Em Tristes Trópicos, publicado em 1955, o antropólogo francês
Claude Lévi-Strauss relata uma curiosa experiência vivida por ele no Brasil, ao lado dos
nhambiquaras. Compenetrado em suas anotações, Strauss foi supreendido por alguns
integrantes da tribo, que pegaram lápis e papel, rabiscaram algo e devolveram a folha. O
gesto tinha um significado claro, prontamente entendido por Strauss: os nhambiquaras
queriam que ele "lesse" o que haviam "escrito".
As posições se inverteram e o antropólogo, muito provavelmente, deve
ter descoberto ali elementos valiosíssimos para os seus estudos. Tanto que, anos depois,
munido de várias outras informações, recolhidas junto aos próprios nhambiquaras,
Lévi-Strauss conseguiu dar algum sentido àqueles rabiscos.
A leitura, qualquer que seja ela, pressupõe e necessita de algum grau
de entendimento não contido, necessariamente, no que se está lendo. Decifrar rabiscos ou
palavras não é, ao contrário do que se supunha na Idade Média, uma função meramente
visual. É preciso recorrer a "algo mais", acionar uma complexa rede de
neurônios para compreender e dar sentido a um simples conjunto de letras e espaços em
branco colocados à nossa frente.
Em um texto técnico ou literário é mais fácil perceber esta
possibilidade: pode-se ler atentamente um manual de instalação de um acionador de
partículas eletromagnéticas sem que a mensagem seja compreendida. Saber ler significa,
nesse caso, bem mais do que juntar letras ou símbolos e relacioná-los a fonemas ou
imagens.
Diante de um texto jornalístico, talvez a exigência não seja tão
óbvia, o que não significa dizer que não exista. Pelo contrário, caberá ao
"escritor" fornecer o nível de informações necessário para que o leitor
absorva a mensagem. Somente neste caso, o texto - a junção de letras, números e
espaços em brancos - terá cumprido integralmente o seu propósito.
Kafka, em sua juventude inquieta, inconformada com o cotidiano
burocrático de um escritório de seguros, dizia que "ler é fazer perguntas".
Se for assim, ao romancista ou poeta cabe instigar o leitor, tecendo uma espécie de mundo
imaginário, guiando-o por um labirinto de indagações e respostas até um porto seguro.
Ao jornalista, porém, a arte de escrever deveria revelar-se tarefa
mais difícil, principalmente diante do poder ilimitado do leitor e da discrepância
espaço-temporal contida nessa relação. É preciso antecipar-se à indagações nem
sequer feitas e fornecer elementos suficientes ao entendimento da mensagem, sem que o
texto seja transformado, despropositadamente, em rabiscos de nhambiquaras e os leitores,
em clones de Lévi-Strauss.