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Nota sobre a Construção Naval no Brasil nos Séculos XVII e XVIII

 

Sivar Hoepner Ferreira
(Academia Paulistana de História)

 


    A indústria de construção naval no Brasil, que atualmente parece não andar tão bem, já teve suas épocas de grande glória. E não é de estranhar, pois o país foi povoado por uma nação com grandes tradições nesse campo.

    Para realizar o ciclo de descobertas que revelaram a Ásia ao Ocidente, contribuindo assim para a mudança do curso da História, os portugueses transformaram a empírica marinharia medieval numa ciência que permitia navegar com relativa segurança em qualquer parte do mundo.

    Criaram também novos tipos de embarcação, entre as quais a caravela, mais veloz, especial para viagens transoceânicas e que permitia navegar contra o vento com mais eficiência.

    A posição estratégica do Brasil em relação à rota da Índia e a abundância de madeira de boa qualidade fez com que, logo nos primeiros tempos, se instalassem estaleiros, não só para reparos nas embarcações, mas também para a construção de novas.

    A atividade passou mesmo o ser incentivada pelo governo com isenção de impostos para os estaleiros que se fundassem, além de preferência de carga para embarcações aqui construídas.

    Tomé de Souza, ao instalar o Governo Geral em 1549, trouxe um grupo de artífices especializados que incluía um mestre de construção, carpinteiros, calafates (calafetadores) e um ferreiro.

    Quarenta anos mais tarde, Gabriel Soares de Souza no seu Tratado Descritivo do Brasil menciona a existência de 40 carpinteiros na Bahia, portugueses e mestiços que se ocupavam de fazer navios.

    Como iniciativa oficial, o primeiro estaleiro estabelecido foi o da Ribeira das Naus, ao final do século XVI, também na Bahia, durante o governo de D. Francisco de Souza. Desenvolveu-se rapidamente e teve longa vida.

    A partir de 1770 foi denominado Arsenal da Marinha. Mantido após a Independência, só veio a ser extinto em plena República, em 1899. Uma planta do século XVIII indica um imponente conjunto de construções, talvez com mais de 300.000 m2 de área total, incluindo grande carreira de construção, oficinas, depósitos, quartéis e uma bacia fechada (denominada caldeira).

    Construiu durante os séculos XVII e XVIII numerosas e importantes embarcações. Uma Carta Régia de 1650 estabelecida que o estaleiro deveria lançar ao mar anualmente pelo menos um galeão de 700 a 800 toneladas. Essa medida não tinha então o valor que tem hoje (unidade de deslocamento equivalente ao volume de 1m3), mas um valor maior. Já nos inícios do século XVII construía navios maiores, com cerca de 1000 toneladas. Como elemento de comparação podemos tomar a indicação de que no fim do século XVIII os maiores navios ingleses da Companhia das Índias deslocavam cerca de 1200 toneladas. Os navios de guerra, porém, eram consideravelmente maiores que os mercantes. Note-se, porém, que a construção naval pouco evoluiu durante o século XVIII, como aliás observa o autor do verbete correspondente da Enciclopédia Britânica, edição de 1797.

    A construção naval no Brasil beneficiou-se consideravelmente pela padronização estabelecida pela Junta das Fábricas da Ribeira (estaleiro) de Lisboa, que estabelecia proporções e regras simples facilitando o projeto de peças dos mais variados tipos de embarcação.

    Essas padronizações - diríamos hoje Normas Técnicas - vigoraram até fins do século XVII e chegaram mesmo a ser empregadas no Brasil até meados do século XIX.

    Ao longo da costa surgiram também inúmeros estaleiros particulares, como o que existia em 1711 em Cananéia, litoral sul da Capitania de Itanhaém e onde chegou mesmo a ser construída uma grande nau, batizada com o nome da vila e que depois foi empregada na navegação transoceânica.

    Na área do Rio de Janeiro, houve também importantes estabelecimentos. Em 1666, surge na Ilha do Governador uma Fábrica de Fragatas, situada na ponta do Galeão, de onde lhe vem a denominação. Nesse estabelecimento foi construída a famosa nau Padre Eterno, tida como o maior navio existente no mundo. Asserção difícil de provar, por falta de dados estatísticos abrangentes, mas o certo é que era um navio muito grande, que mereceu até ser mencionado no livro Description de l'Univers de H. Manessen-Mallet.

    Transferida a capital da Bahia para o sul, cria-se em 1663, durante o governo do vice-rei Conde da Cunha, o Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, que viria a dar considerável impulso à construção naval.

    O primeiro navio aí construído foi uma nau de grande porte, a São Sebastião. Lançada ao mar em 1767, deslocava cerca de 1400 toneladas e era armada com 64 canhões. Suas dimensões competiam com as das maiores naus inglesas da época.

    Outros Arsenais da Marinha foram organizados pelo governo português em Recife e Belém.

    Devido à abundância de madeiras de qualidade, o de Belém tornou-se logo importante centro construtor.

    Além dos estabelecimentos oficiais, havia numerosos outros particulares no Rio, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Pará, Santa Catarina e São Paulo, como o já mencionado em Cananéia.

    O governo do Brasil independente continuaria prestigiando o Arsenal da Marinha no Rio que alcançou seu máximo desenvolvimento a partir da Guerra do Paraguai, quando construiu encouraçados, novidade recente entre os navios de guerra da época.