A Sabedoria dos
Ditados
Prof. Dr. Rogério
Lacaz-Ruiz
(Prof. de Metodologia Científica
e Microbiologia - FZEAUSP)
(e-mail: roglruiz@usp.br)
"É a mulher que faz ou desfaz a casa"
"Allah, que é eterno, faz com que cada um tenha o seu dia"
(Provérbios árabes)
O Centro de Estudos Árabes da USP
- que, por meio de parcerias editoriais, tornou-se uma das mais profícuas editoras de
nosso meio universitário, com uma produção ampla, profunda e variada - tem dedicado
diversas de suas publicações à antropologia subjacente à cultura popular, com
particular destaque para os ditados de variadas culturas.
A partir da leitura desses estudos que nos
põem em contato com diversas culturas do Oriente e do Ocidente, cabe perguntar: o que há
de constante entre os homens? Qual seu denominador comum?
Tudo que diz respeito à natureza humana, é
comum a todos. Nem por isso, perdemos nossa individualidade; somos responsáveis pelos
nossos atos, e não podemos desfazê-los.
A sociabilidade do homem não exclui sua
individualidade. A sociedade continuará existindo, independente de nós; e existem certos
princípios que valem para todos os homens. Estes princípios, que acabam por penetrar nas
formas culturais, são valores transmitidos de geração em geração, de pais para
filhos, e - regra geral - correspondem ao mundo real, à verdade das coisas. E, por isso,
são perenes e universais, contrapondo-se aos chavões, próprios de algum lugar, ou
limitados no tempo.
Nesse sentido cabe observar que os ditados, as
"...sentenças do ocidente medieval e da tradição árabe (amthal) são
totalmente distintos dos sentenciários contemporâneos, veiculados por livros follhinha,
livros-agenda e demais pílulas de otimismo, reflexão em gotas, etc...
Sentenças de hoje, sentenças dos antigos. Há porém, uma decisiva diferença entre
nosso pensamento minimalista e a sabedoria dos antigos: nós estamos voltados somente para
o interessante; eles, para a verdade das coisas." (LAUAND, 1994.)
Neste estudo, recordaremos alguns ditados
populares - de outras épocas e culturas, editados pelo CEAr-USP - que podem enriquecer o
nosso cotidiano e contribuir para simplificar as nossas relações sociais, ou mesmo o
viver.
Uma primeira série de provérbios procede de
S. Tomás de Aquino (1225-1274). São sentenças antigas usadas em seus escritos, ou
cunhadas por ele próprio. Deste modo, verificamos que muito do que dizemos hoje, já era
lugar comum há séculos.
1. "O poder mostra o que o homem é"
2. "Crie a fama e deite na cama"
3. "Cada qual com seu igual"
4. "Cada ovelha com sua parelha"
5. "Para frente é que se anda"
6. "Uma andorinha só não faz verão"
7. "Ler e não entender é negligenciar"
8. "Quem diz as verdades, perde as amizades"
9. "A verdade gera o ódio"
10. "Sou homem e tudo o que é humano me diz respeito"
Ainda para a tradição ocidental, os ditados e
sentenças de origem latina representam um tesouro cultural. FUMAGALLI (1955) recolheu
2948 "sentenze proverbi motti divise frasi e locuzioni latine" e alguns
que dizem respeito particularmente ao homem podem ser recordados:
1. Homo est animal bipes sine pennis (Platão) -
"O homem é um animal bípide sem penas".
2. Homo est animal bipes rationale (Boécio) -
"O homem é um animal bípide racional".
3. Homo de humo (S. Bernardo) -
"O homem é feito da terra".
4. Homo proponit, sed Deus disponit (Tomás de Kempis) -
"O homem propõe e Deus dispõe".
É curiosos notar a perenidade destes ditados,
pois "O homem propõe e Deus dispõe" foi já registrado em 1380; Boécio
era do sec.V; S. Bernardo, do séc XII e Platão do séc V a.C. E, nós, com certeza já
escutamos de algum familiar um destes dizeres.
O conhecido provérbio "Mais vale um
pássaro na mão, do que dois voando" existe também na tradição árabe, e foi
usado na França medieval. (HANANIA, 1995.) e o "Antes só do que mal
acompanhado" ("Mejor sería andar solo que mal acompañado") já
era corrente em 1300 na Espanha. (FUJIKURA, 1995.)
Os provérbios chineses, tem uma
característica muito peculiar: são compostos de quatro ideogramas, e segundo HORTA
(1997), "Trata-se de um máximo de informação em um mínimo de espaço." Estes
provérbios, são tidos também como um "tesouro, revelando estruturas universais da
vida..."
1. Chi Ren Shuo Meng (Idiota Pessoa Falar Sonho) -
Usado quando alguém diz algo absurdo.
2. Yu Su Bu Da (Desejo Velocidade Não Sucesso) -
Semelhante ao provérbio "A pressa é inimiga da perfeição".
3. Hua Er Bu Shi (Flor Mas Não Fruto) -
Para pessoas que tem uma aparência, mas não conteúdo.
4. Fu Shui Nan Shou (Derramar Água Difícil Coletar) -
Aqui em nosso meio diríamos "Não adianta chorar o leite derramado".
5. Dui Niu Tan Qin (Conforme Vaca Tocar Alaúde) -
Ou seja "Não jogue pérola aos porcos"
Apesar de notarmos que algumas sentenças e
provérbios descritos anteriormente utilizam as características dos animais domésticos
para fazer alguma analogia com o homem, vale a pena recordar outros (misturando os que
procedem de antigas tradições aos que têm formulação original entre nós), amplamente
utilizados em nosso meio.
1. Não coloque o carro na frente dos bois.
2. Você levou gato por lebre.
3. Caiu do cavalo.
4. Montou no porco.
5. Alimente seu cão e ele guardará a tua casa; deixe faminto seu
gato e ele caçará os ratos.
6. Cacarejar e não botar ovos.
7. Quem se faz de cordeiro será comido pelo lobo.
8. Quem não tem cão, caça com gato.
9. Macaco que muito pula quer chumbo.
10. Macaco velho não mete a mão em cumbuca.
11. Filho de peixe, peixinho é.
12. Quem quebra o galho é macaco gordo.
13. Animal que urina para trás, coloca o dono para frente.
14. Passarinho que come pedra sabe o ânus que tem.
15. O chacal engoliu a foice; ouçam seus uivos depois para
expeli-la.
16. Cão que ladra não morde.
17. A cobra vai fumar.
18. Cada macaco no seu galho.
19. Cutucar a onça com a vara curta.
20. Lobo com pele de cordeiro.
21. Ovelha negra da família.
22. Chutar cachorro morto é fácil.
23. Não cortar a pata do burro por um único coice.
24. Matar dois coelhos com uma cajadada só.
25. A cavalo dado não se olha os dentes.
26. Gato escaldado tem medo de água fria.
27. Os cães ladram e caravana passa.
28. Não jogar pérola aos porcos.
29. Quando o gato sai, os ratos fazem a festa.
30. Focinho de porco não é tomada.
31. Em rio com piranha, jacaré nada de costas.
32. Jacaré que fica parado vira bolsa.
33. Esta na hora da onça beber água.
34. Um dia é da caça, outro do caçador.
35. Não chame o papagaio de meu louro.
36. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
37. Eu já falei que é boi, mas ele insiste em querer ordenhar...
38. Ele procura mel no traseiro da vespa.
39. Fez do lobo o guardião de ovelhas.
40. A cova do leão sempre tem ossadas.
41. Se você conseguiu escapar do leão, não tente caçá-lo.
42. Quem diz que o leão é um jumentinho, que vá por o cabresto
nele.
43. É como pedir ao camelo para tocar flauta.
44. Sim, meu príncipe, era mesmo uma pomba, só que agora já
voou...
45. A galinha sempre cisca. Mesmo sobre um monte de trigo, ela
continua ciscando.
46. Não é por amor a Deus que o gato caça os ratos.
47. Eu não espanto os pássaros da árvore que me deu frutos
amargos.
48. Prefiro a opressão do gato à justiça do rato.
Como se pode observar, as palavras ganham
força, quando se ajustam à realidade, quando dizem respeito ao ser humano e a sua
natureza. Recordar os ditados, sentenças, provérbios de diferentes origens e épocas
históricas, reforça a tese de que são universais e perenes; e que podem ser aplicados
no dia-a-dia para simplificar a vida, retratar uma realidade, ou até mesmo ajudar, com
bom humor, o interlocutor a (re)ver algo.
Referências Bibliográficas
FUJIKURA, A.L.C. "Provérbios literários e "enxiemplos"
da Espanha Medieval". In: Luiz Jean Lauand (org.) Oriente & Ocidente: Idade
Média: Cultura popular. n.7. São Paulo: EDIX/ Centro de Estudos Árabes/DLO -
FFLCH/USP. 1995, pp.25-30.
FUMAGALLI, G. Lape Latina: 2948 sentenze proverbi motti
divise frasi e locuzioni latine. Milano: Hoepli, 1955.
HANANIA, A.R. "Une foiz es la premiere - Provérbios
franceses medievais". In: Luiz Jean Lauand (org.) Oriente & Ocidente: Idade
Média: Cultura popular. n.7. São Paulo: EDIX/ Centro de Estudos Árabes/DLO -
FFLCH/USP. 1995, pp.19-24.
HORTA, S.R.G. "Provérbios na tradição chinesa". In:
Bretzke, G.G. & Horta, S.R.G. Calidoscópio. São Paulo: Mandruvá, 1997,
pp.51-58.
LAUAND, L.J. "Sentenças de sabedoria dos antigos". In:
____ Hanania, A, R.; Lauand, L.J. Oriente & Ocidente: Sentenças e sabedoria dos antigos.
S. Paulo: Edix/Centro de Estudos Árabes DLO-FFLCH/USP, 1994.
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