadêmico. Não são raras as histórias de pessoas que professavam alguma religião antes de passarem no vestibular, mas que começaram a fazer cursos universitários e simplesmente desistiram de seus credos, ou que mudam seu modo de pensar. Católicos que viraram ateus. Evangélicos que tornaram-se agnósticos. Espíritas que tornaram-se adeptos única e exclusivamente da doutrina-ciência. Alguns acadêmicos enxergam Fé e Razão como água e óleo, que não se misturam, nem nunca poderão caminhar aliados. O PUR, com seu ideal de renovar a sociedade, tem muitos desafios. Um deles, um dos grandes, é promover uma convivência não só sadia como também uma relação de mutualismo entre Fé e Razão. A Fé, sem excluir a razão, ou guardá-la em uma gavetinha para ser usada nas horas em que é necessária, mas utilizando-a para fazer do cristão um ser orante que não se deixa alienar em sua espiritualidade. A Razão, não esfriando totalmente o ser humano, fazendo dele somente um ser pensante, preocupado sim com a realidade, mas esquecido de sua porção sobrenatural. A Igreja, em documentos, deixa clara a intenção de estar presente em universidades: torná-las formadoras de pessoas humanas e não meros cientistas dependentes da técnica.

Tratando-se de um movimento católico, fica simples para o PUR realizar tal tarefa. Errado! As contradições fé e razão acontecem dentro do próprio movimento. Muitas vezes existem tendências espiritualistas demais, assim como racionalistas extremos. É preciso admitir, no entanto, que o movimento marca sobremaneira a Igreja na discussão científica e humana. Prandi afirma, quando trata da RCC, que o movimento católico “compete com o pentecostalismo, adotando concepções e práticas muito similares e, assim, constituindo-se em concorrente robusto na caça às almas; e combate as comunidades eclesiais de base, revalorizando o indivíduo e a família e deixando para trás qualquer preocupação com a sociedade e suas estruturas, especialmente no que diz respeito às questões de justiça social e mudanças dessas estruturas”. (PRANDI, 1997, p. 11, grifo nosso).

Contrariando a visão que muitos da Igreja têm sobre a Renovação Carismática Católica, o PUR tem criado uma estrutura preocupada não somente com a formação espiritual de seus membros, mas também com a formação acadêmica e científica deles. Isso fica claro nos encontros nacionais do Projeto. Logicamente, sendo encontros cristãos e “carismáticos”, os participantes são levados a uma experiência sobrenatural, com o Sagrado. Em algum momento, no entanto, os estudantes, professores e funcionários presentes no Encontro Nacional de Universitários Católicos Carismáticos (Enucc) terão a oportunidade de ouvir e trocar experiências puramente científicas. São as mesas temáticas.

Inicialmente, as atuais mesas temáticas eram as mesas redondas do encontro. Os universitários dividiam-se por áreas (humanas, biológicas ou exatas) e cada mesa tratava de um tema específico dessas áreas de conhecimento. Atualmente, as mesas temáticas tratam de temas de interesse de qualquer área de conhecimento contemporânea e que esteja incluída no cotidiano do ser humano.

VIII ENUCC - Mesa temática com o Pe. Joãozinho e Jean Lauand. Nos últimos Enuccs, temas como, “Propostas e desafios para a educação no Brasil”, “Bioética”, “Ética e responsabilidade social” Como o encontro é de católicos, há a discussão de como a Igreja vê e pensa temas da atualidade, portanto “A Igreja e os acontecimentos atuais”, “Fé e Política” e “Nosso papel na campanha da CNBB contra a Miséria e a Fome”, são temas que geram discussões “quentíssimas” entre os participantes do encontro.

 

Duplo comprometimento

O Ministério das Universidades Renovadas enfrenta o estereótipo de que a RCC aliena e tira as pessoas da realidade social em que vivem, assim como busca formar não somente graduados comprometidos com o “amor ao próximo”, princípio ensinado pelo próprio Cristo, mas também profissionais capacitados. Capacitação extremamente frisada por aqueles que estão à frente do movimento. “Eu sempre gostei de estudar muito. Deus me deu a graça de gostar de ler, de aprofundar. Tenho comigo que preciso marcar todos os lugares por onde eu passo. Quando eu era bandido, eu era um bandido de primeira, e depois que eu me entreguei a Deus, eu quero ser um cristão de primeira. Eu assumi comigo um compromisso, onde eu passar eu transformo, onde eu passar eu quero deixar minha marca, deixar o selo do que eu acredito, do que eu vivo. Não ficar brincando de viver”, afirma convicto o fundador do PUR, Fernando Galvani.

Ser “cristão de primeira” sempre é acentuado pelos participantes, como também ser bom, capacitado, o melhor naquilo que se faz. Essa característica é tão marcante que ser relapso com as matérias da faculdade ou levar a vida acadêmica “com a barriga” é considerado até mesmo um contra-testemunho dado pelo participante do GOU. Segundo João Carlos de Almeida, o Padre Joãozinho, da ordem do Sagrado Coração de Jesus, não estudar, para um estudante do Ministério das Universidades Renovadas, pode ser considerado um pecado grave. “O pessoal do Projeto Universidades Renovadas sabe brincar, sabe sorrir. Sem deixar de estudar direito, se um sujeito do PUR, um universitário em renovação, foi mal na prova, tem que ser ferrado mesmo, ele pecou. Eu acho que quando vai fazer o exame de consciência, o pessoal das universidades em renovação deveria se colocar: ‘Não estudei direito’. Quem vai ao grupo de oração e por isso vai mal na prova, pecou. É pecado grave porque o sujeito não usou bem os talentos que Deus lhe deu, inclusive o do tempo”, afirma o sacerdote que tem um carinho especial pelo Ministério das Universidades Renovadas e pelos membros do movimento.

Entregar-se às atividades do movimento, esquecendo-se de alimentar a razão é “crime feio” no Projeto Universidades Renovadas. Isso inclui também mergulhar nos documentos doutrinais e esquecer-se da anatomia, teoria da comunicação, cálculo I, II e III. Não basta ter todas as respostas da Igreja na ponta da língua. É necessário ter as respostas científicas dentro da cabeça. Para o PUR não há valor em ser doutor da Igreja se não se é bom na mesma medida cientificamente ou profissionalmente.

Pensar crendo e pensando crer

Grande marco na história “racional” do Ministério das Universidades Renovadas é o envolvimento do professor titular de filosofia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), Jean Lauand, com o Projeto na capital paulista. O professor tem uma carreira acadêmica expressiva. Além de docente da USP, é pesquisador do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Universidade do Porto, tem artigos publicados em diversas línguas e é diretor de uma editora. Sem contar seus incontáveis textos e publicações.

O que é consenso para os participantes do movimento é que a profundidade acadêmica de Jean marca sobremaneira o percurso do PUR. Pode-se dizer que Jean entra para a história do PUR por suas “próprias pernas”. Acostumado com o ambiente da internet, o professor encontra, em março de 2001, as listas de discussão dos membros do PUR e, imediatamente, inscreve-se nas listas nacional e do estado de São Paulo e apresenta-se.

Do virtual ao real foi questão de dias. A aluna do primeiro ano de pedagogia da FEUSP, Aline Lacerda procura o docente da mesma faculdade para apresentar-se e, consigo, o Projeto Universidades Renovadas. De maneira divertida e carinhosa a aluna de pedagogia relembra o dia em que conheceu o professor:

“O Jean não tem nada a ver com o que eu pensava dele. Eu fui ao prédio dos professores da faculdade pela primeira vez na minha vida. Cheguei na porta da sala dele ensaiando o que eu iria falar. Bati. Ele, com a voz de sempre:

- ‘Eeentra’.

“Pensei comigo: ‘ele deve estar esperando alguém’. Bati de novo, ele respondeu da mesma forma. Abri a porta, timidamente, olhei para ele e ele ficou me olhando. Estava sentado em frente ao computador, para variar.

- ‘Pois não?’.

- ‘Então, o senhor é o professor Jean?’.

- ‘Sou’.

“Foi muito engraçado. Eu não sabia se eu ria, o que eu falava. Eu teria aula com ele em maio e junho e estávamos em março.

- ‘Então professor, o senhor vai me dar aula daqui dois meses’.

- ‘Ah, é do primeiro ano? Bem vinda’.

- ‘Eu sou do Projeto Universidades Renovadas, fiquei sabendo que o senhor entrou em uma de nossas listas de discussão...’

“Ele pediu que eu contasse sobre o Projeto. Eu fui falando para ele.

- ‘A gente tem um sonho...’

“Na época, eu conhecia pouco o Projeto, para mim tudo era graça, batismo no Espírito. Eu não sabia qual era a do Jean, eu queria é que ele nos ajudasse. O professor era sério, me acolheu muito bem, mas sério. E eu ali naquela sala toda bagunçada, cheia de livros. Então começou a me contar o que ele fazia, a mostrar o site da hottopos.com, a editora dele, mostrar as publicações, contar e contar. Apesar de ficar entusiasmada, não entendi muito qual era a dele. Fiquei umas duas horas e meia na sala, conversando. Ele foi me ouvindo pacientemente. Hoje, diz ele, que me ouviu com encanto, que ali o coração dele encheu-se de alegria e esperança. Fomos à missa juntos, depois o Jean me levou pra comer pizza.

- ‘Meu, eu to comendo pizza com um professor da minha faculdade! Que negócio é esse?’

“Eu não entendi nada. Ele me deu vários livros, saí da sala dele naquele dia com uns sete livros. Rolou um carinho tão forte que, ali, ele me adotou e adotou o Projeto. Adotou mesmo com paternidade responsável, sempre muito presente com a gente. Na verdade, o Jean entrou no Projeto para mudar. Tem gente que entra na nossa vida pra mudar. Ele marca, existe o antes e o depois da presença do Jean nas listas, da presença do Jean com a gente, levando-nos sempre a entender melhor a nossa identidade de leigos, de batizados”.

Crescer cientificamente, ao contrário do que acontece com muitos pesquisadores, não significa, para os membros do Ministério das Universidades Renovadas, entrar em um cientificismo vazio, que nega a existência de Deus, do Transcendente, receba Ele que nome for. Para o PUR, Fé e Razão se completam. Portanto, evoluir racionalmente é também crescer espiritualmente.

Não são poucos os universitários que já tinham experiência com a RCC quando conheceram o Projeto. Todos eles concordam que o contato com o Ministério das Universidades Renovadas os fez repensar seu modo de ser Renovação e até mesmo seu jeito de ser Igreja. “Aprendi a rezar usando minha razão. Agora sei que não preciso deixar de lado a ciência para me dirigir a Deus”, conta a estudante de Engenharia Civil da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Renata Patrícia Silvério Higino, participante de grupo de oração de paróquia que passou a freqüentar o GOU da faculdade, depois de um tempo de resistência. Para quem já conhece a atividade de um grupo de oração, que, em média, tem duração de duas horas, fica difícil acreditar que se possa atingir alguma profundidade espiritual ou doutrinal em apenas 15 minutos de intervalo ou, quando os universitários conseguem mais tempo para a realização do GOU, em uma hora, no máximo.

É inegável que a RCC trouxe de volta à Igreja muitas “ovelhas desgarradas”, mas é inegável também que algumas vezes ela evita debater temas polêmicos, ou abrir-se para discuti-los. Não raro, ela fecha com a opinião da Igreja e não quer nem saber de ouvir posições contrárias. É assim e ponto final, não se fala mais nisso. O que não se pode esquecer é que existem pessoas que não se contentam com opiniões fechadas. Para os membros do PUR, não se coloca em questão aqui a obediência ou não aos dogmas e pronunciamentos da Igreja, o que se espera é que temas que geram discussões sejam discutidos e não simplesmente ignorados. “A instituição PUR sempre está um pouco desconfortável na Renovação Carismática. Porque é um Projeto que pensa, por isso ele é perigoso”, constata o próprio assessor teológico da RCC no Brasil, Padre Joãozinho.

Atualmente, a Igreja encontra-se mais aberta a diálogos, sem abrir mão de suas próprias opiniões, é claro. Dentro do PUR essa questão de discutir, ouvir opiniões contrárias não “mete medo”. Ao contrário, as polêmicas são bem-vindas, são até mesmo instrumentos de divulgação do próprio movimento. Temas da atualidade como aborto, homossexualismo, castidade e outros que geram algum tipo de conflito são abordados em palestras, muitas vezes com professores das próprias universidades nas quais acontecem, a fim de, além de esclarecer dúvidas, deixar claro o que pensa a Igreja. Note-se que “deixar claro o que pensa a Igreja”, não significa derramar sobre quem ouve um “caminhão” de opiniões próprias e não-fundamentadas. Os universitários mais engajados no movimento, geralmente, procuram estudar os documentos e encíclicas da Igreja. Aceitar um posicionamento eclesial, no caso do Ministério das Universidades Renovadas, é também um ato de amor e adesão à Igreja Católica, mas de maneira fundamentada e com algum conhecimento de causa.

Evuccs

Ao incentivar iniciativas de discussão dos mais variados assuntos, o PUR procura promover o crescimento intelectual de seus participantes, uma vez que acredita na importância da formação completa do profissional. Formação completa que quer dizer, para o PUR, ser completo profissionalmente e espiritualmente. Se, por um lado, há o incentivo à formação intelectual, por outro, o plano espiritual não fica esquecido. Os esforços são remetidos tanto à espiritualidade quanto à intelectualidade. Há, assim, um incentivo à espiritualidade, à interioridade que proporciona mudança individual e, conseqüentemente, revolução social. Unida a isso há no movimento católico uma forte busca pelo conhecimento. E os mesmos meios que servem para manter em interação os membros do Projeto podem ser canal de formação intelectual e acadêmica.

Um exemplo disso são os Evuccs – Encontros Virtuais de Universitários Católicos Carismáticos. Os encontros virtuais vêm da necessidade de comunicação entre os participantes do Projeto dos diversos estados do país. Como alguns se encontram apenas uma vez por ano no ENUCC, em um local preparado (nos encontros de internautas) surge a idéia de combinar dia e hora para encontrarem-se virtualmente. Foi assim que, pela primeira vez, os universitários fizeram um encontro virtual. Isso até surgir a idéia, incentivada pelo professor Jean Lauand, de realizar os encontros virtuais temáticos. O encontro virtual consiste em colocar de um lado da telinha do computador um especialista em algum assunto, com tema previamente combinado, e de outro, curiosos dispostos a fazer perguntas. Assim, os universitários interessados entram na sala de bate-papo do site do PUR http://www.pur.com.br, no dia e hora do encontro, e fazem perguntas sobre o tema escolhido.

O que parece brincadeira de televisão – quem nunca viu em uma sala de bate-papo “Fulano estará em nosso chat para conversar com os fãs”? – virou assunto sério. Os Evuccs são marcados, o tema é decidido e a pessoa convidada coloca o texto base no site do Projeto para os participantes do Encontro Virtual lerem e terem base para formular questões pertinentes e inteligentes.

Entre os temas abordados nos encontros virtuais realizados pelo Ministério das Universidades Renovadas estão: “Como falar de Deus nas universidades”, com Gabriel Perissé, formado em Letras pela UFRJ, mestre em Literatura pela USP e doutor em Filosofia da Educação, também pela USP; “Cura: os limites da fé e da medicina”, com o Doutor Roque Saviolli, diretor do Instituto do Coração (Incor – USP); “Justiça hoje”, esse, um Evucc “internacional”, por ser o entrevistado um catedrático, Paulo Ferreira da Cunha; Padre Joãozinho, com o tema Ação Evangélica; e o relutante Jean Lauand que respondeu perguntas sobre “Prudentia: a arte do discernimento – um debate sobre a virtude cardeal da Prudência”.

O resultado desses encontros virtuais foi tão proveitoso que um deles virou matéria de uma revista científica. A publicação é um conjunto de estudos e seminários de cunho filosófico da Universidade do Porto, mais precisamente da Faculdade de Direito dessa instituição. A revista Mirandum, n° 14, foi editada com o apoio da Editora Mandruvá, do CEMOrOc (Centro de Estudos Medievais – Oriente & Ocidente da Universidade de São Paulo) e do Projeto Universidades Renovadas e o Encontro Virtual que ganhou o destaque da edição foi de “alto teor filosófico”, segundo o professor Jean Lauand, em homenagem ao dia de Santo Tomás de Aquino, nome expressivo da filosofia. Na mesma edição em que foi publicado o Encontro Virtual, que teve como “entrevistado” o professor Jean Lauand, com o tema “Prudentia: a arte do discernimento e da decisão”, foram impressos os artigos: “Religião e Liberdade – a ‘Revanche de Deus’, Neo-Maniqueísmo e Fanatismo Religioso”, “Dialéctica, Tópica e Retórica Jurídicas” e “O Referencial de Keirsey e Bates como um dos Fundamentos da Ação Docente”.

Sobre a experiência de ser “vítima” da idéia que incentivou, Jean Lauand escreveu entusiasmado à revista científica. “Esses encontros ocorrem desde o ano passado (2002) e os três primeiros Evuccs foram entrevistas virtuais com professores de filosofia do mais alto nível: Gabriel Perissé, João Carlos de Almeida (padre Joãozinho) e Paulo Ferreira da Cunha. Com este último, tivemos um Evucc internacional, pois o entrevistado estava em seu computador na Universidade do Porto dialogando on-line com os brasileiros. Quando os jovens organizadores desses encontros me consultaram sobre a idéia, recebi-a com um certo ceticismo: chat – parecia-me então – não era um meio adequado para discutir filosofia: a necessidade de dar a resposta de modo imediato (e a de digitar apressadamente a resposta), a impossibilidade de consultar livros etc., pareciam-me obstáculos difíceis de superar. Chat, pensava eu erradamente, serve para assuntos mais superficiais, como entrevistar um artista famoso sobre sua carreira e hobbies, por exemplo. Mas, depois de ter participado (como um a mais) dos primeiros Evuccs tive que rever esses meus preconceitos: aprendi muitíssimo com os Evuccs, com o brilhantismo dos entrevistados e também com os jovens universitários que formulavam perguntas muito inteligentes e sugestivas”.

O PUR não mereceu destaque somente na Mirandum. Antes mesmo de aparecer nas páginas impressas da revista, o movimento ganhou espaço nas páginas científicas da web. Em setembro de 2002, os números 17 e 18 da revista internacional de filosofia e educação, Videtur, tiveram co-edição do Projeto, em parceria com a USP e a Universidade do Porto. A revista científica é uma publicação que circula, principalmente, na internet e existe há seis anos, criada a partir da parceria entre a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e universidades internacionais, como a Universidade do Porto, por exemplo. Nos números editados com a participação do Ministério das Universidades Renovadas, estavam conferências do professor Jean Lauand, Padre Joãozinho, Gabriel Perissé e Paulo Ferreira da Cunha (catedrático da Universidade do Porto), proferidas no IV Seminário Internacional Cristianismo – Filosofia, Educação e Arte, realizado na USP – São Paulo, em setembro de 2002. As publicações das conferências do seminário dividiram as páginas da rede com um artigo do Padre Jacaúna, membro do Conselho Nacional do Projeto Universidades Renovadas, e dois estudos de Josef Pieper, considerado um dos mais importantes filósofos católicos do século XX, além de um comentário de Tomás de Aquino sobre o Salmo 2.

Seminários de Filosofia

A publicação na revista Videtur nasceu de outra iniciativa do Projeto em busca de conciliar fé e razão: os seminários de filosofia que tiveram início na Universidade de São Paulo, na capital paulista, e têm se espalhado por outras regiões do país. Desde 2001, foram realizados cinco grandes seminários, nos quais o Projeto tem participação significativa, principalmente, no primeiro. Quando os universitários do PUR entram em contato com o professor Jean Lauand passam a ter uma relação mais estreita com a filosofia. Como os próprios estudantes da USP dizem, não entravam na sala do professor sem sair de lá com, pelo menos, cinco livros.

Se o movimento já incentivava o crescimento científico e instrumental dos envolvidos, o encontro com o Jean gera uma verdadeira sede de conhecimento nos membros do Ministério das Universidades Renovadas. Isso porque o professor da USP tem estreita ligação com os ensinamentos de São Josémaria Escrivá que, grosso modo, pregava o ser Igreja a partir da busca da santificação por meio do cotidiano, como o trabalho, os estudos, por exemplo. Modo de pensar a vida que vem ao encontro do sonho do Projeto de “Profissionais do Reino”. Depois que a estudante Aline Lacerda se apresentou ao professor da USP, pouco a pouco outros integrantes do Projeto da capital de São Paulo aproximaram-se e estreitaram os laços. Com a proximidade, alguns estudantes cogitaram a possibilidade de Jean realizar com o PUR-São Paulo capital um dia de estudos e formação, baseado em documentos da Igreja e na própria “bagagem” do professor. Aline, gesticulando com empolgação e entusiasmo, relembra o surgimento inusitado dos seminários de filosofia.

“Em junho de 2001, um amigo meu das ciências sociais, o Edílson, que já tinha lido algumas coisas do Jean, perguntou se eu conhecia o tal do professor. Chamei-o para ir até a sala do Jean. O Edílson começou a falar dos artigos, dos livros que o Jean havia escrito. Ele perguntou se o professor já havia feito algum evento, alguma coisa dentro da faculdade. O Jean respondeu que não, que o negócio dele era mais escrever. Aí, eu falei que tinha a ver. Tinha coisa do Jean que eu não concordava, mas aquilo tinha a ver. O Jean falava coisas muito coerentes, citava o Papa, documentos, tinha muito conhecimento e a gente precisava dele. Então, eu perguntei se ele não queria dar uma formação para o pessoal do Projeto na USP ou fora dela. Eu comecei a ‘viajar’ um pouco mais e a pensar ‘por que não fazer uma coisa aberta?’. O Jean se esquivou, ele não queria. Qual não foi a nossa surpresa quando, no dia seguinte, à meia-noite, o Jean liga lá em casa, falando para mim e para o Lucas:

- ‘O que vocês rezaram? Que novena vocês fizeram? O que aconteceu?’.

“A gente, sem entender nada:

- ‘Calma, o que aconteceu?’.

- ‘Não, eu quero saber o que vocês fizeram. Que força é essa? Que apelação! Imaginem o Guga’ – era a época em que o Guga era o número um – ‘Imaginem o Guga para o tênis. Pois é, o Guga da Filosofia da Educação e Pensamento Católico do mundo, que hoje é Alfonso López Quintás, me ligou e me mandou um e-mail falando que, no fim de setembro, vai estar na Argentina e queria passar pelo Brasil para dar uma aula e falar alguma coisa para os meus alunos. Vocês estão dormindo? Vamos para a pizzaria pensar nesse negócio’, contou entusiasmado o professor Jean.

“A gente foi para a pizzaria comer e tomar alguma coisa e, no guardanapo mesmo, a gente começou a rabiscar o primeiro seminário. Eu, o Lucas (estudante de jornalismo da USP) e o Jean. A gente pensou em nomes, temas, em várias coisas.

- ‘Vamos envolver artes, filosofia, educação’.

“Nasceu o I Seminário Internacional Cristianismo – Filosofia, Educação e Artes. O Jean foi falando, bolando as coisas, o negócio cresceu na cabeça e no coração do homem e envolveu a mim e ao Lucas. A gente tinha um planinho pequeno e acabou virando um negócio gigantesco. Na semana seguinte, já tinha cartaz, auditório reservado, programação, já tinha tudo”.

O I Seminário teve quatro conferências, em quatro dias. Foi um evento oficial do Projeto que envolveu o movimento da capital sobremaneira. Todos ajudaram como podiam: distribuíram panfletos de divulgação, colaboraram na organização e inscrições, foram os “Relações Públicas” de todo o evento. O último dia do seminário teve a participação do esperado e causador de toda a “confusão”, o Dr. López Quintás.

Aline Lacerda fala no I Seminário Internacional de Filosofia

 

“Esse seminário foi um marco na história do Projeto. Só foi ‘cair a ficha’ depois. A gente não percebeu de imediato, mas foi um marco. Cada dia, na mesa dos conferencistas, tinha alguém do Projeto para falar sobre o que é ser cristão na universidade. Tinha uma faixa gigante do Projeto lá em cima, foi filmado tudo. No total, o auditório tinha capacidade para 250 pessoas, mais ou menos. Ficou muita gente sentada no chão. Presenças assinadas foram mais de mil, talvez umas quinhentas pessoas tenham passado por esse seminário. No primeiro dia, foi a Elen Resende, coordenadora nacional, que apresentou o Projeto Universidades Renovadas”, conta a estudante de pedagogia.

A segunda edição do seminário, em abril de 2002, teve como tema “Ética e situações limites”. Seminário com traços fortes de fé. Houve, nesse evento, a presença marcante de membros de uma comunidade católica com identidade franciscana: os integrantes da Toca de Assis, que se dedicam ao trabalho com os “irmãos de rua”, como são chamados os que não têm onde morar, e por isso vivem nas ruas e vivem de doações. A abertura do II seminário foi realizada com a conferência “Ética e Solidariedade: o verdadeiro conceito da caridade cristã”, proferida pelo cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes. Outro fator que teve relevante importância nesse primeiro dia de seminário foi a presença do fundador do Projeto Universidades Renovadas, Fernando Galvani. Também no II seminário, estiveram presentes Padre Antonello, membro da comunidade Aliança da Misericórdia, que realiza um trabalho junto a pessoas mais carentes e necessitadas, e a coordenadora da pastoral carcerária de Campinas, Maria Cristina Castilho de Andrade. Além do trabalho na pastoral carcerária, Maria Cristina desenvolve um projeto de reabilitação e socialização de prostitutas. De acordo com informações dos organizadores do II Seminário, Maria Cristina já conseguiu reintegrar cerca de 2 mil prostitutas.

O encerramento do II Seminário promoveu um fato inusitado na capital paulista. Os organizadores fecharam a loja de uma rede de restaurantes de comida árabe, o Habib´s (como a loja permanece aberta 24 horas, o PUR em algumas realidades faz do restaurante ponto de encontro e reunião) para os “irmãos de rua”. Esse gesto de partilha com os mais necessitados marcou o encerramento do seminário “Ética e situações limites”.

Depois desse Seminário, aconteceu, já em junho de 2002, o III, quando o tema foram as virtudes cardeais. O ano de 2002 foi de intensa atividade: foram três seminários. O IV evento foi no segundo semestre do mesmo ano. Em 2003, o V seminário teve como o tema ensino religioso.

Dar o mesmo peso às “duas asas”, fé e razão, apesar de ser parte fundamental da identidade do PUR não é tão fácil como aparenta ser. O movimento deu passos importantes nesse sentido em dez anos de existência. Avanço que não passa, no entanto, de ensaio de vôo. Pelos resultados, parece que têm dado certo. Para o Padre Joãozinho, o equilíbrio entre fé e razão buscado pelo Ministério das Universidades Renovadas é fundamental para a realização do sonho de uma sociedade mais íntegra “porque você tem uma fé inteligente. Uma fé que passou pelo crivo da razão, que passou pela matemática, passou pela biologia, pela astronomia, enfim, por todas as ciências. O sujeito que passou pela filosofia e permanece rezando o terço, não o reza mais do mesmo jeito: ele amadureceu.”, avalia.

Dom Cláudio Hummes e Pe. Roberto da Toca  no II Seminário Internacional de Filosofia

 

 

Irmãos de sonho

“Sinto-os todos dentro em mim  mover-me,
E inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me” (Fernando Pessoa)

 

O tal encontro seria ali mesmo. O primeiro a chegar fica imaginando o jeito do outro. Aos poucos vão achegando-se mais jovens.

- Você é o Dalvi?

- Sim, sou eu. E você?

- Eu sou a Lidiane!

Pronto! Meia hora depois do primeiro contato, o grupo de universitários reunido em um lugar previamente combinado, em meio ao Encontro Nacional, já conversa como se conhecessem um ao outro há anos. Esse é só um exemplo do que acontece quando membros do PUR se encontram.

O lugar de onde se conhecem? Alguns de longos papos virtuais. Outros, de lugar nenhum. Identificam-se, entretanto. Basta visualizar uma camiseta com o símbolo do Projeto para se sentir que o outro é amigo, membro da família. Se a estudante de fono do Rio Grande do Sul precisa ir a um Congresso de Fonoaudiologia, em Bauru, e não tem onde ficar, se participa do GOU tudo fica mais fácil. Sempre haverá um “irmão de sonho” em qualquer canto do país, esperando pelo viajante com a camiseta do Projeto na rodoviária, no aeroporto, na estação ferroviária. Dois minutos de conversa são suficientes para iniciar uma amizade, como diriam os “luquinhas” – o jeito que os participantes do PUR se autodenominam de maneira carinhosa –, sobrenatural. Sobrenatural é a explicação que os integrantes do Ministério das Universidades Renovadas encontram para descrever o laço que os une. Esse sentimento de família está na base do PUR. Antes do encontro de carnaval, o Seara de 1994, os estudantes de Viçosa, que já viviam uma experiência comunitária na universidade, se consideravam assim. Quando alguém tinha dificuldades em Matemática Financeira, o amigo do GOU, craque na matéria, sentia-se quase na obrigação de dedicar-se ao que não tinha tanta facilidade. Os universitários organizavam-se e não era só para os estudos bíblicos, que se tornaram famosos na Universidade de Viçosa. Nasce daí, da fraternidade do grupo, o chamado a colocar a serviço, desde a graduação, os talentos de cada um. Não por pura consciência social, mas por amor fraterno. Pelo “amai-vos uns aos outros”.

Relações de amizade profundas

Já dizem os sociólogos que o homem é um ser social, que busca, desde a Idade da Pedra, relacionar-se com seus semelhantes. Às vezes, sem muito sucesso. Em outras, no entanto, tem até o trabalho de fundar associações apenas para sistematizar a convivência, as relações sociais. É o que acontece, em visão superficial, nos clubes de serviço, como Lions ou Rotary, por exemplo. Tais clubes têm, em seus regulamentos, a pretensão, entre outras, de estabelecer e fortalecer os laços entre seus membros.

“CRIAR e fomentar um espírito de compreensão entre os povos da Terra;

INCENTIVAR os princípios de bom governo e boa cidadania;

INTERESSAR-SE ativamente, pelo bem-estar cívico, cultural, social e moral da comunidade.

UNIR os clubes com laços de amizade, bom companheirismo e compreensão mútua.” (www.lions.org.br, acesso em junho de 2003).

Essas são regras básicas que os participantes de um clube como o Lions devem seguir. Assim como o princípio primeiro do Rotary é estabelecer laços, principalmente, de amizade. Os clubes de serviço como os citados partem do companherismo e das relações mais próximas entre seus membros para realizarem atividades de cunho social, incentivo à educação, cultura e assistência aos mais necessitados. Tudo de forma semelhante à que vivem os membros do PUR, não fosse o caráter sobrenatural, já citado, em que se desenvolvem tais relações nascidas dentro dos campi universitários por meio dos Grupos de Oração.

Na opinião de quem freqüenta um GOU, fator que também facilita a identificação entre os “sonhadores”, é a maneira como cada membro é valorizado. A pessoa é reconhecida no que tem de bom para dar. Desde a bela voz para cantar no GOU, até sua capacidade inacreditável para arrumar cadeiras. Sem sombra de dúvida, poderia ser considerada uma ótima técnica de marketing, mas é mais do que isso. O Zezinho chega ali no GOU com uma história de vida catastrófica. Desprezado por toda a sala, nunca teve nenhuma qualidade acentuada e só era procurado nas vésperas de provas, porque era o único da turma a tirar dez em todos os testes do professor mais chato de toda a cidade universitária. De repente, as pessoas que estão no GOU, com fama de doidas e fanáticas, começam a olhar para o Joãozinho e dão a ele crédito, confiança: “Joãozinho, na semana que vem, você poderia vir mais cedo para ajudar a colocar os recados na lousa?”. Ainda que simplório, tal exemplo ilustra um pouco da realidade das relações que podem ser observadas no Projeto. E isso não acontece somente nos dias de hoje. Tem raízes nas épocas que antecedem o Seara de 1994. Janice Cardoso Pereira é “vítima” dessa política de valorização estabelecida nas bases do PUR. “Eu conheci o Fernando em 1986, em um encontro de carnaval. Depois disso ele foi para Viçosa. Quando, em 1987, ele passou no vestibular, eu já estava lá. Um dia ele me convidou para participar do grupo de oração. Como ele sabia que eu gostava muito de trabalhar, de fazer, ele foi bem esperto: não me convidou para participar do grupo de oração, me convidou para ajudar. ‘Mas o que eu vou fazer lá? Não conheço nada’, ‘Ah, arruma os bancos da capela’. Como eu sempre fui disponível à ajuda, eu aceitei e fui. Comecei dessa forma a participar do grupo”, conta a, atualmente, mestranda em química, Janice, uma das pioneiras do Projeto, viveu toda a história antecedente ao Seara de 1994. Estudante de química, além de ficar no departamento ao lado da capela, o centro de todas as atividades dos universitários católicos da Federal de Viçosa, envolveu-se de maneira profunda, primeiramente, com o grupo de jovens católicos da universidade, depois com a RCC que ganhava forças na cidade mineira, por meio do trabalho de universitários católicos da Federal.

Devido à subjetividade da espiritualidade carismática, as pessoas que freqüentam grupos de oração tendem a abrirem-se àquelas que partilham realidades parecidas com a sua. Isso se torna mais forte na universidade, onde os estudantes ou até mesmo funcionários que professam uma fé, como a católica, por exemplo, são um tanto cercados por causa da história manchada da Instituição. Quando se fala de Igreja Católica no ambiente acadêmico é quase automático citar a Inquisição e, a partir dela, enumerar as inumeráveis falhas da religião cristã em seus dois mil anos de vida.

Não há erro em afirmar que existe até mesmo um certo tipo de preconceito contra aqueles que professam um credo. Assim como, mesmo que velado, existe contra homossexuais, ou contra os “bicho-grilos”. Se a pessoa sofre um tipo de “perseguição” e encontra outro “perseguido” com quem pode partilhar seus problemas e ver como o outro enfrenta uma realidade tão próxima à sua, irremediavelmente cria-se uma atmosfera de identificação.

Além disso, muitos que têm de mudar da cidade dos pais para estudar encontram no PUR um refúgio, uma verdadeira família. Os laços tornam-se tão fortes que um passa a cuidar do outro, a preocupar-se como quem tem grau de parentesco. Se isso já acontece em relações estabelecidas nas repúblicas universitárias em todo o país, torna-se ainda mais forte quando as pessoas têm ligações tão subjetivas e inexplicáveis como as espirituais. Tal identificação é relevante em todo o processo de surgimento e na história do Projeto. Com o estreitamento das relações e proximidade entre os componentes dos GOUs, corre-se, no entanto, um sério risco. Se um grupo de pessoas identifica-se, passa a viver de maneira muito próxima, compartilha a própria vida, pode virar simplesmente um grupo de amigos. O movimento, nessa comunidade, perde a razão, pois as pessoas convidadas a doar e dar de si, em prol da “civilização do amor”, ou da tão sonhada sociedade mais íntegra, fecharam-se, vivem bem em seu grupinho, em uma “panelinha”. Passam a “abafar” apenas em seu “mundinho fechado”, como já dizia um grupo musical mineiro. No entanto, um fato como esse, de uma comunidade do PUR fechar-se e encerrar-se em si mesmo, é um acontecimento muito pouco provável. Tal fato, porém, em escala menos drástica é totalmente possível de tornar-se realidade, observada a convivência dos membros do PUR.

 

Ser família

Sem contar os itens já abordados, o Projeto desperta em seus membros uma sensação de família também devido ao seu objetivo, pelo ideal compartilhado do sonho de viver em uma sociedade totalmente nova, sem injustiças sociais e repleta de amor. O sonho de Universidades Renovadas é como liga de cimento, como um rejunte. A procura pelo “bem comum para a edificação do homem todo e de todos os homens”, como descreve a cartilha elaborada pelos participantes do Ministério das Universidades Renovadas, gera identificação entre os membros. Quando um engajado no Projeto vê alguém com uma camiseta, com uma bolsa, um adesivo, um pequeno broche que seja, com o símbolo do PUR, enxerga no outro uma pessoa que compartilha dos mesmos ideais que ele, sofre as mesmas dores e dúvidas de evangelização no meio universitário, enfim, tem o mesmo sonho. Quando alguém do Projeto encontra outra pessoa que pensa como ele e, mais além, ama apaixonadamente o mesmo ideal, isso é o suficiente para considerar tal pessoa como parte dele mesmo. É assim que  se relacionam os “sonhadores” do PUR. Um sulista que freqüenta o GOU da Univ. Federal do Rio Grande do Sul encontra, tranqüilamente, “casa e comida” em Manaus, na casa da coordenadora do GOU da Estadual do Amazonas, se precisar passar por lá algum tempo. Afinal de contas, é um membro da família PUR.

Profa. Salette num encontro do PUR

O ser humano, desde que “se entende por gente” tem a necessidade do outro. De acordo com a professora de antropologia da UNESP Paulista, campus de Bauru, Salette Alberti, a pessoa já nasce dependente e aprendendo a partir de experiências com o outro. Segundo a professora, existe uma pulsão do ser humano para o outro, a sexualidade. Essa pulsão, no entanto, não se restringe somente à sexualidade. Há o desejo do sujeito de unir-se ao objeto, dessa maneira, o objeto torna-se o sujeito e vice-e-versa e ambos constroem-se. A rede de relações que o indivíduo estabeleceu durante toda a vida – como com a família, por exemplo – é que faz o sujeito que vai chegar na universidade, no Grupo de Oração Universitário. Segundo a professora de antropologia, se nas relações que a pessoa teve até o momento em que conheceu um movimento como o Projeto Universidades Renovadas, as experiências de construção de si e da sociedade que o rodeia foram boas, haverá a tentativa de manter as mesmas relações no movimento. Se, ao contrário, só houve experiências negativas nesse sentido, ao engajar-se no PUR e ser bem acolhida, ela terá a oportunidade de estabelecer essa relação de construção de si e do meio de maneira como nunca fez, por isso viverá esse momento histórico de maneira intensa, como família.

Outro elemento que une também os integrantes do PUR é a sensação de sentir-se parte de uma “tribo”. Tema tão em foco hoje, as tribos sociais. “As patricinhas”, os “clubbers”, praticantes de esportes radicais, “grafiteiros”, “góticos” e tantos outros grupos de pessoas que amam e se interessam pelas mesmas coisas. Classificar o PUR apenas como uma tribo, porém, é restringir demais as dimensões do movimento. Olhar uma comunidade do Ministério das Universidades Renovadas é ver Patricinhas e roqueiros, “clubbers” e “mauricinhos”, esportistas e sedentários, freqüentando o mesmo lugar, com suas particularidades próprias partilhando o mesmo ideal, que não é pequeno: uma sociedade totalmente renovada, onde não existam injustiças sociais; diferenças sim, mas só no campo das idéias, e não materiais ou sociais.

O sentimento de pertença, de serem todos da mesma família, é um apelo forte do Projeto. É fato que os membros do PUR identificam-se com as passagens bíblicas que descrevem as primeiras comunidades cristãs, no livro dos Atos dos Apóstolos: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (Atos 2, 42), “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum” (Atos 4, 32). O teor basal que a influência do sentimento de pertença tem nas origens do movimento é sensível nas palavras do fundador Mococa, quando fala sobre a realidade que os universitários de Viçosa viviam em meados de 1987: “Esse grupo tinha entre si um sentimento muito forte de família. Passávamos noites rezando, ministrando cura e as pessoas eram profundamente tocadas e curadas. E o grupo ia aumentando. Nas formaturas, até os evangélicos contratavam o nosso coro para falar para o formando ‘Jesus te ama’. Foi um fenômeno que chamou a atenção da universidade, o sentimento de família, tudo a gente fazia em comum, não era um grupinho tão pequeno. A gente sabia uns dos outros, das dificuldades, até mesmo nas matérias, daí começaram a se formar grupos de monitoria voluntários. Ficávamos sabendo dos que tinham dificuldades financeiras. No nosso coração nasceu o desejo de que todo mundo experimentasse o que a gente estava vivendo”, contou Fernando ao partilhar sua experiência com os participantes do VIII Enucc, em Goiânia.

Dizer que o se sentir família e parte de um mesmo ideal não é considerar os membros do movimento como uma massa facilmente manobrável, pronta a executar qualquer tipo de ordem. Alfonso López Quintás, um dos nomes mais expressivos da Filosofia da Educação, no mundo, no artigo “A Manipulação do homem através da Linguagem” diz que “quando, ainda em tempos recentes, introduzia-se um grupo numeroso de prisioneiros num vagão de trem como se fossem embrulhos, e os faziam viajar durante dias e noites, o que se pretendia não era tanto fazê-los sofrer, mas aviltá-los. Sendo tratados como meros objetos, em condições subumanas, acabavam considerando-se mutuamente seres abjetos e repelentes. Tal consideração os impedia de unirem-se e formar estruturas sólidas que poderiam gerar uma atitude de resistência”. Ao contrário do que era feito na época do holocausto, as pessoas no PUR são incentivadas a permanecerem juntas sim, no entanto, isso é feito no sentido de humanizar. Sentindo-se humano, único e cheio de valor, o indivíduo torna-se criativo, de acordo com Quintás. Criatividade geradora de discussões. Tais discussões, porém, não visam minar ou enfraquecer o movimento, mas sim torná-lo mais forte e maduro.

O grupo, no caso do Ministério das Universidades Renovadas, não é uma massa conformada, como defendem algumas linhas da psicologia. “A interação grupal diz respeito à influência que os elementos do grupo exercem entre si, conduzindo a uma semelhança de comportamentos, valores, atitudes...(exemplo: maneira de falar, idéias semelhantes etc.) e muitas vezes conduzem a comportamentos conformistas – quando o indivíduo modifica a sua opinião, comportamento – para se assemelhar ao grupo e obter maior aprovação social. Outras vezes, os indivíduos reagem de modo contrário à maioria, tendo comportamentos inconformistas” (http://www.esec-mouzinho-silveira.rcts.pt/Psicologia/U3 Grupo.htm, acesso em setembro de 2003). A questão vai além de adquirir a forma do movimento ou ser um rebelde no meio dele, aquele que discorda de tudo. É sentir-se parte de um todo que admite diferenças de conteúdo, acreditar no ideal desse todo tão diferenciado e sair do comodismo ao expor seu modo de pensar para o crescimento do todo e não apenas para ser o “revolucionário” da vez. Se é necessária uma revolução, que seja feita em conjunto. É isso que, aos poucos, os universitários que abraçam a causa Projeto Universidades Renovadas vão assimilando com os anos na faculdade.

O verso de Fernando Pessoa que abre o capítulo ilustra com sucesso a experiência comunitária dos que estão no Projeto Universidades Renovadas. Pelos fatos e experiências observadas, parece que “uns estão nos outros”, movem-se, incentivam-se. O indivíduo passa com todas as suas particularidades pelo movimento, marca-o com elas e adquire características dos que vivem o mesmo sonho, até “passar por todos e perder-se”.

Graduandos e profissionais

As cadeiras colocadas em círculo. Alguém sempre chega mais cedo para arrumar tudo. Os recados são escritos no quadro negro, para ninguém se esquecer de nada. A reunião fora devidamente preparada alguns dias antes. Em meio a trabalhos de fim de semestre ou semana de provas, um pequeno grupo de universitários arranja um tempinho para reunir-se, pelo menos uma hora por semana, para preparar o encontro que pode ser na biblioteca, em uma sala de aula, ou, no caso de alguns “privilegiados”, em lugar certo: uma capela.

O local não tem a mínima importância, poderia ser até mesmo na pracinha, no corredor, o importante, realmente, é acolher a todos os que irão aparecer com atenção e, até mais, dedicação. Sempre um pouco atrasada (quem disse que brasileiro é pontual?), a reunião começa. Normalmente, uma média de 20 pessoas. Ali, os universitários procuram uma experiência sensível de Deus. É o momento, em meio à correria da faculdade, aos relatórios de pesquisa, de parar. Escutar o inaudível, tocar o intocável, deixar, pelo menos um instante de tentar explicar o inexplicável. Geralmente, há um espaço para agradecer a Deus por tudo o que Ele dá a cada um, particularmente. Afinal de contas, naquela prova de Mecânica dos Fluídos, tirar cinco é verdadeiramente um milagre; a bolsa que, depois de muitos pedidos enviados, saiu; o desentendimento na república finalmente chegou ao fim; o fim de semana que se aproxima; por poder voltar para casa depois de um mês sem comer comida de mãe. Não pode faltar também uma oração pedindo o Espírito Santo, uma razão iluminada é tão válida quanto uma fé que sabe “pensar”. Um dos participantes mais antigos do Grupo faz uma explanação sobre alguma passagem bíblica, infelizmente, são universitários acostumados com as salas de aula, tem de ter a figura do professor, mas aqui o “professor” pode ser o colega de classe, aquele “doidinho” que vive com uma cruz no peito, sorrindo para o mundo. A experiência bíblica não pára aí, no entanto, todos são convidados a falar, mesmo aquele que só vê o Livro Sagrado uma vez por ano, quando vai visitar a avó e aquele livro enorme fica lá na estante, aberto no Salmo 90. O que se passa na universidade teria a mesma estrutura de um grupo de oração da RCC não fosse um detalhe: tudo isso se passa em 15 minutos. Além disso, tudo acontece de maneira a introduzir nos momentos a realidade universitária que os participantes vivem.

O Grupo de Oração Universitário, que tem suas raízes na RCC, acontece, nas universidades e instituições de ensino superior, mas pode expandir-se para os cursinhos, escolas de ensino médio, afinal de contas ali estão os vestibulandos ou “pré-universitários”. Em salas de aula, nas cantinas, bibliotecas, pracinhas de faculdades. Não importa o lugar, o que é relevante é a busca daqueles que procuram os GOUs: um encontro pessoal com Deus.

A Psicologia define grupo como um conjunto de indivíduos com papéis interdependentes e objetivos, normas, valores comuns, que interagem com alguma freqüência. Ela também diz que podem existir grupos de tipo primário, no qual as relações são afetivas, íntimas, espontâneas e o objetivo do grupo classificado como primário seria o grupo por si só. Além desse, aparece o grupo secundário, no qual as relações visam um fim que não o grupo, portanto, as relações seriam mais formais e impessoais. No Grupo de Oração Universitário é permitido dizer que subsistem os dois tipos de relação. Primeiramente, o grupo nasce da intenção comum de mudar a sociedade. Mas não pára por aí. Os integrantes criam laços, não são poucos os que freqüentam grupos apenas por conta das amizades que conquistaram.

O coração do homem renovado é o objetivo. O PUR acredita que uma sociedade mais íntegra nasce, necessariamente, de um ser humano mais íntegro. Parte-se do particular para o geral. A história do movimento é assim. O vivido particularmente na universidade de Viçosa espalhou-se, ou apenas começa a espalhar-se pelas universidades do país. “O primeiro objetivo da vida carismática é a renovação interior, e qualquer atuação no campo social deve ser resultado do amadurecimento interior e individual. (...) Tais transformações devem resultar em mudanças na vida familiar e depois, lentamente, em mudanças no interior de toda a sociedade. Esta é a fórmula tradicional: primeiro mudar o indivíduo, e então a sociedade por força mudará”. (PRANDI, 1997, p. 171).

Inconfundíveis. Como eram em Viçosa. Um grande número de universitários. Não se sabe em que, mas são diferentes. Um ou outro, todos, talvez, carregam um sinal de sua fé no pescoço. Cruzes, taus (as cruzes de São Francisco que contêm em si três votos franciscanos: obediência, castidade e pobreza). Outro fator em comum: força de vontade. Quem chega no Grupo de Oração e vê lá 20, 30 universitários reunidos desconhece, muitas vezes, o trajeto percorrido pelos “fundadores” do GOU. Secretárias, diretores, reitores, os “sonhadores” enfrentam quem for preciso para começarem as reuniões. Quando não são autorizados, recorrem ao divino. Se o “dito cujo” responsável por ceder um espaço para a realização do grupo de oração não decide deixar a turma se reunir por bem, certamente, vai ser pauta de reunião dos universitários comprometidos com o Projeto, e seu nome será alvo dos mais efusivos pedidos a Deus. Com clamores tão dedicados quanto o dos universitários e simpatizantes da “obra”, não há Deus que resista, não há também, conseqüentemente, funcionário que imponha barreiras. Pode ser que não seja imediato, mas uma hora ou outra o GOU começa de maneira “legal”, com todos os requisitos burocráticos exigidos pela instituição na qual se instala preenchidos de maneira rigorosa.

Jovens universitários lutando para a realização dos princípios cristãos. Se eles conseguem? Esforçam-se, como o brasileiro esforça-se nas Organizações Não Governamentais (ONGs), na Pastoral da Criança, em mutirões, em projetos sociais...

Os GOUs já existem desde quando a RCC surgiu e espalhou-se pelo mundo. A própria RCC passa a existir a partir da experiência de jovens e professores universitários na Universidade de Duquesne em Pittsbugh, Estados Unidos, tendo como marco um encontro de fim-de-semana, realizado por 25 pessoas. O Fim-de-Semana de Dusquesne, em fevereiro de 1967, deu origem à experiência da Renovação Carismática no mundo.

Como a RCC espalhou-se tal qual fogo em palha, não demorou para que os carismáticos se inserissem também no âmbito universitário. O Seara de 1994 marca o início do Projeto Universidades Renovadas porque foi a primeira vez que os estudantes que viviam uma experiência de Deus na universidade reuniram-se com o propósito de partilhar suas realidades comuns. Assim sendo, o Ministério das Universidades Renovadas, da maneira como se organiza hoje, como um serviço da Renovação Carismática Católica, tem como marco o encontro de Carnaval denominado Seara, que acontece até os dias atuais.

Fernando Galvani e um grupo de jovens que faziam curso superior na Universidade Federal de Viçosa experimentavam, desde 1987, um sentimento profundo de fraternidade e comunidade, a exemplo dos primeiros cristãos. O desejo maior dos apóstolos contemporâneos era que todos os que estivessem ao seu alcance, ou que Deus colocasse em seus caminhos, fossem inundados também do que vivenciavam no campus universitário. Com tal desejo no coração e na mente, os jovens montaram uma equipe que tinha total apoio logístico da universidade e saiam pelo estado de Minas Gerais para levar a Palavra de Deus, evangelizar. “Muitos bispos, e padres nos ‘batiam’, era o auge da Teologia da Libertação. Eu morria quando ouvia que os carismáticos só louvavam e não olhavam para a necessidade do povo. Começamos a propor novos caminhos de vivência do batismo no Espírito. A universidade incorporou tanto que cedia um veículo para fazermos as missões”, revive ao contar o fundador do Projeto Universidades Renovadas, Fernando.

Os universitários de Viçosa ficaram conhecidos em todo o estado de Minas Gerais. Eram procurados por pessoas que promoviam encontros, padres e bispos para “levar a Palavra de Deus”.

Da necessidade de fazer mais pessoas experimentarem o que viviam na Universidade Federal de Viçosa passa a ser gerado no coração de Fernando Galvani, o sonho de fazer com que todas as universidades do Brasil pudessem ter contatos mais profundos com Deus, como o tinham em Viçosa. Desejo fomentado, tudo correndo dentro dos planos do estudante de veterinária, ou melhor, dentro dos planos de Deus, como o próprio Fernando afirma. “Eu só desejava o que Deus colocou no meu coração, quando começou tudo. Não fiz nada além do que estava nos planos Dele”, afirma. Com o tempo, o grupo de jovens ultrapassa os limites da universidade, vira serviço da Renovação Carismática Católica em âmbito nacional.

Um dos incentivos que os estudantes que se envolvem com o Projeto Universidades Renovadas recebe é que seja um aluno capacitado, um dos melhores. Isso não para se gabarem, mas para, futuramente, serem profissionais gabaritados, capacitados. É a oferta do melhor que têm não só para a sociedade como também para Deus, presente naquele para quem irão trabalhar quando formados. Assim sendo, os universitários são incentivados ao mestrado, doutorado, enfim, a crescerem academicamente. Foi em uma dessas oportunidades de melhorar seu potencial que, em meio a toda euforia vivida em Viçosa, Fernando Galvani ganhou uma bolsa para aprimorar os estudos nos Estados Unidos. Retirado do tão “famoso” grupo de jovens, Galvani passa a acompanhar as atividades do grupo de longe, de muito longe.

Quando Galvani retorna ao Brasil, em 1993, a situação da Renovação Carismática, na Universidade Federal de Viçosa e no Brasil havia sofrido algumas alterações. A RCC passava por reestruturação. Era o início do que a Renovação chama de Ofensiva Nacional. Na intenção de criar unidade e tornar mais eficaz o serviço de evangelização, a RCC passa a dividir as diferentes realidades que encontrava em si em secretarias. Acontece o seguinte, aqueles que eram responsáveis por pregar nos grupos e encontros da Renovação são todos reunidos na Secretaria Pedro; os músicos passam a ser membros da Secretaria Davi; os intercessores são parte da Secretaria Moisés. Nascem as secretarias da Renovação Carismática Católica que, a partir de 2003, transformam-se em Ministérios.

Ao se estruturar a RCC, em busca de proporcionar maior formação para seus membros e melhorar sua maneira de ser na Igreja, o grupo de Viçosa, que até então corria não só o estado de Minas para ministrar encontros pela própria Renovação, é dissolvido. A partir da Ofensiva Nacional, os jovens estão sob os cuidados da Secretaria Marcos, atual Ministério da Juventude. Uma nova equipe é montada para sistematizar a evangelização nos meios nos quais está presente a juventude. Até aqui o PUR nem sonhava em ser Projeto, muito menos em ser secretaria.

Inconformado com o fim da equipe que fora montada em Viçosa, e com os novos rumos que a RCC havia tomado, enquanto estava fora do país, Mococa, apesar de querer aprontar a revolução na RCC, quando retorna ao Brasil, é convidado pelo responsável pela novíssima Secretaria Marcos a fomentar um projeto que englobasse os jovens que estivessem cursando uma faculdade. Isso em 1994. Surge, então, a idéia de um seminário no encontro de Carnaval, o Seara: “RCC e Universidade”. Nome que prevalecerá até o I Enucc, quando “RCC e universidade” transforma-se em Projeto Universidades Renovadas, um projeto de evangelização da Secretaria Marcos. Apenas em 1998, época em que o Projeto toma proporções maiores do que somente o trabalho com jovens, por englobar funcionários e professores nas universidades, é que o Projeto vira Universidades Renovadas, Secretaria Lucas da Renovação Carismática Católica. Hoje, devido à mudança de denominação nos serviços da RCC a Secretaria Lucas transformou-se no Ministério das Universidades Renovadas.

Sob o governo do polêmico Itamar Franco, que substituía o não menos polêmico Fernando Collor, em fevereiro de 1994 o “sonho” de universidades renovadas é exposto pela primeira vez a estudantes de fora da Universidade Federal de Viçosa. No início da era do Real, do então Ministro da Economia, Fernando Henrique Cardoso, universitários, principalmente dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, ouvem o veterinário Fernando Galvani contar como “nasceu” o sonho de universidades renovadas. Naquele dia, durante o seminário “RCC e universidade”, o grupo de cerca de 50 universitários que se encontrava no Seara, ouviu uma “partilha” que marcou para sempre a vida de alguns que ali estavam. “Nós tínhamos, na parede do nosso quarto do alojamento, um quadro com uma panorâmica de Jerusalém. Um colega nosso tinha colocado esse quadro lá, e quando ia um grande pregador em algum encontro em Viçosa, ele colocava ali os nomes, as assinaturas. Eu estava sentado na bancada, só me lembro que era depois do almoço. Estava com a minha Bíblia aberta no livro dos Atos dos Apóstolos capítulo cinco, versículo 26. Eu me defronto na minha escrivaninha diante desse trecho dos atos dos apóstolos: ‘Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome. Não obstante isso tendes enchido Jerusalém da vossa doutrina’. Essa palavra: ‘enchido Jerusalém da vossa doutrina’. Acabei de ler esse trecho e, de repente, o versículo 28 começa a gritar. Sabe quando machuca uma unha, aí parece que o coração está na ponta dela? Não fica assim latejando? Esse versículo ficou para mim como que piscando. ‘EXPRESSAMENTE VOS ORDENAMOS QUE NÃO ENSINASSEIS NESSE NOME. NÃO OBSTANTE ISSO, TENDES ENCHIDO JERUSALÉM DA VOSSA DOUTRINA’, promoveu algo em mim que eu não consigo descrever. E, de repente, eu me vi olhando para o quadro e atraído para dentro dele. Me vi assistindo uma série de cenas que a minha cabeça idealizou, mentalizou por causa das coisas que eu sabia da história dos primeiros cristãos. Então me senti como se estivesse em um teatro, em uma arena, como se eu estivesse em um camarote, vendo de cima o que estava acontecendo: o massacre dos primeiros cristãos, o testemunho e a vida deles. Eu comecei a imaginar como era Jerusalém cheia da doutrina de Jesus. Qual era o comportamento dos discípulos, qual era a reação deles. E, nesse entretempo, então, desta cena que eu fui para o quadro, eu já me vi não mais andando no meio das ruas de Jerusalém (que eu fui conhecer anos depois e eram muito parecidas com o que Deus tinha me dado de experiência), eu já me vi andando na universidade e comecei a imaginar a Universidade de Viçosa repleta da doutrina de Jesus”, contou o veterinário em um dos momentos ápices do VIII Enucc, no qual mais de mil pessoas escutavam atentas a história que deu início ao Projeto Universidades Renovadas. Essa experiência mística de Fernando Galvani marca, é a base de todo o trabalho desenvolvido pelo Projeto Universidades Renovadas.

Formados, e?

Atualmente, aqueles que viveram a experiência do início do Projeto na Universidade Federal de Viçosa estão formados. Não só os de Viçosa, mas todos os que estiveram no Seara de 1994. São os “Profissionais do Reino”, os responsáveis por construir uma sociedade, no mínimo, diferente da que vivem hoje.

O sonho pode se tornar um grande pesadelo quando os jovens profissionais encaram o mercado de trabalho, na sociedade capitalista e individualista como a da era da globalização. Não é mais sonho, agora, depois da colação de grau, Profissionais do Reino torna-se desafio. O trabalho basal para que tudo o que os universitários do Ministério das Universidades Renovadas anseiam torne-se realidade, no entanto, é realizado na universidade. É da experiência que vivem no GOU que os profissionais encontram forças para enfrentar a realidade do primeiro emprego na área em que são formados.

Realizar o trabalho de base, de formação de futuros profissionais comprometidos não somente com interesses pessoais, mas com o bem-estar de toda a sociedade é de extrema importância para o PUR. É a essência do movimento. Inclusive, um trecho bíblico que motiva os participantes do movimento se encontra em Eclesiástico 51, 38 e diz o seguinte: “Realizai a vossa obra antes do tempo fixado (o tempo que o universitário passa na academia), e ele, no tempo que é seu, vos dará a recompensa”. Dessa maneira, os “luquinhas” recebem incentivo e ânimo para prosseguir. Há um tempo, e, de acordo com o que muitos deles falam e vivem, “Deus tem pressa”. Cada semestre dentro da universidade é precioso, é preciso cumprir a missão de “renovar a universidade”, enquanto ainda se está nela. “Partindo do pressuposto de que a mudança do mundo, das mentalidades e das pessoas só vai ocorrer se houver primeiro transformação do próprio agente de mudança, a estratégia do PUR é ‘cuidar’ daqueles que serão os futuros profissionais, para que ‘exerçam sua vocação profissional com dignidade, ética e respeito ao homem’, contribuindo assim para a construção de um mundo novo”, é o que atesta Ariane Vieira Leite, autora de um trabalho compara o Projeto Universidades Renovadas e a Pastoral Universitária. O projeto de pesquisa foi feito para o programa de bolsas de iniciação científica na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais.

Ainda que, em alguns casos, não sejam vistos resultados instantâneos, muitas vezes o trabalho árduo dos graduandos é recompensado quando menos se espera, depois de um certo tempo. Os que se identificam com o Ministério das Universidades Renovadas e decidem doar seu tempo, seus talentos ao trabalho de evangelização de outros universitários sabem que têm quatro anos para renovar a instituição em que estudam. O trabalho realizado, muitas vezes não pode ser observado pelo “operários”, porque quando um e outro se formam, vão cada um para um canto. Existem , no entanto, experiências no mínimo animadoras para os “luquinhas”.

Os profissionais que passaram pelos GOUs algum dia na vida, ainda que não dêem mostras efusivas – tão desejada pelos carismáticos – de mudança de vida, levam impressos, além dos princípios éticos adquiridos na graduação, um sentimento de preocupação com o próximo que os impede de agir de maneira a ferir alguém eticamente, moralmente ou humanamente.

Testemunhos como esse, contado pelo responsável pelo PUR no estado do Rio, sobre uma profissional que passou pelo GOU na época em que ainda estava na graduação, ilustram claramente o que acontece com a grande maioria daqueles que vivem a experiência do Grupo de Oração Universitário. “Eu estava no primeiro período da faculdade quando fui para o Enucc, gostei muito, fiz amizades, foi mais um encontro legal. Voltei e não tinha muita preocupação com GOU. Comecei a freqüentar as reuniões do Projeto mais por amizade. Era interessante ver como a gente ia fazendo amigos, mas GOU mesmo, nada. O GOU que eu freqüentava era no período diurno. Logo nas primeiras orações, o Senhor colocou no meu coração que Ele queria um GOU à noite. Depois de um tempo, começou a freqüentar uma moça que estava no último período de administração. Uma vida totalmente desregrada, Deus a resgatou, começou a fazer a obra. Eu me lembro que, no último GOU do período, ela deu testemunho de que o carro dela havia sido roubado com a monografia dela dentro. Foi um testemunho muito bonito no GOU. Ela se formou, saiu do grupo, nunca mais a vi. Um ano depois, houve, no estado do Rio de Janeiro, um escândalo de remédios. Os remédios estavam sendo vendidos falsificados, eram remédios para pressão arterial feitos com farinha e água. Existiam no Rio quatro grandes distribuidoras de remédios. Uma delas, que corresponde a um quarto do mercado, 25%, a segunda maior distribuidora de remédios do Rio de Janeiro, não vendeu nenhum remédio falsificado. Aí, eu estou lendo lá o jornal e vi uma entrevista com a gerente de vendas da rede de distribuição. Foram ver porque a empresa não vendeu os remédios falsos. Era nítido que, quando a pessoa vendia, ela sabia o que estava vendendo e aquela não vendeu nada, nenhum remédio. Daí perguntaram: ‘Fulana de tal, por que vocês não venderam nenhum remédio falsificado?’. E a resposta dela foi muito bonita. Ela respondeu assim: ‘Eu não vou trair o Deus que eu conheci na universidade’. Daí eu fui ver que ela foi formada pela PUC, vi o nome, vi a foto e associei o nome à pessoa. Foi um grande despertar pra mim. Deus usou de um grande sinal para fazer um despertar pra mim na missão”. É nítida a emoção do administrador e responsável pelo Projeto Universidades Renovadas ao contar o fato. O jovem alto, de braços compridos, gesticula com lágrimas nos olhos e deixa claro que o fato foi definitivo em sua opção pelo “sonho” do Ministério das Universidades Renovadas.

Mesmo correndo o risco de cair no “lugar comum” da parábola do beija-flor que carrega água no bico para salvar a floresta em chamas, enquanto animais maiores como o elefante fogem do fogaréu, o sentimento que permeia a ação do PUR, talvez despercebidamente, é esse: se cada um fizer a sua parte, em pouco tempo haverá muitas universidades cheias da ação de Deus, muitos universitários com corações e mentes transformados, prontos para assumir sua posição na sociedade de maneira comprometida com o outro, com o bem-estar de pessoas que não conhecem, mas que, segundo as palavras do próprio Cristo, são os semelhantes que precisam de apoio. Assim, a cartilha do PUR define e resume o objetivo que movimenta suas ações: “Bem comum e para a edificação do homem todo e de todos os homens”. E, quanto maior o número de universitários que vivenciam uma experiência cristã na graduação, maior será o número de profissionais mais comprometidos com o bem-estar do próximo.

Hoje em dia, os recém-formados, profissionais que engatinham e tiveram vivência profunda ou superficial no Projeto Universidades Renovadas têm uma opção além do Grupo de Oração Universitário, que não atende mais à realidade não mais universitária. São os GPPs – Grupos de Partilha de Profissionais.

A primeira referência aos Grupos de Profissionais ou formados do Ministério das Universidades Renovadas aparece em 1998. O Jornal de Partilha – veículo de comunicação de circulação gratuita e nacional que acompanhou o Projeto Universidades Renovadas por algum tempo – número 5, trazia em suas páginas a matéria notificando o nascimento do grupo, na capital mineira, Belo Horizonte.

“Com seus 20 GOUs, Belo Horizonte já lançou uma média de 30 profissionais no mercado. Alguns retornaram para suas residências, outros assumiram trabalhos em algumas secretarias da Renovação e comunidades paroquiais, enquanto outros decidiram por continuar servindo dentro do Projeto Universidades Renovadas. Desses últimos, nasceu um grupo de partilha que está reunindo-se todas as sextas-feiras, às 19h30, na sede da RCC-BH. Participam em média cerca de 15 profissionais, inclusive alguns que não chegaram a conhecer o PUR enquanto estudantes”. (BH inaugura grupo de formados, Jornal de Partilha, maio 1998, p. 5).

Depois de viverem nos Grupos de Oração Universitários a permanência na universidade, alguns jovens, recém-formados, vêm-se perdidos. Não conseguem, em alguns casos, inserirem-se nos grupos de oração paroquiais, mas também não desejam ficar sem a convivência comunitária que tiveram na faculdade. Assim sendo, o GPP passa a ser a nova comunidade, a nova forma que os profissionais encontram de continuar a busca pelo transcendente iniciada na universidade, partilhar os novos desafios que encontram no mercado de trabalho, que podem não ser tão novos quando compartilhados com profissionais com mais tempo de experiência. O GPP nasce da necessidade de unir forças para colocar a profissão a serviço e, dessa forma, tornar mais concreto o sonho de uma sociedade menos discrepante.

Querer conceituar um Grupo de Partilha de Profissionais, ou Grupo de Partilha e Perseverança do Projeto, é uma tarefa praticamente impossível. Desde que foi formado o primeiro grupo, em 1998, cada comunidade deu ao grupo uma espécie de “personalidade própria”. O que têm em comum é que reúnem profissionais ou quase formados. Há também a busca de entrar na profundidade do que a Igreja propõe em documentos, por exemplo. O que não impede de existirem realidades que prezam por ações sociais.

A primeira experiência de profissionais do Projeto Universidades Renovadas aconteceu em Belo Horizonte (onde o Ministério das Universidades Renovadas, desde o início, tem grande expressividade). “Havia já uma certa tradição de, nas férias, aqueles que seguiam em Belo Horizonte, participarem de um Grupo de Férias. Esse grupo reunia pessoas de vários GOUs. Ficava bem cheia a sala. O fato é que alguns desse grupo de férias se formaram. Então, ficaram a ver navios - nem tanto - e deram seqüência ao Grupo de Férias, buscando os grupos de partilha dentro do que a RCC propunha, na época”, conta o jornalista Brune Montalvão que acompanha as atividades do Projeto Universidades Renovadas em Belo Horizonte desde o início.

Com o crescimento dos grupos de oração da Renovação Carismática, o movimento propôs, depois da criação da Ofensiva Nacional, que os grupos de oração dividissem em equipes as pessoas que freqüentavam com mais assiduidade para que, por meio de partilhas de vivência e de palavras da Bíblia, houvesse maior interação entre os membros dos “núcleos” dos grupos de oração (o grupo de pessoas que é responsável pelo andamento do grupo de oração, que são os membros das equipes de música, intercessão, pregação) e os participantes. “Por volta de 1998, a RCC Brasil lançou a idéia das comunidades de renovação, e para que tais comunidades fossem formadas era necessário que os participantes dos grupos de oração das paróquias se reunissem em outros momentos de partilha e aprofundamento da fé. Nesse contexto, surgem os Grupos de Partilha e Perseverança (GPP) precisamente o espaço propício para a partilha e o crescimento. Como os grupos de oração de paróquia têm, em média, mais de 50 pessoas, isso dificulta o conhecimento e pastoreio dos participantes. A idéia, então, era que cada grupo de oração tivesse vários GPPs nos quais as pessoas pudessem ser alocadas. Na mesma época, o PUR buscava alternativas de trabalho com os formados, e daí surgiu de incorporarmos a idéia da RCC (veja, o GPP não é uma ‘invenção’ do Ministério das Universidades Renovadas), e isso vingou. Mas quando o nome GPP chegou em algumas comunidades, como era um grupo de partilha que reunia profissionais, acabou ficando GPP - Grupo de Partilha de Profissionais. Em alguns lugares se chama Grupo de Partilha e Perseverança e em outros, Grupo de Partilha de Profissionais”, explica a responsável pelos GPPs no Conselho Nacional do PUR, Fabiana Ramos, do estado do Espírito Santo.

Dentro da proposta da Renovação Carismática, os “Profissionais do Reino” passaram, então, a reunir-se. De acordo com os que estavam à frente da iniciativa, o início foi um tanto “sem norte”. Não era para menos, em 1998, quando começaram as reuniões dos formados, o Projeto Universidades Renovadas tinha quatro anos de existência. Os formados e até mesmo os graduandos do movimento eram em número reduzido, o trabalho da recém criado Secretaria Lucas, hoje Ministério das Universidades Renovadas da Renovação Carismática Católica, ainda estava formando sua identidade. “Começamos a realizar as reuniões. Primeiro nos moldes de GOUs. Mas, como durava mais tempo, então dava para partilhar dilemas de início de carreira. Na verdade, o grupo começou meio sem norte mesmo e creio que iniciamos com dez pessoas. Na verdade, houve uma crise profunda de identidade, no início. A princípio, funcionou como grupo de oração de formados. A dinâmica era a mesma. Mas havia, desde então, uma intenção de partilhar as vivências profissionais. A estrutura nem era tanto de grupo de oração, na verdade. Lembro que era mais improvisado. A Ivna, se não estou enganado, puxou um pouco a coordenação. O que tenho muito fixo, agora, é que o GPP nunca teve uma estrutura muito formal. De alguma maneira, representávamos uma primeira experiência na questão”, relembra o jornalista Brune.

O GPP inicia com a estrutura um tanto quanto indefinida e assume características próprias nos lugares em que vai surgindo, após a experiência de Belo Horizonte. Estrutura que nunca se definiu rigidamente até a atualidade. Os Grupos de Perseverança e Partilha ou Grupos de Partilha de Profissionais assumiram, dentro do Projeto Universidades Renovadas, uma identidade livre que caminha de acordo com a realidade de cada comunidade na qual se inserem. Alguns podem assumir características unicamente de partilha, ou seja, de troca de experiências profissionais e discussão de polêmicas ou problemas que os membros do grupo podem enfrentar no mercado de trabalho. Outros podem partir para um estudo aprofundado de documentos e orientações da Igreja, como a carta Christifideles Laici, a exortação papal direcionada aos fiéis leigos, na qual o Sumo Pontífice aponta direcionamentos para a vivência dos leigos no mundo e na Igreja. “Pouco importa se é Grupo de Partilha e Perseverança, ou de Profissionais, o objetivo é o mesmo: reunir pessoas, no nosso caso profissionais, que já viveram a experiência do Batismo no Espírito Santo nos grupos de oração e que desejam aprofundar a fé cristã na partilha, no conhecimento mais profundo da palavra de Deus e da Igreja e no serviço social ao reino de Deus. A estrutura é bastante livre. Em algumas comunidades existe um núcleo que prepara as reuniões e/ou escolhe os documentos ou cartas a serem estudados. Em outros lugares, como é o meu caso aqui em Vitória, o grupo se reúne, sem preparação prévia, reza e inicia a partilha. Em geral se inicia com um momento de oração, seguido de partilha dos participantes, podendo haver também estudo de algum documento da Igreja ou carta etc. Além disso, alguns GPPs possuem um ‘braço social’, ou seja, além da oração e da partilha as pessoas desenvolvem juntas algum trabalho social”, direciona Fabiana.

Os grupos de formados do PUR adquiriram, assim, “personalidades” próprias em lugares diferentes do Brasil, como constatam as próprias lideranças do Ministério das Universidades Renovadas. Como congrega formados nas mais diversas áreas e, muitas vezes, profissionais com mais tempo e experiência do que os recém-formados, a partilha mais do que intelectual, também de vida, tem enriquecido sobremaneira os grupos que se, depois de um tempo “sem identidade”, conseguem firmar-se e ir formar seu jeito de ser Grupo de Partilha de Profissionais, inserido na realidade do Projeto Universidades Renovadas da Renovação Carismática da Igreja Católica Apostólica Romana. Com tantas repartições, fica claro que o grupo de profissionais assume diferentes modos de ser, mas tem, no entanto, uma essência que é respeitada em todos os lugares nos quais surge.

Por ser mais novo do que o Projeto Universidades Renovadas, o Grupo de Profissionais tem um pouco mais de dificuldade do que o movimento para estabelecer-se, encontrar-se. Uma questão que tem inquietado os profissionais que participam dos GPPs é a crescente participação de pessoas que não conhecem o Ministério das Universidades Renovadas, quando muito são católicos de nome. A situação é complicada para os membros do Projeto Universidades Renovadas, porque a proposta inicial dos Grupos de Partilha de Profissionais seria a reunião de pessoas que já têm certo contato com a realidade de um grupo de oração, se não na universidade, pelo menos em grupos de oração paroquiais. “É claro que não podemos rejeitar as pessoas, se o Senhor mesmo se usa do GPP para atrai-las. O que fazer então? Buscar inserir essa pessoa na RCC, estimulando para que participe do grupo de oração, faça seminário de vida no Espírito, experiência de oração etc. Porque se ela ficar só no GPP, ela não se sustenta, aliás nenhum de nós. Precisamos sempre atualizar a experiência do Batismo no Espírito Santo em comunidade, na nossa identidade enquanto RCC, e isso acontece no grupo de oração”, fala a responsável nacional pela experiência dos GPPs, Fabiana Ramos.

Comunicação

Depois do seminário no encontro de carnaval de Viçosa, o Seara, em 1994, jovens universitários católicos que viviam uma experiência de espiritualidade nas faculdades nas quais estudavam descobriram que não estavam sozinhos no mundo. Mais do que isso. Estudantes católicos que pensavam que religião era uma realidade para ser vivida dos portões da universidade para fora, perceberam que seria possível conciliar universidade e grupo de oração.

Os estudantes que se reuniram no Seara, no carnaval de 1994, passaram então a trocar informações sobre suas realidades cristãs. As dificuldades de começar um Grupo de Oração, as conversas com diretores e reitores para conseguir doação para imprimir um cartaz de encontro, os primeiros desejos de encontros de universitários. Enfim, de pequenos a grandes feitos, perceberam que era necessário se comunicarem. Partilhar, verbo tão utilizado pelos integrantes do Projeto Universidades Renovadas.

Primeiramente as famosas partilhas aconteciam por meio de cartas, no entanto, esse meio, no entanto, limitava as experiências pessoais a um pequeno grupo de universitários e pessoas que já conheciam o Projeto. Quando se deseja tornar um fato conhecido do maior número de pessoas possível o melhor meio é a imprensa. Como existiam estudantes de jornalismo envolvidos com o movimento desde o seminário de Viçosa, o PUR não demorou a ter seu próprio veículo de comunicação.

Jornal de Partilha

Em fevereiro de 1997, nasce o Jornal de Partilha (JP). Como necessidade de um grupo específico, uma verdadeira comunidade, o Jornal de Partilha é o típico meio de comunicação comunitário. “A comunicação cumpre distintos tipos de funções: coesão, informação, controle das tarefas e regulação da ação. (...) Há um sentimento de coesão grupal, propósitos comuns”. (BRITO, 1991).

A primeira edição do Jornal de Partilha saiu em fevereiro de 1997. A idéia do veículo de comunicação do PUR parte de três pessoas que participavam do movimento, na época. Dois estudantes, Brune Montalvão, que cursava jornalismo, e Fabrício Fidélis, que estudava direito e fazia artes (ele ficou responsável pelo visual do primeiro jornal), e da coordenadora do Projeto Universidades Renovadas, em Belo Horizonte, Eny Soares. “O primeiro número foi distribuído no Seara, em Viçosa, e também para o banco de dados que o Projeto havia começado no I Enucc, no ano anterior (1996). O segundo jornal, saiu por ocasião do II Enucc. Ele trazia informações da organização do Enucc e do encontro em si. O objetivo do jornal era fazer com que as informações fossem escritas em forma de partilha. Por isso, contávamos com a colaboração das pessoas que participavam do PUR em todo país”, conta uma das principais colaboradoras da comunicação do Projeto, a jornalista Ivna Sá.

Fazer com que tal “partilha” acontecesse, no entanto, não era trabalho fácil para os que se dispuseram a fazer o jornal. “Era muito difícil de fazer o JP. Além de ficar dependendo das informações que as pessoas nem sempre enviavam, a mão-de-obra era voluntária, tínhamos que disponibilizar tempo e movimentar muitas coisas para que o jornal saísse. Para reunir informações para o jornal, nós participávamos de todas as listas de discussão na internet. Quando alguém mandava um e-mail contando algo que pudesse ser publicado, nós tínhamos que arrumar o texto e até mandar o e-mail de volta para a pessoa responder perguntas e conseguirmos mais informações para completar o texto. Mas a experiência que adquirimos na época da faculdade fazendo o JP é muito rica e foi de grande importância para nós, quando entramos para o mercado de trabalho”, relembra a jornalista.

Atualmente, o JP ocupa um lugar na página que o Projeto Universidades Renovadas tem na internet http://www.pur.com.br/jponline/index.html . O Jornal de Partilha on-line não satisfaz a muitos, inclusive à jornalista Ivna. “O JP parou de ser impresso por falta de recursos e até de mão-de-obra. Tem a versão on-line, mas não é a mesma coisa. Eu defendo a versão impressa porque tem muita gente que não tem acesso à internet e nem todos têm tempo para ler o jornal no computador. Além disso, partilha, geralmente, é um texto grande, o que não condiz com a linguagem da internet que deve ser dinâmica, rápida e com textos mais curtos. Na minha opinião, o marketing direto ainda vai funcionar por muito tempo. Se a internet fosse tão eficaz nesse aspecto, a gente não receberia tantas coisas por mala direta”, diz Ivna, defensora da versão impressa do jornal.

Em janeiro de 1999, a equipe nacional do Ministério das Universidades Renovadas sentiu a necessidade de oficializar o serviço de comunicação no PUR. Assim, para atender às demandas do movimento no que dizia respeito à  comunicação, em âmbito nacional, estudantes e profissionais da área que participavam do PUR decidiram formar uma espécie de assessoria de comunicação do Projeto Universidades Renovadas, o Sistema Kerigma de Comunicação (SKC). O grupo de pessoas passou a exercer atividades de relações públicas, publicidade, jornalismo, documentação, logística em distribuição e informática (controle/ organização de banco de dados e internet). Os jovens que colaboraram com a organização da estrutura do I Enucc, em Belo Horizonte, em 1996, criaram todas as peças gráficas do encontro, além de cuidar da divulgação e do trabalho que uma assessoria de comunicação poderia prestar à organização de eventos de porte nacional. Foi desse grupo que partiu o slogan, a logomarca e o nome do PUR – que era conhecido como RCC e Universidade –: “Universidades Renovadas: um sonho de amor para o nosso país” (que acabou se tornando um “sonho de amor para o mundo”, com o passar do tempo).

A partir do início do SKC, pessoas de diversos estados do país passaram a colaborar com o Jornal de Partilha (que na época tinha exemplares impressos) e com a atualização do site do movimento. As pessoas que participavam do SKC, em Belo Horizonte, reuniam-se mensalmente e, em 2001, por meio do grupo de comunicação, realizou-se o I Encontro de Comunicadores do Projeto Universidades Renovadas. Nesse encontro, profissionais e estudantes da área de comunicação e interessados no assunto de diversos estados do país reuniram-se em Belo Horizonte, cidade sede do Sistema Kerigma de Comunicação. “Em 1999, o Projeto estava crescendo demais e, com ele, a parte da comunicação e nós queríamos que os estudantes  assumissem os trabalhos e pudessem ser beneficiados por eles tanto quanto nós éramos. Hoje, o SKC não existe mais. O PUR tem muitas marcas de BH, a gente dava os pontapés, começava muitos projetos, mas com o tempo as coisas vão mudando, a gente também cansa. Em 2002, a Ulla, do Espírito Santo, assumiu a comunicação do PUR e montou uma equipe no estado do Espírito Santo”, relata Ivna, que tem participação significativa na estrutura de comunicação do Projeto Universidades Renovadas.

O Ministério das Universidades Renovadas tem uma equipe responsável pela comunicação em seu sentido mais amplo. Jornal on-line, material de formação dos membros e divulgação, equipe de informática (responsável pelas listas de discussão e pelo site do PUR). Universitários e profissionais compõem essa equipe, de maneira voluntária, e disponibilizam seus conhecimentos ao desenvolvimento desses meios que atendem não somente a necessidade de comunicar-se, mas, segundo eles próprios, “são ins­trumentos eficazes de evangelização do público a que se destinam”. O Jornal de Partilha, mesmo que on-line, tem papel importante para a co­municação entre os mem­bros e divulgação do trabalho do Projeto. “A comunicação do projeto tem pontos chaves. Um deles é o JP, que durante muito tempo foi impresso, mas, por causa de dificuldades financeiras, ele parou e passou a ser virtual. A gente mudou muita coisa nele”, afirma a responsável pela comunicação do PUR em âmbito nacional, Ulla Milla Fullore, publicitária de Vitória, Espírito Santo. Se uma das características marcantes do PUR é a capacidade de sonhar, Ivna mostra porque caminha com o movimento desde o início. “Se o Jornal de Partilha voltasse, ele teria de ter uma cara nova, um suplemento para os formados. Hoje a gente tem uma demanda diferente. Quem sabe até ele volte como uma revista semestral? São sonhos que a gente tem”, entusiasma-se Ivna Sá.

Internet

A internet tem papel importante no Projeto Universidades Renovadas. A grande maioria das decisões, dos recados mais insignificantes a comunicados de extremo interesse dos membros no território nacional, quase tudo é feito pela internet.

O desenvolvimento da rede, no Brasil, caminha junto com o crescimento do Projeto. Não somente pela larga utilização que o movimento faz dela, mas também porque seu uso espalhou-se pelo país a partir da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no estado de São Paulo), órgão intimamente ligado às universidades do estado de São Paulo. O ano de 1988 é considerado o marco zero da rede mundial no Brasil. Enquanto os universitários do grupo de Viçosa começavam a expandir seu campo de ação com a criação do Seara, que se tornaria um encontro tradicional do estado de Minas Gerais, em 1988, os pesquisadores brasileiros reivindicavam da Fapesp o acesso à rede. Depois de retornarem de cursos de doutorado na terra do Tio Sam, os bolsistas sentiam falta do intercâmbio mantido no exterior com outras instituições científicas. Foi em maio de 1995, entretanto, um ano depois da primeira reunião de universitários católicos, no Seara, que uma portaria conjunta do Ministério das Comunicações e do Ministério da Ciência e Tecnologia criou a figura do provedor de acesso privado, liberando a operação comercial da Rede no Brasil. É a partir daí que ela começa a fazer parte importantíssima na história do PUR. Também em 1995, os universitários do PUR começam a ter os contatos com a rede. No movimento, uma das pessoas que inicia o trabalho com o virtual é o atual web designer, William Max. “Em 95, o William já falava em internet. Um dia, quando eu estava caminhando pela universidade, encontrei cartazes divulgando uma página de piadas de pontinhos. Para a minha surpresa, o site era do William. Eu achava muito engraçado porque ele esparramava aqueles cartazes pela faculdade, com o endereço do site. Quando a pessoa entrava no site, tinha lá um link para outra página que o William tinha criado, era a página do Grupo de Oração da faculdade. Foi um meio que o William arranjou de divulgar e atrair mais pessoas para o GOU. As coisas começaram a acontecer assim. Quando o William falava de internet, eu nem dava muita atenção, ouvia mais por misericórdia do que por interesse”, conta Ivna Sá. Atualmente, a página do PUR tem um papel fundamental para o movimento.

Desde 1996, há registros do uso da internet pelos universitários do PUR. “Há um ano, o Projeto Universidades Renovadas vem utilizando diversos aplicativos da Internet, que são um dos meios responsáveis pela difusão de tudo o que está rolando nos GOUs de todo o Brasil” (Jornal de Partilha, n° 2, agosto de 1997). Os aplicativos utilizados pelos precoces internautas eram a lista de discussão, e-mails dos responsáveis pelo PUR, home-page, canal de IRC e ICQ.

Lançando a rede nas redes - Seguindo a tendência mundial de comunicação informatizada, o Projeto Universidades Renovadas está presente na internet. Os internautas poderão obter informações sobre o Projeto e Grupos de Oração Universitários no endereço http://www.inet.com.br/~wmax/projeto.htm, na web. (...)Tem mais! O Projeto conta com uma sala de conversa no conhecido Palace. Nosso endereço é palace.soteris.com.br, sala do GOU. As home-pages trazem nossa história: sua origem e atual caminhada. Além disso, registram as experiências de alguns GOUs (horário de encontros, fotografias dos participantes, retiros etc.). Por meio dos links presentes, o internauta tem acesso a outras informações católicas na rede, com destaque para a RCC. Venha lançar sua rede. Seja mais um pescador de homens na web. (LANÇANDO as redes na rede, Jornal de Partilha, fev. 1997, p.1).

Só em 1998, foram registrados mais de dez mil acessos à página do PUR. O acesso e a comunicação via internet tornam-se tão necessário que o Projeto Universidades Renovadas chega até outros países da América Latina, principalmente, por conversas virtuais.

O movimento se encontra presente no México, no Peru e na Argentina. A história com o México começou quando Ivna Sá, que esteve presente no seminário proferido por Fernando Galvani, no Seara de 1994 e tem participação significativa na história do Ministério das Universidades Renovadas no Brasil, atual­mente formada em jornalismo, fez um curso de Comunicação Pastoral do Celam (Conselho Episcopal Latino-americano), no sul do país. Nesse curso, Ivna conheceu a irmã Alícia Ortiz, da congregação Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A religiosa nunca deu muita “trela” às conversas malucas da mineirinha sobre um tal Projeto Universidades Renovadas. Quando voltou para o México, no entanto, a religiosa levou consigo um “kit” Projeto Universidades Renovadas. Vale a pena abrir um parêntese para dizer que todo “sonhador” que se preze tem sempre à mão um “kit sonho”, no qual podem estar uma camiseta, um folder e, imprescindível, uma cartilha do Projeto Universidades Renovadas. Raramente, uma pessoa ligada ao meio acadêmico, seja ela universitária, professor ou funcionário, conversa com um membro do Projeto Universidades Renovadas e não ganha sequer um folder explicando o que é, de onde vem, a missão, onde está o Ministério das Universidades Renovadas. Nesse sentido, o material de divulgação do movimento, parte integrante da estratégia comunicacional do Projeto, busca alcançar de maneira objetiva e eficaz identificação instantânea do receptor com o conteúdo da mensagem: o sonho de universidades renovadas e, por conseqüência, uma sociedade mais justa. Por isso, o Projeto Universidades Renovadas conta hoje com um folder em três línguas (Português, Inglês e Espanhol) e com o intuito de atingir o maior número de pessoas possível, o site do PUR também pode ser lido nas três línguas. Depois de conhecer, então, o material de divulgação do Projeto Universidades Renovadas, irmã Alicia passou a incentivar um grupo de jo­vens mexicanos a manter con­tato com alguns membros do Ministério das Universidades Renovadas, no Brasil. Os contatos foram mantidos, durante, aproximadamente, um ano apenas por e-mail e chats. Liderados pelo estudante de medicina Jorge Andrés Vasquez Marañón, os mexicanos começaram um grupo de oração, em 1999.

Comunicação caseira, familiar, mas eficiente. Depois de longas “partilhas virtuais”, um grupo de integrantes do Projeto Universidades Renovadas foi ao México ministrar o que seria a primeira missão internacional do movimento. Os brasileiros foram notícia no jornal do México:

Visitarán el municipio universitarios brasileños - Darán a conocer ‘Movimiento de Universidades Renovadas’

FORTÍN – El grupo de ‘Movimiento de Universidades Renovadas’ con sede en Córdoba, invita a un encuentro de universitarios donde se presentará el programa del movimiento denominado “Universidades Renovadas” (...) El vocero del movimiento en Córdoba, Nahum Romero Muñoz, dijo que ese grupo nace en Brasil y se busca concienciar a los jóvenes universitarios sobre los valores sociales, ya que serán los profesionistas que ocupen un cargo de dirección a corto plazo. (...)Además, se hablará sobre la desigualdad laboral entre hombres, mujeres e discapacitados, así como informar sobre los objetivos que tiene el movimiento, para que los jóvenes universitarios que se integren a esa corriente logren una mejor realización profesional. Los brasileños que darán a conocer los objetivos del movimiento son Ivna Sá Dosantes, Wilson y Brune Montealwao, quienes hablarán sobre el nacimiento del grupo sus objetivos y darán a conocer las estrategias para que los jóvenes logren desempeñar un rol profesional positivo.   (VISITARÁN el municipio universitarios brasileños, El Mundo, 6 de maio de 2000, Fortín, p.1)

Da experiência de Ivna Sá com o PUR, a partir do curso de comunicação pastoral do Celam, nascem as experiências do México e do Peru que perduram até os dias atuais. “Hoje, o México caminha com algumas dificuldades, tem apenas um GOU, porque na época em que conheceram o PUR, os meninos do México já estavam se formando. O Peru, estão mais firmes. Lá eles começaram com a Mirtha Emilia Rubina Rios, que também fez o curso do Celam comigo. A Mirtha já era envolvida com a RCC e levou a idéia direto para o coordenador no  Peru. Demorou um pouco para o PUR dar início no Peru, mas quando deu certo, emplacou. Eu fui fazer esse curso de comunicação pastoral para começar um trabalho com uma rádio aqui em Belo Horizonte. Até hoje não deu certo porque a rádio ainda não conseguiu a concessão. Quem saiu ganhando na história toda foi o PUR”, brinca Ivna.

Boca-a-boca

Essa é a comunicação que proporciona ao Projeto Universidades Renovadas significativa expansão. A comunicação mais eficiente no movimento não é o que está escrito no site ou no Jornal de Partilha, ao contrário, muitas vezes, esses instrumentos não atigem a meta esperada. “Um dos projetos da comunicação é reformular todo o site. A gente precisa reformular o JP (Jornal de Partilha), mas colocar uma cara nova no JP e não mudar o site, não iria ficar legal. Reformular conteúdo, navegação, tudo. É uma coisa que a comunicação está fazendo junto com a informática. Tem também o cd-rom. Está parado há dois anos, era para ter saído no Enucc do ano passado (2002), não saiu, era para ter saído esse ano (2003) e não saiu. A idéia é transformar a cartilha do projeto em CD-Rom. A gente sabe que tem gente do Projeto no Brasil inteiro fazendo comunicação, mas é um povo tão difícil de ‘laçar’, porque sempre faz outras coisas. A gente tem mais contribuição de gente que não é jornalista. Aos poucos, estou tentando juntar essas pessoas em uma lista”, projeta a responsável nacional pela comunicação dos “luquinhas”.

Em sua maioria realizada por estudantes ou recém-formados. Ponto forte da comunicação do PUR é a que é realizada boca-a-boca. Parece que quando “vestem a camisa” do movimento, os universitários têm a necessidade de fazer com que mais e mais pessoas vistam a mesma camisa também. Portanto, é muito difícil alguma pessoa que tenha relação direta ou indireta com uma instituição de ensino superior conversar com um membro do Projeto Universidades Renovadas e sair sem sofrer nenhuma abordagem. Sempre haverá um folder, uma cartilha, um papel com o endereço do Ministério das Universidades Renovadas na internet... São incansáveis na busca de mais “sonhadores”.

O maior objetivo da comunicação no Projeto Universidades Renovadas não é simplesmente informar. É sim informar, formar e, principalmente, divulgar, alcançar aqueles que ainda não conhecem o movimento, que não conhecem a Deus, o que fica claro quando se tem em mãos o material de divulgação do movimento, principalmente a cartilha que está em sua terceira edição.

Para evitar os ruídos

Para realizar o trabalho da comunicação, tão importante no Projeto Universidades Renovadas, foi organizada pela Equipe Nacional uma comissão responsável pela comunicação do movimento em todo o território nacional.

Inicialmente, a responsável pela comunicação no Projeto Universidades Renovadas era a jornalista Ivna Sá. Ivna acompanhou o movimento desde o Seara de 1994, quando estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo. A jornalista é uma figura importante para o Ministério das Universidades Renovadas devido ao seu entusiasmo e força com que abraçou o “sonho” desde o início. O testemunho da jornalista é um dos relatos principais do PUR e é amplamente divulgado nos Encontros Nacionais a fim de motivar aqueles que vão aos encontros e ainda não conhecem a história do movimento. Prova diso é que até mesmo os “veteranos” recebem injeção de ânimo ao escutar a jornalista mineira narrar de maneira envolvente, descontraída e emocionada, a sua trajetória no PUR.

Atualmente, a responsável pela comissão de comunicação do Projeto é a publicitária Ulla Milla Fullore, do estado do Espírito Santo. Extremamente difícil organizar todos os eventos que o Projeto realiza no Brasil, mas as datas de encontros mais relevantes, como os Eeuccs (Encontros Estaduais de Universitários Católicos Carismáticos), por exemplo, passam pela Ulla. Além disso, grande parte do material de divulgação, não só do Projeto Universidades Renovadas em si, como também dos encontros do estado do Espírito Santo e dos Encontros Nacionais do PUR também ficam a cargo da responsável pela comunicação. “Produzimos conteúdos, artigos para o site, a cartilha e os materiais (camisa, folder trilingüe, estojo, broche, adesivo etc.), não só para ajudar financeiramente, mas para divulgar. Temos, com certeza, um objetivo de evangelização para aqueles que não estão no Projeto”.

Ulla conta com uma equipe no Espírito Santo, dois designers gráficos e uma jornalista, que é a responsável pelo Jornal de Partilha on-line. Além da equipe local, a publicitária tem a ajuda de pessoas que trabalham com comunicação em outros estados do País, como Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, por exemplo.

A comissão de comunicação caminha de mãos unidas à equipe de Informática. Isso porque o site é o principal instrumento comunicacional do Ministério das Universidades Renovadas. Na página, estão as datas de alguns encontros mais importantes para o movimento, como o Encontro Nacional e os estaduais, por exemplo, documentos da Igreja, material de divulgação do PUR e textos da liderança do PUR. Além desse conteúdo, os universitários encontram no site, as datas dos aniversariantes do movimento de todo o país e é no site que se encontra o “varal”, um mural de recados virtuais que faz sucesso entre os que costumam freqüentar a página do Ministério das Universidades Renovadas. Os internautas têm um pequeno número de caracteres pré-estabelecidos para deixarem seu recado para a “galera” do Projeto Universidades Renovadas ou para alguém que não vêem há algum tempo, aqueles que só costumam se ver nos Encontros Nacionais.

Encontros Universitários

Já fazia mais de 24 horas que tinham colocado o “pé na estrada”. Como em toda viagem, os primeiros quilômetros foram de festa. Um violão, o pessoal do fundão fez a maior algazarra. Entretanto, depois de tantos quilômetros, não era tão fácil manter o bom humor. Mas aquele monte de estrada passando pelas janelas do ônibus realmente compensaria o fim de semana que os esperava.

A chegada ao local do encontro era pura alegria. Apesar do cansaço, da fila na secretaria, da confusão. “Falta o meu crachá”. “Você trouxe o comprovante de depósito?”. “Onde nós vamos dormir?”. “Quero tomar banho!”. De repente, um sotaque diferente, um outro ônibus que chega, uma carinha conhecida que já não era vista há tanto tempo.

Para participar da maior festa de universitários Católicos da América Latina, como dizem alguns membros do Ministério das Universidades Renovadas, não são medidos esforços. Duas, dez, vinte horas de viagem. Dois, três dias de ônibus, mais três de barco...

O Encontro de Universitários Católicos Carismáticos (Enucc), como o nome já diz é um lugar de profundos encontros. É esperado, aguardado com ansiedade. Preparado pela cidade sede do encontro, por cada GOU no Brasil inteiro. Cachorro-quente, brigadeiro, pizza, barraquinhas, idéias pululam nas listas de discussão para arrecadar dinheiro para pagar o ônibus, as inscrições de quem não tem condições financeiras de se bancar sozinho, afinal de contas,  são uma comunidade.

Sem dúvida, o Enucc é um dos momentos ápices do movimento. “Esse encontro visa gerar unidade e fraternidade entre os participantes dos GOUs, além de promover a formação doutrinária e vivenciar grandes momentos de louvor ao nosso grande Deus”, essa é a definição dada ao Enucc, no site do movimento.

Quem vê aqueles universitários reunidos durante um fim de semana inteiro, nem imagina a história que um Enucc carrega. São universitários vindos de todos os estados do país. Uma mistura de sotaques. Tem “r” de tudo quanto é jeito. “R” de carioca, de capixaba, do interior de São Paulo, de Goiânia, do Amazonas, do Sul. Gírias, quantas gírias. Sempre tem alguma rodinha na qual um grupinho explica a outro tanto de gente o que significa esse ou aquela expressão que surgiu enquanto trocavam experiências.

Fica claro o quanto impressionante é o encontro nas palavras acadêmicas do professor Jean Lauand, após regressar do VII Enucc, em Vitória, o primeiro Encontro Nacional do qual participou. O professor escreveu para as listas de discussão na internet das quais faz parte para deixar as impressões que teve do Encontro Nacional:

“Acabo de voltar muito impressionado do VII ENUCC. Que os jovens do PUR - Projeto Universidades Renovadas da RCC, com seus Grupos de Oração Universitária, são um fermento de renovação, de alegria e de santidade para a Igreja já é fato mais do que sabido e nem vale a pena eu ficar aqui falando disso. O que, sim, me interessa destacar nesta mensagem (e para mim não é de modo algum um fato novo!) é outro aspecto: o altíssimo nível intelectual da programação do encontro. Ao contrário do que pensam alguns – que pretendem uniformizar a Igreja Católica segundo seus próprios padrões –, preocupação social e aprofundamento intelectual não são incompatíveis com a alegria, a descontração, o carinho e a extraordinária bondade que irradia magneticamente desses jovens, que sabem concretizar sua fé em importantes iniciativas concretas. Com muita alegria constatei no ENUCC (uma vez mais...) um interesse extraordinário desses jovens por aprofundar intelectualmente na doutrina da Igreja e por formar um critério cristão sobre nossas grandes questões políticas e sociais. Houve, por exemplo, quatro conferências do mais alto nível intelectual. A única irresponsabilidade que esses jovens cometeram em todo o encontro foi a de escalar-me para dar uma conferência (sobre ‘Ética e Responsabilidade Social’). Tive diante de mim por quatro horas (nem Fidel Castro faria melhor), centenas de jovens ouvindo (com um calor de 28 graus) falar de São Tomás de Aquino, com perguntas e debates de extraordinária inteligência. E, como disse, as outras quatro conferências (do Padre Jesus Hortal, do Professor Wamberti da PUC-RS, do Prof. André Marcelo Machado Soares da PUC-Rio e do Professor Felipe Aquino) foram do mais alto nível intelectual. Tudo com uma organização e um profissionalismo de fazer inveja aos suíços (dez minutos depois de encerradas as conferências, elas já se encontravam disponíveis em fitas de áudio de alta qualidade). E tudo isso sem outros recursos que uma imensa generosidade cristã e um fino espírito de serviço dos universitários que organizaram o evento e de centenas de famílias capixabas que hospedaram com insuperável carinho e fidalguia a todos. Nesses dias, tive oportunidade de conversar longamente com dirigentes e colaboradores do Projeto (Padre Joãozinho, Padre Javier, Padre Jacaúna, Fernando Galvani, Elen Santos e tantos outros jovens que já conhecia pela Internet). Em todos, um altíssimo nível universitário e uma fé maravilhosa unida a um extraordinário bom senso. Nota-se também que os ‘meninos’ do PUR vão crescendo: já são muitos os profissionais e os pós-graduandos e eles vão procurando (com acerto) formas de aprofundar sua fé e atuar na sociedade, como profissionais que buscam implantar o Reino de Cristo. Junte-se esse preparo profissional e intelectual à esfuziante alegria e sintonia com a Igreja e teremos todas as características do fermento para a massa; do sal e da luz para o mundo. Um último testemunho, um ponto que me deixou particularmente edificado nos jovens do Enucc: como eles não sabem avaliar a força que têm, são refratários a qualquer fanatismo (aliás, a alegria e o bom-humor, já o advertiam mestre Gilberto Freyre e o próprio S. Tomás, são o antídoto contra o fanatismo) e são tolerantes: participei de diversas atividades do Enucc, mas em nenhum momento me senti constrangido por ser um velho introvertido no meio de jovens de 20 anos; nem por ser o único fumante em meio àqueles 2.000 abstêmios (aparentemente); nem por ser o único desafinado e por desconhecer as canções que todos cantavam nem por eu ser absolutamente desprovido de qualquer talento rítmico (eles da maneira mais elegante do mundo caridosamente fingiam não perceber que minhas palmas eram descompassadas...). Enfim, este VII ENUCC foi um marco importantíssimo para a Igreja no Brasil, pois ao que tudo indica, eles estão decididos a seguir a diretriz que era o próprio lema do encontro: ‘Importa prosseguir determinadamente’ Um forte abraço  Jean Lauand”

Prepara-se um encontro

Depois do seminário no Seara, em 1994, os universitários que trocaram “figurinhas” em Viçosa passaram a corresponder-se por meio de cartas. A internet ainda não havia caído no gosto de boa parte do público brasileiro. O número de participantes aumentou de tal maneira que os primeiros integrantes do Projeto Universidades Renovadas passaram a escrever cartas-padrão, que só tinham direito a personalização no final. “A gente falava muito por carta. Hoje em dia, o Projeto tem listas de discussão na internet, mas eu tenho em casa caixas e caixas de cartas que a gente mandava um para o outro. A gente se comunicava com Viçosa, com Valadares, com Belo Horizonte... Depois a gente começou a digitar contando as coisas. Fazia uma carta-padrão, imprimia para quantas pessoas fosse mandar e, no final, a gente perso­nalizava. A gente não dava conta de escrever de punho para todo mundo”, conta uma das pioneiras do Projeto no estado do Espírito Santo, Ulla Milla.

Os GOUs que nasceram depois do Seara de 1994 alcançaram, rapidamente, um número elevado, principalmente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Esses universitários encontraram-se no Seara de 1995 e 1996. O espaço que aproveitavam para partilhar experiência e fazer conhecida a outros universitários a realidade que vivenciavam em suas faculdades ficava restrito a um seminário em meio ao encontro de carnaval. Os que estavam à frente do movimento sentiram a necessidade da existência de um encontro apenas para que essa partilha acontecesse com um tempo maior e mais profundidade. Dessa necessidade nasce o Congresso Nacional de Universitários Católicos, o Conuc. “Antes do nome Enucc ser confirmado, surgiu a idéia de se batizar o encontro com o nome de CONUC: Congresso Nacional de Universitários Católicos, nome que foi substituído, posteriormente, pela palavra Encontro. No discernimento da equipe organizadora, a palavra “encontro” aproximava-se mais do objetivo desejado com o evento”, contam os “pioneiros” no site do PUR. “No I Enucc, tínhamos dificuldades com a data de realização do encontro. Quando resolvemos marcar no final das férias, foi uma polemica muito grande. Tínhamos dúvidas se as pessoas iriam abrir mão de uma parte das férias e ir ao encontro. Deu tão certo que, desde o I Enucc, nunca mais mudamos a data: é sempre no último fim de semana de julho ou primeiro fim de semana de agosto, assim facilita até mesmo para o lugar que é sede do encontro”, diz Ivna Sá que acompanhou o Encontro Nacional desde a sua criação.

Em 1996, enquanto o Brasil se adaptava ao novíssimo Real, 230 universitários de 10 estados e 42 faculdades do país encontraram-se em, Belo Horizonte. A Renovação Carismática Católica, até aqui, criticada veementemente por viver com a “cabeça nas nuvens” e esquecer-se de problemas sociais e da ciência, tem em si, a partir do segundo Encontro de Universitários Católicos Carismáticos, discussões acadêmicas e extremamente cientificas em um encontro de “carismáticos”.

O II Enucc aconteceu nos dias 31 de julho, 1, 2 e 3 de agosto do ano de 1997, no auditório do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet), Belo Horizonte. O tema do encontro nacional foi “Que toda Universidade saiba, com a maior certeza, que este Jesus que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (cfr At 2,36). Estiveram no segundo encontro realizado em âmbito nacional do Projeto Universidades Renovadas cerca de 525 pessoas de diversas partes do Brasil. Uma presença marcante nesse encontro foi a do padre que, juntamente com o Padre Marcelo Rossi, inicia um avivamento na Igreja Católica no Brasil, o Padre Zeca, sacerdote do famoso “Deus é 10”, um evento católico realizado nas praias do Rio de Janeiro que reúne milhares de pessoas.

Foi no II Enucc que acontecem pela primeira vez as mesas redondas que, futuramente, transformariam-se nas mesas temáticas. Foram três mesas dividas por áreas: humanas, biológicas e exatas.  “A promoção dos três debates foi uma iniciativa que precisou de coragem por ser uma experiência pioneira na Renovação Carismática. Graças a Deus, foi riquíssima, mesmo com a complexidade das questões, já que havia no II Enucc 43 cursos diferentes”, conta a matéria publicada no Jornal de Partilha que registrou o II Enucc. Doze estados estiveram presentes, além do Distrito Federal. 63 cidades, 84 faculdades e mais de 90 GOUs foram cadastrados no encontro. Se, a partir de 1996, o encontro nacional já reunia gente de vários estados do país, hoje em dia, um Enucc, que está em sua oitava edição, traz até mesmo pessoas de outros países da América Latina.

Por causa dos laços criados, do afeto que nasce entre os participantes e da necessidade do encontro, da convivência, ainda que rápida, o próximo Enucc começa quando termina o anterior. Principalmente, para a próxima sede do encontro. A cidade escolhida para “acolher em casa” um Enucc começa a preparar-se, pelo menos, oito meses antes do encontro. Isso, hoje em dia. No terceiro Enucc, que foi em Presidente Prudente (SP) e recebeu 1.200 universitários (o dobro de pessoas que estiveram no II Enucc), os donos da casa souberam que seriam sede do encontro apenas três meses antes da data marcada. “Um dia a equipe nacional, em uma reunião, discerniu a possibilidade do Enucc sair de Minas. No estado de São Paulo, o lugar escolhido foi Presidente Prudente. Faltavam três meses para o encontro. Nós tínhamos três meses para preparar um Enucc. Nossas reuniões começavam às dez da noite e iam até uma hora da manhã. Éramos totalmente inexperientes”, conta a fonoaudióloga Sandra Maria, em uma paz serena e tranqüila, necessidade primeira para encarar um encontro nacional, onde os participantes são recebidos com alojamento e alimentação, diferente de congressos acadêmicos, nos quais cada um se vira para alojar-se e alimentar-se.

Mesmo com os preparativos de última hora, o III Enucc, que aconteceu nos dias 30 e 31 de julho e 1 e 2 de agosto de 1998, no Salão de Festa do Limoeiro, Campus I da Universidade do Oeste Paulista, em Presidente Prudente, São Paulo, reuniu cerca de 150 pessoas para a preparação do encontro. O evento com o tema “Porque então haverá certamente um futuro e tua esperança não será frustrada. (Provérbios 23, 18)” alojou aproximadamente 800 participantes em casas de família da cidade do interior paulista. Estiveram presentes 18 estados que representavam 188 instituições universitárias.

A inexperiência marcou e marca muitos Enuccs. Os universitários, principalmente da capital São Paulo e de Bauru (interior de São Paulo) que o digam. “Para dar força o Ministério das Universidades Renovadas na cidade de São Paulo, o Mococa sugeriu que tivesse um encontro grande do Projeto lá, e sugeriu que o Enucc fosse organizado na cidade de São Paulo, já no ano de 1999. A equipe nacional topou. O coordenador da RCC, que estava no encontro, topou também. Evidentemente, eu e o Sebastião (coordenador da RCC) topamos por absoluta ingenuidade do que se tratava a organização de um Enucc”. Robson Tadeu Muraro, 31 anos, formado em história foi coordenador do IV e V Enucc, e agora brinca com a ingenuidade que teve ao permitir que o Enucc fosse em São Paulo tendo em sua equipe apenas oito pessoas, na época em que aceitou o desafio.

O IV Enucc, realizado na capital paulista, reuniu cerca de 1.200 pessoas de 18 estados do país que representavam um número aproximado de 179 instituições de ensino superior. Por ocasião desse encontro, o fundador e na época coordenador do Ministério das Universidades Renovadas, Fernando Galvani, disse à revista Família Cristã que o compromisso do Projeto “não é só com o estudante e, sim, com a comunidade universitária. Além de incentivar a criação de grupos de oração nas salas de aula, pretendemos fazer a universidade formar agentes de transformação da sociedade, estabelecendo uma ponte entre fé e razão”. (O FERMENTO das massas, Família Cristã, set 1999, p.39). Na época, a revista católica utilizou o Projeto Universidades Renovadas e a Pastoral da Juventude para afirmar em uma de suas matérias que a população não perdeu a capacidade de se mobilizar em prol de alguma causa. Na matéria, o repórter ilustrou a forma de alojamento dos participantes de um encontro nacional do Projeto. “Cerca de 300 participantes ficaram hospedados nos alojamentos do Ginásio Pacaembu, enquanto os demais foram acolhidos em casas de família. Só o padre João Zago, da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, no bairro da Pompéia, conseguiu abrigar mais de 400 estudantes. Entre os jovens, quem pôde dividiu o teto com os amigos. Como Badia Adib, estudante de farmácia em Alfenas (MG), que levou as colegas Carina Beatriz e Helaine Reis para a casa de seus tios, em São Paulo” (O FERMENTO das massas, Família Cristã, set. 1999, p.39).

A partir do IV Encontro Nacional, que teve como tema “Abbá Pai, conhecemos o amor do Pai e nele cremos (I Jo 4, 16)”, o PUR ganha um aliado expressivo, o padre João Carlos Almeida, scj., mais conhecido pelos católicos em território nacional como Padre Joãozinho. O padre tem participação significativa na liturgia brasileira por meio da música e formação litúrgica para músicos que tocam ou cantam em celebrações de missas. O sacerdote também é formado em Estudos Sociais, pós-graduado em psicopedagogia e, atualmente, juntamente com a função de diretor do Instituto Teológico SCJ, em Taubaté (os primeiros cursos de teologia católica do país autorizados pelo MEC), o padre cursa dois doutorados: um no Centro Universitário Assunção, em SP, no qual o tema geral de sua pesquisa é a Teologia da Solidariedade, e o outro na Universidade de São Paulo, na Faculdade de Educação. Devido também a essa formação acadêmica, Padre Joãozinho se envolveu mais com o Ministério das Universidades Renovadas.

A Igreja presente na cidade de São Paulo acolheu a iniciativa do PUR: a missa de encerramento do IV Enucc foi celebrada pelo Cardeal Dom Cláudio Hummes. Na dobradinha paulistana, o V Enucc foi marcado pela presença internacional dos mexicanos que iniciavam a experiência do PUR, que conheceram por meio da jornalista Ivna Sá. Os “hermanos” entraram no local do V Enucc no momento exato em que Ivna compartilhava com os participantes a experiência que teve como “missão internacional”. Quem estava na quadra na qual foi realizado o encontro jamais irá esquecer o choro da mineirinha, ao constatar que os mexicanos com quem conversou e que incentivou durante muito tempo virtualmente entravam ali justamente no momento em que falava deles. Participaram desse momento 1.130 pessoas, de 23 estados e 3 países diferentes.

Pode parecer complicado para universitários receberem e alojarem outros universitários, mas, no final, tudo se acerta. Bauru, 2001. O Brasil inteiro sofria as conseqüências do famoso “Apagão”. No ano do VI Enucc, o Brasil enfrenta o maior racionamento de energia da História. O governo FHC coloca em prática um plano de redução de consumo nos estados do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, fato que não ocorria desde 1965. O racionamento só começa a ser suspenso, gradualmente, a partir de novembro. Não houve medo de ficar no escuro. Trinta universitários organizaram e encararam, praticamente sozinhos, um encontro que recebeu, aproximadamente, 1.500 pessoas. Banho gelado, as luzes tinham de ser apagadas depois das dez da noite – o que, geralmente, não acontecia, deixando os proprietários dos lugares do encontro e alojamentos muito desesperados com a conta de luz do mês seguinte. E se estourassem a cota de energia estabelecida pelo governo? Muitas falhas. Não se encontra, no entanto, pessoas que não queiram voltar a Bauru. Os universitários que participaram dizem que tiveram, no fim de semana do encontro, uma forte experiência de Deus.

Mais experientes, depois dos transtornos bauruenses, o VII e o VIII Enuccs foram pensados e organizados para que se evitassem falhas cometidas anteriormente. Por conta do “trauma” bauruense, o VII Enucc foi feito com o pensamento de que tudo poderia dar errado. “O pessoal trabalhou muito antes do VII Enucc. Tanto que estava tudo muito tranqüilo, durante o encontro. Na última semana, no domingo antes do Enucc, a gente foi para a casa da Fabiana para conversar, comer, para descontrair. A gente se organizou muito, estávamos sempre preparados para o pior. O VI Enucc foi fantástico, profundo, um Enucc como nenhum outro que eu já havia participado. Foi uma experiência de profundo contato com Deus. O que fez com que, por outro lado, a gente tenha sido compreensível com as falhas. Ninguém com quem eu falo consegue descrever a graça que Deus realizou naquele lugar. Apesar da graça de Deus ter se sobreposto a tudo, nós estávamos preparados para o pior, no Espírito Santo”, conta Yvina Pavan Baldo, uma das coordenadoras do VII Enucc, que aconteceu em Vila Velha, Espírito Santo.

Encontro marcante

Às vésperas de completar dez anos, em julho de 2003, o Projeto Universidades Renovadas realiza um de seus “sonhos”. Estiveram presentes no VIII Enucc, sediado em Goiânia, dois nomes importantes não somente para a história do Ministério das Universidades Renovadas, mas, principalmente, para a história da Renovação Carismática Católica: Patti Mansfield Gallagher e o bispo Dom Alberto Taveira. A Patti foi uma das personagens centrais do início da RCC no mundo e Dom Taveira é um dos mais importantes nomes do movimento no país. O bispo é um dos diretores espirituais da RCC no Brasil e voz da Igreja para o movimento.

Patti Mansfield e Dom Alberto Taveira no VIII ENUCC

 

No VIII Enucc aconteceram momentos de intenso reavivar o “sonho” do Projeto nas vidas que já caminham há algum tempo no movimento, e um convite irrecusável aos que ainda andavam indecisos pela opção por universidades renovadas, segundo constata-se ao ler e ouvir os universitários que estiveram no encontro.

Um dos momentos marcantes foi quando Patti, que na época do surgimento da Renovação Carismática era uma universitária, trocou de camiseta com o fundador do Projeto Universidades Renovadas, Fernando Galvani, o Mococa. A norte-americana vestiu a camisa do VIII Enucc, enquanto ofereceu uma camiseta da Universidade de Duquesne ao Mococa e outra à Elen Resende, atual responsável pelo Ministério das Universidades Renovadas em âmbito nacional.

Fernando Galvani, que poucas pessoas já viram chorar, segundo ele mesmo, não conteve a emoção do simbolismo e significado do momento. O fundador não pode deixar de chorar emocionado diante do público recorde de um encontro nacional. Aliás, ele não foi o único a derramar algumas lágrimas diante da cena. Pelo menos metade dos que estiveram em Goiânia fizeram o mesmo. Ele mesmo disse que o VIII Enucc foi marcante. Contou que tentava há muito tempo trazer para um encontro nacional as duas personalidades que lá estiveram. Se estavam ali reunidos por carregarem o mesmo ideal, os universitários e integrantes do Projeto sentiram-se abraçados por uma pessoa que representa a história de um movimento que tem contribuído em muito na Igreja. Se “vestir a camisa” quer dizer identificar-se com uma causa e lutar por ela, ao vestir, literalmente, a camisa do Projeto Universidades Renovadas, Patti Mansfield incentivou, deu coragem e ânimo aos “luquinhas sonhadores”. Por isso a importância histórica do Encontro Nacional de Universitários Católicos Carismáticos de 2003, em Goiânia, para os “universitários em renovação”, como diz Padre Joãozinho, que também esteve no VIII Enucc.

Nenhum dos que estiveram em Goiânia discorda de que foi um momento especial na história do movimento. O que não anula a importância de cada um dos Encontros Nacionais realizados desde 1996. “O Enucc é uma grande festa da graça, onde a fé se encontra com a razão e é possível brincar de modo inteligente. Isso assusta muita gente, tanto na universidade quanto na Igreja e na Renovação. Por isso, o Projeto Universidades Renovadas, tem uma vocação, tem uma identidade de gente deixada de lado, faz parte de um martírio próprio dessa opção. Mas é muito divertido, o meu conselho é que realmente, passado todo o tempo de fundamentalismo, vivido esse bom humor fundamentado, o Projeto das Universidades Renovadas, ou Projeto dos Universitários em Renovação, siga em frente com a sua identidade de ser pedra no sapato de todo mundo, porque quem pensa é pedra no sapato. E eu fico pensando como vai ser bom, quando chegar o presidente da república que será do Projeto das Universidades Renovadas, e ele vai chegar. Vai ter um presidente da república no Brasil que participou de Grupo de Oração Universitário e aí eu quero ver que tipo de síntese ele fez entre fé e razão. Será que ele vai ser um genial governante, ou ele vai dizer: ‘Gente, desculpa aí, viu, meu negócio era mais reza’ ou ele vai dizer: ‘Desculpem aí, grupos de oração, eu só usei vocês para chegar até aqui’, como tem muitos políticos da Renovação fazendo, usando a “grife” carismática para ganhar voto. Eu acho que um dos maiores benefícios do Enucc é reunir loucos que sofrem da mesma loucura. Quando você encontra loucos que sofrem da mesma loucura, você se alivia: ‘Ai meu Deus, ainda bem, eu não sou o único louco do mundo, vou continuar!’”, incentiva de maneira divertida e entusiasta o Pe. Joãozinho, que acompanha os encontros nacionais do Projeto desde o IV Enucc, realizado na capital paulista.

Parcerias que deram certo

O PUR insere-se no contexto múltiplo da vida acadêmica. É mais uma parte da diversidade de estilos e maneiras de ser e pensar de indivíduos diferentes que se encontram na faculdade. Fazer parte de uma realidade vasta e diversificada pode induzir os membros do movimento a duas maneiras de comportamento: fechar-se em si, em busca de uma sociedade mais justa apoiados apenas em suas próprias forças; ou abrirem-se, serem tolerantes e acessíveis ao novo das realidades que compartilham no mesmo ambiente acadêmico. Na multiplicidade da terra acadêmica, o PUR tem se encontrado e estabelecido seu espaço nos seus dez anos de existência. João Carlos de Almeida, o Padre Joãozinho, assessor teológico da Renovação Carismática do Brasil, alerta o Ministério das Universidades Renovadas para um risco que ela pode correr: querer a institucionalização do PUR, ou seja, tornar renovada a estrutura universitária, uniformizar o rico terreno do múltiplo. “Você sabe que eu sou diretor de uma faculdade e lá não tinha Grupos de Oração Universitários. Foi muito interessante que, voltando do Enucc de Goiânia, alguns alunos me procuraram e perguntaram se podiam montar um GOU na faculdade de teologia. Aí eu me vi do outro lado. Porque é muito estranho ser responsável por uma estrutura e promover a renovação da universidade. A universidade não precisa ser renovada, ela não vai para o céu, quem vai para o céu são os universitários. Agora, assim como tem o diretório acadêmico, os centros acadêmicos, existe também a possibilidade das pessoas se unirem na universidade para partilhar coisas da vida e uma delas é a sua religião. Hoje a universidade vai se descobrindo como um espaço de liberdade associativa, isso é muito importante. O ambiente acadêmico é um espaço de liberdade associativa, seja ele público, privado, confessional (instituições mantidas por igrejas como a Católica, Presbiteriana, Metodista, por exemplo) ou não. Essas idéias precisam estar muito claras no Projeto dos universitários em renovação, porque senão nós viramos a instituição e conseguimos até montar uma estrutura dentro de uma universidade, desde que, por exemplo, alguns universitários que passaram pelo Projeto comecem a ser professores, daqui há pouco já é diretor e aí ele transforma a universidade em um PUR, em um GOU. Isso é perigoso e perde-se o sentido alternativo de fermento. É a mesma coisa de você pegar o fermento e substituir: colocar o fermento no lugar do trigo. ‘Eu vou fazer um pão só de fermento’. Imagina que coisa horrível, um pão só de fermento. Uma universidade renovada seria um pão só de fermento. O que é o universitário em renovação? É o fermento da massa. Entre a grande massa dos estudantes, das estruturas universitárias, do conhecimento acadêmico, até da extensão universitária, da pesquisa. Essa massa da sua pesquisa, esse volume de conhecimento tem o fermento da sua fé. Você está fermentando o seu conhecimento com a sua fé. Isso é o que o Papa João Paulo II sugere na Fides et Ratio, que eu acho que é a carta do PUR, que ainda não foi totalmente assimilada”, alerta o sacerdote que tem participação significativa na história da Renovação Carismática, de maneira particular no Ministério das Universidades Renovadas.

Diferenças à parte

DA e Grupo de Oração Universitário. Relação complicada. Nem tanto. No início da Renovação Carismática, a partir de 1967, houve um choque entre a espiritualidade acentuada da RCC e a luta social, preferência pelos pobres que a Igreja assumiu com as Comunidades Eclesiais de Base. Em certas paróquias água e óleo não se misturaram. Onde tinha um, de jeito nenhum o outro entrava e vice-e-versa. Não havia acordo. Cada um deles, no entanto, tem sua importância não somente social, mas também espiritual. Fé e razão não podem e nem devem ser separadas, esse é um dos apelos do Papa aos fiéis da Igreja.

As Comunidades Eclesiais de Base tão criticadas pela RCC têm um papel fundamental na redemocratização do país. Ajudaram a combater e acabar com a ditadura nas décadas de 70 e 80. Ao mesmo tempo, a RCC trouxe de volta para o Corpo Místico da Igreja muitos que haviam migrado para outras religiões ou se diziam católicos e, na verdade, iam à missa pelo menos em três ocasiões: no dia do casamento, batizado (pelo menos dos filhos) e missas de corpo presente.

Na universidade, a convivência de Diretórios Acadêmicos e Grupos de Oração também dá o que falar. As diferenças, às vezes, são tão fortes que viram até notícia. Foi o que aconteceu em Presidente Prudente, em 1999, no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Enquanto membros do Grupo de Oração participavam de uma missa organizada por eles próprios dentro da universidade, pessoas que integravam o diretório acadêmico decidiram, por maioria de votos, invadir o local. Para os que presenciaram, foi cena de cinema. Puxaram as tomadas, fios e cabos dos aparelhos amplificadores de som, tomaram o microfone do padre. “Enquanto alguns alunos arrastavam cadeiras pelo palco, outros desligaram o sistema de som, e passaram a discutir dizendo que lugar de missa era na igreja, e que ali era local para discutirem assuntos da faculdade.” (ALUNOS interrompem missa e caso vai parar na polícia, Oeste Notícias, 08 out.1999). “‘Não somos hereges. Agimos muito por impulso. Mas se os impulsos não acontecerem, não podemos discutir os problemas de fato’, disse Clóves Alexandre de Castro, aluno do 2° ano de Geografia da Unesp de Presidente Prudente, referindo-se ao incidente ocorrido na quarta-feira. Estudantes do Diretório Acadêmico 3 de Maio interromperam uma missa realizada pelo GOU na Unesp.” (RIXA entre DA e GOU já é antiga, Oeste Notícias, 09 out.1999).

Discussões à parte, diferenças respeitadas. Assim nascem projetos de alto nível acadêmico e social de parcerias entre DAs e Grupos de Oração Universitários. Muitos dos projetos sociais que o PUR promove contam com a ajuda de integrantes de Diretórios Acadêmicos. Parcerias de respeito como as do Rio de Janeiro no “Ação Solidária”. A alienação, tão criticada pelos pesquisadores das relações sociais estabelecidas na RCC, dá lugar a uma aguda preocupação social que os integrantes dos GOUs desenvolvem. Em alguns lugares, a interação GOU-DA é tão grande que os membros do DA são também os dos GOUs. Como no Rio de Janeiro, no Diretório Acadêmico de Química da Universidade Federal Fluminense, o coordenador do GOU, geralmente, assume a frente do DA. “Na UFF (Universidade Federal Fluminense), por exemplo, em Niterói, a gente passou a coordenar o DA de química. A coordenadora do DAQ (Diretório Acadêmico de Química), passa a ser, automaticamente, coordenadora do GOU, uma vez que a maioria do pessoal que freqüenta o GOU é do curso de química. Sai o coordenador de GOU e deixa o DA e ninguém se opõe, é uma coisa muito maravilhosa. Na PUC, na época que eu estudava lá, a gente trabalhava muito com o pessoal do DA. Era engraçado, aqueles cabeludões, barbudos, ‘Ou, vai ao GOU’, ‘Pô, eu tô precisando, ae!’. Eu não duvido nada chegar em uma paróquia e encontrar muitos deles, hoje formados, participando de grupos de oração, até coordenando um deles”, conta com encantamento o administrador Bráulio Castilho Pinto, atual coordenador do Ministério das Universidades Renovadas do estado do Rio de Janeiro.

Ação Solidária

“Novas situações, tanto eclesiais como sociais, econômicas, políticas e culturais, reclamam hoje, com uma força toda particular, a ação dos fiéis leigos”. O apelo é da própria Igreja aos fiéis leigos, na exortação Christifideles Laici. Não há como fugir da realidade na qual estão inseridos. Alienar-se, esconder-se dos compromissos “humanos”, em prol da espiritualidade, deve mesmo ser criticado e conde­nado por aqueles que se preocupam com as causas estudantis e sociais, como os diretórios e centros acadêmicos. E isso é defendido com unhas e dentes pelos que estão à frente do PUR, seja em nível regional ou nacional.

Se a função dos DAs e CAs é representar e defender os direitos dos estudantes, a realidade do PUR não pode caminhar separada, uma vez que ambos reúnem universitários com os mesmos deveres e direitos dentro dos ambientes acadêmicos nos quais se encontram. Se a luta do DA para baixar a mensalidade também favorece os membros do GOU, por que não unir forças? Se o GOU preocupa-se com determinada comunidade carente que vive próxima à universidade, por que o DA, composto por membros de outras religiões, ou por ateus, não pode se predispor a ajudar um semelhante? O Ministério das Universidades Renovadas questiona-se e tem buscado respostas ao estabelecer alianças com as realidades diferentes, mas comuns, no meio universitário. Cientes das particularidades, sem desprezar as diferenças, em diversas faculdades os DAs e os GOUs deixam de lado as rixas (ainda que veladas) para promover benefícios acadêmicos e sociais. É o caso do Trote Solidário em Belo Horizonte, e das campanhas do agasalho e de doação de sangue em universidades de todo o país. Além disso, são promovidas palestras cujo objetivo é a formação dos estudantes e da comunidade acadêmica como um todo. Se, em alguns casos, a espiritualidade da Renovação Carismática ou a abertura ao sobrenatural podem causar uma espécie de alienação, um olhar apenas para o alto, em uma busca desesperada pelas coisas espirituais, faz com que as coisas da terra sejam esquecidas, em muitos outros, a vivência acentuada de uma experiência transcendental abre o espírito e o coração humano às necessidades dos outros. O coração do homem tocado por moções espirituais torna-se mais sensível às necessidades do “próximo”. Passa-se a enxergar no outro a presença do próprio Cristo. “Vinde, benditos de meu Pai! (...) Pois eu estava com fome, e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me. (...) Em verdade, vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, foi a mim que o fizeste” (Mateus 25, 34-36.40).

Alguns projetos desenvolvidos pelo Ministério das Universidades Renovadas em parceria com outras instituições universitárias tornaram-se exemplos devido à amplitude que puderam alcançar, e ao número de pessoas dos mais diferentes setores da universidade que envolveram. Um desses projetos, que incluiu não somente uma universidade e não apenas um único diretório acadêmico, realizado em Seropédica, cidade próxima ao Rio de Janeiro, recebeu o nome de Ação Solidária. O projeto saiu dos planos de uma única universidade e envolveu outras instituições cariocas. No caso da Ação Solidária, o trabalho social nasceu do serviço de evangelização que os jovens do PUR prestavam na pequena cidade. “A gente sempre faz retiro em Seropédica, uma cidade muito carente, uma população rural que passa fome, desnutrição. Pessoas que sobrevivem com 20 ou 30 reais por mês”, conta o coordenador estadual do Rio de Janeiro, Bráulio Castilho Pinto.

Conviver com tal realidade e continuar “pregando” uma salvação unicamente espiritual seria algo próximo à crueldade. Os apelos das necessidades físicas daquele povo, que são os apelos de maior parte da população brasileira, tiraram os universitários do Rio da acomodação. Segundo Bráulio, ele sentiu a necessidade de fazer alguma coisa. “Não teve nenhuma grande criação, nada. Foi a coisa mais óbvia, o que a gente precisa para ajudar essas pessoas? Primeiro: comida. Segundo: instrução; e terceiro: dar o mínimo de condições para as pessoas viverem”.

Era preocupação do PUR do Rio de Janeiro, e também do movimento em âmbito nacional, buscar e firmar alianças que rendessem bons resultados sociais e humanos, como conta Bráulio. Assim sendo, a idéia dos universitários do Rio foi procurar parceria com os Diretórios e Centros acadêmicos, pois isso tornaria o projeto amplo e mais passível de sucesso no que se propunha. “Juntar as duas realidades para um trabalho religioso é muito difícil, mas para um trabalho social, por que não?”. Com esse propósito, os GOUs de cada faculdade envolvida com o PUR, no Rio de Janeiro e em Seropédica, foram orientados a procurarem os DAs e CAs, apresentarem a idéia do projeto social e proporem parcerias. “Eu, na verdade, queria muito fazer esse trabalho dentro de uma favela do Rio de Janeiro, mas, devido a problemas de segurança, resolvi ser prudente. Seropédica é uma favela rural, não tem tiroteio, não tem tráfico, não tem essas coisas”.

Com o apoio da Igreja e das universidades, os estudantes partem para a cidade vizinha da capital carioca. Desde o início da Ação Solidária, os universitários e pessoas que fazem parte do projeto social promovem, de dois em dois meses, reuniões com os moradores da cidade de Seropédica. São reunidas as pessoas das regiões mais necessitadas da cidade em uma paróquia que apóia o trabalho. A própria paróquia, por estar mais inserida na realidade da população local, seleciona os mais carentes, marca o dia do encontro e todos são convidados a participar durante o dia todo. Na paróquia, as pessoas recebem, dos membros da Ação Solidária, instruções de higiene pessoal, sobre como escovar os dentes, por exemplo. “A necessidade de instrução é tão grande que, para se ter uma idéia, uma vez nós demos sabonetes para eles. Eles não sabiam para que servia, estavam raspando e comendo. Então, deve-se de ensinar as coisas mais básicas”. Além da instrução, para as dez pessoas mais necessitadas são distribuídas cestas básicas programadas para durarem dois meses, até que seja realizado o encontro seguinte da Ação Solidária.

Instrução, higiene pessoal, alimentação, mas os universitários não param por aí, são oferecidas à população da cidade consultas jurídicas e médicas. “A gente não tem muito material humano para fazer isso perfeitamente, infelizmente o trabalho fica sobrecarregado, não dá tempo de fazer tudo, porque tem gente que está se formando, outros que fazem estágio”. Para sistematizar o serviço e cumprir bem o que se disponibilizaram a fazer, em 2003, foi criada uma equipe, a equipe da Ação Solidária, independente do PUR. Ou seja, a Ação Solidária alcançou proporções “universais”. Os universitários do Ministério das Universidades Renovadas continuaram atuantes na Ação, mas ela tornou-se um serviço à parte, uma obra de dimensões que ultrapassam as questões de religião e espiritualidade, que ganha proporções humanas. A equipe da Ação Solidária passa, então, a ser formada por um coordenador; por assistentes sociais, que cuidam dos cadastros e seleção das pessoas; professores que ministram aulas de reforço escolar e aulas de computação; e outros profissionais e graduandos que se interessem em fazer parte do projeto social. “Contamos com a parceria da RCC do Rio também. Tiveram bispos, inclusive que não gostam da RCC, que pediram para a gente levar a Ação Social para as dioceses deles. ‘Traz o Projeto aqui pra minha diocese’. ‘Pô, mas você não gosta da renovação’, ‘Mas eu não quero o GOU, não, eu quero a Ação Solidária’. Se não colocarmos em prática o que a gente prega, a nossa pregação é vazia. O maior fruto do Projeto, no Rio, sem sombra de dúvida, é a Ação Solidária, é a pessoa que se converteu ao Evangelho e tem a oportunidade de servir. Porque tem muitas pessoas que se convertem ao Evangelho e não têm o que fazer. Pois é, Deus é mais, me ama, tudo lindo, maravilhoso e aí?”, provoca o coordenador estadual do Rio de Janeiro.

Nem só de pão

Não é só em matar a fome que os universitários estão preocupados, apesar de vivermos em um país onde mais de 50 milhões de pessoas passam fome. Outra iniciativa que deu muito certo e não se restringiu ao trabalho do PUR foi o Projeto Criança, da Univ. de Caxias do Sul. Como muitos dos planos dos universitários dos GOUs, o Projeto Criança surgiu em uma reunião informal dos membros de um grupo de oração da universidade do sul do país, na qual discutia-se a situação social do Brasil. Tais discussões não são exceções entre universitários, sejam eles do Ministério das Universidades Renovadas ou não. A preocupação social não deixa de ser pauta de assuntos universitários, o que, às vezes, é raro, é que essa temática acompanhe o profissional depois de anos do curso de graduação. Nada de extraordinário, a idéia original era proporcionar “pequenas soluções para amenizar a dor de crianças carentes da cidade”. Uma dessas soluções foi uma campanha de Natal realizada no fim do ano de 1999. Os universitários arrecadaram brinquedos para distribuir entre as crianças cujos pais não teriam condições financeiras de comprar o tão esperado presente do Papai Noel.

Para melhor realizar as campanhas de auxílio às crianças, o grupo de oração da Universidade de Caxias do Sul buscou unir forças com estudantes dos cursos de Relações Públicas e Direito. Com o desenvolvimento do Projeto Criança, o diretório central dos estudantes criou uma secretaria a fim de dar maior apoio ao projeto social. Para os participantes do PUR, as obras sociais que dão certo e saem da cercania do grupo de oração são motivos de alegria por duas razões: primeiro porque são a forma que têm de construir uma sociedade melhor, e depois porque desconstróem a imagem de que os estudantes católicos só pensam em rezar, o que ajuda a divulgar o PUR como uma maneira de se chegar à igualdade e à justiça. “Conseguimos uma divulgação maior do PUR no campus, o que tem incentivado a adesão de novas pessoas aos GOUs. Também já realizamos uma campanha do agasalho e percebemos que os universitários, de maneira geral, estão mais sensíveis para o problema das crianças carentes. Além disso, para quem participa ativamente do Projeto, o retorno maior é saber que estamos realizando um plano de Deus”, conta Álvaro de Queiroz Casara - estudante de Relações Públicas da Universidade de Caxias do Sul e um dos coordenadores do Projeto Criança, em 1999 - para o Jornal de Partilha, edição No. 12.

Do bom resultado do Projeto Criança surgiu o Projeto Adoção. Os mesmos estudantes da Universidade de Caxias do Sul, dessa vez, além das parcerias já firmadas na própria universidade, uniram-se à Prefeitura de Caxias do Sul. Assim sendo, Universidade, PUR, Diretório Central dos Estudantes e Prefeitura fizeram uma campanha junto à juíza da vara da infância, à Fundação de Assistência Social e à Casa de Triagem. A idéia da parceria foi procurar casais ou pessoas interessadas em conhecer o processo de adoção e, a partir dessa visão mais próxima, em partir para a aceitação legal de uma dessas crianças.

O PUR, no programa que, como o de Seropédica, tornou-se “universal”, cadastrou todas as pessoas que mostraram algum tipo de curiosidade sobre o assunto adoção e, no fim do ano de 1999, convidou os cadastrados a participarem de um curso que abordou o processo de adoção. O projeto, no entanto, não ficou só no interesse das pessoas. Foi feito um cadastramento de possíveis padrinhos para as crianças da Casa de Triagem, ou seja, foram registradas as pessoas que pudessem custear as despesas para que algumas das crianças pudessem fazer um curso ou praticar esportes.

O caso da Ação Solidária e dos Projetos Criança e Adoção são apenas dois exemplos do que o PUR tem realizado no país, quando decide unir forças não somente com órgãos diretamente ligados à universidade. Apesar de iniciativas que deram tantos frutos, o Ministério das Universidades Renovadas dá apenas pequenos passos nesse sentido. Em muitos casos, o movimento ainda não busca parcerias com os órgãos como diretórios acadêmicos ou reitorias. Tal falha pode ocorrer por acomodação do próprio movimento ou por falta de espaço e abertura nas universidades. Se no período que antecedeu à fundação do PUR, a Federal de Viçosa dava total apoio logístico aos “jovens pregadores do Evangelho” que se faziam presentes de forma significativa, não só na cidade de Viçosa mas em todo o interior mineiro, atualmente a situação é um tanto diferente. “A gente pegou, nesse período de 87, o governo do Sarney. Vivíamos sob uma inflação galopante, mas a estrutura do governo federal ainda era muito rica. A universidade bancava tudo, nos dava ônibus para viajarmos sem gastar nada, íamos evangelizar em outras cidades e ganhávamos transporte e tudo mais. Preparávamos encontros, em termos de estrutura, alojamento e a comida, a universidade bancava tudo, do arroz ao feijão, carne, mão-de-obra, tudo. Obviamente, pedíamos em parcelas suaves, mas no final a gente conseguia tudo. Nós já fizemos Seara sem o participante gastar nada: tinha alojamento e comida de graça. Hoje um Seara com sete mil pessoas custa uns 200 mil reais. Nesse meio tempo, o Fernando, que sempre foi uma pessoa de visão, chegou a comentar comigo sobre o sonho e hoje o sonho tem corpo, é encorpado. Eu, que convivi no início, não tinha noção. Eu conheci o sonho e tudo, mas jamais tinha condições de imaginar que iria virar isso, e acredito que o Fernando também não. O que eu era capaz de fazer era incentivar a Ivna, que estava chegando com aquele grupo que estava na primeira reunião. Eu coordenava o Seara. Eu estava em uma estrutura de Viçosa e o Projeto era um afunilamento da graça de Deus dentro da estrutura de Viçosa. Coordenando o Seara de 1994, sai daquela confusão toda do encontro e fui até o seminário falar sobre como Deus agia na Universidade de Viçosa”, conta Janice Cardoso Pereira, que teve participação ativa no contexto anterior ao do início do PUR na Federal de Viçosa.

Só o início

“Como os resultados não se podem medir a curto prazo, poderia ficar-nos a impressão de fracasso e ineficiência. Contudo, isso não deve diminuir a esperança e o empenho dos cristãos que trabalham no campo universitário, pois apesar das dificuldades, eles estão colaborando na missão evangelizadora da Igreja”, (Documento da Conferência de Puebla, capítulo III, Meios para Comunhão e Participação).

As distâncias foram encurtadas, vive-se em um mundo enorme que, ao mesmo tempo, tornou-se pequeno. Pode-se falar e estar, em curtos espaços de tempo, - ou até imediatamente por meio da internet – do outro lado do mundo. Até a lua ficou mais perto. O ser humano vive a era da globalização, da não-distância e do imediatismo. Buscam-se resultados instantâneos. E essa busca pode dificultar o trabalho dos universitários e dos que integram o PUR. Como está previsto no documento da Igreja Latino-Americana, o documento da conferência de Puebla, os resultados das sementes plantadas na universidade demoram a aparecer. Quantos, nesses dez anos de PUR, deixaram a universidade. Quantos formaram-se depois de viverem a experiência do serviço nos grupos de oração universitários e saíram com a sensação de que em nada contribuíram para a construção da “Civilização do Amor” , pedida pelo Papa. Os trabalhos de cunho social, os encontros de espiritualidade e as iniciativas de conteúdo acadêmico no Ministério das Universidades Renovadas são apenas as primeiras iniciativas. Se existem no movimento pioneiros que viveram a experiência comunitária na Universidade Federal de Viçosa, são também pioneiros todos os que já passaram pelos GOUs das diversas instituições de ensino superior do Brasil e de alguns países da América Latina, nos primeiros dez anos do movimento. Pioneiros no “sonho de amor para o mundo”, como os luquinhas denominam a missão do PUR.

O sonho de amor é a renovação não somente espiritual, mas principalmente social não só do Brasil, mas do mundo. Para Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, para que se realize o processo de libertação de opressor e oprimido e, dessa maneira, uma renovação da sociedade, é preciso haver comunhão com aqueles que precisam libertar-se. “Crer no povo é a condição prévia, indispensável à mudança revolucionária. Um revolucionário se reconhece mais por essa crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela. (...) Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo é indispensável que se revejam constantemente. (...) Dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco” (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, página 48).

Para alcançar tão alto anseio, os universitários têm ainda um bom caminho a percorrer. O passo em que reconhecem falhas na sociedade e a urgência de transformação já é vontade de mudança. Passaram-se dez anos, desde a primeira vez em que 50 estudantes partilharam o desejo de Universidades Renovadas para a construção de uma sociedade mais justa. Existem muitas páginas a serem escritas sobre o sonho da Civilização do Amor. Os universitários de coração e alma povoados de sonhos ainda as estão escrevendo.

“Usa a fé com mais razão,
busca mais sabedoria
para chegar ao povo. Sê um aprendiz
do que o povo fala e do que a Igreja diz”  (Padre Zezinho)

 

Bibliografia

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CELAM - IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Santo Domingo. Petrópolis, Vozes, 4a edição, 1993

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 32a edição, 2002.

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JOÃO PAULO II, Papa. Documentos do Conselho Pontifício para a Cultura – A presença da Igreja na Universidade. São Paulo: Paulinas, 1994.

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LEITE, Ariane Vieira. As concepções de transformação social que embasam dois importantes movimentos de juventude universitária católica: Projeto Universidades Renovadas (PUR) e Pastoral Universitária (PU) – uma abordagem circunscrita aos anos 90. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, programa de bolsas de iniciação científica – PROBIC: 2000.

MANSFIELD, Patti Gallagher. Como um novo Pentecostes: relato histórico e testemunhal do dramático início da Renovação Carismática Católica. Rio de Janeiro: Louva a Deus, 1a edição, 1993.

PRANDI, Reginaldo. Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: Edusp: Fapesp, 1997.

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Sitiografia

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