Home | Novidades | Revistas | Nossos Livros | Links Amigos A Avareza e suas Filhas [1]
Santo Tomás de Aquino
Trad. de Jean Lauand
A avareza e suas filhas
A avareza - De Malo, questão 13 , artigo 1 - Se a avareza é um pecado específico
A palavra avareza, segundo a significação originária, está ligada a uma desordenada ambição de dinheiro: como diz Isidoro no livro das Etimologias (X, 9), avarus é como que "avidus aeris", ávido de dinheiro [cobre], em consonância com a palavra correspondente em grego filargiria, amor à prata. Ora, sendo o dinheiro uma matéria específica, parece que a avareza é também um vício específico, segundo a imposição originária do nome. Mas, por extensão, avareza é tomada também como desordenada cobiça de quaisquer bens e, neste sentido, é um pecado genérico, pois todo pecado é um voltar-se desordenadamente a algum bem passageiro: daí que Agostinho (Super Gen. XI, 5) afirme haver uma avareza "geral", pela qual se deseja mais do que o devido alguma coisa, e uma avareza "específica", à qual se chama usualmente amor ao dinheiro.
A razão desta distinção está no fato de que a avareza é um desordenado afã de ter e "ter" pode ser entendido de modo específico ou geral, pois também dizemos que "temos" aquelas coisas de que podemos dispor a bel-prazer [tempo, saúde etc. Cfr. II-II, 118, 2]. Assim também a avareza é tomada em sentido geral, como desordenado afã de "ter" uma coisa qualquer, e em sentido específico, pelo afã de propriedade de posses que se resumem todas no dinheiro, pois seu preço é medido com dinheiro, como diz o Filósofo (Eth. IV, 1, 1119 b 26-27).
Mas, como o pecado se opõe à virtude, é necessário considerar que a justiça e a generosidade (liberalitas) - cada uma a seu modo - versam sobre as posses ou o dinheiro. É próprio da justiça o meio de igualdade estabelecido pela própria coisa, de tal modo que cada um tenha o que lhe é devido; já a liberalidade estabelece o meio a partir das próprias condições da alma, isto é, de modo que não se tenha exagerado afã ou avidez de dinheiro e saiba gastá-lo com prazer e sem tristeza quando e onde seja necessário.
É por isso que alguns situam a avareza como oposto da generosidade e, nesse sentido, a avareza é um defeito [uma deficiência] no que diz respeito a gastar dinheiro e um excesso no que diz respeito à sua busca e retenção. Já o Filósofo (Eth. V, 1, 1129 a 31 - b 10) fala da avareza como oposto da justiça, no sentido de que o avaro recebe ou retém bens de outros, contra o que é devido por justiça e à generosidade se opõe, não a avareza, mas a iliberalidade, como fica claro em Eth. IV, 10 (1122 a 13-14). E com isto concorda a autoridade de João Crisóstomo (In Matt. 15, 3) e o que se lê em Ezequiel (22, 27): "Seus príncipes estão no meio deles como lobos predadores que atacam a presa para derramar sangue e obter lucros com avareza".
As filhas da avareza - De Malo, questão 13 , artigo 3 - A Avareza vício capital.
A avareza deve ser incluída entre os vícios capitais, pois, como dissemos, vício capital é aquele que detém um fim principal para o qual naturalmente se orientam muitos outros vícios. Ora, o fim de toda a vida humana é a felicidade à qual todos apetecem. Daí que se, nas coisas humanas, algo participa - verdadeira ou só aparentemente - de alguma condição da felicidade, terá uma certa primazia no gênero dos fins.
Ora, são três as condições da felicidade, segundo o Filósofo (Ethic. I, 9, 1097 a 30 ss.): que seja um bem perfeito, suficiente por si mesmo e acompanhado de prazer.
Mas um bem parece ser perfeito enquanto possui uma certa excelência e por isso a excelência parece ser algo principalmente desejável e, por isso, a soberba ou a vaidade são consideradas vícios capitais. Já no que diz respeito às coisas sensíveis, o máximo prazer se dá no tato: nas comidas e nos prazeres venéreos, daí que a gula e a luxúria sejam consideradas vícios capitais. Mas são principalmente as riquezas que prometem a suficiência dos bens temporais, como diz Boécio (De Consol. Phil. II e III), daí que a avareza, o desordenado afã de riquezas, seja considerada vício capital.
E Gregório (Mor. XXXI, 45) enumera sete filhas da avareza: a traição, a fraude, a mentira, o perjúrio, a inquietude, a violência e a dureza de coração. A distinção entre elas se estabelece do seguinte modo. A avareza comporta duas atitudes, uma das quais é o excesso de apego ao que se tem, do qual procede a dureza de coração, o ser desumano, que se opõe à misericórdia, porque evidentemente o avaro endurece seu coração e não se vale de seus bens para socorrer misericordiosamente alguém.
A outra atitude própria do avaro é o excesso no afã de ajuntar para si, do qual procede a inquietude, que impõe ao homem preocupações e cuidados excessivos: "O avaro nunca se sacia de dinheiro", diz o Eclesiastes (5, 9).
Quando consideramos a avareza do ponto de vista da execução da ação, ao procurar para si bens alheios ela pode servir-se da força e dá origem à violência ou, em outros casos, ao engano: se este se verifica por simples palavras, com que se engana alguém para lucrar, será mentira; se as palavras enganosas são acompanhadas de juramento, será perjúrio.
Quanto ao engano no próprio ato: se é em relação a coisas, dá-se fraude; se a pessoas, traição: como é evidente no caso de Judas, que por sua avareza tornou-se traidor de Cristo.
[1] Trechos do livro Tomás de Aquino – Sobre o Ensino (De Magistro) & Os Sete Pecados Capitais, São Paulo, Martins Fontes, 2001.