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A Escola, a Criatividade e a Inovação na Sociedade Pós-Industrial

(notas de conferência que o autor – conhecido escritor de livros didáticos – tem proferido para professores de todo o Brasil, junho-2003)

 

Elian Alabi Lucci

 

Já é hora de as empresas perceberem que vivemos numa nova sociedade e num novo sistema de produção que o anterior da sociedade industrial (o fordismo está sendo substituído pelo toyotismo). Nesta nova era, nova ordem ou nova civilização, os produtos mais consumidos (fruto do envelhecimento da população e da exclusão do trabalho) já não dependem mais do esforço físico, mas, sobretudo, do mental.

Vivemos hoje na era da informação, do entretenimento (o que levou o grande pensador Guy Debord a falar em Sociedade do Espetáculo), do design e da estética (vide o sucesso do botox e outros que tais que já contagiam até os homens). Tudo isto para ser produzido exige o quê? Idéias, intuição, visão... e, portanto, criatividade.

Nesse quadro, como poderíamos definir criatividade?

Comecemos por um exemplo prático. Se você, para sobreviver, precisa recolher latas diariamente e amassá-las para vendê-las à empresas de reciclagem de lixo e de outros produtos descartáveis, o que você faria? Provavelmente, pensaria em alugar uma prensa ou em pisar em cima das latas até se cansar.

Veja a solução bastante criativa de um modesto rapaz diante deste desafio. Observando na Avenida 9 de julho, uma via altamente movimentada de São Paulo, que os ônibus se sucediam em curtíssimos intervalos de tempo, ele pensou em colocar um punhado de latas num desnível entre a calçada e o meio fio, de tal modo que os ônibus fizessem gratuitamente esse serviço para ele. Assim ele pensou, assim ele fez. Todas as tardes, por volta das 18 horas, ali está o jovem colocando as latas para os ônibus amassarem. A cada ônibus que passa ele ajusta um pouco melhor um lote de latas até ficarem em forma plana e, em seguida, lá vai ele colocar novas latas até que também elas fiquem bem amassadas e prontas para serem vendidas.

O que este exemplo, tão prático, nos mostra é que a criatividade está ao alcance de todos. Ele mostra também que todo mundo pode ser criativo. Todos nós nascemos criativos, só que a capacidade de criar fica latente, inibida em nós até que algo ou alguém exija que a exercitemos, que a ponhamos em prática.

Este dramático momento - em que estamos vivenciando uma mudança de paradigmas em direção a uma nova ordem geo-política-econômica e social - exige de nós uma maior motivação no sentido de ativar a criatividade para  mantermos o emprego ou obter um posto nesta sociedade da exclusão em que vivemos.

Quem percebeu isto, ainda recentemente, foi o famoso sociólogo do trabalho, o italiano Domenico de Masi. Ele - em seu famoso livro A Sociedade Pós-Industrial e o Ócio Criativo - associou essas exigências da nova época ao maior tempo livre de que dispomos por conta da exclusão promovida pela globalização, alimentada pela revolução tecnológica, na qual estamos agora até ameaçados da exclusão do pensar...

De Masi percebe o maior número de horas livres que passaremos a ter e lembra que, em outros tempos, em que isto também se deu, este tempo livre foi bem aproveitado para o crescimento intelectual e organizacional do homem. Foi assim, por exemplo, que surgiu a escola. E é exatamente por meio da escola que devemos conscientizar nossos jovens e futuros profissionais para que saibam desfrutar do tempo livre para o pensar e o criar.

A criatividade é que nos leva hoje a buscarmos algo que todas as empresas na sociedade Pós-industrial precisam obter e que recebe a denominação de inovação. É de Gary Hamel, um dos maiores nomes da administração moderna, a sentença: “Você não consegue criar mais lucro sem criar novas receitas. Se quiser gerar riqueza, a empresa tem de inovar”. E Eduardo Ferraz nos diz: “A velha prática de copiar processos e importar tecnologia tende a não dar certo com o aprofundamento da globalização. Somente com produtos e serviços diferenciados é que nossas empresas conseguirão ganhar os mercados lá fora”.

O Brasil ainda infelizmente padece de um enorme atraso neste setor. Em relação a inovação tecnológica estamos engatinhando. Daí a necessidade premente de incentivar a criatividade na escola, na empresa e na própria administração pública.  Para isto, ela se faz necessária desde a idade mais precoce. Só para se ter uma idéia, em 2001, as empresas brasileiras obtiveram a concessão de 125 patentes no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA. Nesse mesmo período, a Coréia do Sul obteve 3763 registros e Taiwan 6545.

A inovação baseada nas idéias e na criatividade não se limita apenas a produtos. É possível também inovar em diversos campos: desde os processos de fabricação até a relação com os mercados.

Perguntados sobre como é possível incentivar o potencial criativo das empresas aos líderes mais criativos e inovadores da atualidade responderam: “faça da criatividade uma norma” (Craig Wynnett); “não tenha medo do futuro” (Michael Dell): “combine paciência com paixão”. (John Talley). Nesta última fórmula está a origem da verdadeira motivação para buscar a criatividade e chegar a inovação; quando se tem paixão tem-se motivação, persistência e determinação...

Mas a criatividade, que é muito importante e necessária hoje para a resolução de problemas, é também de fundamental importância para organizações e até para nações. Um exemplo disto é o que retratou não há muito tempo o jornal O Estado de São Paulo, no caderno “The Wall Street Journal of America” (20-12-02), ao abordar que a Argentina começa a sair da crise que a abala nos últimos tempos, graças a uma visão criativa de educadores e pais em uma de suas províncias.

BUENOS AIRES – (...) A crise desenterrou duas qualidades dos argentinos que haviam passado despercebidas durante épocas melhores: a solidariedade e a criatividade, diz Jorge Selser, cirurgião do Hospital Argerich. Quando ele não está ajudando a administrar um refeitório público que alimenta 60 pessoas, Selser desenha equipamentos médicos que podem substituir importados que hoje estão muito caros. Ele criou um parafuso para ossos de US$1000 que funciona tão bem quanto o importado de US$4000.

A criatividade exige, porém, um bom número de qualidades por parte das empresas e dos profissionais; das escolas e dos estudantes. Dentre essas qualidades estão o inconformismo, o bom humor e também uma boa dose de entusiasmo e motivação.

Celso Campos, professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas, acaba de publicar um livro primoroso, A Organização Inconformista (Editora Fundação Getúlio Vargas), no qual ele procura mostrar para as empresas de nosso país qual o caminho para vencer na economia  globalizada. O segredo, segundo Campos, está em um modelo de organização inspirado no inconformismo e em funcionários necessariamente inconformistas e criativos.

Para falarmos da persistência que leva a criatividade e ao sucesso nos tempos pós-modernos, nada melhor do que a história do fundador de um dos maiores impérios da indústria automobilística mundial, Soichiro Honda.

Honda investiu tudo o que possuía em uma pequena oficina. Trabalhou dia e noite, inclusive dormindo na própria oficina. Para poder continuar nos negócios, empenhou as próprias jóias da esposa. Quando apresentou o resultado final de seu trabalho a uma grande empresa, disseram-lhe que seu produto não atendia ao padrão de qualidade exigido. O homem desistiu? Não!

Voltou à escola por mais dois anos, sendo vítima da pilhéria dos colegas e de alguns professores que o tachavam de “visionário”. O homem desanimou? Não! Após dois anos, a empresa que o recusou finalmente fechou o contrato com ele. Durante a guerra, sua fábrica foi bombardeada duas vezes, sendo que grande parte dela foi destruída. Motivo para desespero? Não! Ele reconstruiu a fábrica, que voltou a ser destruída, desta vez por um terremoto. Mas, ele não desfalece e continua perseverando em seu trabalho! As dificuldades continuam. Imediatamente após a guerra segue-se uma grande escassez de gasolina em todo o país e Soichiro Honda não pode sequer sair de automóvel ou comprar comida para a família. Criativo, ele adapta um pequeno motor à sua bicicleta e sai às ruas. Os vizinhos ficam maravilhados. Decide então montar uma fábrica para essa novíssima invenção. Como não tem capital, resolve pedir ajuda para mais de quinze mil lojas espalhadas pelo país. Como a idéia é boa, consegue apoio de mais ou menos 5 mil lojas, que lhe adiantam o capital necessário para a indústria.

Hoje a Honda Corporation é um dos maiores impérios da indústria automobilística mundial. Tudo porque seu fundador, não se deixou abater pelos terríveis obstáculos que encontrou.

Voltando a Domenico de Masi, o ócio criativo é a única forma de produzir idéias geniais e fazer com que essas idéias fluam através de atividades que consigam unir aprendizagem, reaprendizagem, trabalho e alegria. Note-se que para De Masi, não pode haver criatividade em ambientes exclusivamente masculinos. Tal é sua convicção que ele, ainda recentemente, recusou-se (deixando de ganhar polpudos honorários) a dar uma conferência na General Motors, nos EUA, ao saber que não haveria uma única mulher no auditório.

Finalmente para que a criatividade possa se manifestar com mais eficácia, vale a observação de um dos seus mais importantes pesquisadores na atualidade, Richard Florida, que nos diz, que tanto cidades como organizações precisam oferecer condições para que a criatividade aflore com intensidade. Essas condições segundo Florida são: um clima ou ambiente de maior liberdade onde exista uma maior compreensão e respeito para com as diferenças sociais e culturais das pessoas ou trabalhadores criativos. Em outras palavras: os famosos três “T” que Florida propõe para o êxito da classe criativa: Tolerância, Tecnologia e Talento.

Para Flórida, a classe criativa, que cresce de modo veemente, é constituída por todos os tipos de profissionais que são pagos para pensar e criar. Segundo ele e outras fontes bem atuais, só nos EUA, encontramos hoje 40 milhões de pessoas fazendo parte da classe criativa.

Para concluir, oferecemos algumas indicações de criatividade

Indicações para uma atividade criativa

1. Procure viver a vida. Como diz Vinicius “A vida foi feita para viver”. Os criativos sabem harmonizar vida e trabalho.

2. Procure ler bastante. Como todos somos “biografáveis”, é útil o confronto com “outras” biografias.

3. Cultive uma vida espiritual. Se o próprio Deus é lúdico (Prov. 8, 30), a meditação deve nos levar também a desenvolver valores lúdicos.

4. Ouça música, uma grande fonte inspiradora de criatividade. O compositor é um grande observador que nos ensina a interagir com o mundo e não apenas “ver o mundo passar”.

5. Procure ouvir mais do que falar. Compartilhar as experiências dos outros é uma grande fonte de criatividade. Se, utilizando uma ferramenta como alavanca, aumentamos poderosamente nossa capacidade de erguer pesos, ouvindo alavancamos a criatividade.

Como você se sente quando você

NÃO É OUVIDO

É OUVIDO

Desmotivado

Fortemente motivado

Inútil e Tolo

Valorizado

Aborrecido

Motivado

Diminuído e sem importância

Estimulado

Insignificante

Especial

6. Procure assistir a desenhos animados. Para muitos estudiosos da criatividade, o seu guru é o (infatigável) coiote do desenho do Bip-Bip.

7. Procure conhecer as conquistas do pensamento filosófico. Além da valiosa reflexão sobre o homem, elas podem trazer – por paradoxal que possa parecer – até inspirações de ordem prática.