Dos Licores aos Hospitais -
 as Sugestões da
Regra de São Bento
[1]

 

Luís Miguel Duarte
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

 

            "Fuit vir...era uma vez um homem, Bento por graça e de nome, que desde os primeiros anos da sua infância mostrou sensatez de velho". Assim começa a "Vida e Milagres do Venerável Bento", escrita pelo papa Gregório Magno em 593 ou 594, e a única fonte propriamente dita de que dispomos (para além da regra), se quisermos saber algo da existência do patriarca dos monges do Ocidente, como muitos lhe chamam, ou do pai da Europa, como lhe chamam alguns[2]. Assim começa e, do anacrónico ponto de vista dos historiadores de profissão, não começa muito bem: Gregório não conheceu Bento de Núrcia, chegou a papa em 590, algumas décadas depois da morte daquele, como pode ter apurado de fonte segura que, quando era criança, mais de 100 anos antes, Bento mostrava a sageza de um ancião?

            Não sejamos injustos com o Papa Gregório. Já lhe bastou ser papa quando foi: numa Itália duplamente devastada, por um lado pelos exércitos que Justiniano e os seus sucessores, os imperadores do Império Romano do Oriente, nunca pararam de mandar para a Península Itálica, fustigar os recém-instalados ostrogodos, responsáveis pela queda do Império Romano do Ocidente, em 476, mesmo quando estes, como foi o caso de Teodorico, em Roma foram mais romanos do que os derradeiros romanos; por outro lado, com as sangrentas convulsões da instalação dos Lombardos, um dos poucos povos germânicos que parece ter-se portado à altura da sinistra reputação que as fontes do tempo construíram dos povos ditos bárbaros. Foi portanto numa Itália convulsa e dilacerada que Gregório assumiu a direcção do Papado e, por isso, se tornou uma referência protectora para as próprias populações civis. E foi a pensar no ânimo do clero e, decorrendo deste, no ânimo da população, que se decidiu, nos últimos anos do século VI, a redigir, no "Livro II" dos seus "Diálogos", uma hagiografia: a Vida de S. Bento.

            Porque disto se trata: não de um relato com pretensões históricas, mas sim de uma hagiografia, uma vida de um santo. Ora a hagiografia é um género histórico-literário, com as suas leis e convenções específicas. Há uma maneira de as começar, de as desenvolver e de as concluir, determinados exempla para as ilustrar, não é à vontade de quem escreve; há leis, e há modelos inspiradores - a Vita Antonii (Vida de Santo António ou Vida de Antão, da autoria do bispo alexandrino Atanásio) será um dos modelos mais seguidos. Para voltar à observação crítica que fiz, a propósito da infância, parece evidente que Gregório nada sabia dos primeiros anos da vida de Bento: mesmo as testemunhas a que recorreu para escrever o seu livro, sem dúvida fidedignas[3], por certo não conheceram Bento em criança ou não eram sequer nascidas à data. Mas os santos eram assim: nasciam sábios e maduros, não brincavam, não eram irrequietos, não faziam as tropelias que todos os miúdos de todas as épocas fazem. A Antiguidade Clássica e, em larga medida, a Alta Idade Média, conviveram mal com esta idade da vida: leia-se, por todos, S. Jerónimo e as suas Cartas sobre a educação da jovem Pacula, leiam-se as violentas páginas com que, nas Confissões, Santo Agostinho se auto-recriminava por, bébé recém-nascido, não fazer mais nada do que exigir, aos gritos, o leite do peito da mãe ou da ama, e logo se perceberá o desmesurado pessimismo com que gregos, romanos e Padres da Igreja encararam os primeiros anos da existência. Um rapazinho era, vendo bem, um homem pequeno, um homunculus: se não se portava como adulto, havia que castigá-lo com severidade. Por isso os santos se distinguiam à nascença, como uma espécie de Eusebiozinhos. Um modelo, nada mais do que isso.

            Dispondo do testemunho de vários homens que conheceram Bento, entre os quais os quatro abades que já referimos, Gregório podia ter elaborado uma biografia bem mais completa, para nosso esclarecimento; não o fez porque, como já se disse, o que lhe interessava não era isso, mas sim escrever uma hagiografia edificante para o povo de Deus. Como se prova pelo capítulo XXXVI dos "Diálogos": "Grato me seria, Pedro, espraiar-me a contar-te coisas deste venerável Patriarca. Porém algumas propositadamente as omito, pois tenho pressa de passar à narrativa dos feitos de outros (santos padres)."[4] Quer dizer, Gregório não nos adianta mais do que uma dúzia de informações[5] sobre a vida de Bento, mas dá o seu melhor a contar a história do monge que não conseguia parar sossegado no mosteiro, até que um dia, numa das suas excursões exteriores, foi ameaçado por um tonitruante dragão; ou a das duas monjas de origem nobre mas linguagem vilã que Bento ameaçara de excomunhão caso não tivessem tento na língua; não lhe obedeceram, faleceram e foram sepultadas numa igreja; quando o sacerdote, durante a liturgia, pronunciava as palavras rituais: "Quem não está em comunhão, retira-se", os fantasmas das duas mulheres erguiam-se dos respectivos sepulcros e saíam cabisbaixos da igreja; coube ao santo, com a sua misericórdia, pôr fim a esta maldição. Ou a do prisioneiro que Bento libertou com um olhar, ou a do homem que ele ressuscitou, ou a da pedra pesadíssima que se fez leve, ou a do seu discípulo que, também ele, caminhou sobre as águas.

            Não sabemos quando morreu S. Bento. Com toda a certeza após 547. Gregório conta que o velho monge viu a morte chegar: seis dias antes mandou que lhe abrissem a sepultura. Quando sentiu o fim próximo, pediu aos companheiros para o levarem para o oratório: "e sustentando os membros debilitados nos braços dos seus dicípulos, de pé, mãos erguidas para o céu, entre palavras de oração exalou o último suspiro."[6] Nesse momento, dois irmãos perceberam que o seu abade tinha morrido, pois viram, do mosteiro até ao céu [a cella in coelum] estender-se uma estrada coberta de alcatifas e iluminada por lâmpadas sem conta. No topo estava um personagem de aspecto venerável e cercado de luz, que lhes perguntou que caminho era aquele. Responderam que não sabiam. Então ele disse-lhes: Este é o caminho pelo qual sobe ao céu Bento, amado do Senhor. Não ficamos a saber como e quando Bento morreu, mas ficámos com um texto lindíssimo.

            O silêncio das fontes coevas, o facto de não haver qualquer outra referência a ele, faz-nos crer que, por muito prestigiado que fosse na sua comunidade e vizinhanças, Bento de Núrcia faleceu como abade de Montecassino em relativo anonimato; era mais um dos numerosíssimos abades dos numerosíssimos mosteiros que, como cogumelos, se multiplicaram na Europa Ocidental (sobretudo na Península Ibérica, no Sul de França e na Itália - mas até nos mais inóspitos rochedos da longínqua Irlanda). Ao ler a Regra, julgo poder concluir que foi isso que Bento quis: viver com simplicidade e morrer com simplicidade; não quis ser conhecido fora do mosteiro, não sonhou com qualquer ordem, nem se vê que augurasse, para a sua Regra, qualquer futuro fora da cerca de Montecassino. E no entanto foi isso que aconteceu. Tentemos perceber porquê.

            Quando, na segunda metade do século VI, o Ocidente sucumbia sob a anarquia política, a regressão da cultura erudita, o desaparecimento de formas mais complexas de governo, só uma entidade estava em condições de liderar a reorganização política e moral: a Igreja, que contava nas suas fileiras com os homens mais sábios e com as instituições mais fortes da época. Separada de Roma, pela primeira vez sozinha a contas com o seu destino, a igreja amadureceu rapidamente. E apoiou-se em dois pilares: o papado e os monges. Quando dizemos o papado estamos a falar de Gregório Magno, quando dizemos os monges estamos a pensar em Bento de Núrcia. Foi com eles que a igreja pôde exercer uma indiscutível liderança da Europa ocidental[7]. O cenobitismo no ocidente, tal como Bento o concebeu, encarava o mosteiro como "comunidade corporativa e orgânica debaixo da direcção de um abade"[8]. Assim se institucionaliza o ascetismo europeu até pelo menos ao século XI.

            Insistimos: Bento nunca sonhou com isso; Bento nunca pensou criar uma instituição que guiasse os reinos do tempo em quase todas as dimensões da vida. O que queria ele? Muito simplesmente "ensinar o que tinha vivido". Mas chegou; e não vamos retomar a questão da originalidade ou não da regra beneditina; foi com ela, e não com outra, que o monaquismo se espalhou por todo o ocidente. Como lembra Garcia de Cortázar, "não é difícil inventar um ideal; difícil é arrastar os homens para praticá-lo".[9]

            Bento concebera o seu mosteiro como um microcosmos social em que conviveriam homens de todas as idades, formações intelectuais e níveis sociais. A sua comunidade aspirava a conseguir uma autarcia absoluta, do ponto de vista económico, político e espiritual, desejava desligar-se o mais possível do mundo[10]. O mosteiro beneditino não pretendia prestar quaisquer serviços à comunidade e muito menos à civilização. Nem sequer pensava prestar serviços à Igreja. Tinha objectivos bem mais modestos: proporcionar um refúgio no qual os devotos pudessem perseguir o mais nobre objectivo do homem - a peregrinação para a cidade de Deus.

            A história, que tantas partidas desconcertantes prega aos homens, fez pouco caso do que Bento queria ou não queria. A sociedade do tempo absorveu o mosteiro e transformou-o numa instituição capital. O fundador, como se observou, não o desejou nem teve necessidade disso; mas ao construir um projecto de uma eficácia social tão elevada, como que tornou inevitável o seu destino num mundo, como o da Alta Idade Média, carente de tudo aquilo que o mosteiro beneditino estava em condições de oferecer. E era muito. Vejamos o quê, alínea por alínea.

1. No campo da cultura

            Os mosteiros tinham escolas, nas quais aprenderam a ler e a escrever quase todos aqueles que, antes do século XII, sabiam fazê-lo; e tinham scriptoria, nos quais se copiaram alguns dos mais preciosos monumentos do pensamento clássico. Grandes centros de criação? Nem por isso; a ideia era outra - saber o suficiente de latim e das letras clássicas para aceder às Escrituras. A sociedade da Alta Idade Média não tinha muito tempo nem disponibilidade para a criação cultural; os poucos homens cultos do tempo estavam ao serviço da Igreja e dos monarcas. A cultura era um verdadeiro luxo; muito faziam eles, os monges, em conservar e reproduzir aquilo que receberam.

2. Na economia

            Como já foi afirmado, nunca passou pela cabeça de S. Bento transformar o seu mosteiro numa quinta-modelo; mas, por comparação, este não teve outro remédio senão sê-lo. Por um lado, cedo os mosteiros se converteram em centros de atracção de grandes doações régias e senhoriais, em troca de assegurarem, aos doadores, o número bastante de orações e sufrágios que lhes permitissem uma passagem para melhor vida, e não para pior. À frente do mosteiro, o abade dirigia uma verdadeira multidão de camponeses dependentes. Um senhor, portanto. Mas um senhor que foi quase sempre um administrador mais eficaz dos seus domínios do que os seus correspondentes laicos; e que foi, muitas vezes, um pioneiro nos métodos de cultivo. Quatro séculos após a morte de Bento, os seus monges eram os melhores agricultores da Europa ocidental. Durante este processo alguma coisa no espírito da Regra se perdeu: o trabalho dos campos ficou entregue a colonos e a servos, reservando-se os monges para a cultura e a liturgia.

3. Na religião

            As referências à cultura e à economia não devem distrair-nos do essencial - e o essencial dos mosteiros beneditinos era a procura de uma ligação íntima com Deus. O mundo à volta do mosteiro pressionava a todo o tempo os monges para que eles, com as suas orações e missas, obtivessem para senhores, cavaleiros ou homens mais humildes, a salvação que a vida que haviam levado pressagiava duvidosa. Por exigência da sociedade laica, o tempo dos monges passou a estar ocupado quase em permanência com a oração. No templo multiplicaram-se as capelas; os oficiantes revesavam-se, faziam turnos. Nas grandes abadias do Ocidente - em Saint Gall ou no Monte de Saint Michel - rezava-se noite e dia; autênticas "fábricas de missas", já alguém lhes chamou.

4. Na política

            S. Bento teria por certo franzido o sobrolho com desagrado se lhe vaticinassem que os seus monges iriam ser braços direitos de reis e príncipes, ou poderosos senhores locais com competências políticas e judiciais sobre populações dependentes. Mas foi isso mesmo que aconteceu e, perdoe-se o determinismo do raciocínio, nem poderia ter sido de outra maneira. Estes monges tinham uma série de capacidades e talentos que faziam imensa falta aos reis da Alta Idade Média - e que quase mais ninguém tinha (à excepção de alguns bispos). Podiam servir como escrivães, como professores, como chanceleres, como conselheiros...e assim foram utilizados em todas as monarquias do ocidente.

5. Na sociedade

            É José Mattoso[11] quem melhor explica o importante papel social desempenhado pelos monges a diminuir antagonismos, a pacificar estratos mais belicistas[12], a ajudar a integrar minorias desenraizadas, a reafectar ao usufruto dos mais pobres terras que estes haviam perdido[13].

           

            Esta evolução não se fez sem custos; o pequeno microcosmos que Bento idealizou ficou isso mesmo - um sonho, à medida que o recrutamento dos monges se ia passando a fazer, quase exclusivamente, nas classes nobres, e o dos abades na mais alta aristocracia, por vezes mesmo nas famílias reais. Garcia de Cortázar pensa que nestes séculos, e por estas razões, o monaquismo fracassou enquanto projecto de fuga do mundo; que os monges se instalaram na sociedade não como servidores mas como servidos. Que esta instituição já não era a que o fundador havia previsto.[14] Julgo em todo o caso que a sua observação ganha em ser matizada, pois continuou a haver cenóbios que se mantiveram perto do espírito da regra.

            Mas houve muitas outras dimensões em que o monaquismo beneditino suplantou todas as expectativas e se tornou num poderoso criador de ideias, de técnicas, de modos novos de estar em sociedade. É essa reflexão que passaremos a fazer em seguida, seguindo as propostas do historiador belga Albert d'Haenens [15].

            Em questão passa a estar não exactamente a Regra, mas o projecto monástico de Bento, do qual a Regra é uma expressão - ou a expressão. E vamos tentar ler esse projecto em função do que ele criou, sobretudo numa das suas fases mais estimulantes e mobilizadoras (séculos XI a XIII[16]) e ao nível da realidade material e profana, no plano da cultura como no do quotidiano.[17] Assim entreveremos o que, sem Bento o saber, sem dúvida muito para lá das suas intenções primeiras, assegurou a fecundidade e a força culturais de um projecto religioso.

            Talvez no final cheguemos à conclusão de que o projecto monástico de Bento foi fundador de uma parte importante da cultura europeia concebida como produto da relação do homem com o espaço, com o tempo, com o corpo, com o grupo. Isto enquanto, para citar J. Decarreaux, "a vocação essencial dos monges nunca foi a de civilizar nem mesmo a de evangelizar, mas sim a de ter disponibilidade, longe do mundo, para a ascese, a oração, o amor a Deus, sem outra especialização". Talvez no final o epíteto de "pai da Europa" adquira o seu mais profundo significado.

O projecto monástico de Bento e a cultura material

            É curioso que este projecto se mostra especialmente criativo no domínio do quotidiano, do corpo, dos sentidos, da cultura material e profana, com as quais se propõe precisamente romper. Mais: nos séculos XI e XII os mosteiros beneditinos de homens e de mulheres foram mesmo criadores de valores profanos tipicamente europeus e ocidentais, que depois a sociedade fez seus.

Os monges e o corpo

            O aspecto mais importante: a alimentação. Numa abadia, isso pode ser complicado, mesmo triplamente complicado: porque é preciso preparar diariamente comida para um grande grupo, pela imposição estrita da proibição de carne de quadrúpedes e pelos frequentes jejuns. A comunidade tem que resolver muitos e difíceis problemas:

- a produção de matérias primas em autarcia;

- a preparação e a transformação dessas matérias primas em alimentos comestíveis;

- a conservação e a armazenagem em stock dos produtos.

            Repare-se nisto: é preciso dispor em permanência, e em grande quantidade, de substitutos para a alimentação à base de carne; é preciso investir nas frutas, nos legumes, nos derivados de leite, na criação de capoeira e na piscicultura. Destacaremos esta última, a piscicultura, porque houve realizações verdadeiramente espectaculares: arranjo de enormes tanques; construção de barragens ou de viveiros, em cascata ou alimentados por água corrente (por vezes constituindo conjuntos luxuosos e monumentais); técnicas sofisticadíssimas de repovoamento de peixes, de fecundação artificial (nomeadamente na Borgonha), de criação de determinadas espécies (as carpas da Alemanha e da Polónia), de maneiras de pescar (o salmão na Irlanda).

            Entremos nas cozinhas e observemos as experiências de organização do espaço, os fornos, as chaminés, os esgotos, por vezes conduzindo a resultados extraordinários: Alcobaça, é claro, mas também Fontevrault, Glastonbury, Villers-la-Ville. Mas podíamos falar também na organização do trabalho, nos utensílios...

            Centremo-nos na preparação e transformação dos alimentos. Como já foi observado por historiadores da alimentação e do quotidiano, quase todos os progressos realizados, desde os inícios da Idade Média, nos diversos sectores da economia e da tecnologia alimentares, são devidos aos esforços metódicos e perseverantes dos estabelecimentos religiosos; a cozinha dos religiosos está, involuntariamente, na origem da gastronomia.

            A proibição da carne e os jejuns estimulam a criatividade, as experiências dietéticas e culinárias, a exploração das virtualidades de outros produtos alimentares diferentes da carne vermelha.

            É preciso armazenar grandes stocks e conservá-los em bom estado, para ter sempre disponível uma reserva alimentar para um grupo numeroso. Não é só um problema para o cozinheiro, é também para o celeireiro, que cuidará dos edifícios e das condições de armazenagem, da gestão de stocks, do tratamento de excedentes[18]. Muitos celeiros cistercienses ficaram famosos (Pontigny, Longpont, Royaumont, Noirlac, Clermont, Villers). O celeiro de Claraval, do fim do século XII, tinha 75 m de comprimento; o de Vauclair, do século XIII, 70x15m, o que dá 1050 m2; o de Eberbach, construído pelo ano de 1200, media 93x16 m (=1488 m2). Seria interessante saber como é que eles eram aproveitados interiormente. Lembremo-nos, além disso, das granjas monumentais, ou da famosa fábrica de cerveja de Villers-la-Ville (1270-1276), com as dimensões de 42X12 m (=504 m2). Todos os álcoois e licores franceses, dizem os especialistas, passaram por um período monástico; do mesmo modo, os mosteiros tiveram um papel decisivo na história dos queijos. Acompanhemos Léo Moulin numa longa citação: "Os monges eram os únicos a ter reservas de vinho, de fruta, de cereal; os meios financeiros e tecnológicos para os tratar; a inteligência e o espírito de observação, unidos ao espírito de invenção, para o fazer; as capacidades para deixar envelhecer o produto...Grande viajante, o meio monástico presta-se naturalmente à transmissão de técnicas, de 'segredos', de habilidades. Para ele não existe o risco de se extinguir a linhagem, como acontecia a tantas famílias nestes séculos mortíferos da Idade Média. Pode acumular reservas: a sua arte de cultivar as terras e a abstinência dos monges permitem-lho. Não comercializa nada, pelo menos no princípio. Que fazer desta cevada, senão cerveja? E destas uvas, senão vinho? E destas maçãs, senão cidra? E deste mel, senão hidromel? Que fazer finalmente deste leite, que se tem em abundância, senão queijo?"[19].

            Não se exagere, porém, o louvor. Se tudo foi tão ponderado, tão equilibrado, como explicar tantos monumentos da iconografia medieval que nos retratam monges anafados, sugerindo que a criação de excedentes começava nos seus próprios corpos?

Porque é que os monges eram gordos?

            É esta a interrogação que dá o título a um curioso artigo de Michel Rouche[20]. Que responde: não necessariamente porque comessem demais, mas porque comiam as coisas erradas. Uma pesquisa sobre as rações alimentares dos monges deu resultados surpreendentes. Em Corbie, em Saint-Germain-des-Prés e em Saint-Denis, cada irmão recebia diariamente 1,700 kg de pão, 1,5 litros de vinho (duas garrafas das nossas) ou de cerveja (cinco latas), cerca de 100 gramas de queijo, 230 gramas de legumes secos (favas ou lentilhas), 25 gramas de sal, um grama de mel e 30 gramas de gordura animal. Nada de carne, é claro. Isto para três refeições diárias. As monjas recebiam um pouco menos, porque se pensava que, sendo mulheres, comiam menos (mas tinham direito a pão de melhor qualidade). Em comparação, os leigos que trabalhavam para o mosteiro de Corbie recebiam menos pão (1,300 kg) mas bebiam 1,45 litros de vinho e 2,3 litros de cerveja. Ao contrário dos monges, recebem ainda mais de 100 gramas de toucinho e 218 gramas de carne de porco salgada. A que se juntam 400 gramas de legumes secos, para puré de legumes e 138 gramas de queijo. Para ajudar a deglutição, tinham ainda 654 gramas de azeite e 327 gramas de um condimento salgado à base de peixe, 27 gramas de pimenta, 54 gramas de cominhos, sal e vinagre à discrição. Quer dizer, os leigos que trabalham para Corbie recebem mais comida do que os monges. Eis uma conclusão que desafia frontalmente as ideias feitas sobre o assunto.

            São rações enormes. Tudo gira em torno do pão; o que se come com o pão é o companaticum; daqui tiramos nós a palavra companheiro, etimologicamente aquele com quem se partilha o pão. Os responsáveis pela alimentação não tinham em grande conta as couves, os frutos sasonais, "as ervas do jardim"; como em todas as civilizações rurais, só alimenta o que é consistente. Por isso, para ajudar a engolir aquelas massas enormes de pão e de legumes secos, era preciso afogar tudo - e a insaciável sede - em quantidades torrenciais de vinho e de cerveja.

            Do ponto de vista dietético, esta alimentação é desastrosa. As necessidades em calorias de um homem de 70 kg que faz um trabalho médio rondam as 3000 (2400 para uma mulher de 56 kg). Estes monges e estes leigos do séc. IX dispõem de mais de 6000, e chegam facilmente às 7000. Contra a ideia tradicional de uma Idade Média esfomeada, Michel Rouche apresenta-nos os comensais carolíngios a empanturrarem-se de comida. Antes de mais, devido à tradição alimentar - o mais tirânico, o mais imutável dos hábitos.

            É um regime completamente desregrado, excessivo em quantidade, insuficiente em qualidade, e sem vitaminas, que produz um tipo físico curioso: monges gordos, barrigudos, pesados com 'más' gorduras, mas sofrendo carências, dentes descarnados e respiração ofegante - tudo sintomas de uma má alimentação.

            Mais em pormenor: são conhecidas as origens mediterrânicas do regime à base de pão e vinho. O que acontece com as enormes quantidades de pão ingeridas? Repletas de água, durante o processo digestivo, ficam durante demasiado tempo no aparelho gástrico. A má fermentação da farinha gera uma espécie de celulose que produz irritações no tubo digestivo[21]. Quer dizer: estes homens sentem-se quase permanentemente mal dispostos, enfartados e com o ventre inchado. Quando por fim o estômago se distende um pouco, um agradável relaxamento atrai de imediato o sono.

            Os grandes reformadores monásticos, ignorantes embora da complexidade do processo digestivo, apercebem-se das consequências desta alimentação embrutecedora e lutarão sempre por prolongados jejuns, em defesa da libertação do espírito. Se no quotidiano a dieta dos monges é desequilibrada, é natural que tentem compensar as carências que sentem nos dias de festa, como é natural que procurem multiplicar essas datas, nas quais matam a fome de leite e seus derivados, de galináceos e de ovos. Alguns exemplos de grandes celebrações em mosteiros franceses sugerem-nos consumos de quatro ovos e de mais de um frango por cabeça, o todo bem cozinhado na gordura de três porcos (e a somar-se às refeições regulares). Como o banquete aproveitava também aos leigos que trabalhavam no mosteiro, redobrava a pressão para converter em festa qualquer data com algum sentido: as datas litúrgicas, à cabeça, mas também o aniversário da morte de Luís, o "Pio", o de sua esposa Judite, o do nascimento de Carlos, o "Calvo", o da sua sagração como rei, o da respectiva morte. Sem grande esforço chegava-se às oito ou dez festas profanas por ano. Em mosteiros mais ligados ao poder, o afã comemorativo era maior; Michel Rouche cita como exemplo Saint-Martin-de-Tours, onde nenhum aniversário real ou imperial ficava por celebrar.

            Estes dias de excesso proporcionavam satisfações efémeras; mas "um estômago que tinha horror ao vácuo", quando se sentisse vazio, dava sinal de si; e os monges voltavam a ter fome e mal-estar. Nem o vinho ajudava, enfraquecido pelo baixo teor alcoólico, misturado com água, mal conservado e, em regra, de fraca qualidade.

            Quer dizer que não houve fomes no Ocidente medieval? Claro que houve, bastantes e duras. Os estudos que se vão multiplicando sobre restos ósseos da Alta Idade Média dão-nos, sobre o assunto, dramáticos testemunhos. Mas quando a única fonte a dar conta dessas fomes é uma crónica monástica, como tantas vezes é o caso, deveremos formular uma prudente reserva: estaremos perante um ano de más colheitas, que deixou muitas populações sob o espectro de morrer de fome, como geralmente se aceitou, ou perante "queixas e receios de homens gordos, com medo de que lhes falte a comida?"[22]

           

            Mas o corpo não precisa só de alimento, requer também higiene, individual e colectiva: a Regra prevê a toilette matinal, o banho e a abstinência sexual. E prevê o cuidado com os doentes. Estes são agrupados num local específico do mosteiro, na enfermaria, afastados do quadrilátero do claustro. Têm a sua própria alimentação, o seu horário, as suas salas, os seus regulamentos, o seu quotidiano. Podemos dizer que é assim que nasce e se aperfeiçoa o espaço hospitalar ocidental (protótipo do hospital urbano, ao lado da cidade), num local próprio, com o seu dia-a-dia específico inspirado pelo quotidiano monástico medieval. E não esqueçamos que a hospitalitas monástica tem dois filhos: o hospital, como acabámos de ver, mas também o hotel.

Os monges e o espaço

            "Desbravadores, construtores, arquitectos, jardineiros, hortelãos, piscicultores, silvicultores, agricultores, criadores de coelhos, criadores de imensos rebanhos de carneiros (os cistercienses - não nos esqueçamos de que os cistercienses ingleses foram os primeiros a desenvolver as quintas destinadas à criação do carneiro e as redes de exportação da lã para o Continente), patrões de explorações agrícolas modelo, únicos mestres (eficazes) da assistência técnica, e isso durante séculos, os monges são por todo o lado, e senão na origem de tudo, pelo menos obreiros activos do que será, um dia, a Europa."[23]

            Antes de mais, como realizadores de modelos urbanos. "Vivemos como se fosse numa cidade", exclama um deles num sermão do Advento[24]. É verdade, a abadia dos séculos XI e XII vai ser, como a cidade ocidental, um espaço totalmente novo, criado por homens cujo projecto é viverem nela uma vida de grupo mas também uma vida individual, diferente da vida que se faz cá fora, na sociedade com a qual romperam.

            Tal como a cidade (e antes dela), a abadia é centrada: com numerosas vias de circulação, o seu espaço central vazio, correspondente à praça, é o local por excelência das trocas e da distribuição de funções, animadoras do conjunto, sistemática e racionalmente separadas e diferenciadas. À imagem da cidade, a abadia é uma entidade cercada através de um muro ritmado por portas.

            Seria interessante estudar melhor os planos das cidades monásticas (como é que nasceram, como evoluíram, como funcionavam), para perceber a importância dos projectos e dos protótipos dos monges nessa história.[25]

            Por outro lado, no seu funcionamento o grupo monástico revela processos e dinâmicas parecidos com os que encontraremos no grupo urbano, tanto em matéria de gestão e de administração quanto em apectos da vida quotidiana: a medida do tempo praticada nas abadias cistercienses é mecanizada e homogeneizada, antes de isso acontecer nas cidades[26]. Georges Duby sintetiza magnificamente estas ideias:

            "Começando pela organização racional de um terreno, a obra de arte continua, em Cister, pela colocação de todas as infraestruturas da produção. Estreitamente ajustadas às suas funções, dirigindo-se a direito para o essencial, sem desvios, sem floreados, reduzidos à sua estrita funcionalidade, a forja, o lagar, o celeiro, revestem aos nossos olhos o que faz a beleza da igreja. Elementos maiores dessa cidade perfeita que, parecida com aquela com que sonhavam os urbanistas das Luzes, se eleva à glória de um progresso, o qual, diga-se o que se disser, não se reduziu de forma alguma ao progresso único da alma."[27]

            Os cistercienses, para viverem, recusaram os rendimentos de uma igreja com a qual o seu projecto monástico nada tinha a ver; então internaram-se nas terras incultas, na natureza "desumana" e selvagem, no deserto.

            Sem o terem procurado conscientemente, aí os temos pioneiros do desbravamento e arroteamento de terras, da drenagem de pântanos, da construção de barragens e diques; e percursores na utilização das novas energias (a madeira e a água), de que o Ocidente tinha tanta necessidade, estando como estava em plena expansão demográfica e urbana. Era preciso conhecer melhor os monges "engenheiros hidráulicos", nota D'Haenens. Há realizações monumentais célebres: o plano de 1167, no Saltério do Trinity College, em Cambridge, com a rede de canalizações de água em Canterbury; o "hino à água" de um monge de Claraval no século XIII; a rede de esgotos de Villers-la-Ville; o aqueduto suspenso de Obazine (final do século XII); a água corrente em todas as celas, desde o século XII, na Grande Chartreuse. Falta estudar os aspectos técnicos propriamente ditos: a rede de condutas, o funcionamento, as utilizações industriais e domésticas. Aliás a hidráulica monástica[28] é um dos campos de investigação que tem fornecido resultados mais interessantes. Acredita-se hoje, por exemplo, e na esteira das propostas de Glyn Coppack, que era muito mais forte o simbolismo da água para a lavagem do que para beber ou cozinhar. Os monges lavavam as mãos antes das refeições, e todas as sextas-feiras o abade ou o prior lavavam os pés aos outros monges, como Cristo fizera aos apóstolos antes da última ceia. Por isso, habitualmente a canalização servia em primeiro lugar a enfermaria, depois a fonte do claustro e só depois a cozinha, onde nem sempre chegava nas melhores condições (o que aconselhava a que se fizesse cerveja com ela).

            Sabe-se também que os cistercienses estiveram entre os primeiros a utilizar o martelo hidráulico. Não devemos cair no exagero de os ver como inventores de todas as técnicas; muitas vezes limitaram-se a participar activamente na febre de domínio das técnicas da água que se fez sentir no seu tempo: assim quando construíram longos canais para desviar cursos de água até às suas abadias[29]. Em Pontigny, a queda de água da levada que os monges fizeram no século XII desenvolvia tão grande força motriz que, ainda em 1800, alimentava três rodas hidráulicas[30]. Mas as realizações hidráulicas dos monges brancos são mais e mais variadas: construção de aquedutos, diques e barragens (mesmo em rios de média dimensão); cisternas eficazes a aproveitar águas infiltradas e a prevenir inundações[31]; escolhas certeiras de localização de cenóbios, ocupando o único ponto com água num cenário de aridez; evacuação de água do interior de minas[32], etc.

            'Contra a sua vontade', os cistercienses experimentaram novas técnicas de exploração. Isso pela própria força das coisas, porque colocavam, nas suas realizações temporais, a seriedade, a inteligência, a paixão que animavam as suas práticas de interiorização espiritual. Por isso foram responsáveis por tecnologias agronómicas e industriais revolucionárias. Voltemos a Duby: "Monges e conversos, rendeiros do senhor Deus, melhoraram as raças animais - e um testemunho disso é o progressivo aumento dos pergaminhos que eles fabricavam com a pele de animais jovens - conseguiram reconstituir a fertilidade das suas terras por meios menos toscos. Foram os campeões do adubo, das rotações fecundadoras; foram os campeões do trabalho da terra. Avisados acerca das melhores maneiras de atrelar os bois, aplicando ao solo dos campos, para melhor o revolver, o ferro...no século XIII, a Ordem de Cister colocou-se na vanguarda do desenvolvimento da metalurgia, [solicitando aos príncipes a doação das ferrarias mmais ricas, domesticando a força das águas correntes para melhor bater o metal]. Cister, que erigiu as suas forjas com tanta majestade como os seus santuários."[33]

            Desta forma, a cidade monástica prolongou-se para fora da muralha em propriedades e explorações. Projecções essas que foram racionalmente acompanhadas e pensadas nos campos da contabilidade, dos cartulários, dos censuais. Por isso deram lugar a grandes aperfeiçoamentos de modelos de gestão e traduziram-se em práticas avançadas de arquivística, de gestão contabilística, de recenseamento fundiário e de cadastro de terras.

Os monges e o grupo

            Foi na sala do capítulo, durante as reuniões quotidianas, que nasceram alguns modelos de participação política e de organização do poder ainda em vigor. O capítulo monástico foi, sem dúvida, o primeiro lugar do Ocidente em que regularmente, diariamente, se verificou a relação dos membros com a Regra, se controlou a respectiva aplicação, se inculcou o seu conteúdo, se reforçou a coesão do grupo. Porque a vida dos religiosos decorre num regime de direito. Léo Moulin provou, em numerosos estudos, de que forma o estudo das regras e das constituições dos estabelecimentos religiosos é fundamental para a ciência política contemporânea, sublinhando alguns aspectos:

- o carácter misto do governo dos religiosos (monarquia, oligarquia e democracia); isto pelo papel respectivamente confiado ao abade, aos decanos do mosteiro e a toda a comunidade;

- a natureza e a originalidade da sua assembleia legislativa;

- a primazia do poder executivo, primazia essa temperada pela necessidade de esse poder executivo se inclinar perante votos colegiais;

- as origens religiosas das técnicas eleitorais modernas;

- o sistema, complexo e sofisticado, que presidia à eleição do abade (com a participação da "sanior et major pars"), etc.

            Lembremos apenas isto: Cister funda a sua Assembleia Supranacional em 1115, habilitando-a a legislar, a modificar ou abrogar as leis, a interpretá-las. Só o capítulo geral da Ordem, o Parliamentum, pode conceder dispensas e absolvições; esse capítulo elege o superior geral e os seus assistentes; pode destituí-los. A Assembleia é a fonte de todos os poderes, a Summa Potestas. Isto, repito, em 1115, um século antes da Magna Carta e do seu embrião de regime parlamentar. Comparadas com esta forma elaborada de governo, com estas assembleias regulares submetidas a um código eleitoral e deliberativo extraordinariamente minucioso, as instituições municipais e reais do princípio do século XII parecem bastante toscas.[34]

            Tudo o que temos vindo a dizer foi lapidarmente resumido por Taine: "Pelo seu trabalho inteligente, voluntário, executado em consciência e conduzido a pensar no futuro, o monge produz mais do que o leigo. Pelo seu regime, sóbrio, concentrado, económico, o monge consome menos do que o leigo. É por isso que, aí onde o leigo tinha falhado, ele prospera."



[1] Este texto foi pensado para ocupar um lugar numa sequência de palestras, para um público alargado; não pressupõe investigação inédita, mas tão só uma revisão e síntese da bibliografia que conheço e da qual me limito a indicar a mais importante. Destaco desde já dois títulos: Jacques Berlioz, apresent. de - Monges e Religiosos na Idade Média. Lisboa, Terramar, 1996; Atti del VII Congresso internazionale di studi sull'alto medioevo "San Benedetto e il suo tempo", Spoleto, Centro Italiano di Studi sull'Alto Medioevo, 1982.

[2] Leia-se, por todos, José Mattoso - S. Bento, Pai da Europa, sep. de "O Instituto", Vol. 127, Coimbra, 1965.

[3] Constantino, que sucedeu imediatamente a S. Bento como abade do Mosteiro de Montecassino, Simplício, que sucedeu a este e foi, portanto, o terceiro abade de Montecassino, Valentiniano, abade de S. Pancrácio de Latrão (onde os monges de Cassino buscaram refúgio depois de o cenóbio ter sido destruído pelos Lombardos) e Honorato, abade de Subiaco.

[4] Vida de S Bento. II Livro dos Diálogos de S. Gregório. Porto, Mosteiro de S. Bento da Vitória, Edições Ora & Labora, 1993, p. 149 (Tradução Portuguesa com introdução e notas comemorativa do cinquentenário da recuperação monástica do Mosteiro de S. Bento da Vitória da cidade do Porto (1942-1992).

[5] Algumas das quais de problemática ou impossível confirmação histórica.

[6] Vida de S. Bento..., p. 151.

[7] Já que, no Oriente, a situação era muito mais complicada, com o imperador Justiniano a imiscuir-se constantemente nas questões internas da igreja e a dar razão aos que afirmam que um teólogo num trono é um perigo público.

[8] José Angel Garcia de Cortázar - Historia General de la Alta Edad Media, Madrid, Ed Mayfe, S.A., 1970, p. 124.

[9] O.c., p. 124.

[10] Admitindo contactos com ele apenas em casos de extrema necessidade.

[11] No texto citado na Nota 2.

[12] Quer no que toca aos mais activos guerreiros da Reconquista cristã, na Península Ibérica, quer muito antes, durante a instalação dos povos bárbaros no ocidente europeu.

[13] Ou que nunca tinham tido. Chamo a atenção para este texto porque procura reflectir essencialmente sobre a realidade peninsular e portuguesa.

[14] O.c., pp.126-127.

[15] No seu trabalho O Projecto monástico de Bento como matriz cultural (ensaio de leitura retrogressiva da Regra dos Monges), Lovaina, Centre de Recherches sur la Communication en Histoire ("Publication nº 12"), 1982.

[16] A partir daqui os monges cederão em grande medida o passo aos mendicantes como fundadores e animadores da cultura ocidental.

[17] A ideia é, retomando D'Haenens, "ler o projecto a partir das realizações que ele inspirou, das diferentes significações que lhe foram dadas". Vamos portanto tentar descobrir as virtualidades implícitas no original, tal como elas se foram revelando, progressivamente, à medida que a Regra ia sendo aplicada e interpretada pelos séculos fora.

[18] Que, para serem conservados, podem ter de ser transformados.

[19] Léo Moulin - L'Europe à table: introduction à une psychosociologie des pratiques alimentaires, Paris/Bruxelas, 1975, pp. 75-78. E o mesmo autor, em outra obra, sublinha: "Só um meio artesanal altamente qualificado era capaz de afinar e transmitir, de geração em geração, técnicas delicadas e requintadas. Era precisamente o caso dos mosteiros ou das comunidades rurais que trabalhavam à sombra deles. Por outro lado, isso necessitava de excedentes de leite, o que era raro, devido à penúria de gado e ao seu fraco rendimento: os monges, esses tinham-no em abundância graças à sua arte de criar rebanhos e à sua vontade sistemática de comer pouco. O mecanismo é sempre o mesmo: jejuns e abstinências, ordem e trabalho, criam, salvo acidente, excedentes." (La Vie quotidienne des religieux au moyen âge (Xe-xve siècles), Paris, Hachette, 1978, p. 86).

[20] "L'Histoire", 27 (Out. 1980),p. 106-107.

[21] As leguminosas causam o mesmo efeito, mesmo se previamente transformadas em puré e depois bem cozidas.

[22] Michel Rouche - O.c., p. 107. O autor conclui: "Objectivamente, cada um estava mais do que abundantemente alimentado. Psicologicamente, sentia-se sub-alimentado, quando de facto estava mal nutrido. Foi esse o martírio do obeso carolíngio." (Ibidem)

[23] Léo Moulin - L'Europe à Table..., p. 74.

[24] Guerric d'Igny, falecido em 1157.

[25] Já se fez um estudo destes sobre o plano dito de Saint-Gall, de 830.

[26] Vejam-se as ardósias de Villers.

[27] Saint Barnard. L'art cistercien, Paris, Arts et Métiers Graphiques, 1976, pp 124-125.

[28] Sobretudo de cistercienses, mas também de outros beneditinos, franciscanos, dominicanos, jerónimos, etc.

[29] Canais de 3 km, como em Claraval e Pontigny, ou de 10 km, como em Cister.

[30] Um moinho de trigo, uma fiação e um pisão.

[31] Como na abadia de Fontfroide.

[32] Proeza dos cistercienses, no século XII, quando conseguiram comunicar o movimento horizontal de uma roda hidráulica a uma outra, de rotação vertical.

[33] Saint Bernard..., p. 124.

[34] Já foi notada a influência de Cister na Magna Carta.

www.hottopos.com