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Ação Oligodinâmica

 

Walter Borzani
Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia,
Escola de Engenharia Mauá, Praça Maua 1,
09580-900, São Caetano do Sul, SP.
Fax: (11) 4239 3131. E-mail borzani@maua.br

 

Há substâncias que, em concentrações extremamente baixas, afetam a atividade de organismos vivos. Diz-se que essas substâncias têm ação oligodinâmica (do grego oligos, pouco), ou que são oligodinamicamente ativas.

Dependendo das condições em que se encontra o organismo vivo e da concentração da substância oligodinamicamente ativa, esta última poderá estimular, inibir, ou mesmo destruir o organismo.

A ação oligodinâmica dos chamados "metais pesados", principalmente da prata, sobre microrganismos, é citada com bastante freqüência em livros de Microbiologia. Neste caso, o experimento resumidamente descrito a seguir costuma ser citado. Inocula-se Escherichia coli, por espalhamento, na superfície de um meio de cultura sólido contido em uma placa de Petri e coloca-se, na região central e sobre o meio de cultura, uma moeda de prata; o conjunto é então incubado e, decorridos alguns dias, observa-se que a bactéria cresceu como indica, esquematicamente, a Figura 1.

Fig. 1 - Representação esquemática do experimento de cultivo de Escherichia coli na presença de uma moeda de prata. 1: placa de Petri. 2: meio de cultura sólido. 3: moeda de prata. 4: camada de bactéria formada após crescimento normal. 5: camada de bactéria formada após crescimento estimulado. 6: região sem crescimento da bactéria. C = concentração de prata nas proximidades da superfície do meio de cultura. D = distância medida a partir do bordo da moeda.

Nota-se, nessa Figura, uma região do meio de cultura, ao lado da moeda (Nº 6), sem crescimento da bactéria; segue-se-lhe outra região (Nº 5) com crescimento estimulado e, a partir desta, ocupando o restante da superfície do meio, a região com crescimento normal do microrganismo (Nº 4). Considerando que uma quantidade extremamente pequena de prata se difunde no meio de cultura, o gráfico da Figura 1 representa, sempre esquematicamente, a concentração de prata (C) no meio, nas proximidades de sua superfície livre, em função da distância (D) medida a partir do bordo da moeda. Quando a concentração de prata é superior a um determinado valor (C1), há inibição do crescimento celular (ou mesmo morte das bactérias); quando a concentração de prata é inferior a outro determinado valor (C2), o crescimento da bactéria não é afetado; concentrações de prata entre C1 e C2 ativam o crescimento do microrganismlo (lei de Hueppe, segundo alguns autores).

A ação oligodinâmica da prata sobre microrganismos foi minuciosamente estudada por Roberto Hottinger, Professor da Escola Politécnica da USP de 1900 a 1942, ano de seu falecimento. Os trabalhos de Hottinger, realizados na década de 1920, conduziram ao processo por ele denominado "esterilização doméstica de água", ainda hoje muito empregado.

A ação oligodinâmica do cobre também é conhecida há muitos anos. Lembre-se, por exemplo, o caso da proliferação de algas na água da "camisa" de resfriamento de condensadores de vidro utilizados em laboratório, proliferação essa que, dependendo das condições do ambiente e do tempo de funcionamento do condensador, pode ser intensa. Para evitar esse inconveniente, basta colocar um fio de cobre na "camisa" do condensador, mergulhado na água de resfriamento.

Outro caso em que se observou ação oligodinâmica do cobre, dessa vez sobre fungos filamentosos (Aspergillus e Penicillium), é o da inibição do crescimento desses fungos em blocos de concreto ao qual foi incorporado cobre finamente pulverizado.

Fatos do tipo dos aqui citados podem ocorrer, por exemplo, em meios de fermentação. Traços de impurezas nas substâncias utilizadas no preparo desses meios talvez afetem o andamento do processo. A finalidade deste artigo é tão somente a descrição de dois experimentos muito simples que permitem observar a ação aligodinâmica da prata e do cobre.

Experimento nº 1: Ação sobre sementes.

Preparar 3 copos com 150 a 200 mL de água em cada um deles. Em um dos copos, colocar um objeto de prata (moeda, medalha, pulseira, corrente, etc.) e, em outro, fios de cobre. Adicionar, a cada copo, 10 ou mais sementes de hortaliça. Manter os conjuntos em repouso, à temperatura ambiente. Observar, diariamente, as transformações que ocorrem nas sementes.

Em experimento realizado com sementes de "couve manteiga da Georgia", foram obtidos, decorridos 5 dias, os seguintes resultados:

a) no copo contendo água: 80% das sementes germinaram, produzindo pequenas plantas de comprimento médio 33 mm (desvio padrão = 16 mm);

b) no copo contendo água e o objeto de prata: 70% das sementes germinaram formando apenas raízes (comprimento médio = 10 mm; desvio padrão = 2 mm) com extremidades escuras;

c)  no copo contendo água e fios de cobre: 40% das sementes germinaram formando apenas raízes (comprimento médio = 9 mm; desvio padrão = 2 mm) com extremidades escuras.

Esses resultados mostram que a prata e o cobre afetaram significativamente o processo de germinação das sementes.

Este experimento pode ser realizado colocando-se, no copo, não o objeto de prata (ou os fios de cobre), mas água que esteve em contato com o objeto de prata (ou com os fios de cobre) durante 2 a 3 dias.

Obviamente, os resultados dependerão das condições experimentais, principalmente das sementes utilizadas.

Experimento nº 2: Ação sobre microrganismos.

Preliminarmente, convém saber que, quando feijões são colocados em água, à temperatura ambiente, decorridos alguns dias, a água se torna turva, forma-se um pouco de espuma na superfície livre do líquido e desprende-se um odor desagradável. Há informações de que substâncias existentes no feijão se dissolvem na água e, em seguida, são fermentadas por microrganismos existentes no próprio feijão.

A descrição do experimento é apresentada a seguir:

a) preparar três copos como indicado no Experimento nº 1, com exceção da adição de sementes;

b) preparar outros quatro copos, com soluções de nitrato de prata de concentrações (em mg/L) 1,0.10-1, 1,0.10-4, 1,0.10-7 e 1,0.10-10 (a concentração de Ag+ em cada solução pode ser calculada facilmente);

c)  adicionar 10 feijões a cada copo;

d) manter os conjuntos em repouso à temperatura ambiente.

Para facilitar a apresentação dos resultados em um experimento realizado com o chamado "feijão rajado", os copos foram numerados como indica a tabela 1.

Tabela 1. Conteúdos dos copos

___________________________________________

Copo No.                     Conteúdo

___________________________________________

1                                  Água   

2                                  Solução de AgNO3 (1,0.10-10 mg/L)

3                                  Solução de AgNO3 (1,0.10-7 mg/L)

4                                  Solução de AgNO3 (1,0.10-4 mg/L)

5                                  Solução de AgNO3 (1,0.10-1 mg/L)

6                                  Água + objeto de prata

7                                 Água + fios de cobre

 

Descrevem-se, a seguir, os resultados obtidos após 3 dias de contato dos feijões com os conteúdos de cada copo.

Copo nº 1

- Fase aquosa: turva.

- Espuma: pouca.

- Odor desagradável: fraco.

Copo nº 2

- Fase aquosa: turva.

- Espuma: abundante.

- Odor desagradável: muito forte.

Copo nº 3

- Fase aquosa: turva.

- Espuma: mais do que no copo nº 1 e menos do que no copo nº 2.

- Odor desagradável: mais intenso do que no copo nº 1 e menos intenso do que no copo nº 2.

Copos nº 4 e nº 5

- Fase aquosa: límpida e incolor.

- Espuma: ausente.

- Odor desagradável: ausente.

Copos nº 6 e nº 7

- Fase aquosa: límpida e pardacenta.

- Espuma: ausente.

- Odor desagradável: ausente.

Considerando, inicialmente, os fatos observados nos primeiros cinco copos, constata-se que:

1º - concentrações relativamente altas de Ag NO3 (copos nº 4 e nº 5) inibiram completamente a ação dos microrganismos responsáveis pelas alterações observadas (turvação da fase aquosa, formação de espuma e desprendimento de odor desagradável);

2º - concentrações mais baixas de Ag NO3 (copos nº 2 e nº 3) ativaram a ação desses microrganismos, pois as alterações por eles produzidas foram significativamente  mais  intensas  do  que  as observadas na ausência de Ag NO3 (copo nº 1).

Destaque-se que esses resultados são análogos aos relatados no início deste artigo quando se descreveu, sucintamente, o experimento com a moeda de prata e a Escherichia coli (ver Figura 1).

Nos copos nº 6 (objeto de prata) e nº 7 (fios de cobre) também houve inibição dos microrganismos devida à ação oligodinâmica daqueles metais, mas a fase aquosa adquiriu colaboração pardacenta, provavelmente conseqüência da dissolução de substâncias existentes nos feijões.

Comentários finais.

Não se tem notícia de trabalhos sistemáticos realizados com a finalidade de verificar a influência de traços de substâncias no andamento de processos fermentativos.

Não seria de estranhar se a presença de substâncias em concentrações extremamente baixas pudesse não só explicar, pelo menos em parte, a relativamente pouca reprodutibilidade dos resultados obtidos no estudo daqueles processos, mas também alcançar conseqüências de interesse prático.