Home | Novidades Revistas Nossos Livros  Links Amigos

Avaliação dos Docentes Universitários
Teses academicamente incorrectas
sobre um mito do nosso tempo

 

Paulo Ferreira da Cunha
Prof. Catedrático - Fac. de Direito da Univ. do Porto

 

I. A Avaliação não foi descoberta agora

A demagogia na Educação instalou-se completamente.

Anuncia-se de vez em quando nos media, de forma pomposa, judiciosamente, que os professores do ensino superior podem ser avaliados pelos alunos. Descoberta da pólvora! Bravo!!! Dão-nos licença.... Como se a lei ou o poder no-lo permitissem agora...

Pessoalmente sou avaliado há muitíssimos anos, e outros são-no como eu.

Quem trabalha muito, investiga mesmo a dormir (o sonho é factor de imaginação criativa), está disponível (até se correspondendo com os alunos por e-mail: quer-se mais total disponibilidade?), quem não tem mais 3 empregos fora, não for antipático e souber umas coisas, animar as aulas, promover umas actividades interessantes, etc., parece não ter muito a temer... Embora não se agrade nunca cabalmente a todos, e sempre possa haver umas malquerenças, o bom senso acabará por prevalecer...

Não tenho que reclamar pessoalmente. Mas reclamo pela classe.

A avaliação não foi descoberta agora: já existe em muitas Universidades.

II. A Avaliação mede a popularidade e deveria ser responsabilizante

Mas sejamos claros: só serve para detectar a popularidade dos professores, e, no limite, apanhar os totalmente não cumpridores, que se espera sejam raros. Mas sempre e só se for olhada inteligentemente por quem possua muita experiência, muito bom senso: coisas cada vez mais raras, infelizmente.

Em geral, o “voto secreto” (desresponsabilizador) dos estudantes nesses inquéritos é apenas opinião, simples gostar ou não gostar. Tanto vale o voto do bom como o do mau aluno, tanto o do que foi às aulas como o do que lá vai só votar no último dia. E é importante saber-se quantos alunos votam, em que percentagem face aos inscritos e face aos que foram às aulas o ano todo.

Por outro lado, a avaliação tem de fazer-se na própria aula em que o docente está a ser avaliado, e não numa única classe para todos os docentes… Muito menos fora das aulas. Se é tudo respondido de atacado, quando chegam à última cruzinha - que estafa! - … lembrar-se-ão de quem estão a avaliar?

Mas mais ainda: seria interessante, isso sim, perguntar aos antigos alunos o que pensam, alguns anos passados, dos seus antigos professores. Essa avaliação, para além da imediata e imediatista, faria também ajuizar do que foi fugaz fascinação ou embirração, e do que foi influência perene.

Um outro aspecto problemático são as simpatias e antipatias, que, como sabemos, variam muito com a cor dos olhos, a idade, o sexo, e a cor política de cada professor…

III. Muitas Universidades capitularam na avaliação dos Estudantes

Há problemas profundos por detrás desta questão. Enquanto não se entender de vez que na sociedade há quem sabe e quem não sabe, e quem sabe não tem que ser escrutinado nessa veste senão por quem sabe mais, a comunidade continuará adiada e a fingir.

Sem dúvida que há muitas Universidades pelo mundo fora que de há muito vivem da popularidade professoral. Poucos estão para se maçar e enfrentar a barbárie que entrou portas adentro. Nisto da avaliação pergunto sempre: quem guarda os guardas? Para iludir as coisas, lá vem sempre o exemplo estrangeiro – mas lá fora (no lá fora de alguns cá dentro) há muito que o curso universitário vale pouco no mercado de trabalho e os professores já se renderam muito antes de nós. As Universidades são mais centros de investigação que subsidiariamente dão aulas, e muito mais subsidiariamente avaliam... Ora nós estamos longe dessa função, num país em que, apesar de tudo, ainda se confia nos títulos. Pelo menos nos de Universidades renomadas.

Continuo a não me queixar: sou um privilegiado, numa Faculdade com alunos até agora de excepcional nível (embora vá decaindo em geral com a estupidificação geral promovida pelo laxismo imperante no ensino secundário) - não faço nenhum favor em dar-lhes boas notas. Mas parece que há quem o faça por aí, em casas menos bafejadas pela sorte...

Por todo o lado se propõe avaliação: e também se querem avaliar as universidades pelo número dos diplomas que fornecem, independentemente da qualidade, claro. Em Itália, já se ironizou com isso:

“Che cosa penserebbero gli italiani se il Ministro della Sanità annunciasse che d’ora in avanti la qualità degli ospedali sarà valutata in base non al numero dei pazienti guariti ma al numero dei pazienti comunque dimessi, non importa se guariti o meno?” [1]

A propósito, em Itália, disseram-nos que, com base no mesmo processo de Bolonha que em Portugal nos faz truncar os cursos, aumentaram (pelo menos em algumas Faculdades) a duração do período para obtenção da laurea de 4 para 5 anos... Somos mais bolonheses que os bolonheses, mais papistas do que o Papa…

IV. Quem deve avaliar é só quem está no topo da carreira

Sobre avaliação dos docentes do ensino superior creio só haver logicamente uma resposta: ou o sistema está totalmente pervertido (e reconhecemos que títulos e graus e hierarquias de nada servem), ou então os únicos que podem julgar são os que se encontram no topo da carreira: todos (e não apenas uns happy few, amigos do poder) professores coordenadores e os catedráticos de nomeação definitiva, respectivamente no Politécnico e na Universidade, porque os únicos que foram avaliados toda uma vida, tendo ultrapassado os obstáculos. Sabemos que há génios noutros patamares, e que há génios autodidactas. Mas é preciso haver algum critério. O resto é demagogia.

V. A promoção artificial mediática e social é uma forma de fugir à vera avaliação

Aliás, essa demagogia anda de par com a muito difundida mania de querer vender gato por lebre, procurando o ensinante menos qualificado fazer-se passar por mais qualificado. Sobretudo se for social ou politicamente aspirante a mais. Sobretudo se tem múltiplo emprego, e precisa de se valorizar nos demais com o cartão de visita universitário. Em muitos países, a qualidade de assistente, que era na geração anterior à nossa muito prestigiante, passou de tal modo a representar (estultamente) uma vergonha social (pela hoje instalada mania das grandezas) que já ninguém quer ser assistente, e, cedendo à pressão social, a categoria deixou mesmo de existir em alguns países. Noutros, como Portugal, em que a categoria permanece, uma das formas de subir sem ser avaliado (ironisaríamos) é a de os assistentes se fazerem passar por “professores”, quer afirmando-se professores tout court, quer, mais subtilmente (e reconhecendo nós que só alguns de caso pensado claro), dizendo-se “docentes” ou “professores da cadeira X ou Y”… “Docentes” são realmente todos os que ensinam. Mas é nome alatinado, mais doirado para quem não quer “assistir”… Enfim, fechemos o parêntesis.

VI. A Pedagogia artificial não resulta. A Pedagogia em exercício, sim

A distinção entre capacidade científica e pedagógica procura iludir o problema. Para quem não percebe nada de coisas fulcrais, tudo seria magicamente melhor se os docentes universitários tivessem cursinhos e reciclagens dadas pelos pedagogos de serviço: que podem nada saber das respectivas matérias. Falácias e mais falácias. Esse ideal de Coménio de uma arte de ensinar tudo a toda a gente é complicado… Há muita formação pedagógica informal, tradicional, empírica e “em exercício” que vale mais que teorias de quem, sem saber, pretende ensinar os que sabem a ensinar aos que nada sabem…

VII. Pode haver “ maus” professores “bons” professores

Por outro lado, é bom que haja professores fora dos padrões pedagógicos das vigências.

Ninguém ignora que há cientistas quase mudos e antipáticos. E alguns deles introvertidos [2] . Mas, no limite, em países em que a investigação científica é paupérrima, poderemos prescindir deles, ainda que com o custo de serem menos apelativas as suas aulas? E o caso corrente nem sequer é esse: normalmente, a má pedagogia decorre também de má preparação científica. Quem sabe e se encontra apaixonado pela sua matéria até pelo simples exemplo de sua vida é um pedagogo. Deixemo-nos de formalismos e de mitos: o professor não é um palhaço de mil habilidades com vista a meter dados na cabeça dos estudantes; é um modelo, que mostra um caminho possível. Aprender é outro caminho, cada um, individualmente, tem de percorrer.

Por outro lado, ter apenas folies bergères pedagógicas é cansativo. Um ou outro professor medíocre faz descansar os alunos de tanto brilhantismo. Cursei três cursos superiores: Direito, Letras e Artes. Em todos eles tive professores brilhantes que nos tiravam o fôlego de tanto nos pôr a pensar, e professores mais cinzentos que nos debitavam matéria. Uns e outros são precisos. A todos agradeço.

VIII. Avaliação não pode ser demagogia

Quanto à avaliação: faço e farei enquanto me não proibirem os meus inquéritos, mas é só para saber se sou popular... Fraqueza narcisista, decerto... Deus me livre se acreditasse que sou bom ou mau professor pelos seus resultados.

A sociedade tem de ter os seus freios e contrapesos meritocráticos: senão a democracia degenera em demagogia e em anarquia. Ainda teremos um dia os arguidos a votar sobre a qualidade das sentenças dos juízes...



[1] Ernesto Calli della Loggia, Passato e Presente, in Sette, “Corriere della Sera”, n.º 39, 2003, p. 15.

[2] Cf. o excelente artigo de Jean Lauand "Vigência e Educação – a Ditadura da Extroversão"; Videtur No. 26, pp. 5-20, Porto, IJI-CEMOrOc-FEUSP, 2004.