As Operações do Cálculo
Diferencial e Integral:

Parte I - Limite

 

João Cardoso Pereira Netto
(Univ. Mogi das Cruzes)

Introdução

           

O Cálculo Diferencial e Integral está fundamentado em um conjunto de operações envolvendo quatro operadores: limite, diferencial, derivada, e integral. A análise teórica desses tópicos nos livros texto de Cálculo Diferencial e Integral [1-4] encontra-se bem desenvolvida, principalmente do ponto de vista do rigor matemático. Talvez devido a esse rigor matemático associado à abstração conceptual que o assunto exige, e a falta de preparo dos alunos em absorver conceitos e idéias abstratas, parece que esses itens são apresentados de forma isolada, como se a ligação entre eles fosse puramente matemática. Na realidade existe, além da relação matemática, uma ligação física muito forte entre esses operadores que pode ajudar o aluno de graduação a compreender melhor o significado e a aplicação dessa importante ferramenta matemática. Através do limite se chega na diferencial e na derivada. A integral é uma operação sobre a diferencial; o resultado mais simples de uma integral é uma diferença, cuja aplicação é fundamental nas Ciências Exatas.

A seqüência de tópicos que constitui o Cálculo Diferencial e Integral, e a ligação entre esses operadores pode ser esquematizada da seguinte maneira:
 

Fig. 1- Esquema das Etapas que formam o Cálculo Diferencial e Integral

Neste primeiro artigo vamos apresentar particularidades dos limites, revendo antes algumas propriedades das funções, que são importantes para uma compreensão correta desses operadores.

Funções

Função [1a - 4a] é uma regra ou uma lei de correspondência que associa um único valor a uma variável y, para cada valor atribuído à variável x. O valor de y é representado por f(x), de modo que se pode escrever:

y  =  f(x)  =  y(x)                                                    (1)

De acordo com essa definição, a curva:

Fig. 2- Representação de uma curva que não é uma função

na qual para um dado valor de x, x1, são possíveis dois valores para y, y1 e y2, não pode representar uma função.

A generalização dessa definição para mais variáveis, é que é uma regra ou lei de correspondência que associa um único valor para a variável  z, para cada conjunto de valores atribuídos às variáveis x, y, t, ...; em símbolos,

z  =  f(x, y, t, ...)  =  z(x, y, t, ...)        (2)

Essa forma de representar uma função chama-se forma explícita; ela dá um significado físico à forma como está escrita e, ao mesmo tempo, identifica os tipos de variáveis que participam da sua estrutura; assim, na Eq. (2) está indicado que se deseja estudar o comportamento da variável z em função das variações de x, y, t, etc. É por esse motivo que z é denominada variável dependente, enquanto que as outras são chamadas de variáveis independentes, esquematicamente,

Existe uma outra forma de representar uma função, chamada forma implícita, na qual são identificadas somente as grandezas que participam de um determinado fenômeno; em símbolos, tem-se:

f(x, y, z, t, ...) = 0           (3)

É fácil notar que nessa representação não é possível identificar a forma de estudo que está sendo realizada.

Um aspecto importante que deve ser salientado é que na forma da Eq. (2), a variável dependente só pode assumir um único valor para cada conjunto de valores das variáveis independentes.

Existem várias formas de estudar e de classificar as funções; neste resumo, são analisadas somente as funções denominadas de ponto e de linha.

Funções de Ponto

Uma grandeza física (propriedade) é uma função de ponto quando em um estado definido do sistema assume sempre o mesmo valor, independentemente do processo  utilizado para atingir esse estado. São as propriedades que definem a situação de um sistema (estado), em um determinado instante. São chamadas propriedades de ponto, propriedades de estado, propriedades do sistema, ou ainda de propriedades termodinâmicas. Sua representação em um diagrama qualquer é de um ponto; assim, considerando as variáveis P, V e T, que definem os estados de um sistema fechado (massa constante), para uma dada temperatura constante, cada ponto da curva corresponde a um estado do sistema. No diagrama P x V, temos:                               


Fig. 3- Representação de uma Função de Ponto

Função de Linha

            Uma grandeza física é uma função de linha quando o valor atribuído a ela depende de um caminho (trajetória) percorrido pelo sistema; deste modo, as funções de linha são as propriedades que estão relacionadas diretamente com uma determinada transformação sofrida pelo sistema. Também são chamadas de propriedades da transformação ou propriedades de linha. Em um diagrama sua representação é de uma linha unindo os dois estados entre os quais a transformação está ocorrendo. As diferentes linhas que unem os dois estados correspondem a transformações diferentes. Considerando o exemplo anterior, sejam 1 e 2, dois estados de um sistema.

Fig. 4- Representação de uma Função de Linha

As duas linhas que unem os estados 1 e 2 são duas das infinitas transformações possíveis entre eles. Considerando, em seguida, as áreas sob as linhas descritas pelas transformações, é fácil notar que elas são diferentes.

Limites

Limite [1b, 2b, 3a, 4b] é uma operação matemática cujo objetivo inicial é encontrar o valor de uma função ou grandeza, ou a expressão que represente o comportamento de um fenômeno em situações matemática ou fisicamente inatingíveis.

Nas Ciências Exatas são empregados três formas distintas de limite, a saber:

a) limite matemático

b) limite experimental

c)  limite funcional

Limite Matemático

O limite matemático é aquele que resulta da definição de limite e que se encontra em todos os livros texto de Cálculo Diferencial e Integral [1b, 2b, 3a, 4b]. Sua operacionalidade consiste em substituir na função y = f(x) o valor x0 para o qual tende o valor da variável independente x (essa tendência é representada por uma seta ®). O resultado obtido é o valor para o qual tende y quando x ® x0. Se ocorrer uma indeterminação, esta será levantada empregando técnicas, que são também bem apresentadas nos livros de Cálculo, destacando-se entre outras, o método de L'Hôspital. Exemplificando, para calcular o limite da função:

y  =  f(x)  = 

quando x ® 1, escrevemos:

lim   =  , indeterminado

 

Fatorando, x3 - 1 =  (x - 1).(x2 + x + 1), de modo que:

 = ,

Portanto,

lim  =  lim (x2 + x + 1)  =  3

                       

Existe outra aplicação muito importante do limite matemático, que é a seguinte:

o limite de um quociente, escrito na forma , quando , ou

lim

introduz uma nova operação matemática chamada derivada de uma função que, devido suas propriedades e aplicações, mereceu uma nova representação simbólica,

lim  =                                                          (4)

Nas Ciências Exatas esse limite é utilizado com dupla finalidade: como instrumento de cálculo através da derivada, e para introduzir definições rigorosas para novas grandezas físicas ou para grandezas físicas já utilizadas; assim, a velocidade e a aceleração de um móvel são definidas rigorosamente por:

v  =  lim  =        e        a  =  lim  =

                                                                   

Limite Experimental

O limite experimental não surge da matemática (a matemática não depende da experimentação); ele é fruto do pesquisador das Ciências Exatas que trabalha com a Física, a Química, a Biologia, etc. O limite experimental é um número, com ou sem unidade, para o qual tende o valor de uma propriedade física que está sendo objeto de estudo, em condições tais que é impossível realizar a experiência (pressão P ® 0, temperatura T ® 0, T ® ¥, volume V ® 0, concentração C ® 0, etc). Assim, por exemplo, em pressões constantes e baixas, a temperatura de um gás tende a -273,16 ºC, quando V ® 0, conforme se pode observar no gráfico adiante.

Fig. 5- Variação do volume de um gás com a temperatura

A observação experimental sugere que todos os gases têm um comportamento semelhante, tendendo para o mesmo ponto A. Como é impossível realizar um experimento no ponto A (é impossível um volume igual a zero), a forma de expressar esse resultado é através do limite:

lim q  qA  =  - 273,16 ºC       (5)

V®0

É sugestivo notar que não há vínculo, na forma de escrever o limite, entre q e V. Existem vários resultados de fenômenos ou propriedades das Ciências Exatas que dependem desse tipo de limite.

Limite Funcional

O limite funcional também tem sua origem na experimentação; na tentativa de obter leis para explicar o comportamento de certos fenômenos, foram empregados quase sempre situações que mais tarde verificou-se tratar de simplificações drásticas realizadas sobre o fenômeno estudado. Essas leis obtidas através da experiência são denominadas leis empíricas. Através do limite funcional, o que se deseja é dar rigor a uma expressão obtida empiricamente, cuja validade é obedecida somente em condições de impossibilidade experimental. Exemplificando, a lei de Boyle [5a, 6a] para os gases ideais escrita na forma:

P.V  =  k1, com k1  =  k1(n, T)                    (6)

não está correta, uma vez que para um certo tipo de gás na pressão de 50 atmosferas ela não é obedecida. Na forma como está escrita ela seria correta somente para os gases perfeitos, isto é, varrendo todo o intervalo de pressão. Sabe-se, no entanto, que essa lei se aproxima cada vez mais do valor experimental à medida que se tomam pressões mais baixas, de forma que no limite, para P ® 0, ela deve ser obedecida rigorosamente; consequentemente, a lei de Boyle para os gases ideais deve ser escrita como [7a]:

lim P.V  =  k1                            (7)

P®0

Devemos observar que neste caso de limite não se pode substituir a pressão P por zero para achar o limite, pois forneceria um resultado absurdo, uma vez que k1 ¹ 0. Expressões semelhantes devem ser escritas para as outras leis dos gases ideais, inclusive a equação do gás ideal,

lim P.V  =  n.R.T                         (8)

P®0

São inúmeros os resultados expressos por leis limites nas Ciências Exatas; de um modo geral, quando no estudo de um certo fenômeno dizemos que um determinado resultado é uma lei limite, ela se refere a esta forma de representação e deve ser escrita rigorosamente com o limite e a condição que a conduz a uma lei limite. Alguns resultados são:

a)  fator de compressibilidade [6b, 7b]

lim Z  =  1                       (9)

P®0

b)    lei limite de Debye-Hückel [8a]

lim log g±  =  -0,509.                (10)

r®r0

onde r é a densidade da solução e r0, do solvente, g± é o coeficiente de atividade médio, I é a força iônica, e z+ e z- são as cargas do cátion e do ânion.

c) Lei de Kohlrausch [8b]

lim L0                  (11)

c®0

onde L é a condutância molar na concentração molar c, e L0 é a condutância molar à diluição infinita.

O estudo teórico também pode levar a resultados que correspondem a um limite funcional. Isto acontece, por exemplo, quando se obtém uma expressão complicada, difícil de ser analisada, a partir da qual, expressões mais simples são obtidas. Assim, quando se tem uma expressão que vale em todo o intervalo de uma certa variável independente, e se deseja calcular um resultado limite para essa expressão, empregam-se as  técnicas da Teoria dos Limites, para obter a expressão desejada. É o caso que ocorre quando tomamos a expressão teórica da Radiação do Corpo Negro segundo Planck [9],

ul                  (12)

e queremos mostrar que ela se identifica com as leis limites de Wien (l ® 0) e de Rayleigh - Jeans (l ® ¥).

Conclusão

            A forma de abordagem dos limites segundo suas aplicações nas Ciências Exatas deve levar o aluno a uma melhor compreensão quanto à utilização dessa importante ferramenta matemática.

Referências Bibliográficas

1-      Simmons, G. F., Cálculo com Geometria Analítica, vol. 1, Makron Books do Brasil Editora Ltda, S. P., 1987, a) pg. 36, b) pg. 94;

2-      Munem, A. M. e Foulis, D. J., Cálculo, vol. 1, Guanabara Dois, R. J., 1982, a) pg. 21, b) pg. 51;

3-      Kaplan, W., Cálculo Avançado, vol. 1, Editora da Universidade de São Paulo, S. P., 1972, a) pg. 14;

4-      Thomas Jr, G. B. e Finney, R. L., Cálculo Diferencial e Integral, vol. 1, Livros Técnicos e Científicos Editora S. A., R. J., 1982, a) pg. 19, b) pg. 52;

5-      Atkins, P. W., Físico - Química, vol. 1, sexta edição, Livros Técnicos e Científicos Editora, R. J., 1999, a) pg. 15;

6-      Castellan, G., Fundamentos de Físico - Química, Livros Técnicos e Científicos Editora, R. J., 1995, a) pg. 8, b) pg. 34;

7-      Fried, V., Hameka, H. F. e Blukis, U., Physical Chemistry, MacMillan Publishing CO., Inc., N. Y., 1975, a) pg. 5, b) pg. 13;

8-      Moore, W. J., Físico - Química, vol. 2, Editora da Universidade de São Paulo, S. P., 1976, a) pg. 415, b) pg. 390;

9-      Tipler, P. A., Física Moderna, Guanabara Dois, R. J., 1981, pg. 88;