Reforma da
Universidade e
dos Universitários
Luciano de Camargo Penteado
(Formando da FADUSP)
A reação da imprensa inglesa à publicação
do relatório Dearing - um calhamaço de 467 páginas corroborando o pensamento de
John Major segundo o qual a distinção entre escolas politécnicas e universidades é
esnobe -, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases redigida por Darcy Ribeiro e a
batalha do ministro Paulo Renato pelo "provão" ao lado das alterações no
ensino técnico são alguns dos acontecimentos mais recentes que acenam para a
importância da reflexão sobre o ensino, de um modo geral, e sobre o sistema de terceiro
grau em particular.
Certamente, há uma série de falhas nesse
sistema, constantemente denunciadas por políticos, alunos e outros setores da sociedade.
A pouca qualidade de certos professores, seus baixos salários, a falta de unidade entre
as diversas áreas de conhecimento, o acesso majoritariamente restrito à população de
alta renda são realidades necessitadas de correção e de mudanças drásticas. Um
resultado verdadeiramente satisfatório, no entanto, nunca será atingido pela simples
crítica ferina, mas pode ser facilitado por decisões concretas e que gradualmente
aperfeiçoem a instituição. Ser estilingue é cômodo, mas quem protege a casa é a
vidraça.
A linguagem comum, geralmente, associa a
palavra universidade ao conjunto dos prédios, secretarias, departamentos,
bibliotecas, enfim, à estrutura burocrática e administrativa situada em um espaço
físico determinado. Mas parece haver outro sentido que podemos captar nas palavras do
jovem ao avisar os pais que almoçará com os colegas da universidade. Não apenas
se refere a colegas conhecidos em um local determinado, mas a pessoas que compõem e de
certa forma são a própria escola, porque a universidade é também, e
principalmente, a soma de cabeças pensantes.
A fundação dos centros superiores de ensino
relaciona-se com esta idéia: foi uma iniciativa de alunos que desejavam refletir sobre os
temas abrangentes, aprendendo dos grandes professores da Baixa Idade Média - era a universitas
magistrorum et scholarium, o conjunto de homens reunidos em torno da busca do
conhecimento, visto como um fim em si, por cima das preocupações angustiantes e
utilitaristas do dia-a-dia do mundo do trabalho.
O modelo institucional dos antigos continua
aplicável, apesar do regime de mercado ter concretizado diversamente este ideal tão
grandioso quanto uma epopéia de cavalaria. A tão falada autonomia universitária reflete
precisamente essa liberdade, essa despreocupação com o eficiente em termos de
produtividade técnica: é uma independência necessária para os alunos se ocuparem de
uma sabedoria universal, em que cabe toda a temática do mundo.
Ao tratar da autonomia universitária, nossa
Constituição Federal, em seu art. 297, desenha um princípio que é o da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, três dimensões que devem ser
harmoniosamente regidas para o êxito das reformas que virão.
O ensino é um trabalho coletivo:
professor e aluno devem combinar interesses para atingir um objetivo comum. É preciso
querer ensinar e aprender a aprender com responsabilidade, vendo por detrás deste
processo o grandioso trabalho de formação da personalidade, passando por cima do
sentimentalismo que nos leva a agir de acordo com disposições afetivas instáveis.
À grande liberdade que recebemos ao ingressar
nas academias, corresponde o dever de seriedade de quem sabe que a vaga adquirida tem uma
hipoteca social: basta pensar na proporção entre cadeiras das três principais
faculdades de direito de São Paulo e a população da cidade: 1 para 12.500 e se
considerarmos as três faculdades de medicina mais importantes, o denominador dobra. Há
muitas pessoas que dependem de nós e esperam como resultados uma gama de qualidades
orientadas para servir, como generosidade, lealdade, competência, hábitos que se
adquirem através do estudo constante.
A pesquisa surge então com sua dupla
função de ampliar os horizontes do ensino para âmbitos jamais sonhados e contribuir
para o aprimoramento tecnológico dentro da Ética, ciência que exerce a função de
controlar as demais enunciando os limites de cada uma - o entusiasmo com o domínio
científico, por exemplo, deve ser moderado, pois onde há um dominador, ainda que
"esclarecido", há os súditos oprimidos.
O ceticismo contemporâneo, descrente da
possibilidade de chegarmos a conhecimentos objetivos e seguros fez do terceiro grau um
ensino técnico ultra-especializado. O aluno quer aprender a operar números (ou leis, ou
fatos históricos, ou doenças) como um malabarista brinca com bolas coloridas. O
interesse pela universidade freqüentemente restringe-se ao desejo ávido pelo diploma,
única porta de acesso para o saturado mercado de trabalho. Mas as próprias empresas
demandam, cada vez mais, por homens de decisão e estes não nascem feitos, fazem-se pela
reflexão serena e segura sobre os grandes temas da existência: da sua e dos homens de
todos os tempos. Quem nunca lê ou medita sobre a vida terá, provavelmente, dificuldades
ao lidar com ela e será um médico de segunda categoria ou até mesmo um açougueiro de
luxo. O mesmo vale para a justiça, a dor, a moradia, a família, o trabalho, temas que
demandam estudo, pesquisa, reflexão, busca de alternativas - afinal alguém já disse que
o homem é um ser que resolve problemas. São desafios intelectuais a serem encarados de
frente: abismos em que a mente perde sustentação, mas em cujos vôos pode nos conduzir a
ter idéias que nos movam à ação social.
A extensão, por sua vez, consiste em
levar os valores e frutos percebidos na universidade para a comunidade em que está imersa
- uma alternativa muito boa para o diminuir o desinteresse reinante pelas expectativas
alheias. A academia, se estiver empapada de ensino e pesquisa, poderá transbordar seu
licor precioso para a sociedade e, assim, as próprias iniciativas sociais auxiliarão na
melhoria da universidade, pois a preocupação pelo outro, com suas dificuldades concretas
e palpáveis, leva à atualização na pesquisa, que afeta diretamente o ensino.
Há muitas formas de integrar o terceiro grau
com a sociedade, como, digamos, dar mini-cursos em escolas estaduais, montar ambulatórios
em favelas, ajudar em mutirões em favelas etc.
São várias iniciativas que já deram
resultado e poderão dar muito mais. Quantas pessoas esperam dos estudantes uma ajuda...
A universidade é tudo, ao mesmo tempo e agora.
Ela pode ajudar a melhorar a sociedade. E a quem se empenhar em ajudar...
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