O SIMPLES e o Poeta
João Bosco Martins Salles Um elefante adulto, dos grandes mesmo, poderia entrar na sala onde um grupo de jornalistas participava de uma aula de filosofia e, provavelmente, não faria o menor sucesso. Seria, no máximo, notado. E com certeza os presentes só deixariam o animal permanecer no local se ele ficasse imóvel como uma estátua. Os jornalistas estavam concentrados e absortos demais para dar atenção a um paquiderme que teria se deslocado à rua Maestro Cardim e subido as escadas até a sala no 3º andar do Centro de Extensão Universitária, com o objetivo de interromper uma aula de filosofia. A responsabilidade pelo hipotético desprezo por um dos maiores mamíferos do planeta pode ser traduzido por uma única palavra: SIMPLES(1). E o SIMPLES naquele espaço carpetado e com cadeiras dispostas em semicírculo manifestava-se através do poeta, compositor e contador de casos José Gilberto Gaspar. Um homem SIMPLES, que nos revela a própria razão de ser nos seus escritos. Invariavelmente, poemas que retratam o cotidiano, fatos a que poucas pessoas dão importância e que estão a rondá-las todo o tempo. Mas o poeta tem a capacidade de encontrar toda a beleza e pujança da natureza, portanto do Criador, nas coisas mais SIMPLES, como podemos constatar no poema "O Chão da Paineira", extraído de seu livro Nos Braços do Sol, São Paulo, Edix, 1997 (p. 76):
Como bem lembra Luiz Jean Lauand - livre-docente da FEUSP - em seu prefácio ao livro do nosso poeta popular, temos de voltar a valorizar o SIMPLES: "Ante a perplexidade, a desorientação, a esquisitice do nosso tempo, impõe-se a urgente tarefa da redescoberta do simples, do humano, da verdade das coisas..." (p. 12). Não resta dúvida de que é nossa tarefa buscar o SIMPLES, pois assim o homem deixará de ser insensível a ponto de não perceber a grandeza de tudo que o rodeia. José Gilberto Gaspar, com sua arte, dá a verdadeira lição do que o SIMPLES pode nos oferecer. Basta passar os olhos no poema "Flor de Grama" (p. 55) para constatarmos a grandeza desta palavra, um exemplo para nós, seres humanos:
E o nosso contador de estórias continuava hipnotizando todos aqueles jornalistas, numa tarde quente de agosto. Uma tarde que não se tornou uma tarde qualquer. Porque José Gilberto Gaspar estava ali, mostrando como a nossa essência encontra-se no SIMPLES. E que devemos buscar no SIMPLES a razão maior da nossa existência. Até o presidente da Rússia, Bóris Yeltsin, em sua visita ao Brasil, disse que o homem tem de tornar-se mais SIMPLES. Parece até que o mandatário de uma das maiores potências da terra tenha lido as estrofes de "O Menino e a Carrocinha" (p. 32), de autoria do nosso poeta popular, antes de manifestar a esperança de que o homem se tornasse mais SIMPLES na virada do milênio:
O SIMPLES na arte de José Gilberto Gaspar revela que o mundo não se restringe às nossas "obrigações" diárias, como as tarefas no trabalho, as contas a pagar e as amarras dos horários. Ao término da aula peguei um táxi e as interrogações invadiram os meus pensamentos... O sol começava a cair naquela terça-feira de inverno que mais parecia verão. E lembrei-me do poema "Pôr - De - Sol" (p. 41):
Com o pôr do sol imaginado pelo poeta despejando cores na minha mente, começo a pensar de que forma todo aquele aprendizado de uma única tarde poderia ser aplicado à rotina de uma redação de jornal. As perguntas são muitas e as respostas nem tanto. Mas uma certeza prevalece: devemos buscar o SIMPLES no nosso trabalho diário. Talvez somente olhando em nossa volta, sob o prisma da mágica palavra (SIMPLES), poderemos perceber que existe algo mais além das "quatro paredes da redação". Muralhas que nós, jornalistas, criamos para nos isolar em um mundo próprio. Muralhas muitas vezes inexpugnáveis, como muitas da antigüidade, mas que hoje são apenas ruínas. A busca do SIMPLES pode ser a chave para que as redações deixem de ser templos proibidos, onde apenas as "verdades" de seus sacerdotes prevaleçam. Quem sabe o SIMPLES nos mostre que a arrogância de muitos jornalistas nada mais é do que a opção errada para o exercício de nossa profissão. Sim, porque o SIMPLES pode nos levar a ver o mundo de outra maneira, em que as "verdades" construídas pelos homens de imprensa não sejam tão absolutas. O SIMPLES deveria estar presente na forma como os jornalistas usam a sua fundamental ferramenta de trabalho: a palavra. Usar as palavras com a preocupação de que elas não sirvam apenas para ferir as pessoas. E que também resgatem a emoção no momento de se redigir uma matéria ou um artigo. Que o SIMPLES traga de volta os sentimentos represados no coração do jornalista. Assim, ele deixaria de produzir a informação pasteurizada, com fórmulas disponíveis em qualquer manual de redação. Emoções encontradas na SIMPLICIDADE de outro poema deste mineiro de Nova Resende. "A Gotinha" (p. 38):
1-A etimologia da palavra é encantadora: procede do latim plicare, plica. Plica é a dobra, a prega, a face... E assim, por exemplo, dobrar algo (digamos, uma folha de papel) é du-plicar, quadru-plicar, com-plicar. Do mesmo modo, "tirar para fora" em latim é ex- (como em ex-portar, ex-pelir, ex-pulsar etc.): tirar um assunto das "plicas" é ex-plicar. De "plica" decorrem também em português "cúmplice", "explícito" e outras.... A etimologia de "simples" torna-se agora clara: sine, sem (ou, segundo outros, de sem, semel, única), sem plicas, sem dobras, sem pregas (ou, o que é o mesmo, de uma única face). (Nota de LJL). |