Paulo Coelho - Fenômeno Editorial

Gabriel Perissé
(Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH-USP
e Fundador da ONG Projeto Literário Mosaico)

"O século XXI será religioso, ou não será."
André Malraux

Paulo Coelho é hoje um dos 20 escritores vivos mais lidos no mundo, ao lado de sucessos incontestes como Gabriel García Márquez ou Umberto Eco.

Entre os autores brasileiros, tornou-se mais conhecido no exterior do que Jorge Amado, Érico Veríssimo, Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

Também os números a seu respeito denunciam sua força (literária?). Primeiramente, algumas referências brasileiras:

- Até 1995, venderam-se aqui 4 milhões de exemplares dos seus livros. E 1 milhão mais em 1996.

- Só O Alquimista, lançado em 1988, vendeu 1,65 milhão em 6 anos. Em média, 23 mil exemplares vendidos por mês.

- A primeira edição de As Valquírias (1992) teve uma tiragem de 100 mil exemplares, totalmente vendidos em 3 dias!

- A primeira edição de Às margens do Rio Pedra sentei e chorei (1994) também foi de 100 mil exemplares.

- Em 1996, a primeira edição de O Monte Cinco também: 100 mil exemplares.

Agora, dados sobre seus êxitos no exterior:

- Seus livros já foram publicados em 36 idiomas, por 64 editoras de 59 países. E com sucesso. Chegaram aos primeiros lugares de venda no Canadá, na Bélgica, no México, na Argentina, na França, Espanha e Portugal. Há uma boa performance também em países tão diferentes como Colômbia, Noruega, Inglaterra, Marrocos e Coréia do Sul.

- Lançado em Tóquio, por exemplo, O Alquimista chegou ao oitavo lugar entre os mais vendidos em menos de 2 meses.

- Outro exemplo de sua força: a primeira edição italiana de Às margens do Rio Pedra sentei e chorei teve 100 mil exemplares.

- Até 1995, na França, foram vendidos dos seus livros então traduzidos mais de 500 mil exemplares. Mas com O Alquimista houve um salto. Só este livro, lá, de 1994 a 1996, teve 1,5 milhão de exemplares vendidos.

Tudo somado: até o primeiro semestre de 1997, seus livros venderam mais de 14 milhões exemplares no mundo inteiro, dos quais 6 milhões foram de O Alquimista.

Por que tanto sucesso, tantos leitores? No auge da crise da modernidade em que mergulhamos (todo o século XX é esta crise), os jovens e os não tão jovens, no hemisfério sul ou norte, anseiam confusamente pelo retorno ao mundo das tradições, das revelações - repleto de anjos dispostos em hierarquias luminosas -, mundo que nos dê uma fé: o milagre é possível, ou que nos dê uma vitória sobre o caos: a magia é possível.

O milagre ou a magia são necessárias, uma vez que as instituições básicas estão em petição de miséria e falharam em sua missão. Da escola sai um estudante que escreve "purisso" (e por isso pouco sabe sobre o porquê das coisas) e "séquiço" (irresponsabilidade ortográfica que reflete a sua prática sexual); nas famílias, os filhos já contam como algo provável o colapso do amor dos pais, profecia dos mini e megadivórcios que eles próprios protagonizarão mais tarde; e se as religiões tradicionais perdem terreno, fundar novas torna-se um empreendimento mais barato, e mais rendoso, do que abrir uma empresa. Um quadro perante o qual resta a tristeza silenciosa, e uma saudade. Queremos de volta a sabedoria, a segurança, a certeza.

Já nos idos de 1930, Nicolau Berdiaev apontava para o fim da era antropocêntrica, da era "moderna". O homem auto-suficiente, gerado pelo Renascimento, tornou-se uma "paixão inútil", como concluía Sartre. Temos agora o saldo negativo na ponta do lápis: duas guerras mundiais, a falência econômica e ideológica do comunismo (que prometera o paraíso terrestre), a selvageria competitiva, o consumismo de uns e a miséria de outros, a violência urbana desenfreada, o humanicídio dos milhões de abortos, o uso e abuso das drogas, a poluição, a pandemia da Aids e um clima de depressão generalizada.

Mas, ao mesmo tempo, o mundo não pode parar: está cada vez mais veloz e complexo (e banal). Os novos velhos amigos, a televisão e o telefone, e o computador, a secretária eletrônica, o fax, e o celular, o bip e agora a Internet exigem de nós o contato desgastante com uma enxurrada de fatos e informações, solicitam uma rapidez estressada nas respostas a todo tipo de mensagens, cobram resultados diuturnos nunca satisfatórios.

Essa mentalidade eficientista, no trabalho, contrasta com a nossa perda de cultura, culto e descanso na vida doméstica. Contrasta e, de algum modo, é a sua fatal contrapartida. Até o ócio tornou-se um problema. Descansar é "puxado". É preciso viajar, inventar programas exóticos, gastar dinheiro, ou desistimos de tudo e ficamos em casa, resignados, plugados na TV.

Estará então tudo perdido? Não, ainda temos Paulo Coelho, cujo leitor típico pode ser encontrado tanto entre mocinhas que trabalham nos salões de beleza como entre vestibulandos e altos executivos. Cujo leitor pode ser você ou eu.

Paulo Coelho escreve de modo trivial, trivial até demais. Paulo Coelho nos dá simultaneamente um pouco de sabedoria, fé, lazer, e a esperança de pôr o mundo em ordem, coisa que a ciência, a política e a economia não souberam fazer. Paulo Coelho é uma alternativa para o nosso vazio: "Consegui", ele próprio afirma, "fazer com que gente que nunca havia entrado em livrarias - e que nunca havia lido um livro até o final - terminasse por ler e comentar o que eu escrevia" (O Globo, 23.09.1990).

Sim, acertou na mosca. E por isso deu certo. Pelo menos por enquanto.

Não sei se ele conhece este provérbio africano: "O coração do homem não se satisfaz com pouco... nem com muito", mas o fato é que, mesmo de leve, atingiu esse coração, comunicando-se através de uma linguagem acessível, sugestiva, com uma certa dose de criatividade. Diálogo nunca moralista ou dogmático. Ele afaga a nossa carência de sagrado e de infinito, de vitória moral e de auto-realização, fala-nos de alma para alma, sem a menor sofisticação ou cobrança. Ou coerência...

O seu charme new age vem ao encontro da sede de transcendência e de metafísica (e de lucidez até) que, no Brasil e no mundo, tem sido (mal) saciada em esoterismos, novas seitas e livros dos mais estranhos e, para dizer a verdade, bastante superficiais.

Do meio de duendes, quiromantes, búzios e pirâmides, Paulo Coelho surgiu como um paradigma, como um exemplo para quem busca respostas mais "elevadas" num contexto social desequilibrado, ao mesmo tempo individualista e massificante, tecnologicamente avançado e espiritualmente abandonado, pluralista mas tacanho.

O ministro da cultura francês, que lhe entregou em abril de 96 a comenda de cavaleiro das artes e das letras, disse em seu discurso: "Seus livros fazem bem porque estimulam a capacidade de sonhar, nosso desejo de buscar e de encontrar a nós mesmos nessa busca."

Seu sucesso econômico lembra um sinal de predestinação: Deus o abençoou.

Não acredito, porém, que Paulo Coelho sonhe em ser o fundador de uma espécie de religião (embora sua peregrinação para divulgar seus livros pelo mundo atraia pequenas multidões de fiéis). Se ele montasse uma escola de magia e cobrasse por suas aulas ficaria muito mais rico, embora o próprio autor reconheça que, nesse caso extremo, não escaparia da ira divina e logo seria fulminado por um raio. Contenta-se com encontrar o seu anjo da guarda e dar conselhos "místicos" como o Sopro de RAM e o Exercício da Crueldade.

O Sopro nada mais é do que respirar com calma, inspirando lentamente, mantendo os pulmões cheios durante o máximo de tempo possível e soltando o ar numa rápida expiração, tudo isso com a convicção de trazer para dentro de si o amor, a paz e a harmonia com o universo.

Quanto ao Exercício da Crueldade, é uma espécie de mortificação. Sempre que a pessoa tenha um pensamento negativo (ciúme, inveja, ódio etc.) deverá cravar a unha do indicador na raiz da unha do polegar até que a dor seja bem intensa, concentrando-se para purificar o momento espiritual através do sofrimento físico.

Sem nenhuma sombra de fanatismo, porém, o que o antigo companheiro musical de Raul Seixas pretende é promover o "crescimento espiritual" dos leitores (baseio-me na sua entrevista ao O Estado de S. Paulo, 12.12.1992), que se resume num voltar-se para si mesmo, "não no sentido egoísta, mas no sentido de procurar a transformação por meio da cultura". A "obra coelhista" é um evento sócio-espiritual-literário ímpar. Em poucos anos, Paulo Coelho converteu-se num dos escritores brasileiros mais lidos de todos os tempos, e não é raro deparar com gente que se apóia no autor para enfrentar a luta da vida. Um barbeiro meu conhecido, por exemplo, atribui seus avanços profissionais à força de vontade que os escritos de Paulo Coelho lhe infundiram.

Ocultismos à parte, a visão de mundo que ele nos oferece, tão epidérmica quanto nós mesmos, e a sua, digamos, "filosofia" é um conjunto de truísmos como: "quando se ama, as coisas fazem ainda mais sentido", ou: "a vida é exatamente o oposto da morte", ou: "sempre temos a tendência de fantasiar as coisas que não existem, e de não ver as grandes lições que estão diante de nossos olhos", ou ainda: "as coisas simples são as mais extraordinárias".

E justamente por isso Paulo Coelho agrada tanto - seus livros são uma saída fácil, a longo prazo insuficiente, para uma época problemática, cuja última solução, na ótica de muitos, está no recurso irracional a uma neobruxaria psicologizante. Tudo light é claro.

Aliás, é curiosa a sua posição religiosa oficial. Numa entrevista (O Globo, 10.08.1996), quando lhe perguntaram por uma religião, foi taxativo: "Sou católico apostólico romano e mando rezar uma missa toda vez que volto de viagem". O que não implica uma militância explícita. Ao repórter que pediu sua opinião sobre as questões do aborto e do homossexualismo, lembrando a oposição da Igreja católica, o escritor descartou-se: "As minhas colocações sobre isso eu discuto dentro da Igreja" (Folha de S. Paulo, 10.10.1996).

No seu recente Manual do guerreiro da luz - que traz na segunda página a seguinte invocação: "Oh Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós. Amém" -, Paulo Coelho desenha a figura do santo lutador, que combate o bom combate (expressão usada por Paulo Apóstolo ao aconse-lhar seu discípulo Timóteo), e que vence as dificuldades da vida cotidiana e espiritual. O guerreiro da luz sabe que "a fé transforma o veneno em água cristalina". O guerreiro da luz tem suas crises, mas supera-as todas vestindo a armadura da fé e do amor. "O guerreiro da luz tem sonhos. Seus sonhos o levam adiante. Mas ele jamais comete o erro de pensar que o caminho é fácil e a porta é larga. Sabe que o Universo funciona como funciona a alquimia: solve et coagula, diziam os mestres. ‘Concentra e dispersa Tuas energias, de acordo com a situação’. Existem momentos de agir, e momentos de aceitar. O guerreiro faz a distinção" (pág. 112).

Eis a sabedoria. A capacidade de transformar as dificuldades em vitórias. O texto subliterário em sucesso editorial.

Pois disso se trata, afinal de contas.

No próprio O Alquimista sobrevivem erros gramaticais como no uso do verbo "haver" - "Haviam montanhas ao longe, haviam dunas, rochas, e plantas rasteiras que insistiam em viver onde a sobrevivência era impossível" (pág. 217) -, erros como misturar o tratamento de segunda e terceira pessoa - "Mas foi para isso que você criou a caça [...]. E o homem então alimentará um dia tuas areias" (pág. 218) -, erros como uma vírgula fora do lugar - "Mas as pedras tinham dito que o velho, continuava com ele" (pág. 71) -, erros como o advérbio interrogativo com seus elementos juntos - "E porque não chegamos lá imediatamente?" (pág. 142) -, erros simples de concordância - "estas coisas tem que ser transmitidas de boca para ouvido" (pág. 146) —, erros mais ou menos toleráveis que deixam transparecer uma singela despreocupação com a língua, disseminada depois em lugares-comuns, diálogos curtos, enredos lineares, personagens pouco elaborados, finais felizes, dramas inconsistentes.

Em O Monte Cinco o autor utiliza o pretérito mais-que-perfeito com a mesma liberdade do descompromisso gramático-literário. O importante é que essa espécie de pretérito lembra-lhe uma linguagem sagrada, e é essa a impressão que o leitor deseja experimentar:

"Há muito tempo atrás, o patriarca Jacó acampara e - durante a noite - alguém entrou em sua tenda e lutou com ele até o sol nascer. Jacó aceitou o combate, mesmo sabendo que seu adversário era o Senhor. Ao amanhecer, ainda não fora vencido; e só parou o combate, quando Deus concordara em abençoá-lo" (pág. 229).

Deus já tinha concordado antes de ele parar o combate (ou o combate é que parou) em que depois seria vencido?

Está ligeiramente mal escrito e levemente confuso, pequena amostra de todo um estilo sem estilo, mas acessível.

Talvez o sucesso de Paulo Coelho seja simplesmente uma demonstração da nossa incultura, patrimônio nosso, da maioria dos brasileiros que não conheceram, ou não souberam o que era importante ler, ou simplesmente não foram estimulados e ensinados a ler o que era importante e instrutivo.

Não esqueçamos, porém, as dezenas de traduções. No inglês, no francês, no espanhol, no italiano, no japonês, estará o nosso autor, graças aos abnegados tradutores, livre dos erros e das eventuais confusões. Estará ali, na sua essência, e a sua essência é a mensagem: "[...] nossa responsabilidade também é imensa: cabe a nós, neste momento da História, desenvolver os próprios poderes, acreditar que o Universo não acaba nas paredes do nosso quarto, aceitar os sinais, seguir os sonhos e o coração. Somos responsáveis por tudo que acontece neste mundo. Somos os Guerreiros da Luz. Com a força de nosso amor, de nossa vontade, podemos mudar o nosso destino, e o destino de muita gente. [...] Um dia chegará em que os que batem na porta [sic] verão ela se abrir; os que pedem, receberão; os que choram, serão consolados" (As Valquírias, págs. 236-7).

Na Feira de Frankfurt deste ano, Paulo Coelho foi homenageado num coquetel para duzentas pessoas, organizado pelas editoras que o publicam no mundo todo. Em seu discurso de agradecimento, o autor resume em duas palavras o seu projeto literário: "Nosso negócio é o sonho".

Enfim, estamos perante um fenômeno editorial inegável, incentivado e acolhido por uma voracidade popular, mundial, de palavras e ações que privilegiem o mistério, seja isso o que for.

Há um pedido mudo para que se revalorizem atitudes de adoração, oração, ascese, esperança, humildade. Na nossa onicarência pedimos de volta a onipotência, sonhamos com uma Solução. E Paulo Coelho tem esta Solução. Sabe aproximar-se de cada pessoa e falar-lhe ao ouvido, confidencialmente, confirmando a opinião de José Ortega y Gasset de que um autor agrada na medida em que "sabe imaginar concretamente seu leitor e este sente como se uma mão ectoplásmica saísse das linhas para tocar sua pessoa, para acariciá-la - ou então, cortesmente, dar-lhe um soco" (A rebelião das massas. Martins Fontes, 1987, pág. 5).

Paulo Coelho sabe que a Solução é amar: "Das dez mil cartas que recebo por ano, pelo menos cinco mil são com pedidos de gente querendo ser meu discípulo. E se não leio todas as cartas, garanto que pelo menos elas são beijadas por mim e enviadas para a secretária responder" (Isto é, 03.08.1994).

Quem ama é amado. Paulo Coelho é amado em virtude do seu gnosticismo sincrético, seu esoterismo exotérico, seu catolicismo reencarnacionista, sua sensibilidade agudíssima para as demandas espirituais e psíquicas do nosso tempo, sua sabedoria tão despretensiosa que chega a parecer charlatanice, e sua iletrada (mas simpática) visão estética, a ponto de citar como regra de ouro do seu fazer literário um "o negócio é não complicar" (Jornal do Brasil, 27.07.1996), atribuído por ele, é incrível, a Jorge Luis Borges.