Filosofia sem mais...
Érica
A. Sacata Tongu
(Mestranda em Educação - FEUSP)
O livro A Filosofia Americana como Filosofia, de Leopoldo
Zea (São Paulo, Ed. Pensieri, 1994), traz à luz mais uma oportunidade
para a reflexão a respeito da identidade da América e, mais
especificamente, da América Latina.
Autor premiado e reconhecido internacionalmente, o filósofo
mexicano Zea leciona na "Universidad Nacional Autónoma
de México", onde fundou o centro de Estudos Latino-Americanos.
Na presente obra, Zea aborda a existência de uma filosofia americana
como filosofia em si, e não apenas uma simples imitação de modelos
importados da Europa, de maneira a simplesmente fazer uma transposição
de idéias. Nesse sentido, atenta para a conscientização da possibilidade,
sim, de se filosofar na América Latina, opondo-se a que determinados
países monopolizem e obstruam tal capacidad.
O livro contém seis capítulos:
-
A
Filosofia na América Latina como Problema do Homem;
-
A
Filosofia como Originalidade;
-
A
Filosofia como Ideologia ou como Ciência?;
-
Filosofia
Européia e Tomada de Consciência Americana;
-
A
Filosofia Ocidental esbarra com o Homem; e
-
Da
Autenticidade na Filosofia.
Já os títulos sugerem o caminho percorrido pelo autor.
No primeiro capítulo, "A Filosofia na América Latina como
problema do Homem", Zea vai se reportar à significação
original da palavra para demonstrar que o ato de filosofar não
é e nunca poderá ser exclusividade de um povo, raça ou grupo,
mas pertence ao Homem enquanto Ser Humano em si, nas suas generalidades
e não nas suas especificidades e individualidades.
E é nesse sentido que faz a seguinte colocação: "O Logos,
outra expressão do Verbo, é para os primeiros mitólogos e seus
herdeiros, os filósofos, o instrumento que põe ordem em um mundo
e universo caóticos. 'No princípio era o Caos', diz Hesíodo.
Depois veio o Logos e com o Logos a Ordem. Cada coisa no que
é, no que a define, no que a situa e distingue dos outros entes.
O possuidor deste Verbo, Logos ou Palavra é o homem, insistimos.
E é o filósofo, entre os homens, aquele que faz deste instrumento
a virtude de sua existência." (p.17).
Toda a reflexão do autor gira em torno de definições e indagações
decorrentes da constatação de que não pode haver posse, direito
sobre as palavras, ou melhor, sobre aquilo que vai humanizar
o homem, de modo que este direito pertence a todos indistintamente
e deve ser refletido dentro desta mesma perspectiva de universalidade
para que possa assim existir como tal.
O autor inverte a colocação adjetiva da originalidade: não se
trata já de filosofia original, mas de "Filosofia como
originalidade", demonstrando ser a originalidade não algo
necessariamente inédito, de que nunca ninguém tratou (caso contrário
não haveria necessidade sequer de um história da Filosofia e
muitas questões que atormentam a mente humana já estariam definitivamente
solucionadas), mas na abordagem, no particular viés pelo qual
será conduzida a análise: destaca também a importância do meio
e da época nestes estudos, uma vez que as preocupações do homem
estão inseridas também em sua época.
A seguir discute a abordagem da filosofia enquanto ideologia
ou ciência.
Zea inicia o capítulo com a sugestiva citação de Guillermo Francovich:
"A originalidade não pode ser procurada como um fim. Quem
se propõe a ser original chega apenas à deformação ou ao excentrismo."
Da mesma forma, discutirá a questão que quando se propõe a existência
de uma filosofia americana simplemente por filosofia americana
ela estará naturalmente fadada ao fracasso.
Em outro capítulo "Filosofia Européia e Tomada de Consciência
Americana", o autor se reportará à historicidade, de maneira
a demonstrar a forte influência que esta exerce sobre como serão
procuradas as soluções.
Prossegue com a análise da "humanização" da filosofia
ocidental: "O homem ocidental já não impõe sua humanidade,
mas é a humanidade dos outros que lhe torna claras suas limitações
humanas."
Assim também, não existe uma filosofia de nossa América e para
a nossa América especificamente, mas uma "filosofia sem
mais..., do homem e para o homem", indistintamente, em
qualquer lugar que se encontre.
A obra de Leopoldo Zea traz uma enorme contribuição no tocante
à análise da própria América Latina, da sua formação, influências
e seus caminhos. Durante muito tempo vistos, e até mesmo tendo
uma visão de si mesmos como "inferiores", numa forte
alusão à subordinação decorrente inicialmente de séculos de
colonização, a princípio ibérica, mercantilista, e posteriormente
por outros países europeus, bem como dos Estados Unidos, abertamente
ou de maneira camuflada, colocando sempre em xeque a auto-estima
e a própria confiança em se caminhar pelos próprios pés.
Zea nos coloca diante de uma posição que, naturalmente é, pelas
próprias experiências e vivências, de diferenciação, mas nem
por isso superior (ou inferior...).
Surge assim uma questão importante: tratar as especificidades
enquanto tais, para solucionar questões específicas e unir,
ou melhor, reunir o que todos temos em comum, independentes
de ponto de vista, influências, posições, raça, cor ou credo,
o que nos torna todos humanos e conseqüentemente iguais...
Sem mais...
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