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Ecologia Industrial:
um Pouco de História

 

 

 

Eli Santos Araujo, Vanderlei Hidalga,
Biagio F. Gianneti  e Cecilia M. V. B. Almeida
Universidade Paulista
LaFTA – Laboratório de Físico-Química Teórica e Aplicada
R. Dr. Bacelar, 1212, CEP 04026-002, São Paulo, Brasil

 

Introdução

A Ecologia Industrial, uma nova abordagem da relação entre a indústria e o meio ambiente, vem sendo desenvolvida nos países industrializados, especialmente, nos Estados Unidos, na Comunidade Européia e no Japão. A Ecologia Industrial tem sido tema de vários livros [1-3] e vários periódicos tem surgido nos últimos vinte anos: como por exemplo, Journal of Industrial Ecology, dedicado exclusivamente à Ecologia Industrial, e o Journal of Cleaner Production, inicialmente direcionado a promover a Produção Mais Limpa que tem publicado grande número de artigos sobre Ecologia Industrial.

No Brasil a Ecologia Industrial é ainda um tema relativamente desconhecido no meio acadêmico e, principalmente, no meio empresarial. Por este motivo, este artigo apresenta um histórico da Ecologia Industrial por meio de uma ampla revisão da literatura sobre o tema, com a finalidade de divulgar esta nova forma de tratar a relação entre a produção e o meio ambiente.

Conceitos

Até meados dos anos 1950, concebia-se o sistema produtivo separado do meio ambiente, portanto, os problemas ambientais situavam-se fora das fronteiras do sistema industrial. Sob esse ponto de vista, os estudos se focalizavam na conseqüências da poluição na natureza e não nas causas. Atualmente esta forma de encarar o problema é chamada  de “tratamento de final de tubo” (em inglês, end-of-pipe). A Ecologia Industrial adota uma outra abordagem mais real, insere os sistemas industriais na biosfera: “o sistema industrial como um todo, depende dos recursos e serviços provenientes da biosfera, dos quais não pode estar dissociado” [4].

Não há um consenso quanto a definição da Ecologia Industrial, porém há vários pontos em comum entre as diversas definições encontradas na literatura:

·   A Ecologia Industrial é sistêmica, abrangente, possui uma visão integrada de todos os componentes do sistema industrial e seus relacionamentos com a biosfera.

·   Enfatiza o substrato biofísico das atividades humanas, i.é, os complexos padrões do fluxo de material dentro e fora do sistema industrial, em contraste com a abordagem atual que considera a economia em termos de unidades monetárias abstratas.

·    Considera a formação de parques industrias (eco-redes) como um aspecto chave para viabilizar o ecossistema industrial (Fig. 1).

·   Leva em conta os limites da capacidade de carga do planeta e da região.

·   Induz o projeto e a operação, a modelar-se como as atividades dos sistemas biológicos (mimetismo), otimizando ciclo de materiais de forma a aproximar-se de um ciclo fechado, utilizando fontes de energia renováveis e conservando materiais não renováveis.

Na Conferência das Nações Unidas ocorrida em 1992 na cidade do Rio de Janeiro (ECO 92), foi colocada a necessidade de se obter respostas práticas para o conceito de Desenvolvimento Sustentável. A Ecologia Industrial pode ser uma ferramenta apropriada para dar estas respostas. As propostas tradicionais quase sempre ressaltam a prevenção e redução de resíduos em contraste com a Ecologia Industrial, onde pode até ser aceitável e benéfico o aumento da produção de um tipo particular de resíduo, desde que este resíduo possa ser utilizado como matéria prima em outro processo industrial (Fig. 1).

Figura 1. Representação de uma Eco-rede, mostrando a otimização dos fluxos de materiais/energia devida à formação da rede. Os fluxos de produto não estão representados na figura, mas somente aqueles que caracterizam uma eco-rede.

Quando e onde começou a se falar em Ecologia Industrial?

A Ecologia Industrial está baseada no estudo de sistemas e na termodinâmica. As metodologias para o estudo de sistemas foram estudadas por Jay Forrester nos anos 60 e 70 [5,6]. Donella e Dennis Meadows [7] utilizaram a análise de sistemas para simular a degradação ambiental do planeta e enfatizaram o caminho insustentável do sistema industrial vigente.

Desde então, a associação indústria-ecologia tem se manifestado de forma dispersa ao longo das últimas três décadas. O conceito de Ecologia Industrial, embora não explicitamente, é encontrado na literatura desde os anos setenta. Alguns ecologistas há tempo tinham a percepção do sistema industrial como um sub-sistema da biosfera que, demandando recursos e serviços da mesma, teriam que ser analisados conjuntamente. Uma das primeiras ocorrências do termo “ecossistema industrial” pode ser encontrada em um artigo de 1977 do geoquímico americano Preston Cloud [8], apresentado no Encontro Anual da Associação Geológica Alemã. O artigo foi dedicado a Nicholas Georgescu-Roegen, um defensor do estudo da economia com base na termodinâmica e o pioneiro da bio-economia [9-11]. Diversos artigos tratando do que foi chamado “tecnologia e produção sem resíduos” foram, também apresentados no seminário promovido pela Comissão Econômica para a Europa, da ONU, em 1976. Até este momento, as tentativas para discutir o novo conceito, tiveram repercussão limitada. Porém, no Japão, a idéia de considerar a atividade econômica num contexto ecológico foi desenvolvida em parceria pelo Estado e a indústria privada a partir do final da década de 60, o que fez do país pioneiro nesta área [4]. Várias ações foram tomadas visando levar o Japão a se tornar competitivo, explorando as possibilidades de orientar o desenvolvimento da economia japonesa em atividades que deveriam ser menos dependentes do consumo de materiais e baseadas em informação e conhecimento. A seguir fazemos uma cronologia das ações japonesas:

·  Em 1970 no Conselho de estrutura industrial surgiu a idéia de considerar a atividade econômica num contexto ecológico.

·  Em maio 1971 foi publicado o relatório final do conselho de estrutura industrial chamado “Uma visão para os anos 1970”.

Cumprindo determinações do relatório o Ministério do Comércio e Indústria Internacional (MITI), formou cerca de quinze grupos de trabalhos dos quais deve ser destacado o “Grupo de trabalho Indústria Ecologia” que tinha por finalidade promover e desenvolver uma reinterpretação do sistema industrial nos termos de ecologia científica. Este grupo era coordenado por Chihiro Watanabe.

·   Em maio de 1972, após um ano de trabalho o grupo de Chihiro Watanabe apresenta seu primeiro relatório que foi amplamente distribuído no MITI e em organizações industriais.

·  Em março/abril de 1973 Chihiro Watanabe encontra-se com Eugene Odum um dos papas da Ecologia Industrial.

·  Na primavera de 1973 o grupo de Chihiro Watanabe apresenta um segundo relatório, com propostas mais concretas que as apresentadas no relatório anterior.

Os trabalhos do grupo de Chihiro Watanabe serviram de base para a criação de novas políticas.

·  Em abril de 1973 o MITI, recomenda o desenvolvimento de uma nova política com base nos princípios da ecologia, dando ênfase aos aspectos da energia.

·  Em agosto de 1973 o MITI faz a primeira requisição de orçamento para o projeto “Luz do Sol”. O objetivo principal do projeto era tratar das fontes de energia (energia renovável).

·  Em julho de 1974 começa efetivamente o projeto “Luz do Sol”

· Em 1978 o MITI lança o projeto “Luz da Lua”, cujo objetivo era o aumento na eficiência do uso de energia.

· Em  1980 o MITI funda a organização de desenvolvimento da nova energia (NEDO).

· Em 1988 lança o programa global de tecnologia ambiental.

·  Em 1993 é lançado o novo programa “Lua do Sol”. Sendo este programa uma parte de um projeto mais amplo, o projeto “Nova Terra 21”

O princípio básico da estratégia japonesa é  “trocar recursos materiais com tecnologia” [4]. Poderíamos resumir o tratamento japonês  sobre ecologia industrial da seguinte forma: O Japão pôs em prática o que no Ocidente ainda é principalmente teoria.

No Ocidente, diversos trabalhos surgiram na década de 80 em diferentes países, dentre estes se pode citar o trabalho coletivo chamado “Ecossistema Belga” desenvolvido por biólogos, químicos e economistas e que trata de idéias hoje defendidas pela Ecologia Industrial como considerar resíduos como matéria prima para outros processos, enfatizar a importância da circulação de materiais no sistema e acompanhar os fluxos de energia do sistema [12].

O grupo utilizou dados estatísticos da produção industrial para obter uma visão geral da economia do país, com a utilização de fluxos de energia e material em vez do uso de unidades monetárias usadas pela economia tradicional. Para isto, foram selecionados seis fluxos de material: ferro, vidro, plástico, chumbo, madeira/papel e produtos alimentícios. Entre os principais resultados os pesquisadores identificaram a desconexão entre dois estágios de um fluxo. O fluxo do aço estava voltado principalmente à exportação, sem qualquer relação com o setor de metais para construção. Como resultado da falta de interação entre o setor do aço e o setor de construção-metais, a indústria de aço belga tornou-se muito dependente da exportação e, consequentemente, tornou-se vulnerável à competição do mercado mundial e não atendia às necessidades do mercado doméstico. Uma das idéias mais interessantes desenvolvidas pelo grupo belga foi a de estabelecer a relação entre o fluxo de matéria prima e a quantidade de resíduos gerado. Ao contrário do normalmente é considerado, que a produção de resíduo é atribuída ao aumento de produção e consumo, o grupo chegou à seguinte conclusão: “nosso consumo de matérias primas e a nossa produção de resíduos é uma conseqüência da estrutura de circulação de matérias primas em nosso sistema industrial. Para reciclar resíduos, devemos perceber que as principais dificuldades  não estão relacionadas à coleta, ou mesmo ao estágio de separação, mas antes da coleta, isto é, na possibilidade de dispor dos resíduos na estrutura de nosso sistema de produção” [12]. Apesar de sua importância o trabalho do grupo belga foi esquecido em pouco tempo.

A idéia de descrever os fluxos de material e energia, inerentes aos processos industriais, como um sistema metabólico, foi introduzida por Robert U. Ayres, com o termo “Metabolismo Industrial” [13]. O conceito se fundamenta, basicamente, na aplicação balanços de massa à circulação de materiais e balanços de energia ao longo dos processos produtivos.

Apesar de todas as tentativas anteriores, o conceito de Ecologia Industrial tornou-se mundialmente conhecido a partir da publicação do artigo de Robert Frosch e Nicholas Gallopoulos, na conceituada revista Scientific American. O título proposto pelos autores foi “Manufatura – A Visão do Ecossistema Industrial”, mas o artigo foi publicado com o título “Estratégias de Manufatura” [14]. Nele, os autores argumentam ser possível desenvolver métodos de produção menos danosos ao meio ambiente, substituindo-se os processos isolados por sistemas integrados que chamaram de ecossistemas industriais. Esses modificariam, tanto quanto possível, a lógica de produção isolada, baseada apenas na utilização de matérias primas resultando em produtos e resíduos, substituindo-a por sistemas que possibilitassem o aproveitamento interno de resíduos e sub-produtos, reduzindo as entradas e saídas externas.

Apesar das idéias apresentadas por Frosh e Gallopoulos não serem totalmente originais, este artigo é considerado o primeiro passo no desenvolvimento da Ecologia Industrial. E, partir dos anos 90, o conceito de Ecologia Industrial passou a receber considerável atenção tanto do setor acadêmico quanto do econômico e social.

Em 1991, a National Academy of Science considerou o desenvolvimento da Ecologia Industrial como um novo campo de estudo. Em 1994, foi publicado o primeiro livro sobre o tema The Greening of Industrial Ecosystems [15], que identifica as ferramentas da Ecologia Industrial, como o Projeto para o Ambiente, a Avaliação de Ciclo de Vida e a contabilidade ambiental.

A tabela 1 mostra as principais contribuições para a Ecologia Industrial nos últimos 25 anos.

Comentários

A história do desenvolvimento da Ecologia Industrial contou com a participação de um grande número de pensadores, alguns originários do meio acadêmico e outros da indústria. Este artigo, não contempla todos os eventos e personagens envolvidos na evolução deste novo conceito. Entretanto, a descrição de algumas das principais contribuições realizada neste artigo oferece um quadro geral do desenvolvimento do conceito e um guia introdutório para um estudo mais aprofundado da Ecologia Industrial.

A ecologia Industrial se encontra, hoje, em uma etapa de construção, mas já se percebe seu grande potencial em face aos problemas ambientais. Engenheiros e administradores podem encontrar neste conceito um vasto campo para ação e para estudo em uma área em que novas solução são necessárias, se não, obrigatórias.

A Ecologia Industrial oferece um caminho para as empresas para a exploração de seus recursos (incluindo seus resíduos) de uma forma que resgata a interdependência do homem e da biosfera. 

“O objetivo da Ecologia Industrial é formar uma rede de processos industriais mais elegante e com menos desperdício.” [16]. Uma sociedade industrial mais elegante, uma economia mais inteligente é uma mudança que engenheiros deverão se engajar em conjunto com os políticos, economistas e cidadãos.

 

Ano

Publicações

Eugene P. Odum

1971

Fundamentals of Ecology: uma das referências básicas da ecologia.

“Os sistemas humanos inseridos no meio ambiente”

Howard T. Odum

1971

Environment Power and Society: integração de sistemas a partir de fluxos de energia, a interação entre sistemas industriais e ecológicos

Nicholas Georgescu-Roegen

1971

The Entropy Law and the Economic Process: processos econômicos descritos pelo uso de energia e o II Princípio da Termodinâmica

Charles Hall

1980

Divulgação do conceito de ecossistemas industriais.

Jacques Vigneron

1980

Um dos primeiros a lançar o conceito de ecologia industrial

Robert Frosch

Nicolas Gallopoulos

1989

Escrevem o artigo “Estratégias da Manufatura”, na revista Scientific American.

Lançam a idéia de desenvolver métodos de produção industrial que terá menos impacto sobre o ambiente

O ecosistema industrial é análogo aos ecossistemas biológicos.

Braden Allenby

1992

1994

É o autor da primeira tese de doutorado que contém muitas das idéias envolvidas no desenvolvimento da ecologia industrial

The Greening of Industrial Ecosystems: o primeiro livro sobre Ecologia Industrial

Hardin Tibbs

1991

Industrial Ecology. Environmental Agenda for Industry”: uma brochura que reproduz as idéias de Frosch e Gallopoulos, com a linguagem e retórica do mundo dos negócios.

Don Huisingh (Ed.)

1997

Journal of Cleaner Production: publica um número especial dedicado à Ecologia Industrial

Reid Lifset (Ed.)

1997

Início da publicação do Journal of Industrial Ecology

 

Referências

[1] T. E. Graedel e B. R. Allenby, “Industrial Ecology”, Prentice Hall, New Jersey, 1995

[2] B. R. Allenby, “Industrial Ecology: Policy Framework and Implementation”, Prentice Hall, New Jersey, 1999

[3] S. E. Manahan, Industrial Ecology: Environmental Chemistry and Hazardous Waste”, Lewis Publishers, Nova York, 1999.

[4] S. Erkman, J. Cleaner Production, 5 (1-2) (1997) 1.

[5] J. Forrester, “Principles of Systems”, 1968, Cambridge, Wright-Allen Press

[6] J. Forrester, “World Dynamics”, 1971; Cambridge, Wright-Allen Press

[7] D. Meadows e D. Meadows , “Limits to Growth”, New York: Signet, 1972.

[8] P. Cloud, Geologische Rundschau, ,66 (1977) 678.

[9] N. Georgescu-Roegen, a. Growth and Change, 10 (1979) 16.

[10] N. Georgescu-Roegen,  Eastern Economic Journal, XII (1986) 3.

[11] N. Georgescu-Roegen, Materials and Society, 7 (1983) 425.

[12] G. Billen, F. Toussaint, P. Peeters, M. Sapir, A. Steenhout e J. P. Vanderborght. “L’Ecosisteme Belgique, Essay d’Ecologie Industrielle”, Centre de Recherche et d’Information Sócio-Politique – CRISP, Bruxelas, 1983.

[13] R. U. Ayres,

[14] R. Frosch e N. Gallopoulos, Scientific American 261 (1989) 144.

[15] B. Allenby e D. Richards, eds, “The Greening of Industrial Ecosystems”, The National Academy of Engineering pub, 1994.

[16] J. H. Ausubel, “Directions for Environmental Technologies,” The Rockefeller University, New York, Draft, 11 pages July 1993.