Hong-Kong Revisited
- Entrevista com Prof. Alfredo Alves -
entrevista realizada em 14-3-98
por L. Jean Lauand -
LJ:
Professor, permita uma breve palavra de apresentação.
Alfredo Alves, professor de língua inglesa - conhecido de nossos
leitores por suas diversas colaborações em nosso site
- nasceu em 1922 e está radicado no Brasil desde 1946. É um
dos raríssimos naturais de Hong-Kong (HK) em nosso meio.
Sempre acompanhando a evolução da terra natal, o senhor esteve
recentemente (dez-97-jan-98) em HK para recolher material para
a pesquisa que está realizando sobre a presença portuguesa na
história de HK. Poderia dar-nos algumas linhas gerais que permitam
o enquadramento dessa presença?
AA:
Na época da minha infância, ninguém em HK estudava história
ou geografia de HK; estudávamos, sim, o Império Britânico -
enorme na época... -, em todos os seus aspectos. Hoje, já há
bons estudos sobre a história de HK, como as obras de Endacott
e G. R. Sayer.
À medida que estudo o tema, inclino-me a pensar que há uma importante
contribuição portuguesa para a história de HK. HK foi fundada
em 1841, pelas necessidades surgidas por conta da Guerra do
Ópio: os ingleses tinham muitos interesses comerciais em relação
à China, mas os chineses daquela época eram muito xenófobos,
consideravam bárbaros todos os estrangeiros: permitiam sua permanência
somente por cinco meses em Cantão (só para comércio, não podiam
trazer suas mulheres, etc.). Então, os ingleses acolhiam-se
em Macau até a nova temporada de negócios: de outubro a fevereiro
em Cantão; de março a setembro em Macau, esperando...
Ora, por causa da Guerra do Ópio - que, diga-se de passagem
não se deveu apenas a escusos interesses ingleses, porque também
muitos chineses corruptos (não declaradamente é claro...) se
aproveitaram do dinheiro sujo do ópio; os grandes mandarins
de Cantão detinham, por baixo do pano, um autêntico monopólio
do negócio... - chegou um momento em que os chineses deram um
ultimato ao governador de Macau, proibindo-o de hospedar os
ingleses. Os ingleses, em busca de uma nova base, arrancaram
da China a ilha de HK, à época um lugar árido e inóspito.
Com a fundação de HK, Macau, que já estava decadente, decaiu
ainda mais e muitos portugueses de Macau - já desde 1841 - emigraram
para HK: e aí temos a origem da presença portuguesa em HK. De
fato, também para eles, HK seria a terra do futuro. E, assim,
encontramos em HK os D'Almada, os Nolasco da Silva, os Alves
etc., em sucessivas levas de emigração.
LJ:
Que papel social foi exercido pelos portugueses em HK?
AA:
Ao contrário dos próprios ingleses - administradores da
colonia, que não iam para HK com intenção de permanecer mais
do que alguns anos e retornar para a Inglaterra -, os portugueses
de Macau iam para ficar: para trabalhar no comércio. Os mais
empreendedores acabavam por abrir suas próprias firmas. O primeiro
escalão na hierarquia social era composto por ingleses e o comércio
e o "trabalho barato" era realizado, em boa medida,
pelos macaenses, que, como falavam chinês, exerceram também
o papel de intermediários entre os ingleses e os chineses em
HK.
LJ:
Como era (na sua infância e juventude) e como é a vida quotidiana
em HK?
AA:
HK foi sempre uma região com tendência, eu diria, um tanto
philistine, um tanto indiferente à arte e à cultura:
não havia, por exemplo, música erudita ou museus e dispúnhamos
de uma única biblioteca pública meramente simbólica... (este,
aliás, foi um fator decisivo para que eu me decidisse a emigrar...).
Os ingleses - administradores da colônia - não tinham sensibilidade
ou não quiseram implantar cultura lá.
De resto, era uma boa vida: trabalhava-se das 9 às 17h. Depois
do trabalho, os clubes. Havia dois clubes portugueses: um para
o pessoal de meia-idade; outro, esportivo, para os jovens; aos
domingos todos iam às praias. Era uma vida pacata. Depois veio
a potência capitalista que conhecemos.
LJ:
E, hoje, na condição de Região Administrativa Especial
(S.A.R.)?
AA:
Agora HK é completamente chinesa. Hoje, há seis milhões
de habitantes em HK e, a menos de uns poucos milhares de estrangeiros,
a grande massa da população é composta de chineses.
O ensino ainda é em inglês, mas o governo quer mudar para o
chinês. Naturalmente, também neste ponto há uma forte oposição
de setores da população que querem preservar o inglês... E vê-se
o estilo inglês nos colégios: os meninos com blazer, calça cinza
e gravata da escola; as meninas, com uniformes escolares. Mas,
claro, este esforço para erradicar a língua inglesa é uma tolice
do S.A.R.
As liberdades políticas permanecem relativamente intactas; proibiram
apenas greves e passeatas políticas; outras passeatas são permitidas:
como, digamos, contra o alto preço dos aluguéis...
O chinês de HK apresenta hoje, do ponto de vista racial, uma
grande mistura. Os brasileiros costumam dizer que todos os chineses
são iguais, mas, na verdade, há muita variedade. Hoje, em HK,
ao contrário do meu tempo - em que havia um tipo uniforme de
chinês (o do sul, tipo não muito alto e de feições características)
- encontra-se uma grande diversidade de tipos: descendentes
dos chineses que se refugiaram em HK no tempo de Mao Tsé Tung.
Uma curiosidade interessante na vida quotidiana é que, antes
da Segunda Guerra, o chinês de HK não tinha muita urbanidade:
arremessava objetos, cuspia na rua etc. Lembro-me até de uma
campanha em que os policiais aplicavam o cassetete nas costas
de quem infringisse normas de limpeza... Hoje, não passa pela
cabeça de ninguém sujar a rua: é uma cidade limpa. Não há miséria,
não há mendigos...
Ao contrário do meu tempo, não se vê mais roupas chinesas. No
meu tempo, os chineses de HK vestiam-se com calças largas ou
túnicas; hoje, todos se vestem ao estilo ocidental e, eu diria,
no melhor estilo ocidental: por exemplo, quase não se vê jeans,
as mulheres muito mais discretas do que no Ocidente...
O trânsito é muito organizado; há um carro do metrô a cada minuto.
E também os trens são pontuais e freqüentes.
A polícia continua excelente: eficiente e educada. Se você chama
a polícia - é um fato comprovado por exaustiva estatística -
ela leva em média apenas quatro minutos para chegar. Um dia
chamamos a polícia porque havia um indivíduo suspeito rondando
a casa de uns parentes (na qual eu morava...), veio o sargento
falando perfeitamente inglês e, além disso, um homem culto,
resolveu o problema e, duas semanas depois, voltou simplesmente
para fazer uma visita de cortesia e conversar conosco.
São detalhes pequenos, mas simbólicos de toda uma formação britânica
que, sem dúvida, está muito arraigada em HK. E é natural que
os setores mais conservadores da China continental temam a comparação
da miséria em que vivem tantos no continente (exceção feita
à região do sul em que se pratica há dez anos o Capitalismo
de Experiência, que não é de "experiência", mas
uma realidade: há muito Mercedes e Rolls Royce por lá...) com
o excelente padrão de vida dessas regiões. E isto vai surtindo
efeito em toda a China: ainda recentemente a imprensa divulgou
os resultados do grande comitê reunido para reformar a economia
da China: só 40% dos delegados são comunistas...
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