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Lux ex Tenebris

traduzindo um manuscrito medieval irlandês do séc. VIII-IX

Paulo Ferreira da Cunha
Prof. Catedrático da Universidade do Porto
Director do Instituto Jurídico Interdisciplinar, FDUP

 

A história propriamente dita é algo obscura, pelo menos no estado actual das investigações. Um frade irlandês beneditino, que teria vivido nos séculos VIII ou IX, escrevendo na Suiça (alguns precisam em St. Gallen), ou numa encruzilhada da Alemanha com a Áustria (alguns precisam no Lago Constança, e no Mosteiro da Ilha de Reichnau), de algum modo se compara ao seu inseparável gato, Pangur Ban, cantando os labores de um e de outro. Há quem acrescente que o poema aparece como uma espécie de desenfado de horas vagas, à margem de um manuscrito mais sério, mais oficial.

Este poema é uma espécie de “emblema” da exposição do Livro de Kells, patente ao público na Biblioteca do Trinity College, de Dublin, que o traduz, nos seus desdobráveis de apresentação, em várias línguas. O verso final é uma síntese do espantoso trabalho de iluminura dos preciosos livros aí expostos: “Turning darkness into light”. E, como se trata de trabalho artístico, versando sobretudo sobre Escrituras, esta “luz” e aquelas “trevas” ganham um ainda maior significado.

Aqui se trasncrevem o texto original e uma tradução inglesa corrente (v.g.: http://www.kensmen.com/catholic/pangurban.html), textos precedidos da nossa versão, muito livre (e na verdade escrita de cor). Optámos, desde logo quanto ao local onde o anónimo monge escreveu, pelo que nos pareceu mais oportuno, no contexto da nossa própria trama poética. Esclarecida que está a falibilidade de dados de facto, perdoar-nos-ão mais essa licença literária.

 

Fábula do Monge e do Gato

 

Era um letrado monástico
Talvez um tanto matuto
Foi d’Irlanda p’ra Suiça
Q’rendo ficar mais enxuto.

Não se sabe bem ao certo
Ess’arte que cultivava
Mas estudando é que achava
O que não tinha por perto.

Levou consigo um felino,
Gatinho d’estimação;
Pois letrado não quer cão:
Rói os ossos sem canino.

E em boa companhia
Os dois afins vão vivendo
O frade, lendo à porfia;
O gato, ratos comendo.

Toda a noite, em solidão,
Convive com coisas belas
O subtil ermitão
Toda a noite, à luz de velas.

E ligeiro, do seu lado,
Está seu comparsa adestrado
Limpando de rato as celas.

Uma sábia ocupação
E útil, ambos emprega:
Caça ideias o santão;
À caça o outro se entrega –
Ambos em boa união
Porque dos dois a função
Paixão é, e paixão cega.
Ora obrar o que é paixão
Salário em si é, que chega.

Mas nem por ser noite escura
Nem por cegar esse amor
Faz apagar fermosura
Ocultar chama ou calor
Desse obscuro labor
Que também arde e mais cura.

Saboreando a palavra
Sabendo a letra de cor
‘screvendo a sua lavra
Faz monge Mundo melhor.

Dando luta à rataria
Seu confrade sete vidas
À vida do dia-a-dia
Não pouco beneficia
Coisas há a ter cumpridas!

Cuida um d’alma das cousas
O outro das cousas mesmas
O que não pensas nem ousas
Sai das garras e das resmas

Fazem nas trevas do dia
Ao correr da noite escura
O que têm na natura.

Sempre voltam ao início.
Neles o vício é a virtude
E a virtude é seu vício.

Cada um, em seu ofício,
Metamorfose produz:
Das trevas acendem Luz.

 

 

Pangur Ban

I and Pangur Ban my cat,
Tis a like task we are at:
Hunting mice is his delight,
Hunting words I sit all night.

Better far than praise of men
Tis to sit with book and pen;
Pangur bears me no ill will,
He too plies his simple skill.

Tis a merry thing to see
At our tasks how glad are we,
When at home we sit and find
Entertainment to our mind.

Oftentimes a mouse will stray
In the hero Pangur's way;
Oftentimes my keen thought set
Takes a meaning in its net.

'Gainst the wall he sets his eye
Full and fierce and sharp and sly;
'Gainst the wall of knowledge I
All my little wisdom try.

When a mouse darts from its den
O how glad is Pangur then!
O what gladness do I prove
When I solve the doubts I love!

So in peace our tasks we ply,
Pangur Ban, my cat, and I;
In our arts we find our bliss,
I have mine and he has his.

Practice every day has made
Pangur perfect in his trade;
I get wisdom day and night
Turning darkness into light.

 

Pangur Ban

Messe ocus Pangur Bán,
cechtar nathar fria saindan:
bíth a menmasam fri seilgg,
mu memna céin im saincheirdd.

Caraimse fos (ferr cach clu)
oc mu lebran, leir ingnu;
ni foirmtech frimm Pangur Bán:
caraid cesin a maccdán.

O ru biam (scél cen scís)
innar tegdais, ar n-oendís,
taithiunn, dichrichide clius,
ni fris tarddam ar n-áthius.

 

(Fonte: http://homepage.ntlworld.com/alienor/catcult2.htm

 

Gnáth, huaraib, ar gressaib gal
glenaid luch inna línsam;
os mé, du-fuit im lín chéin
dliged ndoraid cu ndronchéill.

Fuachaidsem fri frega fál
a rosc, a nglése comlán;
fuachimm chein fri fegi fis
mu rosc reil, cesu imdis.

Faelidsem cu ndene dul
hi nglen luch inna gerchrub;
hi tucu cheist ndoraid ndil
os me chene am faelid.
Cia beimmi a-min nach ré
ni derban cách a chele:
maith la cechtar nár a dán;
subaigthius a óenurán.

He fesin as choimsid dáu
in muid du-ngni cach oenláu;
du thabairt doraid du glé
for mu mud cein am messe.