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O Verdadeiro Sentido
da Pobreza

(notas de uma conferência especialmente preparada para o Projeto Jornal na Educação do “Diário da Região” de S. José do Rio Preto, março-2003)

Elian Alabi Lucci

 

Os bens materiais são, por natureza, egoístas, privados. Não enriquecem ninguém sem ao mesmo tempo empobrecer outros. Aqueles que hoje consumimos inconsideravelmente são subtraídos às gerações vindouras” (Raniero Cantalamessa)

Quando se falava outrora dos pobres, falava-se dos pobres de sua cidade, ou no máximo da cidade vizinha. Porém, devido as novas possibilidades de comunicação, o problema da pobreza tornou-se planetário: metade da população mundial vive com 2 dólares dia.

Nossa proposta é que a pobreza não se resolve com medidas ou atitudes simplistas – dar comida. Nesse sentido, basta que nos lembremos de uma canção dos Titãs  na qual se diz que “o povo não quer só comida”. Isto, como diria Nelson Rodrigues, é o óbvio ululante.

Os pobres existem! E estão em toda parte. É preciso dar-se conta da existência deles. A expressão “os pobres” provoca, nos paises ricos, o mesmo efeito que nos antigos romanos provocava a expressão “os bárbaros”: confusão, pânico. Eles se empenhavam em construir muralhas e enviar exércitos para as fronteiras para vigiá-los; nós fazemos a mesma coisa de outros modos. Entretanto, a história nos mostra que tudo isso é inútil.

Nossa tendência é interpor entre nós e os pobres vidros duplos. O efeito desses vidros, hoje tão comuns, é impedir a passagem do frio e dos ruídos, tudo abrandar, fazer tudo chegar abafado, atenuado.

Com efeito, vemos os pobres que se movem, se agitam, gritam na tela da televisão, nas páginas dos jornais e das revistas missionárias, mas o seu grito nos chega de muito longe. Não penetra nosso coração. Nós nos pomos ao abrigo deles.

Com o tempo, infelizmente, nos acostumamos a tudo, inclusive,a miséria alheia. E ela não mais nos impressiona tanto e nós aacabamos por considerá-la inevitável.

No relatório 2000/2001 sobre o Desenvolvimento Mundial dedicado ao tema do combate a pobreza, podemos observar paradoxalmente que nunca se produziu tanto e em nenhum momento se aplicou tanta ciência para a produção de bens e serviços e, apesar disso, 2,8 bilhões de pessoas, ou seja, quase metade da população mundial, vivem com menos de 2 dólares/dia.

 Em nosso país, o BIRD, que trabalha com dados oficiais do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estimava em 2002 o número de pobres em 54 milhões, dos quais 22 milhões eram indigentes.

O que podemos fazer efetivamente de concreto pelos pobres pode resumir-se em três palavras: amá-los, tratá-los com dignidade e socorrê-los.

Amar os pobres significa principalmente respeitá-los (é notório o preconceito contra os pobres, que são sistematicamente preteridos, digamos, no serviço público ou na vida em geral...) e reconhecer sua dignidade, sobretudo hoje quando, na sociedade globalizada em que vivemos, não se respeita de uma forma geral a dignidade da pessoa. Ela é apenas considerada como um comprador em potencial por aquilo que ela pode consumir e obviamente dar lucro.

Os pobres não merecem apenas nossa comiseração e compaixão (“Coitadinhos,  como sofrem!!”) também merecem nossa admiração. Eles vivenciam a humanidade em situações limite. Do mesmo modo que no rally se testa o automóvel em condições extremas, os pobres vão a fundo nas capacidades do ser humano.

Hoje, porém, não basta mais a simples esmola. Existem muitos outros modos de fazer os próprios bens servirem aos pobres. Um dia, um rico industrial italiano, procurou uma irmã de clausura para lhe pedir um conselho. Tenho muito dinheiro e não sei como fazer para ajudar os pobres e se preciso dar-lhes - como Cristo indicou - tudo o que tenho. A irmã pediu um dia para pensar. No dia seguinte disse ao industrial: “Tens dinheiro disponível neste momento, então amplia a tua indústria e dá mais emprego aos operários”. A verdade é que não basta dar (dar ticket, dar comida, dar uma renda mínima) é preciso amar, ou seja criar condições para que eles possam realizar-se. É disto que os excluídos mais precisam.

A Idolatria do Dinheiro – Raiz de Todos os Males

A raiz de todos os males, que nos assolam hoje, sobretudo a grande desigualdade social e por conseqüência a extrema pobreza de grande parcela da população está no enorme valor que se dá ao dinheiro.

O mundo de hoje proclama aos quatro ventos: tudo é possível para quem tem dinheiro. E, num certo nível, todos os acontecimentos a nossa volta parecem confirmar essa máxima.

Karl Marx, que fez uma das análises mais penetrantes do dinheiro, fala da onipotência alienante do deus dinheiro. Também Shakespeare arremete pesadamente contra ele, o deus Mamon, como é conhecido o dinheiro, quando diz: “Metal maldito, tu, prostituta comum da humanidade, que semeias a discórdia entre os povos”. Antes deles ainda, já o poeta pagão Virgílio falava da “execrável sede do ouro”. Enfim, por trás de todos os males da nossa sociedade encontra-se o dinheiro; ou pelo menos encontra-se também o dinheiro. Para que isto não perdure e um novo modus vivendi seja legado às próximas gerações é mister “educar para o dinheiro”, para o reto uso do dinheiro.

Para isto, uma das palavras que precisa ser resgatada e posta em prática por nações, empresas e pelas pessoas é sobriedade. Sobriedade indica a capacidade de moderar-se, usar sensatamente as coisas, temperança.

São Francisco, reconhecido universalmente como o “pai dos pobres”, pondo-se contra o capitalismo incipiente em sua época falava aos quatro ventos da boa pobreza e da má pobreza. A boa pobreza é sermos pobres de coisas e ricos de virtudes, enquanto a má pobreza, pelo contrário, é ser rico de coisas e pobre de virtudes. E hoje o pensador Jean-François Revel, diz que infelizmente, quando se diz que alguém é virtuoso é chamado de hipócrita. È assim que se vê a virtude em tempos de globalização onde o que importa é ter dinheiro para ter poder: poder de compra e de mando. E exatamente por conta desta globalização financeira podemos dizer que estes brados de revolta são impotentes. O deus dinheiro, por assim dizer, ri-se de tudo isso.Uma crítica profícua da onipotência do dinheiro só se pode fazer conhecendo outra ordem de riqueza, uma instância superior que o relativiza e o julga.

Um grande negociante inglês, ao final de um artigo que escreveu sobre o dinheiro, e que acabou se constituindo em seu testamento intelectual, dizia assim: “O dinheiro é uma coisa que mancha e o único modo para não se deixar manchar por ele é usá-lo honesta e generosamente. Devo considerá-lo como meio de fazer o bem aos outros e não em função da minha exclusiva felicidade e segurança. Eu sou um simples administrador para usar os talentos e riqueza obtida e quando da minha ida, serei julgado sobre a minha administração e não sobre a minha riqueza. Não posso servir-me do dinheiro para contratar um advogado melhor para fins escusos ou para corromper um juiz, mas para deixar um testemunho de uso digno e correto dos bens que recebi em vida”.

Caberia agora, a guisa de conclusão, relembrar um oportuno princípio de Pascal sobre as três ordens de grandeza nas quais o homem pode realizar-se: a ordem material dos corpos, a intelectual e a sobrenatural, da santidade.

Um abismo – prossegue Pascal - separa essas várias ordens do mesmo modo que um abismo separa os três reinos da natureza: mineral, vegetal e animal. As riquezas materiais nada acrescentam nem suprimem ao gênio que atua num plano diferente. As grandezas materiais como as intelectuais nada acrescentam nem suprimem ao santo que pertence a uma outra ordem e tem por testemunha o próprio Deus, não os olhos ou as mentes dos curiosos. Alguns, conclui Pascal, só sabem admirar as grandezas carnais como se não houvesse as intelectuais; outros, só admiram as intelectuais como se na ordem da sabedoria não houvesse outras realidades infinitamente mais elevadas.