Home | Novidades | Revistas | Nossos Livros | Links Amigos A Poesia de Rusticus Helpidus
– Nota Introdutória
Jean Lauand
Prof. Titular FEUSP
jeanlaua@usp.br
1. Introdução
A pedagogia medieval via na memória o tesouro por excelência, e por isso desenvolveu formas de ensino dirigidas a protegê-la. A poesia, pelo ritmo e pela rima, foi um poderoso aliado do ensino de então. Proliferavam os poemas didáticos, os ABCs, os acrósticos, sobretudo em tema religioso, unindo a memória ao modo de pensamento alegórico.
Nesse contexto, surgiu a representativa poesia: os Carmina de Rusticus Helpidus (PL 62, 543-546), cujas representações alegóricas se enlaçavam - por identificação de estrutura formal - com diversas cenas do Antigo e do Novo Testamentos, tornando-se um verdadeiro Vademecum de toda a História Sagrada.
De Rusticus Helpidus, a Notitia de Migne nos informa que foi um romano de estirpe nobre do começo do séc. VI, contemporâneo de Boécio e médico de Teodorico, rei dos ostrogodos. Sua poesia não é totalmente original: são muito conhecidos os versos compostos um século antes por Prudêncio com essa mesma estrutura.
Carmina
Rusticus Helpidus
(trad.: Jean Lauand)
Eva seduzida pelo anjo mau(Gn 3) O Anjo que anunciou a Maria (Lc 1)
Para Eva colher o fruto proibido O anjo bom, em sonho a José,
O Invejoso arma sua enganação Aconselha manter a união:
E ela arrasta seu pobre marido "O dote que ela traz em si é
Para o mesmo caminho de perdição. Do Espírito Santo: a salvação".
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Adão e Eva expulsos do paraíso (Gn 3) O bom ladrão levado ao paraíso (Lc 23)
Desde então, de peles cingidos, Mereceu o bom ladrão
Trazem em si do pecado os sinais. Entrar no jardim sagrado,
Do reino dos justos, ora banidos, De toda uma vida, o perdão,
Grande castigo para os mortais. Por ter ele acreditado.
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A arca de Noé, por mandato do Senhor, Pedro recebe visão do céu (At 10)
salva todos os animais (Gn 6)
Do dilúvio, violento castigo, Em bandeja, como refeição,
Deus, tão bom, dá salvação. Répteis e aves, todos os animais:
A arca de Noé é abrigo "Come, Pedro!, diz a visão,
Aos animais da criação. Impuros não os julgues mais".
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É destruída a torre de Babel (Gn 11) Pedro e os apóstolos são ouvidos em
diversas línguas (At 2)
Levantou uma torre, a vã pretensão É o vento do Espírito que abala
De seu estulto desígnio realizar. E torna possível um prodígio tal
Não mais uma só língua, mas confusão Diversos idiomas numa mesma fala
O castigo de Deus não se fez esperar. Cada um ouve em sua língua natal.
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José vendido pelos irmãos (Gn 37) Cristo vendido por Judas (Mt 26; At 1)
O inocente, por inveja voraz, Judas o sangue do justo vende
Vendem em cruel conspiração. Por terrível cobiça movido.
Ao final, o plano de Deus faz Na forca, seu corpo se fende
Que se prostrem diante do irmão. E recebe o preço merecido.
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Abraão leva seu filho ao sacrifício (Gn 22) Cristo é conduzido à crucifixão (Lc 24)
Abraão, exemplo de fé e de entrega, Deixa-se elevar no santo madeiro
Prepara a lenha para sacrificar Por amor carregando nossos pecados
Seu próprio filho; a Deus não nega A obediência do divino cordeiro:
O herdeiro das promessas imolar. Na morte de um, todos são resgatados.
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As codornizes e o maná alimentam Com 7 pães Cristo alimenta
os judeus (Ex 16; Sab 16,20) 4.000 homens (Mt 15,29; Mc 8,1)
Aos famintos, carne foi enviada Alimentou quatro mil, uma multidão,
Com fartura, por Deus, sem merecimento Com 7 pães, dizem os santos textos,.
Com o pão vindo do céu foi dada E poucos peixes, uma multiplicação
A doçura de todo alimento. Tal que ainda sobraram 12 cestos[1]
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Moisés sobe ao monte (Ex 24,12) Cristo ensina no monte (Mt 5)
Subiu ao monte, Moisés obediente, O Verbo no monte assentado,
Na intimidade do Sumo Criador e Rei Sendo a própria Sabedoria, diz:
Que tudo governa, Único, Onipotente, "A justiça, é o povo ensinado,
E recebe as tábuas de Sua Lei. Só com o amor faz feliz."