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 Avaliação do Ciclo de Vida (ACV):
Uma Ferramenta Importante da
Ecologia Industrial

 

Celso Munhoz Ribeiro, Biagio F. Gianneti e Cecilia M. V. B. Almeida

 

Ecologia Industrial  

A Ecologia Industrial é uma resposta, da comunidade de Engenharia, ao impacto do sistema industrial nos os ecossistemas naturais que o mantém. A relação indústria/ambiente atual é insustentável e deve ser modificada - uma tarefa que exige grande participação dos engenheiros.

A Ecologia Industrial mostra que não se pode continuar realizando avaliações fragmentadas de impactos ambientais causados pela produção industrial. As oportunidades de redução da geração de rejeitos e do consumo de matérias primas e energia devem ser analisadas de forma sistêmica, visando interligar o destino de materiais e de sua transformação em produto por meio de vários processos.

A Análise do Ciclo de Vida constitui uma ferramenta indispensável para o melhor acompanhamento dos ciclos de produção e a identificação de alternativas de interação entre processos.

O que é a Avaliação de Ciclo de Vida?

“A avaliação inclui o ciclo de vida completo do produto, processo ou atividade, ou seja, a extração e o processamento de matérias-primas, a fabricação, o transporte e a distribuição; o uso, o reemprego, a manutenção; a reciclagem, a reutilização e a disposição final" [1].

Avaliação do Ciclo de Vida - ACV (Life Cycle Assessment - LCA) é um método utilizado para avaliar o impacto ambiental de bens e serviços. A análise do ciclo de vida de um produto, processo ou atividade é uma avaliação sistemática que quantifica os fluxos de energia e de materiais no ciclo de vida do produto. A EPA (Environmental Protection Agency, dos Estados Unidos) define a Avaliação de Ciclo de Vida como “uma ferramenta para avaliar, de forma holística, um produto ou uma atividade durante todo seu ciclo de vida” [2]. O ciclo nada mais é que a história do produto, desde a fase de extração das matérias primas, passando pela fase de produção, distribuição, consumo, uso e até sua transformação em lixo ou resíduo. Por exemplo, quando se avalia o impacto ambiental de um carro deve-se considerar não só a poluição causada pelo funcionamento do veículo, mas, também, os possíveis danos causados por seu processo de fabricação, pela energia que utiliza, pela produção de seus diversos componentes e seu destino final. A avaliação do ciclo de vida leva em conta as etapas “do berço à cova” (Fig. 1) ou considerando-se o aproveitamento do produto após o uso, do “berço ao berço”.

Figura 1. Representação de uma Eco-rede, mostrando a otimização dos fluxos de materiais/energia devida à formação da rede. A Avaliação de Ciclo de Vida segue os principais  fluxos de material e energia que participam da formação de um determinado produto. Considera-se, também, o impacto causado pelo uso do produto e por seu descarte.

Para que se dê início a uma Avaliação de Ciclo de Vida, um fluxograma do processo é construído, especificando todos os fluxos de material e energia e entram e saem do sistema. O diagrama simplificado da Fig. 2 mostra os principais estágios do ciclo de vida de um produto. O primeiro passo é a aquisição de matéria prima (extração de recursos naturais), o que pode incluir, por exemplo, o plantio de árvores ou a extração de petróleo, dependendo do produto estudado (1). No estágio seguinte a matéria prima é processada para obtenção dos materiais ou peças de, por exemplo, papel ou plástico. Estes materiais já processados são então transformados em produtos como copos descartáveis, objetos de plástico ou metal, no estágio de manufatura do produto (2). Depois destas etapas, ocorre a embalagem e o transporte, que podem ou não ser de responsabilidade do fabricante (3), o uso (4) e o descarte ou a reciclagem (5).

Figura 2. Atividades nos cinco estágios de ciclo de vida de um produto (adaptado de [3]).

A ACV, portanto propõe uma análise bastante complexa, com muitas variáveis. Por este motivo, há uma estrutura formal, dividida em etapas, para a realização de uma avaliação do ciclo de vida de um produto:

·  Definição dos objetivos, limites do estudo e escolha da unidade funcional.

·  Realização do inventário de entradas e saídas de energia e materiais relevantes para o sistema em estudo

·  Avaliação do impacto ambiental associado às entradas e saídas de energia e materiais ou avaliação comparativa de produtos ou processos: avalia os impactos devidos às emissões identificadas e ao consumo de recursos naturais e interpreta os resultados da avaliação de impacto com a finalidade de implantar melhorias no produto ou no processo. Quando a ACV é utilizada para comparar produtos, esta etapa é a que recomenda qual produto seria ambientalmente preferível, além de identificar oportunidades de melhoria de desempenho ambiental no ciclo de vida dos mesmos.

A ACV pode auxiliar:

·  na identificação de oportunidades para melhorar aspectos ambientais dos produtos em vários pontos do seu ciclo de vida;

·  na tomada de decisões na indústria, organizações governamentais e não-governamentais;

·  na seleção de indicadores pertinentes de desempenho ambiental, incluindo técnicas de medição;

·  no marketing (por exemplo, uma declaração ambiental, um programa de rotulagem ecológica ou uma declaração ambiental de produto). 

A norma que fornece os princípios e estruturas e alguns requisitos metodológicos para a condução de estudos de ACV é a NBR ISO 14040. Detalhes adicionais relativos aos métodos são fornecidos nas normas complementares: ISO 14041, ISO 14042 e ISO 14043, em relação às várias fases da ACV [4].

A Avaliação do Produto

Os cinco estágios de ciclo de vida de um produto são mostrados na Fig. 2. O primeiro estágio, extração de recursos naturais, é realizado por fornecedores, que cuidam da extração e da produção das matérias-primas e/ou componentes. O segundo estágio é a transformação de produtos sob o controle das indústrias. O terceiro estágio, acondicionamento e expedição, está geralmente sob o controle do fabricante, embora produtos mais sofisticados possam necessitar de uma malha  de fornecedores e  empreiteiros. O quarto estágio, o da utilização pelo consumidor, é influenciado pelo projeto do produto e pelo grau de interação contínua do fabricante.  No quinto estágio, um produto já obsoleto ou defeituoso é descartado ou revisado. Este último estágio, que usualmente não é considerado pelo fabricante, o será no futuro devido à expansão das atividades envolvendo leasing e devolução ao mesmo (programas de takeback). O segundo e o terceiro estágios são vistos como aqueles onde há a maior responsabilidade ambiental da indústria, mas a visão crescente dentro e fora das corporações é a de que um produto ambientalmente responsável minimiza seus impactos ambientais  em todos os seus cinco estágios. 

Definido o objetivo da avaliação é realizado um inventário determina as emissões que ocorrem durante o ciclo e a quantidade de energia e matérias primas utilizadas. Consiste, basicamente de um balanço de massa e energia em que todos os fluxos de entrada devem corresponder a um fluxo de saída quantificada como produto, resíduo ou emissão. A elaboração do inventário leva ao conhecimento detalhado do processo de produção. Com isto, pode-se identificar pontos de produção de resíduos e sua destinação, as quantidades de material que circulam no sistema e as quantidades que deixam o sistema, determinar a poluição associada a uma unidade do sistema e identificar pontos críticos de desperdício de matéria prima ou de produção de resíduos. 

O inventário, por si só, permite a tomada de decisões sobre os investimentos necessários em determinadas partes do processo e a análise técnica para a escolha de soluções para os problemas determinados (reciclagem, reutilização, mudança de processo ou parte dele).

Os resultados da fase de inventário são apresentados em tabelas para realização da próxima fase, a avaliação do impacto. As quantidades de material e energia de cada ciclo da tabela são provenientes do inventário detalhado de cada etapa que compõe o ciclo.

Avaliação do impacto ambiental

O objetivo da avaliação do impacto do ciclo de vida é compreender e avaliar a magnitude e importância dos impactos ambientais baseados na análise do inventário.O mais importante efeito da aplicação do ACV é a minimização da magnitude da poluição causada por um determinado processo [5]. A conservação de matérias primas não renováveis, como as fontes de energia, podem ser, também o objetivo de uma avaliação, assim como a conservação de sistemas ecológicos em áreas sujeitas a um balanço de suprimentos delicado, como regiões onde a água é escassa. A produção de resíduos representa perda de reservas e resulta em degradação do meio ambiente.

O impacto é avaliado por meio da utilização de fatores de impacto e fatores de peso, mas esta aproximação gera controvérsias por não considerar as condições locais onde ocorre a emissão. Estas condições não podem ser incorporadas ao resultado da avaliação do impacto, que apesar da análise extremamente detalhada deve ser, então, tomada somente em termos genéricos. Por este motivo, muitos estudos de ACV limitam-se a avaliações qualitativas que estabelecem escalas de dano para as substâncias. Neste tipo de abordagem, estabelece-se o risco relativo com base na classificação dos impactos ambientais estabelecido, por exemplo, pela Science Advisory Committee da EPA em 1990. Este tipo de abordagem é de mais simples aplicação e útil quando se compara produtos ou processos.

Outro sistema de avaliação resumido tem como característica central uma matriz de avaliação 5 X 5, a matriz de avaliação de produto ambientalmente responsável, com uma coluna para os estágios de vida e uma linha para aspectos ambientais considerados (Tab. 1) [3].

Tabela 1. Matriz de avaliação de produto ambientalmente responsável [3]. Cada elemento (i,j) da matriz é identificado pela linha (i) e coluna (j) a que pertence.

 
Resíduos

Estágio de Vida

Escolha de Materiais

Uso de Energia

Sólidos

Líquidos

Gasosos

Extração

1,1

1,2

1,3

1,4

1,5

Fabricação

2,1

2,2

2,3

2,4

2,5

Embalagem / Transporte

3,1

3,2

3,3

3,4

3,5

Utilização

4,1

4,2

4,3

4,4

4,5

Reciclagem / Descarte

5,1

5,2

5,3

5,4

5,5

Por meio dos estágios listados na matriz, pode-se avaliar o produto, sua fabricação, embalagem, ambiente onde será utilizado, e descarte e  atribuir a cada elemento da matriz um número de 0 (o mais alto impacto, uma avaliação muito negativa) até 4 (o mais baixo impacto, uma avaliação exemplar). Em essência, o que se faz é produzir uma medida de mérito para representar o resultado estimado da análise de inventário convencional da ACV e estágios da análise de impacto. Para determinar o valor de cada elemento da matriz, aspectos a serem avaliados devem estabelecidos por meio de planilhas ou checklists (listas dos possíveis itens que devem ser avaliados). Um checklist que considera o elemento (1,1 – extração de recursos, escolha de material) da matriz (Tab. 1) pode incluir as seguintes questões:

(i) os materiais escolhidos são os menos tóxicos ou os mais ambientalmente preferíveis para a função a ser exercida?,

(ii) o projeto do produto minimiza o uso de materiais?,

(iii) o projeto de produto utiliza o máximo de materiais reciclados?

Um checklist que considera o elemento (3,2 – embalagem/transporte, uso de energia) pode incluir considerações sobre:

(i) a embalagem evita o uso de materiais que quando extraídos ou processados fazem uso intensivo de energia?,

(ii) os procedimentos para embalagem evitam atividades que consomem grande quantidade de energia? e

(iii) o planejamento da distribuição de produtos é feito de maneira a minimizar o uso de energia?

O processo aqui descrito é intencionalmente semi-qualitativo. Este tipo de abordagem é de simples aplicação e útil quando se comparam produtos ou processos. Assim que se obtém cada elemento da matriz, a medida de produto ambientalmente responsável, é obtida pela soma dos mesmos e, como há 25 elementos na matriz, o valor máximo obtido é 100.

A abordagem de valores discretos de zero a quatro para cada elemento da matriz assume, implicitamente, que cada um deles tem igual importância. Uma opção para melhorar razoavelmente a complexidade da avaliação, é utilizar informações de impacto ambiental detalhadas para aplicar pesos aos elementos da matriz.

A Avaliação do Processo

Para avaliar um processo, pode-se utilizar a matriz mostrada na tabela 1, substituindo-se os estágios de vida do produto pelos estágios de vida do processo: extração, implementação, operação, processos complementares, remanufatura, reciclagem e descarte.

O primeiro estágio em qualquer processo é o da extração de recursos naturais. As atividades de extração são utilizadas para produzir os recursos consumidos durante o ciclo de vida o produto. Nestas considerações, deve-se preferir utilizar materiais reciclados em lugar dos materiais virgens, pois: (1)  evitam a destruição do ambiente causada na extração dos materiais virgens,  (2)  geralmente, consomem menos energia na reciclagem do que a requerida para extração de materiais virgens, e  (3) evitam a construção de aterros ou outros sistemas de descarte. Adicionalmente, a reciclagem produz menos resíduos sólidos, líquidos e gasosos do que a extração de material virgem.

O estágio de implementação é um item que trata do impacto ambiental que resulta da atividade necessária para implementar o processo. Inclui, principalmente, a manufatura e a instalação dos equipamentos e outros recursos necessários.

Um processo tem que ser pensado para ser ambientalmente responsável quando em operação. Idealmente, deve limitar o uso de materiais tóxicos, minimizar o consumo de energia, evitar ou minimizar a geração de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos e, assegurar que qualquer resíduo eventualmente produzido poderá ser reaproveitado na economia. Deve-se realizar esforços para direcionar processos secundários que gerem sub-produtos que possam ser revendidos ou reutilizados ou que utilizem co-produtos de outros processos. Em particular, deve-se evitar a geração de resíduos cuja toxidez se sobreponha à sua reciclagem ou descarte [6].

Da mesma forma, deve-se levar em consideração as etapas anteriores e posteriores a um determinado processo (processos complementares). Por exemplo, a escolha de um determinado processo determina as etapas complementares (por exemplo, limpeza, lavagens) e os impactos ambientais causados por estas atividades complementares devem, também, ser considerados.

A obsolescência  do equipamento deverá ser considerada e, portanto, deve prever a reutilização de módulos (opção preferível) ou materiais. O equipamento está sujeito às mesmas regras aplicadas a qualquer produto.

Da mesma forma que a matriz para produto, um checklist pode ser elaborado para avaliar cada elemento da matriz de avaliação de processos. Por exemplo, considerando o elemento relativo a operação de processos versus a escolha de material, as seguintes questões podem ser elaboradas:

(i) o uso de materiais tóxicos é evitado ou minimizado?,

(ii) o uso de materiais radioativos é evitado ou minimizado?

(iii) o processo projetado evita o uso de grandes quantidades de água?.

No caso das implicações de processos complementares versus resíduos líquidos pode-se considerar:

(i) o uso solventes e óleos em processos complementares pode ser minimizado ou substituído?,

(ii) há oportunidade de venda para os resíduos líquidos dos processos complementares?

(iii) é possível utilizar líquidos reciclados nos processos complementares?

Da mesma forma que a ACV pode ser usada como ferramenta para avaliar produtos e processos, também pode ser utilizada para avaliar as instalações de empresas ambientalmente responsáveis, considerando a seleção do local, seu desenvolvimento e infraestrutura, produtos e processos da atividade principal dos negócios, interações ambientais relacionadas às operações da empresa. Na prática, as indústrias encontram grandes dificuldades para conseguir inventários detalhados do ciclo de vida, maiores ainda em relacionar os mesmos com uma análise de impacto defensável e, enormes, em transformar os resultados dos dois primeiros estágios da ACV em ações adequadas. Há várias razões para isto:

· Inventários de ciclo de vida abrangentes são onerosos e consomem muito tempo, em parte porque a aquisição de informações quantitativas pode exigir medições analíticas in-loco ou inspeções detalhadas de arquivos e registros.

· Muitas metodologias da ACV só são aplicáveis a um número limitado de produtos. Esta limitação nem sempre é prontamente reconhecida. Por exemplo, técnicas adequadas para avaliar xícaras e fraldas não são transferíveis para itens mais complexos como computadores. Há ainda falta de bancos de dados consistentes e falta de uma metodologia unificada, o que dificulta tanto a análise dos resultados como sua aceitação.

· Análises de impacto causam, inevitavelmente, controvérsia, em parte porque envolvem julgamento de valor na comparação e estimativa de diferentes impactos. Igualmente, indicações numéricas de impacto são, quase sempre, inaceitáveis como orientação adequada.

Comentários

Lidar com estes problemas, e ao mesmo tempo produzir análises de eficiência que sejam proveitosas aos formadores de opinião com os quais deseja-se interagir, é uma tarefa difícil. Para se obter ferramentas eficientes de avaliação, um sistema deve ter as seguintes características:

· Permitir fazer comparações diretas entre produtos.

· Ser aplicável e consistente para diferentes equipes de avaliação.

· Abranger os estágios de ciclo de vida do produto ou processo e os aspectos ambientais relevantes definidos nos objetivos.

· Ser suficientemente simples para permitir avaliações relativamente rápidas e baratas. 

Com o crescente avanço tecnológico a Ecologia Industrial se torna, cada vez mais, objeto de estudo e reflexão no que diz respeito à sustentabilidade do planeta. A ACV se apresenta como uma alternativa abrangente e eficaz para respaldar as tomadas de decisões no ambiente industrial contemporâneo e, a análise de sua eficiência, um instrumento que promove as ações necessárias para a melhoria da relação indústria-ambiente.

Referências Bibliográficas

[1] SETAC - Society of Environmental Toxicology and Chemistry, Guidelines for Life-Cycle Assessment: A 'Code of Practice', SETAC, Brussels, 1993.

[2] B. W. Vigon, D. A. Tolle, B. W. Cornary, H. C. Lathan, C. L. Harrison, T. L. Bouguski, R. G. Hunt e J. D. Sellers, “Life Cycle Assessment: inventory guidelines and principles”, EPA/600/R-92/245, Cincinnati, U.S. Environmental Protection Agency, Risky Reduction Engineering Laboratory, 1993.

[3] GRAEDEL, T. E./ ALLENBY, B. R. Industrial Ecology. New Jersey/USA: Prentice Hall, 1995. 412p.

[4] NBR ISO 14040. Gestão Ambiental - Avaliação do ciclo de vida - Princípios e estrutura, ABNT, São Paulo, Novembro 2001. 10p.

[5] S. Ryding, "International Experiences of Environmentally Sound Product Development Based on Life Cycle Assessment", Swedish Waste Research Council, AFR Report 36, Stockholm, 1994.

[6] B. Commoner, “The relation between Industrial and Ecological Systems”, J. Cleaner Prod., 5(1-2) (1997) 125.