Escritos do Curso e Sua Virtude
retornar é o mover do curso
suavidade seu operar
sob o céu
as dez mil coisas nascem no manifesto
o manifesto nasce do imanifesto
a pessoa superior escutando o curso
pratica-o zelosamente
a pessoa mediana escutando o curso
ora insiste ora desiste
a pessoa inferior escutando o curso
ri estrepitosamente
não risse não seria o curso
por isso há nos provérbios
o curso claro parece escuro
o curso progressivo parece retrógrado
o curso plano parece escabroso
a virtude superior parece um vale
a grande candura parece vergonha
a virtude larga parece avara
a virtude firme parece fugaz
a virtude sólida parece carcomida
o grande quadrado não tem cantos
o grande talento é tardio
a grande música dilui o som
a grande imagem não tem figura
o curso oculta-se no sem-nome
e só o curso em bem atuar a doação de si
o curso gera o um
o um gera o dois
o dois gera o três
o três gera as dez mil coisas
as dez mil coisa têm atrás sombra (Yin)
elas abraçam na frente a luz (Yang)
o éter vazio para compor a harmonia
o que os homens mais abominam
ser órfão viúvo indigente
reis e príncipes a si se intitulam
portanto
as coisas ora perder é ganho
ora ganhar é perda
a tradição dos homens eu também transmito:
os violentos não alcançam sua morte
eu o considerarei pai da doutrina
sob o céu o mais suave...
desembesta pelo mais firme sob o céu
sem manifestação penetra o impenetrável
por isso
eu conheço a vantagem de não-atuar
a doutrina sem palavras
a vantagem de não-atuar
sob o céu poucos alcançam
o nome ou a pessoa qual preferir ?
a pessoa ou as posses que valorizar ?
o ganho ou a perda qual dói mais ?
por isso
demasiada poupança traz grande dispêndio
excessivo acúmulo traz enorme desperdício
sabendo bastar-se não se passa vergonha
sabendo conter-se não se corre perigo
pode-se por isso pedurar
a grande realização parece defeituosa
seu efeito não degenera
a grande plenitude parece vazia
seu efeito não decresce
a grande retidão parece sinuosa
a grande habilidade parece bisonha
a grande eloquência parece balbuciante
o repouso vence a agitação
o frio vence o quente
pureza e repouso são o ajuste do mundo
sob o céu há curso...
desatrelam-se os corcéis para o adubo
sob o céu não há curso...
éguas de batalha procriam na fronteira
maior culpa: aquiescer ao desejo
maior violação: não saber bastar-se
maior falta: desejar obter
portanto
sabendo bastar-se ao que basta sempre basta
sem sair de casa conhece-se o mundo
sem espiar pela janela vê-se o curso do céu
quanto mais longe se vai tanto menos se conhece
por isso o homem santo...
não perambula... e conhece
não olha... e nomeia
não atua... e realiza
no estudo dia a dia se cresce
no curso dia a dia se decresce
decrescendo a mais decrescer
chega-se ao não-atuar
não atuando nada fica por atuar
conquista-se o mundo sempre por não ter afazeres
bastam afazeres que não se conquista o mundo
o homem santo não tem coração constante
pelo coração das cem famílias faz seu coração
com o bom eu sou bom
com o não bom também sou bom
tal é a bondade da virtude
com o fiel eu sou fiel
com o não fiel também sou fiel
tal é a fidelidade da virtude
sob o céu o homem santo é conciliador
faz os corações se misturarem sob o céu
as cem famílias lhe emprestam olhos e ouvidos
o homem santo a todos acriança
expor vida é impor morte
os adeptos da vida três em dez
os adeptos da morte três em dez
os que levam a vida ao campo de morte também três em dez
e a razão ?
viverem intensamente a vida
ouve-se do bom cultor da vida:
em terra não topa com rinocerontes ou tigres
na liça não sofre com armas e escudos
o rinoceronte não tem onde fincar o chifre
o tigre não tem onde fincar as garras
as armas não tem onde enfiar a lâmina
e a razão ?
não ter campo de morte
o curso lhes dá vida
a virtude dá cultivo
a substância dá forma
o ambiente dá desenvolvimento
por isso
as dez mil coisas...
todas a venerar o curso e dignificar a virtude
a veneração do curso a dignificação da virtude
eis que não se ordena vêm sempre por sí
portanto
o curso lhes dá vida
a virtude dá cultivo
o crescimento dá aprimoramento
a proteção dá maturação
a manutenção dá renovação
gerar sem possuir
atuar sem depender
presidir sem controlar
diz-se virtude mística
o mundo tem origem
esta é considerada a mãe do mundo
já tendo a mãe
conhece-se o filho
já conhecido o filho
novamente guarda-se a mãe
desaparecendo o corpo não periga
tapando suas entradas
trancando suas portas
findando o corpo não se aflige
abrindo suas entradas
prosperando seus afazeres
findando o corpo não se salva
ver o pequeno soa: alumbramento
conservar a suavidade soa: força
se usar sua luz retornando à sua iluminação
nada perde quando o corpo espectrificar
isto se diz: revestir de eternidade
se eu tivesse um saber especializado
e agisse conforme o grande curso
justamente sua efetuação eu temeria
o grande curso é bem plano
mas o povo gosta dos atalhos
a corte está bem mondada
mas os campos bem acizanados
e os celeiros bem vazios
enfeitam-se com brocados letrados
andam com espadas afiadas
enjoados com comes e bebes
bens e riquezas em profusão
isto se diz: ostentar rapina
não! não é o curso!
quem planta o bem este não perde a raiz
quem abraça o bem este não se separa
e filhos e netos não cessarão o culto ancestral
cultivado na pessoa a virtude será eficiente
cultivado na familia a virtude será copiosa
cultivado na comunidade a virtude será durável
cultivado no reino a virtude será fecunda
cultivado no mundo a virtude será universal
portanto
pela pessoa ver as pessoas
pela familias ver as familias
pela comunidade ver as comunidades
pela nação ver as nações
pelo mundo ver o mundo
eu como sei que o mundo é assim ?
pelo aqui
quem possui o denso da virtude
assemelha-se a uma criança nua
insetos venenosos não a picam
feras não a estraçalham
aves de rapina não a arrebatam
ossos moles tendões elásticos
mas agarra com força
ainda não conhece o acasalamento
mas o falo fala ereto
é o auge do sêmen
o dia inteiro grita sem rouquejar
é o auge da harmonia
conhecer a harmonia soa: eternidade
conhecer a eternidade soa: iluminação
acrescer a vida soa: fatalidade
o coração no controle do sopro soa: rigidez
as coisas reforçando-se caducam
isso se diz sem curso
sem curso logo o decurso
quem sabe não fala
quem fala não sabe
tapar as entradas
trancar as portas
abrandar o cume
desfazer o emaranhado
harmonizar a luz
conglobar o pó
diz-se: união mística
portanto
ela é incompatível com a intimidade
ela é incompatível com a estranheza
ela é incompatível com o ganho
ela é incompativel com a perda
ela é incompatível com a dignidade
ela é incompatível com a vileza
portanto
constitui a dignidade do mundo
com a normalidade governa-se o reino
com a anormalidade usam-se as armas
por não ter afazeres conquista-se o mundo
como eu sei que é assim ?
pelo aqui
sob o céu
quanto mais tabus e superstições
tanto mais pobre o povo
quanto maior a potestade da corte
tanto mais caótico o reino
quanto maior a inventiva dos homens
tanto mais coisas anormais
quanto mais leis e decretos promulgados
tanto mais ladrões e assaltantes
por isso
um homem santo esclareceu:
eu sem atuar o povo mudou por si
eu amante do repouso o povo por si endireitou
eu sem afazeres o povo por si enriqueceu
eu sem desejos o povo por si lenho-tosco
governo velado e sonado povo expresso e desperto
governo vigilante e atuante povo retraído e omisso
desgraça! em ti apoia-se a felicidade
felicidade! em ti encosta- se a desgraça
quem lhes conhece os limites ?
na anomia... o normal passa por anormal
o bom passa por simulacro
o desvio do homem... teus dias teimosamente duram
por isso o homem santo...
enquadra sem demarcar
canteia sem talhar
corrige sem deformar
transluz sem ofuscar
no governo do homem no serviço do céu
nada como temperança
só a temperança se diz submissão prévia
a submissão prévia diz-se virtude reiterada
virtude reiterada então invencibilidade
invencibilidade então não se conhecem os limites
sem os limites então pode-se ter o reino
tendo a mãe do reino pode-se perdurar
isto se diz: raiz profunda haste firme
é o curso da vida longa e visão perpétua
reger um grande reino é como fritar peixe miúdo
no mundo governado pelo curso
espectros não passam por espíritos
não só espectros não passam por espíritos
espíritos também não atormentam pessoas
não só espíritos não atormentam pessoas
o homem santo tambem não as atormenta
eis que ambos não se atormentando
a virtude congrega nele reintegrando
um grande reino é um rio no baixo curso
reunião do mundo fêmea do mundo
a fêmea sempre pelo repouso vence o macho
pelo repouso ela fica abaixo
portanto
se um grande reino ficar abaixo de um pequeno
então o grande conquista o pequeno
se um pequeno reino ficar abaixo de um grande
então o pequeno conquista o grande
portanto
uns ficam abaixo para conquistar
outros estando abaixo conquistam
um grande reino só quer juntar e nutrir pessoas
um pequeno reino só quer participar e servir pessoas
eis que para ambos conquistarem o almejado
convém que o grande fique abaixo
curso... recolhimento das dez mil coisas
tesouro dos bons refúgio dos não bons
belas palavras podem negociar honras
nobre conduta pode destacar dos outros
mas por que rejeitar os não bons ?
portanto
foi instituido o filho do céu
estabelecidos os três duques
contudo empunhar o cetro de jade
e com este à frente desfilar na quadriga
não vale assentar e adentrar -se no curso
e a razão dos antigos apreciarem o curso ?
não soa assim:
quem pede dele recebe
quem tem culpa por ele evita a perversão
portanto
constitui a dignidade do mundo
atue o não-atuar
ocupe-se em não se ocupar
saboreie o sem-sabor
engrandeça o pequeno
converta discórdia em virtude
delineie o difícil do fácil
faça o grande de sua pequenez
por isso
o homem santo nunca se engrandece
e pode realizar sua grandeza
eis que promessas levianas decerto são de pouca fé
muito fácil decerto é bem difícil
por isso
o homem santo considera tudo bem difícil
portanto não fica difícil
calmo é fácil manter
ainda imprevisível é fácil programar
quebradiço é fácil despedaçar
miúdo é facil de espalhar
atuar no ainda não-sido
por em ordem antes da desordem
árvore que braços unidos abarcam nasceu de raiz capilar
torre de nove andares surgiu de terra justaposta
jornada de dez mil leguas começa sob os pés
o atuante arruína-o
o abarcador perde-o
o povo na execução da obra sempre estraga no fim
cuidando do fim como do começo não se estraga a obra
por isso o homem santo...
deseja não desejar
não valoriza bens custosos
aprende a não aprender
recorre por onde os homens transpassaram
ajudando a natureza das dez mil coisas
isso sem ousar atuar
na antiguidade os que bem atuavam o curso
não procuravam iluminar o povo
mas sim assingelá-lo
o povo é ingovernável se a sabedoria excede
portanto
governar pela sabedoria é espoliar a nação
não governar pela sabedoria é prosperar a nação
quem sabe os dois aprofunda no ideal
saber aprofundar no ideal diz-se virtude mística
virtude mística...
profunda! longínqua!
retorna com as dez mil coisas
culmina na grande concórdia
rios e mares podem reger os cem vales
por saberem ficar abaixo deles
portanto
regem os cem vales
por isso o homem santo...
desejando ficar acima do povo
deve nas palavras ficar abaixo
desejando ficar à frente do povo
deve na sua pessoa ficar atrás
por isso o homem santo...
fica acima e o povo não sente o peso
fica à frente e o povo não sofre prejuizo
por isso
o mundo é alegremente impelido
e sem nenhuma opressão
por não disputar
sob o céu não se pode com ele disputar
sob o céu todos dizem que por ser grande
meu curso aparenta anormalidade
só por ser grande parece anormal
se normal há muito seria insignificante
eu tenho três jóias para guardar e cuidar
a primeira soa: misericórdia
a segunda soa: moderação
a terceira soa: não ousar primazia
primeiro misericórdia depois coragem
primeiro moderação depois generosidade
primeiro não ousar primazia depois dirigir o funcionalismo
hoje sem misericórdia quer-se coragem
sem moderação quer-se generosidade
sem ficar atrás quer-se primazia
isso já é morte!
eis que a misericórdia na ofensiva vence
na defensiva consolida
quem o céu quer salvar protege pela misericórdia
quem bem sabe fazer o militar não é marcial
quem bem sabe guerrear não é colérico
quem bem sabe vencer o inimigo não se faz presente
quem bem sabe utilizar homens fica abaixo deles
isto se diz: virtude de não competir
isto se diz: força empregar homens
isto se diz: o auge das bodas com o céu
de um estrategista a máxima:
eu não ouso ser o senhor mas o hóspede
não ouso avançar uma polegada recuo um pé
isto se diz:
avançar sem avançada
rechaçar sem braços
repelir sem hostilizar
capturar sem armas
maior desastre: desconsiderar o inimigo
desconsiderar o inimigo seria perder minhas jóias
portanto
exércitos antagônicos em confronto
o que for compassivo vence
minhas palavras... bem fáceis de conhecer
bem fáceis de praticar
sob o céu
são incognoscíveis são impraticáveis
as palavras têm tradição
os eventos têm regente
eis que só por não ter conhecer
não se conhece o eu
os que conhecem o eu são raros
então o eu é preciosidade
por isso
sob o traje aldeão o homem santo abriga jade
saber não saber sublima
não saber saber aliena
homem santo não se aliena
porque aliena a alienação
e só porque aliena a alienação
não se aliena
por isso
não se aliena
o povo não teme autoridade
então advém a grande autoridade
nada comprime sua moradia
nada oprime sua subsistência
só por não haver opressão não há ressentimento
por isso o homem santo
conhece-se a si mesmo sem se exibir
ama-se a si mesmo sem se dignificar
portanto
afasta o ali agarra o aqui
coragem com ousadia então morte
coragem sem ousadia então sobrevivência
ambas... ora benéficas ora maléficas
aquilo que o céu abomina alguém sabe a razão ?
por isso
o homem santo ainda aumenta as dificuldades
o curso do céu...
sem competir sabe bem vencer
sem falar sabe bem responder
sem conclamar vêm por si
e passo a passo sabe bem dispor
a rede do céu é espaçosa...
largas malhas e nada tresmalha
o povo não teme a morte...
para que assustá-lo com a morte ?
se o povo sempre temesse a morte
se ao inventor eu capturasse para matá-lo
quem ousaria?
há sempre o ofício da morte a executar
eis que usurpar o lugar da morte
seria talhar em lugar do grande lenhador
raro seria não ferisse as mãos
a fome do povo...
são seus superiores a devorar impostos
por isso a fome
o desgoverno do povo...
são seus superiores em atuação
por isso o desgoverno
desdém do povo pela morte...
são seus superiores no frenesi da vida
por isso o desdém da morte
eis que só quem não atua no viver
esse é virtuoso para dignificar a vida
o nascer do homem é pois suave e fraco
seu morrer é pois rígido e forte
o nascer da planta é pois suave e tenro
seu morrer é pois murcho e seco
portanto
rigidez e força são adeptos da morte
suavidade e fraqueza são adeptos da vida
por isso
arma é forte então não vence
árvore é forte então vira arma
força e grandeza são inferiores
suavidade e fraqueza são superiores
o curso do céu...
como lembra o retesar do arco!
o elevado é abaixado
o baixo é levantado
o mais é tirado
o menos é completado
o curso do céu...
tira do mais e completa o menos
o curso do homem é o reverso:
tira do menos para ofertar ao mais
quem pode ter a mais para ofertar ao mundo ?
só quem tem o curso
por isso o homem santo
atua sem depender
realiza a obra sem se ater
ele não quer mostra-se virtuoso
sob o céu
nada mais suave e mole do que a água
nada a supera no combate ao rígido e forte
por que nada pode modificá-la
a fraqueza vence a força
a suavidade vence a dureza
sob o céu
isso não se pode conhecer
isso não se pode praticar
por isso afirmou um homem santo:
quem arca com a sujeira do reino
pode dizer-se senhor do culto agrário
quem arca com os males do reino
pode dizer-se rei do mundo
palavras corretas parecem o reverso
no ajuste de uma grande discórdia
é inevitável subsistir discórdia
como pensar que seja um bem ?
por isso o homem santo...
cumpre a talha esquerda do contrato
não obriga a outra parte
com virtude cumpre-se o dever
sem virtude cumpre-se a cobrança
o curso do céu sem ser sentimental
sempre fica com o homem bom
pequeno reino pouca gente
instrumentos de dez ou cem que não se usem
as pessoas no temor da morte sem êxodos
barcos e carros sem razão para movê-los
armas e couraças sem razão para exibí-las
oxalá o povo voltesse ao uso dos quipos
ao doce de suas comidas à beleza de seus trajes
ao sossego de sua casa ao confortável de seus costumes
reinos vizinhos visíveis aqui e ali
rumor de cães e galos audíveis aqui e ali
a gente envelheça e morra sem vaivém aqui e ali
palavras fiéis não são belas
belas palavras não fazem fé
o bom não se discute
o discutível não faz bem
o saber não é extensivo
a erudição não faz saber
o homem santo não acumula bens
quanto mais faz aos outros tanto mais tem para si
quanto mais dá aos outros tanto mais é em si
o curso do céu beneficia sem prejudicar
o curso do homem santo atua sem disputar
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