É crime realizar
interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou de telemática, sem
autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A pena é 2 a 4 anos de
reclusão. Enfatiza-se a preservação da privacidade: "assim, o terceiro, cuja
conversa foi interceptada em face de ter mantido comunicação com o investigado, deve ter
sua intimidade respeitada. Pode participar do incidente de inutilização da prova. Para
proteger a sua privacidade, deve-se assegurar sigilo da conversa durante o processo, até
o seu encerramento e, por isso mesmo, pune-se a revelação do segredo de justiça"(6).
Os demais casos são protegidos pelo direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrente da violação, em regra.
"No campo das proibições da prova, a
tônica é dada pela natureza processual ou substancial da vedação: a proibição tem
natureza exclusivamente processual quando for colocada em função de interesses atinentes
à lógica e à finalidade do processo; tem, pelo contrário natureza substancial quando,
embora servindo imediatamente também a interesses processuais, é colocada essencialmente
em função dos direitos que o ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do
processo"(7). De ambas as situações exsurge a ilegalidade
(ilegitimidade na primeira e ilicitude na segunda). A ilegitimidade é sancionada com
nulidade. A ilicitude com a inadmissibilidade da prova. A violação da privacidade, em
princípio, gera a inadmissibilidade da prova. Não deve ser incluída no processo. Se o
for deve ser excluída. A ilicitude da prova obtida com violação de privacidade
estende-se às provas derivadas. Aplica-se a teoria da árvore envenenada que, assim,
produz frutos imprestáveis.
Casos julgados
O direito norte-americano vem alargando o
campo de inadmissibilidade de provas ilícitas. Desde 1914, no caso Weeks, a Suprema Corte
considerou "um prejudicial erro a admissão, por uma corte federal, de documentos
apreendidos na casa do acusado sem o respectivo mandado, com violação da IV Emenda; a
partir daí, fixou-se nas cortes federais, a regra de exclusão segundo a qual são
inadmissíveis as provas obtidas com violação das garantias constitucionais; e essa
regra passou a vigorar também, posteriormente, na maioria dos estados americanos"(8).
Veja-se que Frank Costello, conhecido big shot norte-americano, ao ser inquirido, em New
York, pela Comissão Parlamentar de Inquérito incumbida de investigar a ação corruptora
do banditismo organizado, opôs-se, com êxito, a ser televisionado com base no direito à
imagem, pois não queria ver amplificada a sua posição de mero acusado que poderia ser
absolvido.
O caso Nixon, segundo lembra Clóvis Almir
Vital de Uzeda, é um exemplo de proteção á privacidade, de um governo de leis e não
de reis, pois tudo começou com a invasão do escritório do Partido Democrático por
alguns cubanos que foram presos, seguindo-se proposta de acordo em que receberiam a
suspensão do processo que tratava do caso como simples invasão, mas o juiz percebeu que
não era razoável a barganha, já que cubanos recém-chegados não se prestariam à uma
simples invasão sem outros interesses, vislumbrando crime de maior gravidade e
participação de outras pessoas. Percebera um delito com conotação política e as
investigações tiveram continuidade, obtendo-se algumas confissões e delações de forma
que se chegou à conclusão de que havia um crime grave e existiam indícios de co-autoria
do Presidente. Com base nisso cautelaridade foi ordenada a apreensão de
fitas que o Presidente tinha em seu poder e continham algumas conversas com terceiros
sobre o caso. Nixon alegou privilégio presidencial para não entregar as fitas, mas a
Suprema Corte, por unanimidade ordenou a entrega das fitas. O conteúdo foi avaliado como
prova de co-responsabilidade presidencial e a conseqüência foi a renúncia. Portanto,
tudo começou porque se preservou a inviolabilidade do escritório político e houve mera
apreensão de fitas que estavam no governo. Tudo dependendo de autorização judicial e
depois de prova do crime e de indícios da autoria.
Recentemente a justiça norte-americana
reconheceu o direito à privacidade da esposa cujo marido instalou sistema de
monitoramento visual de sua residência que controlava do seu escritório.
A nossa Constituição Federal, como vimos,
protege integralmente a privacidade. Muito antes da atual Constituição, em 1922, a Miss
Brasil da época obteve interdito proibitório contra cinegrafista que a filmou em
ângulos inconvenientes à sua reputação e não se divulgou a filmagem. Pode-se obter
medida cautelar impediente de divulgação indevida da própria imagem. Como escreveu
Walter Moraes um dos maiores estudiosos do direito à personalidade trata-se
de bem jurídico autônomo. A regra de aquisição da imagem é a regra de conteúdo
negativo porque a própria imagem é para o sujeito um bem inato, como inato é o direito
a ela. A pessoa surge no mundo do direito já revestida de uma figura que lhe compõe
naturalmente a personalidade. Com a idéia de personalidade é necessariamente anterior à
aquisição (que pressupõe aquela), o direito à imagem não se adquire, surge com a
personalidade. No curso da vida, o sujeito tampouco pode adquirir outra imagem, mas apenas
transformá-la. O ato de fotografar alguém depende do consentimento deste enquanto
implique reprodução que é presumida. Não é verdade que podendo ver possa fotografar,
pois este ato fixa a imagem e induz a reprodução. Ver é natural; fotografar, não. O
Código Civil assegurava à pessoa representada a oposição à reprodução de seu
retrato (art. 666, inc. X). A lei de direitos autorais também exige autorização do
retratado para eventual reprodução(9).
Privacidade e consumidor
Nas hipóteses de seleção de pessoal ou
abertura de crédito é comum a solicitação de dados para compor cadastros. É
aceitável a exigência desde que haja autorização do investigado, necessidade,
correlação entre a investigação e o objetivo visado, limitação, preservação e
possibilidade de contestar eventuais dados incorretos. Trata-se, ainda uma vez, da
aplicação da regra da proporcionalidade, isto é, não se pode violar a privacidade que,
em princípio, é intangível, salvo a imperiosa necessidade de consecução de um bem
igual ou superior à própria privacidade. Ninguém deve ser compelido a negociar com um
desconhecido, mas não é necessário que se conheça a intimidade de outrem para
concessão de mero crédito de valor pouco expressivo. Como a fidelidade é essencial a
todo relacionamento humano necessidade da confiança para a normalidade das
tratativas é razoável que se conheça o passado de um candidato a um posto, mas
não se pode admitir a devassa indiscriminada de sua vida e, muito menos, a divulgação
indevida de dados obtidos. Penso que todos devamos defender a privacidade, justamente
quando não estamos envolvidos no processo de sua eventual violação. Não é de esperar
que lute pela preservação da privacidade o desempregado ávido por encontrar trabalho.
Não é bom que nos acostumemos à violação da privacidade, sob pena de perdermos a
nossa pessoalidade. Dizer o que pensamos, acreditar na volatilidade da palavra, preservar
a liberdade individual é essencial à humanidade.
Penso que é razoável a informação ao
interessado acerca da negativa avaliação de seus dados, até porque os seres humanos tem
esta maravilhosa possibilidade de se aperfeiçoar e, conhecendo eventual erro, mudar para
melhor. O aperfeiçoamento interessa a todos. Pode ser evitado um erro de captação de
dados. Superada uma informação parcial. Deve ser instituída a possibilidade de revisão
das decisões, justamente porque somos falíveis. Conta-se que um importante membro da
justiça foi injustamente preterido em suas promoções em face de errada anotação em
sua ficha funcional.
Todos têm direito a receber dos órgãos
públicos as informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestados no prazo legal, sob pena de responsabilidade, salvo caso de sigilo
que implique a segurança social (Art. XXXIII, da Constituição Federal). É assegurado o
remédio do habeas data para cognição de informações relativas à pessoa do
interessado, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público. É possível a retificação de dados, via habeas data, quando não se
prefira fazê-lo por processo sigiloso. O consumidor pode ter acesso às informações
existentes em cadastros arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
Estes cadastros devem ser claros e as suas informações negativas não podem compreender
período superior a 5 anos. O interessado pode exigir a correção de dados inexatos (art.
43, do Código de Defesa do Consumidor).
No final do século passado, um parlamentar
inglês recomendava o encerramento das atividades do Departamento de Patentes e
Invenções britânico, proclamando que tudo o que poderia ser descoberto já estava
desvendado. Caso tivesse vivido alguns anos mais, ficaria assombrado. Todavia, se chegasse
ao final deste milênio, constataria que a revolução tecnológica pode anular direitos e
garantias individuais conquistados ao longo do tempo por revoluções que envolveram os
ideais e as lutas de muitos. Impressiona perceber que a técnica destinada a assegurar o
"maior tempo disponível para que os homens possam efetivamente participar do mundo
da cultura"(10), institua uma cultura sem o homem, sem os seus
ideais e sem os seus direitos fundamentais. Interessa o lucro, o emprego de novas
tecnologias no tempo mais rápido possível para que não sejam superadas; deixa-se o
individual e se passa ao coletivo no qual importa a empresa, a instituição, em vez da
pessoa. Poderemos perder a privacidade, o próprio eu, deixaremos de ser pessoas para ser
membros abstratos de grupos. A história da luta pela liberdade é a história da própria
civilização. A liberdade é essencial ao homem, a tecnologia é para o homem, o homem
deve lutar sempre para se manter livre.
Privacidade e mídia
Os meios de comunicação em geral e a
televisão em particular mereceriam um tratamento específico, pois vivemos sob o império
da "videocracia" que manipula informações e deforma a sociedade. Há ofensa ao
direito da personalidade na filmagem oculta de pessoas em situações constrangedoras. O
desserviço é evidente. No lugar de ensinar o respeito ao próximo como essencial à
cidadania, mostra-se impunemente a ridicularização dos seres humanos. Os atingidos
deveriam acionar os culpados, as autoridades deveriam tomar providências e cassar as
concessões aos infratores e nós deveríamos deixar de assistir a programas que firam a
imagem das pessoas.
Privacidade e passividade
As pessoas aceitam a invasão da privacidade
porque estão desprotegidas pelo Estado. Por medo, insegurança e falta de confiança,
passivamente, aceitam as violações à sua imagem e interioridade imaginando que ficarão
mais resguardadas. Fugimos das praças, muramos as casas, gradeamos as janelas,
eletrificamos as cercas, blindamos os carros, fixamos olhos virtuais, perdemos a
privacidade e continuamos presa fácil da violência. Olvidamos as causas interiores.
Estamos vivendo uma crise de valores. Uma crise não é o fim, mas o momento de retificar.
Boa parte dos problemas sociais, inclusive a criminalidade, advém da perda do valor da
Família como instituição natural de formação dos homens. Os casamentos são
descartáveis, os filhos entregues à babá eletrônica, os velhos mandados aos asilos;
foi criado um verdadeiro caos e, depois, tentamos resolver tudo a partir de soluções
externas e colocamos um olho para mostrar nossos eventuais desvios quando deveríamos usar
a tecnologia para aumentar nossa possibilidade de fazer coisas boas, talvez pequenas
coisas no dia a dia, mas essenciais à natureza humana que é social.
A segurança da preservação de dados é
praticamente nenhuma. O caixa do banco que manipula os seus cheques pode saber onde você
comeu, quem é o seu médico, que contratou um advogado criminalista... É preciso manter
a privacidade. Colher menos dados. Preservá-los. Por que devo fornecer meu telefone se
uso um cartão de crédito? Por que devo fornecer meus dados quando emito um cheque para
pagar uma conta qualquer?
Muitas das atividades de investigação
particular são ilegais. A Constituição Federal não as permite. Uma importante revista
acaba de registrar que altos executivos pagam experts na violação da privacidade para
conhecer a vida de seus subordinados. Lucros compensam a violação da liberdade
individual? A resposta a esta indagação dá o rumo da sociedade que desejamos(11).
Conclusão
Devemos encontrar o ponto de equilíbrio:
proteger os bens e preservar os direitos fundamentais. Penso que devemos ser livres,
iguais e fraternos. Vigiados totalitariamente, teremos as nossas pessoas sob o poder de
uns poucos que nos tratarão como objetos. Perderemos a pessoalidade.
6- Antonio Scarance Fernandes,
"A Lei de Interceptação Telefônica", in Justiça Penal 4, coord.
Jaques de Camargo Penteado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 68.
7- Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As Nulidades no Processo Penal, 6a ed.,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 131.
8- Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à
Prova no Processo Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 101.
9- Walter Moraes, Direito à Própria Imagem,
RT 443/64
10- Miguel Reale, "Globalização e crise da
liberdade", O Estado de S. Paulo, 10.8.1996, p. A2.
11- Recomenda-se a leitura do clássico "O Direito de Estar
Só: Tutela Penal da Intimidade", de Paulo José da Costa Jr., São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1970.
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