Padrões de Linguagem nos
Imigrantes Chineses - Diglossia
David Jye Yuan Shyu
(Professor do Curso de Chinês
do DLO-FFLCHUSP)
A palavra diglossia originou-se da latinização do
termo em francês diglossie, do grego diglossos; foi usado em inglês
primeiramente por Charles Ferguson, e considerado hoje como um tipo particular de
bilingüismo.
Uma comunidade é diglóssica quando uma variedade alta (H, de high)
superpõe-se a uma ou mais variedades baixas (L, de low). A variedade H é mais
usada na língua escrita e em situações mais formais, enquanto que a L é mais usada em
ambientes informais. Françoise Gardews, no capítulo em que discute Conflitos de
nominação em situação diglóssica, em seu Multilingüismo, define:
Preferimos este conceito de diglossia que coloca uma relação de hierarquia entre
uma língua A dominante e uma ou várias outras línguas B dominadas.
Tomemos o caso dos imigrantes chineses no Brasil: eles sabem,
além do chinês padrão, algum outro dialeto (ou variedade lingüística). Por isso, de
acordo com cada situação (dependendo do interlocutor), eles escolhem o uso de uma
determinada linguagem: o padrão ou o dialeto. Assim, para estudarmos e discutirmos a
situação diglóssica dos chineses no Brasil, é preciso levar em conta a distinção de
Ferguson, podendo dessa maneira compreender melhor e mais amplamente o uso da linguagem
por esses falantes.
A situação é basicamente a mesma em todos os países onde
há a imigração chinesa, como por exemplo, digamos em Singapura: the term
polyglossia (a state of many tongues) - explica o The Oxford Companion to the English
language - has been used to refer to cases such as Singapore, where Cantonese,
English, Malay and Tamil coexist in a functional relationship.
Para discutirmos a diglossia dos imigrantes chineses, seria
necessário levarmos em consideração dois pontos de vista: a) o bilingüismo
chinês/português, e b) o chinês-padrão com o dialeto (ou variedade).
No primeiro caso, ou seja, em situações onde se encontram
brasileiros e chineses, ou ainda em alguma situação onde o público ouvinte é em sua
maioria constituído por brasileiros, a língua portuguesa torna-se naturalmente a
predominante e portanto a variedade H.
No segundo caso, em situações onde se encontram somente
chineses, o chinês-padrão é usado comumente como H, sendo os dialetos a variedade L.
Devido à diversidade de dialetos na língua chinesa, a
situação fica um tanto complexa para a compreensão, tentaremos portanto esclarecer a
situação de cada dialeto através dos seguintes itens:
a) pode-se afirmar que 100% dos
imigrantes cantoneses de primeira geração falam principalmente o cantonês; mas com os
filhos, eles usam normalmente o português. Ou seja, exceto em situações onde se
comunicam com os próprios cantoneses, eles usam o pidgin chinês ou o português.
b) imigrantes taiwaneses ou min
do sul de primeira geração, com exceção de pessoas de mais idade, falam o chinês
padrão; eles usam tanto o dialeto como o padrão entre familiares e amigos. Uma
situação mais comum é entre casais que falam o dialeto, mas que falam o chinês-padrão
com os filhos e outras pessoas que não sejam de origem taiwanesa ou min do sul. É
portanto, muito comum encontrar casos de code-switching entre o chinês padrão e os
dialetos.
c) os hakka em geral conservam
firmemente o uso de seu dialeto na família, usando o chinês padrão somente com pessoas
de outras origens provinciais. Existem também muitos hakka que falam o dialeto min
do sul com pessoas dessa origem.
d) imigrantes naturais de Shanghai ou
Zhejiang, com exceção dos que se casam com pessoas de outras províncias, falam
basicamente o dialeto wu; usam o chinês padrão apenas com pessoas de outras
províncias.
e) alguns imigrantes de primeira
geração, que viveram no Brasil há mais de trinta ou quarenta anos, usam principamente o
português em suas famílias, mas quando em contato com outros chineses, falam o chinês
padrão ou algum dialeto;
f) além disso, outro grupo de
chineses, a princípio imigrantes da Indonésia, que imigrou para o Brasil na década de
60, usa normalmente o indonésio para se comunicar, mas já com os filhos e outros grupos
de chineses, usa o português ou o chinês padrão;
g) mas o mais interessante são os
chineses que se casam com ocidentais. Geralmente falam o português (ou inglês ou outra
língua ocidental) em suas famílias, mas alguns chineses ainda falam a sua língua
materna com outros chineses. Nesses casos ainda pode acontecer de o pai falar com seus
filhos em sua língua materna, e a mãe comunicar-se com a dela, gerando assim uma
aptidão nata de os filhos poderem comunicar-se em duas línguas com seus pais.
Citemos um exemplo prático: certa vez, participei de um jantar
onde vários taiwaneses estavam presentes, por isso a língua dominante ficou sendo a min
do sul (foi muito freqüente casos de code-switching). Mas entre eles havia um taiwanês
que permanecia a todo instante falando em chinês padrão, por isso, conversei depois com
alguns deles a fim de trocar algumas idéias sobre uso de linguagens. O taiwanês que
falava a todo instante o chinês padrão, disse-me que era devido à presença de um
professor de língua chinesa, e que se sentiu na obrigação de falar apenas o chinês
padrão. Um outro disse que se se encontrar numa situação onde há pessoas que não
falam seu dialeto, usa normalmente o chinês padrão. Este seria portanto um exemplo
típico de diglossia, que pode ser também facilmente encontrado na colônia chinesa que
é composta por chineses de várias províncias.
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