JL: Poderia apresentar para o leitor brasileiro a
Universidad San Pablo - Centro de Estudios Universitarios (CEU) e contar-nos
um pouco de sua história?
JC: A Universidad San Pablo- Centro de Estudios
Universitarios de hoje tem sua origem no Centro de Estudios Universitarios San
Pablo, que era un centro adscrito à Universidade Complutense de Madrid, como um
núcleo da Asociación Católica de Propagandistas - ACdP, cujo fundador,
Mons. Herrera, partia do princípio de que era necessário dar um enfoque cristão,
aplicando e difundindo a doutrina social da Igreja - o que até então não ocorria - à
educação que os estudantes universitários recebiam. Durante trinta e cinco anos, esteve
sediado na Complutense, até que em 1991, com a nova lei do ensino universitário
espanhol, abriu-se o caminho para a criação de universidades particulares. Em 1993, foi
assinado o acordo para a criação de universidades particulares: a USP-CEU foi a primeira
em nível nacional que assinou o acordo com o Ministério de Educação e Ciência, sendo
inaugurada por suas majestades os reis de Espanha em 22 de fevereiro de 1994. Desde
então, estamos crescendo, dispomos de dois campus principais: um em Monte Príncipe, que
é o campus de ciências experimentais, e o campus de Moncloa, onde temos os estudos de
ciências humanas.
Em ciências humanas, temos cursos novos, como
por exemplo, nos estudos jurídicos, as especializações jurídico-empresarial e
jurídico-comunitária (voltada para a nova realidade européia) e - isto é também muito
inovador - uma especial Facultdad de Humanidades.
Esta última, foi uma idéia de nosso primeiro
Reitor, D. Sergio Rábade, com o intuito de - imersos numa sociedade técnica - resgatar o
humanismo: dispor de "especialistas" na formação do homem. É uma idéia muito
bonita, porque a técnica, sim, é importante, mas por trás da técnica, é necessário
que haja uma base humana.
JL: Como é essa perspectiva cristã da San Pablo?
JC: A San Pablo procura essa orientação, mas sempre
respeitando a liberdade dos alunos: não há um ensino obrigatório de doutrina; se
querem, eles o têm e há muitas matérias optativas etc., mas um aluno pode passar toda a
sua vida acadêmica na San Pablo, desde o primeiro ano até o doutorado, sem ter assistido
a nenhum ato religioso. Se quiser, tem todo o apoio: há todo um departamento de pastoral
onde pode encontrar todas as orientações, estudos e atividades nesse sentido. A San
Pablo não é uma universidade católica; é uma universidade independente, que tem
uma orientação católica.
JL: Esta idéia - tão original quanto genial - de uma faculdade
especial de Humanidades, está tendo receptividade e procura por parte dos alunos?
JC: Sim. O aluno que procura uma universidade, em geral, o que
quer é ter uma colocação no mercado de trabalho e bem remunerada. Infelizmente, as
ciências humanas "não dão de comer", principalmente em uma sociedade como a
nossa tão tecnocrática e competitiva. Não há nos classificados dos jornais, anúncios
do tipo: "Especialista em humanismo - Procura-se". Bem, pois apesar disso e
apesar da novidade do curso, mantemos o curso e há procura.
JL: Como se pode manter uma faculdade particular, quando há
tanta oferta de ensino público gratuito em Madrid?
JC: Acho que ocorre um pouco o contrário da realidade
universitária brasileira: ninguém vem à San Pablo porque não conseguiu
ingressar na faculade pública. Somos mais exigentes do que a universidade pública. O
aluno nos procura pela qualidade do ensino. E isso não sou eu quem está dizendo; há
dados objetivos: por exemplo, nossas classes têm no máximo 35 ou 40 alunos. Um outro
detalhe: no curso de Enfermagem do CEU, temos 40 alunos no 1o. ano, 40 no 2o. ano e
40 no 3o. ano. E nas aulas práticas os alunos das universidades públicas podem chegar a
ter duzentos alunos por leito; nós temos cinco leitos para cada aluno. Dispomos de meios
e, principalmente, há contato pessoal. Na tutoría - tutoría acadêmica e
um pouco, também, profissional - há um tutor para cada cinco alunos. Se o aluno não
quiser procurar seu tutor, não o procura, mas se quiser, sempre o encontra disponível.
Neste momento, em que a universidade, em nível mundial, é uma "fábrica de
desempregados", os pais, muitas vezes, nos dizem: "é um investimento para o
futuro; se não me sacrifico financeiramente e o mando para a universidade pública, as
possibilidades de futuro são sempre menores". A San Pablo mantém-se sem
nenhuma ajuda - quer estatal, quer para-estatal, quer eclesiástica -; por outro lado,
como fundação, não tem fins lucrativos e as mensalidades são estipuladas ao exato
custo (claro, alguns institutos deficitários são compensados por outros).
JL: Você trabalha na biblioteca da San Pablo. Poderia
falar-nos um pouco desse seu trabalho?
JC: Em 1992, fizemos um grande projeto para unificar todas as
bibliotecas que tínhamos e, a partir do campus central de Moncloa, temos como que
ramificações em todos os centros, sob uma mesma diretoria.
Antes, tínhamos um diretor em cada centro,
que trabalhava com a maior boa vontade, mas não havia empréstimos interbibliotecas e,
para um aluno procurar um livro, era necessário percorrer cada uma das diferentes
bibliotecas. Agora, temos uma única biblioteca, distribuída pelos diversos centros.
Compramos um hospital, que deixou de ser hospital para ser biblioteca e, quando começou o
processo de informatização da biblioteca, a mim, que era chefe de informática do Colegio,
parecia-me - ingenuamente - tarefa fácil informatizar a biblioteca. Quem não conhece os
bastidores de uma biblioteca, não imagina o trabalho enorme que dá, principalmente
quando se trabalha com acervos que não estão previstos para biblioteca. Neste ano,
conseguimos que um aluno no campus central ou no campus de Monte Príncipe possa procurar
um livro em qualquer lugar do mundo e estamos assinando convênios de empréstimos
interbibliotecas; pertencemos à Red de Bibliotecas Universitarias de España,
integramos também a Inter-Libertas, as quatorze bibliotecas mais importantes do
país e estamos conectados por uma linha particular de telefone, de modo que um aluno a
qualquer momento pode entrar na biblioteca da Autónoma ou na de Zaragoza ou na de
Baleares, ver seu acervo e pedir um empréstimo (sabe-se até o código e em que estante
está o livro). Levamos dois anos para conseguir isto, porque partíamos de uma biblioteca
tradicional, de acervos fechados: a biblioteca era uma bela (ou feia...) sala de leitura e
os livros estavam em um depósito, o usuário não via o livro etc. Agora temos um sistema
mais aberto e que dá muito mais trabalho ao bibliotecário: sempre há algum
"esperto" que troca um livro de lugar para ganhar exclusividade sobre ele
etc..... Mas, vale a pena, e é melhor do que aquele sistema em que o aluno ia à
biblioteca e pedia dois livros - que demoravam quinze minutos para chegar - e, depois,
outros dois livros etc. Agora, o aluno tem tudo à sua disposição e a facilidade da
pesquisa compensa os recursos - referentes a pessoal e financeiros - que a universidade
tem que empregar para manter este sistema. Uma Biblioteca, hoje, é um centro vivo de
informação (e não depósito morto) e é o centro nevrálgico de uma universidade: do
Reitor aos alunos, todos recorrem à Biblioteca como centro de informações, horizontal,
dinâmico, interfaculdades.
Por isso, investimos também no pessoal: em
nossa Biblioteca Central, na Rua Julián Romea, todos os funcionários têm curso superior
e três são doutores: José Morillo, Francisco Gallarch e eu. E na Biblioteca do campus
de Monte Príncipe, também...
JL: Naturalmente, há também dificuldades - sobretudo na área
de Ciências Hhumanas - para uma adaptação aos recursos de informática em geral...
JC: Claro, isso é igual em todo o mundo. Há professores -
doutores com extrema capacidade e muito brilhantes em suas especialidades - que ouvem
falar em Internet e ficam de cabelo em pé ou que, quando muito, consideram o computador
como uma máquina de escrever complicada e que dá problemas.
Uma grande parte de nosso trabalho nas
bibliotecas ainda é o de intermediário: atender usuários que poderiam muito bem
acessar, por si mesmos, todas as informações, mas são refratários aos meios
eletrônicos e consideram a informática hostil. Por que pensam assim? Por que há alguns
anos, a tecnologia não estava imaginada para servir o homem e era uma tecnologia tão
abstrata, tão dura que, antes, era o homem que estava a serviço dela. Hoje, isto está
muito mudado, é o que, em informática, chamamos "sistemas amigáveis": a
máquina não morde...
JL: Além de especialista em informática, você - como educador
e doutor em pedagogia - tem algum programa de formação em informática para esses
colegas menos familiarizados com os computadores?
JC: Sim, temos um plano para o pessoal de que estou encarregado:
alguns professores e bibliotecários. A idade de alguns professores é - pelo menos para
entrar nesse mundo novo - considerável.
O primeiro passo do meu programa é deixar um
computador na mesa do professor, para que vá se familiarizando com a presença física da
máquina. Passado um mês, aproximo-me e dentro do Windows - Windows 3.11 - ensino a jogar
Paciência e Campo Minado. E estão liberados - durante um ou dois meses -
por uma hora diária para explodir minas e para jogar Paciência. Assim, vão se
familiarizando com o mouse etc.
O sistema é infalível: o trato quotidiano
com o meio - um meio que, principalmente para os professores de Humanas é muito difícil
-, o fato de não terem pressa, a ausência de pressão - em sete horas, você trabalha e
em uma hora, fica brincando de caçar minas - e o clima de liberdade... (não podemos, de
repente obrigar aquele professor que há décadas escreve com caneta a usar uma
impressora...).
Não é fácil, mas vale a pena: porque a
revolução da informática atinge em cheio também a área de ciências humanas:
pense-se, por exemplo, na pesquisa em hipertexto da obra de um autor, ou na pesquisa
informática de jurisprudência...
Nosso trabalho é tornar agradável o caminho
da aprendizagem para nossos colegas que vão se abrindo a essas motivações. O problema
é que os informáticos, às vezes, nos comportávamos como "magos", empregando
uma terminologia hermética e que conseguia resultados maravilhosos, mas que eram
totalmente incompreensíveis para o leigo.
Isto, felizmente, está mudando (também pela
evolução dos programas) e, quando explicamos os passos do processo, nós o tornamos
acessível.
JL: Para terminar, poderia falar-nos um pouco de seu trabalho em
sua especialidade acadêmica: a experimentação em Educação e Psicologia.
JC: Também aí procuro fazer pontes, a mediação do
"incômodo necessário": se para os bibliotecários, represento a
"incômoda" informática, para os educadores sou o homem da estatística,
também detestada....
Mas claro, a ciência requer certas
ferramentas. E há muitas pesquisas científicas que requerem a ferramenta da
estatística. Eu sou um humanista - minha formação é em pedagogia - mas necessitamos -
em todo o mundo é assim - para o próprio progresso da pedagogia e da psicologia, em
muitos casos, de uma aproximação dos métodos experimentais.
E aí também encontramos casos refratários
(sobretudo no caso de pesquisadores de uma certa idade), pois os métodos experimentais
requerem ferramentas matemáticas e informáticas. Qualquer pesquisador em ciências
humanas deve ter uma ampla formação em sua área e, quando for o caso, deve estar
preparado para uma análise quantitativa, de preferência sem ter que recorrer a
especialistas em matemática, porque, por princípio, se recusa a estudar esses assuntos:
é como se um médico dissesse "eu entendo muito de medicina, mas não tenho
habilidade manual para operar" e tivesse que recorrer a um outro departamento que
manejasse o bisturi. Por que o pedagogo e o psicólogo têm que ter preconceitos e
complexos com a matemática? Para um educador, que tem uma vocação de serviço (porque a
educação é serviço e é vocação, pois para ganhar dinheiro, ninguém vai ser
educador...), para realizá-la bem, deve ter consciência de que pode usar essas
ferramentas.
Do mesmo modo que a informática se tornou
"amigável", a estatística e os métodos experimentais também devem ser
"amigáveis". Eu, como responsável pela cadeira de Estatística na Faculdade,
pretendo que os alunos tenham um nível muito alto: é a matéria com mais créditos de
todo o curso. E, pouco a pouco, vamos vencendo os preconceitos que os estudiosos de
Humanas percam a aversão a esses métodos que, em tantos casos, podem mudar aquilo que
era tido como uma opinião pessoal seja apresentado como resultado científico. Um exemplo
concreto de feliz emprego de métodos quantitativos foi o da tese de doutoramento da
professora brasileira (do seu departamento), Maria de Lourdes Ramos da Silva: sua pesquisa
foi o primeiro ensaio sério na Espanha para tentar determinar correlações de rendimento
escolar a longo prazo (dois anos) em um grupo de alunos.