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 Entrevista: Flávio P.  

 

(Flávio P., portador de esquizofrenia, é entrevistado por Luiz Ferri de Barros, na sessão do dia 17-4-02: “Os psicóticos e os normais", do Seminário Internacional Cristianismo - Filosofia, Educação e Arte - II. Edição: Hermengildo Marianetti Neto. Outros versos de Flávio P. são analisados no artigo de L.F. Barros: http://www.hottopos.com/mirand4/suplem4/decifra.htm)

Entrevistador (Luiz Ferri de Barros): Você é portador de esquizofrenia, é isso?

Flávio: Portador de esquizofrenia.

E: Desde quando, Flávio?

F: Desde os 21 anos de idade.

E: Quantos anos você tem hoje?

F: Cinqüenta.

E: Quer dizer que faz 29 anos que você tem esquizofrenia?

F: Vinte e nove anos.

E: O que você fazia aos 21 anos de idade?

F: Estudava na Getúlio.

E: Você quer falar um pouquinho disso pra gente?

F: Eu era estudante da Getúlio Vargas, segundo ano, aí, comecei, assim, a sentir... neurótico, inseguro... Aí eu fui ao médico e daí eu comecei a me tratar e me veio o diagnóstico só dez anos depois.

E: Você gostava de música também. É isso?

F: Gostava de música. Eu sempre estudei violão, sempre toquei violão.

E: E na bossa-nova você era parceiro de quem?

F: Carlinhos Vergueiro.

E: Carlinhos Vergueiro? Será que o pessoal novo aí conhece o Carlinhos Vergueiro?

F: Eu já fui internado 9 vezes, mas eu ficava pouco tempo internado. Eu nunca parei de trabalhar. Trabalhei nuns 10 lugares, em propaganda, cinema, música... Aí eu não conseguia ficar até o fim do emprego: ficava lá 4 meses, 1 mês e largava.

E: Mas nessas situações você fazia que tipo de trabalho?

F: Trabalhava... conhecia diretor de cinema, conhecia produtor de disco...

E: Você foi também office-boy.

F: Fui office-boy durante um ano e meio.

E: É verdade que você morou na rua?

F: Morei na rua um ano.

E: Por que?

F: Porque... eu tava psicótico, né? Eu resolvi... eu resolvi... parar com a pressão de dinheiro. Não sei... eu acho que... eu... eu...

E: A sua família tem recursos, Flávio?

F: Tem. Tem recursos.

E: E por que você foi morar na rua?

F: Porque eu... não agüentei mais a família, a sociedade

E: Mas seu pai às vezes ia te visitar na rua.

F: Ia, ia.

E: Te dava um dinheirinho...

F: Dava, dava. E eu resolvi morar na rua porque... eu tava psicótico... mas eu resolvi morar na rua porque... eu achava que tava tudo errado na sociedade. Então resolvi morar na rua.

E: Você pensou em se excluir da sociedade. Foi isso?

F: Me excluir da sociedade.

E: Conseguiu, ou não?

F: Não, não consegui, voltei pra casa numa boa e tô lá até hoje... to lá até hoje e não quero sair mais.

E: Que bom, hein?

F: Que bom, que bom!

E: Você quer tocar um violão pra gente?

F: Eu toco.

E: O que você vai tocar, Flávio?

F: A música é: Eu vou voar de avião:

Eu vou voar de avião,

No céu, não existe contramão.

Sei que vão falar das ruas tortas

Sei que vão dizer um trânsito cheio

Mas meu coração pedia umavião

E se cair, um tombo só

E aí mesmo, é pra lá que eu vou

Pro céu, do avião

Eu vou voar de avião

No céu, não existe contramão

(aplausos)

E: Toca mais uma...

F: Esta música eu fiz pra minha namorada, quando eu tinha 20 anos. Chama-se Renata.

 Eu tava marcando bobeira

Tocando viola

Passeando no centro

Do lado de fora

Do lado de fora...

Marcava analista às cinco

Comia banana,

Pegava uma praia

Do lado de fora

Do lado de fora...

Filava um cigarro

Andava de carro

Eu ia ao cinema

Pensava no pobre

Do lado de fora

Foi quando um rio se deu

Um rio estalou, um rio se deu,

Um rio estalou...

Agora eu toco viola

Eu vou ao cinema

E não vou ao analista

E passeio no centro

Renata do lado...

... do lado de dentro

 

E: Quer falar mais alguma coisa para o pessoal, Flávio?

F: Não, tudo bem, eu... eu estudei música uns dez anos, parei de estudar porque eu estava que nem o Jimmy Hendrix: tava quebrando a guitarra..., tava quebrando o violão. E agora eu estou tentando gravar essas músicas. Fiz uma fita num estúdio e gastei mil dólares para fazer a fita, com dez músicas minhas. E distribuí para os cantores e compositores. Quem sabe eles gravem. Só isso.

E: Tá bom, boa sorte, então!

F: Obrigado.

(aplausos)