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Um Catolicismo Anticinema

 

Gabriel Perissé
Doutor em Educação pela FEUSP
Professor da Pós-Graduação do Programa de
Mestrado em Educação da Uninove
perisse@uol.com.br

“La gran potencia educadora de nuestro tiempo es el cine”.
(Julián Marías)

 

Primeiras cenas

Num jornal de grande circulação, publicou-se recentemente uma reportagem sobre movimentos católicos que pretendem viver a fundo a mensagem cristã, da qual destaco o seguinte trecho:

A advogada e professora da Faculdade Getúlio Vargas Maria Nazaré Lins Barbosa, de 36 anos, é numerária. Conheceu o Opus Dei aos 16 anos, quando uma amiga a convidou para assistir a uma meditação sobre sinceridade. Depois, participou de retiros e cursos de doutrina cristã até descobrir sua “vocação” e pedir admissão na Obra. Como membro consagrado, ela conta que mantém a atitude que “uma pessoa comprometida deve ter”. E toma cuidados especiais em sua formação cristã, como aconselhar-se antes de ler um livro ou ver um filme. [1]

É importante perceber, num primeiro momento, que a numerária [2] do Opus Dei destaca que o “cuidado especial” com sua formação cristã está numa linha de prevenção. Antes de ler um livro ou assistir a um filme, ela pede conselhos.

Mas que conselhos? E ela os pede a respeito de todo e qualquer livro e filme? A quem pede esses conselhos? Sendo a pessoa em questão advogada e professora universitária, com 36 anos de idade, podemos julgar que o conselheiro escolhido será mais experiente e mais douto do que a consulente. Podemos imaginar também que ele, o conselheiro, vai ao cinema diariamente para conhecer e avaliar os filmes em cartaz, e terá capacidade de ler todos os livros que a consulente porventura deseje saber se vão ou não ferir a sua formação cristã.

Seria de se supor, por outro lado, que houvesse, da parte da professora e advogada, suficiente maturidade intelectual para discernir por conta própria se determinado livro ou filme é ou não “perigoso”. Na medida em que há 20 anos estuda e pratica a doutrina e a moral católicas, não terá adquirido a legítima autonomia e idoneidade para discernir com prudência e até mesmo tornar-se ela mesma uma pessoa capaz de nos ensinar como adquirir critérios pessoais para qualificar um livro ou um filme?

Enfim, muitas perguntas podem e poderão ser feitas, mas uma outra me parece mais pertinente agora: o que exatamente, num filme, faria um bom cristão ter receio de que sua formação fosse prejudicada?

Evidentemente, assumindo o ponto de vista do fiel católico (mas não só do católico, nem só do fiel...) será necessário descartar os livros e filmes enquadrados sob o rótulo “pornográficos”. Além disso, nem há por que pedir conselhos neste caso. Prescindem desses conselhos, tanto os admiradores incondicionais desse “gênero”, como os que têm uma visão de mundo em que a pornografia reduz o corpo humano a objeto sexual, mero recurso para obtenção de prazer.

No caso do “cinema” pornográfico, em que as cenas de sexo constituem a base e o objetivo principal, em que os próprios instintos humanos (se pudermos falar assim) são instrumentalizados, e o ser humano se esvazia de sentimentos, de racionalidade, de dignidade; no caso deste “cinema” cujo público procura única e exclusivamente fortes sensações sexuais (que podem tangenciar o sadismo e outras patologias, como também no caso das cenas de exagerada violência) não se trata de pedir conselhos. Basta afirmar que se trata de subcinema, “mercadoria” de fácil consecução e de lucro garantido, sem o menor respeito pela arte.

Bem diferente será a nossa postura perante cenas de sexo contextualizadas. Por mais picantes que sejam, por mais que agridam o “pudor”, têm um sentido, podem ser analisadas. O pensador cristão Alfonso López Quintás, em cuja obra enfatiza o poder formador do cinema, gosta de lembrar em seus textos e palestras que no filme de Bertolucci, O último tango em Paris, os encontros sexuais de uma jovem com um americano cuja esposa cometeu suicídio são marcados pela impessoalidade. Um não revela o nome ao outro, o que indica que seus encontros, mantendo-se no nível puramente corpóreo, num plano infracriador, não criam uma relação plenamente humana, que incluiria o corpóreo, sem dúvida, e daria à vida dos personagens um rumo personalizante.

O cinema, nas palavras de outro pensador espanhol, Julián Marías, “es la gran potencia educadora de nuestro tiempo”, e, por isso, seria o caso de aconselhar, sim, a todos os educadores, em particular os que se consideram líderes cristãos e católicos, a assistirem a muitos filmes, e sobretudo aos filmes categorizados como “perigosos”, pois são estes que merecem uma interpretação vigorosa, objetiva e positiva (como, por exemplo, O último tango em Paris).

Uma discussão

Numa discussão em ambiente virtual (na lista de debates que se encontra em http://br.groups.yahoo.com/group/MundoCatolico) entre mim e Frederico Viotti, da Frente Lepanto-TFP [3] , em fins de 2002, falávamos sobre a necessidade ou não de promover campanhas contra o filme O crime do padre Amaro, que estava, naquela altura, prestes a estrear no Brasil. O thread fora lançado pelo Prof. Jean Lauand, também participante da lista, e tinha por objetivo alertar para o fato de que esse tipo de campanha (geralmente em tom histérico e apocalíptico) acabava por favorecer a divulgação do próprio filme que se tentava boicotar. Não seria o caso de ignorar tais filmes no lugar de dar-lhes publicidade gratuita? A tese recebeu como resposta a seguinte advertência de Frederico Viotti:

Mensagem de Frederico Viotti (FV), em 30-10-2002:

Prezado Prof. Jean, Salve Maria!  Vejo algumas mensagens muito interessantes do Sr., mas devo discordar dessa sua última, em relação aos filmes blásfemos.

Qualquer pessoa, quando é agredida, tem o direito de resposta e de defesa, ainda que isso redunde em “publicidade" para o caso.

O importante, quando se investe contra um filme anticatólico, não é a “publicidade” que se lhe concede, mas a reação contra a apatia da Opinião Pública. Sem essa reação, esses filmes apenas se tornarão comuns e a honra da Santa Igreja e de Nossa Senhora não terá defensor...

A técnica de ignorar, se me permite discordar do seu ponto de vista, assemelha-se à da avestruz, que se esconde para não ter que ver o perigo (e enfrentá-lo).

É muito mais fácil não dar “publicidade”, mas não foi para isso que cada um de nós — católicos que somos — nascemos, mas para que se cumpra a “vocação” apostólica: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. Nem se acende uma lâmpada e se colocada  debaixo do alqueire (pequeno móvel), mas no candelabro e assim ela brilha para todos os que estão na casa” (Mt 5, 14-16). Nosso Senhor veio dividir as águas e não para esconder sua indignação contra o erro: “Eis que este menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição” (Lc 2, 34). Foi por isso que Ele afirmou claramente: “Não penseis que vim trazer a paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada. Com efeito, vim trazer divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe, entre a nora e sua sogra. Em suma: os inimigos do homem serão os seus próprios familiares” (Mt 10, 34-36).

Qualquer “filho das trevas” procura dar “publicidade” de sua indignação. Assim o fazem os defensores do Aborto quando são combatidos, os socialistas quando alguém defende a Propriedade, os defensores do “casamento” homossexual nos momentos em que aparecem reportagens contra eles...

E nós? O que faremos? Silenciaremos contra uma agressão à Santa Igreja (ou à Santíssima Virgem) apenas para não dar “publicidade” a um filme? Não me parece correto!

Lembremo-nos de como fez Nosso Senhor diante dos vendilhões do Templo. Ou, então, quando repreendeu com os anátemas os Fariseus. É preciso dar “publicidade” à nossa indignação e alertar os católicos da existência dessas blasfêmias. Sem esse alerta, a grande maioria dos católicos ficaria sem saber do que se passa.

Veja, por exemplo, o caso do filme Dogma, que não circulou em quase nenhum cinema do Brasil (apenas em poucas salas comerciais e tendo sido rejeitado por todas as grandes cadeias de distribuição cinematográfica). Foi a reação dos católicos que dificultou a circulação e a exibição desse filme atentatório à honra de Nosso Senhor Jesus Cristo, de sua Igreja e de Nossa Senhora.

É claro que sempre existirão católicos que têm vergonha de defender a Igreja em público e de enfrentar os ataques da mídia esquerdista (contra a censura de tudo que é ruim e favorável à censura de toda reação contra o que é ruim). Muitos desses, infelizmente, preferem ver a Igreja apedrejada do que se exporem ao ridículo de defender valores ultrapassados aos olhos dos mundos. Como se fosse ridículo dar “publicidade” de sua fidelidade ao Corpo Místico de Cristo.

In Jesu et Maria   Frederico Viotti

No mesmo dia, enviei ao Grupo o seguinte comentário:

Mensagem de Gabriel Perissé (GP), em 30-10-2002:

Prezados todos! Devemos aprender a não cair, ingenuamente, na armadilha que os manipuladores da mídia preparam.

Enquanto ficamos enfurecidos com filmes e livros, perdemos a energia necessária para promover (ou mesmo produzir) filmes e livros capazes de afogar o mal.

O crime dos inocentes é não perceber que há, na indústria cultural, gente muito esperta, autênticas raposas, cujo propósito é provocar críticas que serão rotuladas de conservadoras, o que, automaticamente, tornará o filme ou o livro criticados objetos de “vanguarda” ou, no mínimo, objetos que atrairão a curiosidade da maioria das pessoas.

Se os defensores da Igreja querem prestar um verdadeiro serviço aos seus irmãos e à sociedade, o melhor que fazem é desconstruir essa imagem que a mídia adora: a imagem do católico chato, o católico fuinha, o católico ranzinza, sempre pronto a reclamar, falar mal, flagelar etc. etc.

Cristo criticava os hipócritas, expulsava os vendilhões do templo, mas dedicava muito mais tempo e energia curando os enfermos e contando belíssimas parábolas.

Abraços!  Gabriel Perissé

No dia seguinte, FV escreveu:

Mensagem de FV, em 31-10-2002:

Prezado Gabriel, Salve Maria!   “Cristo criticava os hipócritas, expulsava os vendilhões do templo, mas dedicava muito mais tempo e energia curando os enfermos e contando belíssimas parábolas.”
Pois é exatamente o que falta, fazer as duas coisas e não apenas a segunda.
In Jesu et Maria ,     Frederico Viotti

No tom coloquial próprio do ambiente em que a discussão começava a se desenvolver, respondi no dia seguinte, tentando ampliar o debate:

Mensagem de GP, em 01-11-2002:

Prezado Fred,   Chesterton dizia que a melhor crítica é a autocrítica. Penso que a grande autocrítica que os católicos podemos fazer hoje é deixar cair a ficha de que muitas vezes perdemos tempo, energia (e até dinheiro!), criticando (sempre haverá coisas a criticar, e não só em questões religiosas...), ao invés de promover e fazer coisas boas que levem as pessoas a Deus.Proponho que nós, em lugar de ficar, de camarote, vaiando o filme em questão, economizemos nosso fôlego!

Sugiro que incentivemos um cinema e uma arte que sejam uma alternativa, um caminho de reflexão, uma forma de de ganhar o céu!

Você seria capaz, neste momento, de elogiar (lembre-se que elogiar tem a ver com logos... que tem a ver com razão... que tem a ver com... Deus!) algum filme bom, inteligente, de qualidade, e indicá-lo para nós?

Deste modo, você tirará o foco de nossa atenção do bendito filme O crime do Padre Amaro e, prestando um verdadeiro serviço cultural, daria bilheteria a algo muito melhor!

Fred, por favor, indique-me um filme para eu ver neste final de semana!

Abraços! Gabriel Perissé

A indicação de FV surpreendeu-me. Transcrevo as argumentações de ambos os debatedores. A discussão prosseguiu, tomou outra direção, e até o dia 14 de novembro ainda trocamos mensagens (e farpas!) sobre o que era e o que pretendia a TFP, mas isto não nos interessa agora:

Mensagem de FV, em 01-11-2002:

Prezado Sr. Gabriel, Salve Maria! Que tal ver um filme muito bom sobre S. Tomas Morus? Acho que o nome é “o homem que não vendeu sua alma” ou algo assim. É um excelente filme. De qualquer forma, não me parece correto usar nosso tempo apenas nesses filmes bons. É preciso denunciar os filmes ruins.
Um cordial abraço. In Jesu et Maria  Frederico Viotti

Mensagem de GP, em 01-11-2002:

Meu caro Fred,   Fiquei espantado com a indicação do filme! Você me recomenda para este final de semana “O homem que não vendeu sua alma”, ou, como no título em inglês, A man for all seasons. Um filme produzido em 1966! Filme que se baseou numa peça dos anos 50!

Fiquei espantado com as datas... Você não tinha nascido, tinha? Eu, em 1966, tinha 4 anos de idade...

Será que o silêncio dos inimigos da Igreja conseguiu fazer com que durante 4 décadas não surgisse nenhum outro filme de qualidade para a gente ver e apreciar?

Sem dúvida, é um filme excelente. Como lhe disse, eu tinha 4 anos de idade mas me lembro como este filme comoveu o mundo católico. E não só o mundo católico. Em 1967, o filme ganhou o Oscar de melhor produção da temporada; o diretor, Fred Zennemann, ganhou o Oscar de melhor diretor, e Paul Scofield, que interpretou Sir Thomas More, ganhou o Oscar de melhor ator.

Você viu o filme recentemente?

O que me espantou também é que você recomendou um filme que defende o silêncio como forma de combater o mal.

Lembra-se da história?

Estamos no século XVI, Inglaterra. Thomas More, político, advogado e filósofo é um dos mais próximos colaboradores do Rei Henrique VIII.

Henrique VIII decide divorciar-se de sua esposa, Catarina de Aragão, para casar-se com Ana Bolena.

Henrique VIII passa por cima da proibição da Igreja. E quer que todos, no Reino, o apóiem. Pede, de maneira especial, a aprovação de Thomas More. Que permanece em silêncio. Não diz nem que sim nem que não. Não faz passeata nem promove revolução. Não escreve nem faz discurso. Este seu silêncio, porém, é eloqüente. Todos na Europa escutam o seu silêncio.

Um observador precipitado poderia chamar Thomas More de covarde e de avestruz por não ter denunciado e criticado o mal. Numa das cartas que escreveu enquanto estava preso, o mártir conta que nos interrogatórios tentavam forçá-lo a se posicionar com clareza, a tirar a cabeça para fora do buraco.

Ora, esta era a forma de conseguir decapitá-lo de acordo com as novas regras do reino! E o que More diz? Aí vai uma prova de que o silêncio, como opção consciente perante o mal, baseia-se na verdade: “Não me intrometo nas questões de consciência daqueles que pensam diferentemente de mim. Não sou juiz de ninguém.”

No filme, More e Cromwell discutem sobre o poder do silêncio. Este afirma que o silêncio de More é uma acusação! Thomas More, com sutileza, lança o paradoxo: “Diz a máxima que ‘quem cala consente’. Se vós desejais afirmar que o meu silêncio é revelador, deveis afirmar que consenti e não deneguei.”

Meu caro Fred, este filme que você me recomendou eu já vi e agradeço a indicação, porque acabou me trazendo um argumento para a nossa discussão. Contudo, pelo andar da carruagem eu vou ter que pedir uma dica para algum funcionário da videolocadora...

Abraços! Gabriel Perissé

P.S.: Peço ao Prof. Jean (que já está fora dessa polêmica) que divulgue essa minha mensagem em listas em que o tema seja de interesse para outras pessoas.

Mensagem de FV, em 02-11-2002:

Prezado Sr. Perissé, Salve Maria! O Sr. não me pediu que indicasse um filme de hoje, mas um filme bom. Esse filme é um dos melhores que assisti e não vejo motivo para sua ironia quanto à data do filme (pois não há prazo de validade para assisti-lo).

Eu nunca neguei a eloqüência do silêncio (tanto que lhe indiquei um filme que muito me influenciou), mas apenas procurei lhe mostrar que isso depende de cada situação.

Não foi menos eloqüente S. Pio X condenando os erros do Modernismo do que Santa Teresinha em sua clausura. Ou o Sr. negará isso?

O erro, meu caro, é querer fazer do silêncio um unilateralismo.
In Jesu et Maria    Frederico Viotti

Mensagem de GP, em 03-11-2002:

Meu caro Fred, Devo falar com mais precisão, você está certo. Eu gostaria de receber de você a indicação de um filme tão contemporâneo quanto o bendito O crime do Padre Amaro, que motivou nossa discussão. Essa foi a intenção do pedido. Você tem alguma sugestão? Mas, pelo amor de Deus, algo um pouquinho mais recente...

Mas eu concordo com você, meu amigo. Não há prazo de validade para conhecer bons filmes! Meu espanto foi sentir da sua parte (você não tem mais de 80 anos, tem?) uma postura passadista. Tantos filmes para indicar e você foi desencavar um filme com quase meio século de existência, fora de cartaz e dificilmente encontrável na videolocadora da esquina!!

Talvez no dia em que você tiver de escolher filmes reais para seus filhos adolescentes assistirem, sinta a preocupação realista de pensar em títulos recentes e exercite seu sábio discernimento sobre a produção cinematográfica atual. Já imaginou o “mico” que eu ia pagar se trouxesse para o meu filho de 14 anos para assistir O homem que não perdeu a sua calma...?

Ou ele dormia ou ia me deixar vendo o filme sozinho!  Preferi trazer um filme recente, de qualidade, com efeitos especiais, com atores jovens, com argumento instigante, e capaz de despertar preocupações metafísicas!

Pareceu-me (perdoe a sinceridade) que, no que diz respeito à importantíssima sétima arte, você pode cair na tentação de fazer um apostolado negativo, criticando um filme ruim de 2002, e restringir-se a um apostolado saudosista, elogiando um filme bom de 1966. Não seria interessante você fazer um apostolado duplamente positivo, elogiando filmes bons do século XXI, em lugar de silenciá-los e privar-nos de uma indicação prática? Este seu silêncio sobre as coisas positivas do presente é ainda pior do que viver obcecadamente falando das coisas ruins que acontecem hoje!

Parece-me, caro Fred, que você tem uma visível tendência (quase uma unilateralidade) para a crítica, a denúncia, o ataque. Por isso provoquei-lhe uma indicação elogiosa, indicação que agradeço de coração, mas que, de fato, não foi suficiente para a minha necessidade. Elogiar faz bem à saúde e, do ponto de vista apostólico, permite um diálogo com frutos fantásticos! Ficarei aguardando uma lista sua de filmes bons para eu ver!

Digo-lhe isso tendo por base uma experiência minha (que não gostaria de silenciar) como comentador de lançamentos editoriais. Dificilmente uso o espaço de que disponho para falar mal de um livro. Já o fiz, mas é raro. Critiquei com certa ironia um livro de Mario Prata: http://www.correiocidadania.com.br/ed166/cultura2.htm.

Na esmagadora maioria das vezes, porém, prefiro ressaltar os pontos positivos, o lado promissor, os aspectos que possam despertar-nos para a reflexão, para a beleza, para a virtude. Recomendo-lhe (se tiver tempo e interesse) a leitura de um pequeno artigo sobre o livro A casa dos budas ditosos, de João Ubaldo Ribeiro:

http://www.tanto.com.br/gabriel-perisse.htm. Uma última recomendação, em que menciono um livro de Saramago: http://www.webamigos.net/peris021.shtml
Espero seus comentários!   Gabriel Perissé

Mensagem de FV, em 03-11-2002:

Prezado Sr. Perissé, Salve Maria!

Não tenho muito tempo para cinema, motivo que dificulta fazer comentários sobre filmes que não conheço. O cinema, assim como a arte, é um dos meios que podem ser utilizados para influenciar a sociedade de forma quase imperceptível, seja para a virtude ou o vício.

Se deseja um bom filme recente, indico-lhe um intitulado “Guerra de Hart”, que me pareceu interessante sobre vários aspectos. Todavia, o mais recente que conheço é um documentário sobre o 11 de Setembro (o título é “11/09”). Esse filme foi feito dentro das Torres do WTC, antes e durante o desabamento. Ele mostra, de forma muito viva, a mudança da Opinião Pública americana.

É o que posso indicar, já que meu maior entretenimento é analisar os filmes segundo a influência deles, muito mais do que pela distração que proporcionam.

Peço desculpas pela demora em responder, mas estou com muito trabalho (e-mails, artigos, reuniões etc).
In Jesu et Maria  Frederico Viotti

Mensagem de GP, em 04-11-2002:

Prezado Fred!  Também estou com muito trabalho, e penso que nosso debate sobre cinema só tem sentido se realmente o vemos como fonte de reflexão sobre a sociedade e sobre o modo como os católicos podemos nos posicionar perante os filmes que nos são oferecidos.

Obrigado pelas indicações. O filme Hart’s War já estava na minha lista. Gosto dos filmes em que Bruce Willis atua.

Quanto ao documentário, é fácil encontrá-lo?

Você preferiu silenciar-se sobre o trecho final de minha mensagem anterior, que aqui transcrevo pela última vez [segue-se a transcrição da última parte de minha mensagem anterior].

Possivelmente não o comentou por sua falta de tempo, ou por achar que realmente não contribui para a nossa discussão. Ok, neste caso podemos encerrar por aqui!

Forte abraço!     Gabriel Perissé

Mensagem de FV, em 05-11-2002:

Prezado Sr. Perissé, Salve Maria! O silêncio é o que fez São Thomas Morus, já que você gosta de filmes.

Os filmes de hoje, infelizmente, não são muito recomendáveis, não só pelas cenas vulgares que costumam trazer, mas pelas tendências que espalham pela sociedade. Tendências que, paulatinamente, acostumam as pessoas a não dizer “não” quando é necessário, a ceder quase sempre, a se adaptarem à mentalidade do mundo, a viver sua Fé de forma individual, como se o Reino de Cristo na História não mais tivesse defensores. Ou como se a sociedade nascida do preciosíssimo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo devesse ceder lugar ao paganismo imperante no mundo de hoje.

Não sou unilateral, mas vejo que o mundo precisa cada vez mais de que pessoas digam “não” à sua mentalidade anticatólica, seja em seu silêncio eloqüente, seja nas suas palavras que denunciam.

Cada dia que passa nos acostumamos com a blasfêmia e fingimos que não é conosco. Não demorará muito para termos que fingir que os martírios não existem (veja o que ocorre hoje na Ásia e na África, onde católicos se tornam escravos ou são mortos).

Qualquer grupo, pequeno ou grande, busca manifestar sua força para marcar seu lugar. Assim fizeram os “homossexuais” que desfilam no mundo inteiro, assim fazem os abortistas que monopolizam os jornais.

Em grande parte graças à Marcha Pro-life, feita todos os anos nos EUA e que conta com mais de 100.000 participantes, o aborto não foi ampliado naquele país e começam a aparecer projetos cada vez mais apertantes contra qualquer financiamento do aborto por parte do Governo.

Se os católicos se unirem, eles podem muito. Mas o que ocorre, infelizmente, é que alguns preferem dizer “sim” quando quase tudo que a Igreja conseguiu nesses dois mil anos de cristianismo está sendo ameaçado. Quantos seguem e defendem os 10 Mandamentos inteiros? Alguns até defendem 9 Mandamentos, mas isso não basta.

Dizia Nossa Senhora do Bom-Sucesso, em Quito (Equador), que o maior pecado do século XX era a perda da inocência infantil.

E ao invés de dizermos com uma só voz “somos contra”, aparecem vozes que dizem “há algo de bom nisso”. É verdade, o mal não é absoluto. Até no demônio há algo de bom (que é a sua existência, o seu Ser). Todavia, não é elogiando o que há de bom no erro que se evitará a sua propaganda.

O que precisamos, Sr. Perissé, é fazer propaganda do nosso “não”, sempre que necessário.

Isso não impede de elogiarmos o que colabora nessa reação ao espírito anticatólico, sejam filmes ou movimentos, sejam manifestações, boletins ou jornais etc.

Com um cordial abraço, despeço-me.  In Jesu et Maria  Frederico Viotti

Mensagem de GP, em 05-11-2002:

Prezado Fred!

Concordo com você, quando se refere à necessidade de resistirmos ao mal, à blasfêmia, às manifestações que elogiam desvios sexuais, enfim, não sou adepto da passividade e do silêncio coniventes. No entanto, talvez por temperamento, talvez por ser carioca... dou preferência a um apostolado que, sem tapar o sol com a peneira, prefere elogiar o sol a ficar a vida inteira denunciando a peneira...

Não diria que devamos elogiar “o que há de bom no erro”, pois no erro não há nada de bom. O que podemos, sim, é elogiar, nas pessoas que erram, o que elas fazem de bom; elogiar nos filmes que têm cenas vulgares de sexo outras cenas que dão brecha para uma avaliação positiva do amor e do sexo; elogiar nos livros pouco elogiáveis... alguns lampejos de inteligência e beleza; elogiar na sociedade pecadora (da qual fazemos parte...) as iniciativas que será de justiça elogiar; elogiar os diferentes apostolados que os católicos fazem, cada um com a santa liberdade que o sangue de Cristo nos conquistou.

Eu, por exemplo, tenho aversão ao tom ranzinza que alguns católicos adotam, esse tom de crítica sistemática às coisas, ao mundo, esse tom que você adota, meu caro Fred, mas, ao mesmo tempo, procuro ver as boas intenções que há nessa sua crítica sistemática e rezo para que você mantenha a serenidade, a leveza de espírito, e nunca se deixe envenenar pelo zelo azedo...  E espero também que, no seu afã de denunciar e fustigar os males, você não esmague o trigo que, no meio do joio, aguarda com paciência o dia da colheita. Forte abraço!  Gabriel Perissé

Em busca do final feliz

Quando Frederico Viotti escreveu que não tinha muito tempo para o cinema, compreendi que aquela discussão fora, de certa forma, estéril. O cinema, para ele, e para tantos outros bons cristãos, não tem importância em si mesmo.

Talvez sem chegar a manifestar um aberto desprezo, essa atitude é, a meu ver, equivocada. Caracteriza um catolicismo anticinema (mais prático do que teórico), distante de uma posição de interesse real, sem medos infantis. Assim o depreendo de duas alocuções do papa Pio XII, reunidas sob o título Sobre o filme ideal [4] , duas alocuções de 1955 em que se destaca “o extraordinário poder do cinema na sociedade contemporânea”. Este poder, advindo dos avanços tecnológicos e da crescente perícia de todos os profissionais do cinema, permite transportar para a tela “o curso da vida humana nos seus múltiplos dramas, analisando sutilmente os ideais, as culpas, as esperanças, as mediocridades ou as grandezas duma ou várias personagens. Crescente domínio de inventiva e de elaboração do assunto tornou sempre mais vivo e palpitante o espetáculo, que se valeu também do tradicional poder da arte dramática de todos os tempos e todas as culturas, levando-lhe mesmo notável vantagem pela maior liberdade de movimentos, amplidão das cenas e outros efeitos próprios do cinema.”

É ainda nas palavras pelo nada modernista Pio XII que vamos encontrar um ponto de apoio para realçar a importância de um católico ou cristão (por mais conservador que queira ser) adquirir uma boa cultura cinematográfica, marcada pela visão crítica, sem dúvida, mas que ultrapasse os limites estreitos da denúncia e da censura. Diz este papa, com relação à representação do mal, que a vida humana não poderia ser compreendida em sua dramaticidade, se o cinema fechasse os olhos para os conflitos em que “a soberba, a ambição excessiva, a avidez do poder, a cobiça das riquezas, a infidelidade, as injustiças, a dissolução” são traços evidentes que foram tratados, não como objeto de aprovação velada ou explícita, mas como elementos próprios da tarefa narrativa, conforme testemunham as obras dos “maiores poetas e escritores, de todos os tempos e de todos os povos”.

Uma vez que não somos papas, não se trata de assumir constantemente ares pontifícios à hora de assistir aos nossos filmes, pois bem sabemos que o cinema ideal é uma busca sempre renovada de um final feliz.

O intento deste artigo era fazer trazer à mostra uma certa mentalidade entre alguns setores católicos, segundo a qual o cinema encontra-se no nível do entretenimento dispensável, ou deve ser constantemente vigiado, pois constantemente coloca em risco a nossa alma. Os católicos correm o risco, isto sim, de se afastarem de sua missão evangelizadora no meio do mundo (que deveriam amar apaixonadamente...) e da cultura. Superprotegidos, desprotegem-se, não desenvolvem os mecanismos de defesa que imaginam possuir, e, pior ainda, desobedecem àquilo que a própria Igreja lhes recomenda fazer — desenvolver uma percepção madura e pessoal da arte humana, evitando uma recepção automática, tanto na linha condescendente do “tudo é válido”, como na linha intransigente do “não vi e não gostei”.

Um exemplo recente de como a postura defensiva (e agressiva) de católicos bem-intencionados, mas insuficientemente formados, pode gerar equívocos e mal-entendidos. No prestigioso portal internacional católico ACI-IMPRENSA (Agência Católica de Imprensa - http://www.acidigital.com/), lê-se o seguinte comentário, em referência ao filme O senhor dos anéis: “Y aunque Hollywood será previsiblemente mezquina en premiar esta obra maestra del cine, el público ya ha dado su veredicto, no sólo convirtiéndola en un éxito de taquilla, sino también votando como la mejor película en todos los foros libres de Internet [5] .

A profecia não se concretizou. A 76ª edição do Oscar tornou O senhor dos anéis – O retorno do rei o grande vencedor, com 11 indicações e 11 prêmios.



[1] GARBIN, Luciana e PEREIRA, Paula. Um exército leigo, sóbrio e articulado a serviço da Igreja Católica. O Estado de S. Paulo, 29 fev. 2004.  em: http://txt.estado.com.br/editorias/2004/02/29/ger009.html  e http://txt.estado.com.br/editorias/2004/02/29/ger011.html?. Acesso em: 12-03-04.

[2] “Numerários”, na terminologia do Opus Dei, são aquelas pessoas que se sentiram chamadas por Deus para se dedicar às atividades da Obra, renunciando ao casamento, à assistência a espetáculos públicos, morando em comunidade nos centros da instituição e obedecendo cegamente a uma série de regras de conduta.

[3] Para conhecer melhor o trabalho de Frederico Viotti, responsável pela Frente Universitária Lepanto, pode-se ler uma entrevista sua em http://www.lepanto.com.br/EntrevistaLep.html. Acesso em: 13-03-04.

[4] Documentos Pontifícios n. 114. Petrópolis, Vozes, 1956.

[5] Veja em: http://www.aciprensa.com/Cine/pelicula.php?id=165. Acesso em: 13-03-04.