Home | Novidades | Revistas | Nossos Livros | Links Amigos Uma Experiência de Pensamento na Internet: EVUCC do PUR – Chat sobre a Virtude Cardeal da Prudentia
Uma iniciativa inovadora e importante na Net. No domingo, dia 26-01-03, em comemoração da festa de Santo Tomás de Aquino (28-01), os universitários do PUR - Projeto Universidades Renovadas realizaram o IV EVUCC (temático) – Encontro Virtual de Universitários Católicos Carismáticos. Trata-se, como dizíamos, de uma experiência ousada: sessões de chat tematicamente voltados para o pensamento filosófico católico!
Estes encontros ocorrem desde o ano passado e os três primeiros EVUCC foram entrevistas virtuais com professores de filosofia do mais alto nível: Gabriel Perissé, João Carlos de Almeida (Pe. Joãozinho) e Paulo Ferreira da Cunha. Com este último, tivemos um EVUCC internacional, pois o entrevistado estava em seu computador na Universidade do Porto dialogando on-line com os universitários brasileiros.
Quando os jovens organizadores desses encontros me consultaram sobre a idéia, recebi-a com um certo ceticismo: chat - parecia-me então - não era um meio adequado para discutir filosofia: a necessidade de dar a resposta de modo imediato (e a de digitar apressadamente a resposta), a impossibilidade de consultar livros etc., pareciam-me obstáculos difíceis de superar. Chat, pensava eu erradamente, serve para assuntos mais superficiais, como entrevistar um artista famoso sobre sua carreira e hobbies, por exemplo. Mas, depois de ter participado (como um a mais) dos primeiros EVUCC tive que rever esses meus preconceitos: aprendi muitíssimo com os EVUCC, com o brilhantismo dos entrevistados e também com os jovens universitários que formulavam perguntas muito inteligentes e sugestivas. E quando, num recente almoço de trabalho de professores da USP e da Universidade do Porto, vi o entusiasmo dos colegas ante o relato da experiência do ilustre filósofo português Dr. Paulo Ferreira da Cunha em seu EVUCC internacional, dedicado ao tema da virtude cardeal da Justiça, decidi-me, finalmente, a aceitar o desafio de ser o entrevistado para o IV EVUCC: “Prudentia: a arte do discernimento - Um debate sobre a virtude cardeal da Prudência”, mesmo não tendo eu o preparo, a agilidade de pensamento e a familiaridade com a Internet que têm os três notáveis filósofos que me precederam.
Como se sabe, um chat é como uma ampla sala de estar na qual quando um “fala” (digita) todos “escutam” (lêem sua mensagem que aparece na tela); no caso do meu EVUCC estiveram na “sala” cerca de trinta universitários de diversos estados do Brasil e de distintas áreas acadêmicas, sob a segura coordenação do Moderador, Brune Montalvão, que ia indicando democraticamente a vez de cada um perguntar, uma vez concluído o diálogo do entrevistado com o interlocutor precedente.
Por serem os EVUCC do PUR uma iniciativa pioneira e extremamente oportuna e tendo sido para mim uma experiência enormemente enriquecedora, transcrevo a seguir o texto do IV EVUCC, substituindo apenas as abreviaturas - inevitáveis no chat (v. = você; hj = hoje; etc.) – pela forma completa da palavra. Em negrito, aparecem os nicks dos interlocutores.
A sessão durou das 11:00h às 12:30h e ocorreu na sala de chat do site do Projeto Universidades Renovadas: http://www.pur.com.br . O EVUCC era totalmente aberto e qualquer pessoa podia se inscrever. A menos da introdução, que eu tinha trazido preparada, todas as perguntas e respostas foram espontâneas e improvisadas. Peço ao leitor que tenha em conta que a linguagem neste meio de comunicação é necessariamente coloquial e apressada. E, naturalmente, a correção gramatical não pode ser a principal preocupação dos participantes.
Na divulgação dos EVUCC, indica-se sempre um texto-base do entrevistado, para oferecer um mínimo de pauta para a discussão. No caso, o artigo indicado foi: “Prudentia, Religiões e Sociedade”: http://www.hottopos.com/geral/prud_relig.htm .
Nesta edição, preservei também alguns poucos diálogos cruzados entre participantes, que permitem sentir o saboroso ambiente de discussão do Chat. Por esta razão, também, não quis “editar” minhas respostas no EVUCC: mantive o tom informal e apressado, que seria inadmissível num texto acadêmico “normal”.
Não quero encerrar esta apresentação sem reiterar meus agradecimentos aos organizadores do EVUCC, particularmente à Responsável Nacional pela Secretaria Lucas da RCC, a Profa. Elen Resende, que, além do mais, quis honrar-me com sua luminosa presença no Chat. E ao jovem e brilhante jornalista Brune Montalvão, que atuou como Moderador do evento.
Prudentia: a arte do discernimento e da decisão - chat com J. Lauand sobre a virtude cardeal da Prudência
Jean Lauand:: Bom dia. Muitíssimo obrigado a todos pela presença. Quero agradecer especialmente aos organizadores dos EVUCC pelo honroso convite para estarmos aqui tendo esta conversa sobre a virtude cardeal da Prudência. Como a USP - e meia São Paulo - está sem Internet estou aceitando a fina hospitalidade da casa do Prof. Gabriel Perissé, mas longe de meus livros e do meu material próprio que poderia me ajudar este chat. Mas, por outro lado, minhas respostas ficarão mais espontâneas e isso é bom. Como já estive em outros chats, peço a cada participante que já vá preparando sua pergunta e , ao chegar sua vez, diga o nome e onde estuda e formule a pergunta. Além disso, de 5 em 5 minutos é bom que cada um digite um pontinho “.” caso contrário, pelo seu “silêncio de teclado” seu nick será varrido do Chat e virará um fantasma. Como sou freqüentador habitual do chat do Pur e conheci a muitos pessoalmente no ENUCC prefiro que todos me tratem por “Jean” ou por “você”; além do mais ficar digitando títulos (“professor” etc.) em chat é uma perda de tempo... kkkkk [kkkkk em linguagem de Chat significa risadas]
Jean Lauand:: Para situarmo-nos no tema, a Prudentia é, desde o começo da tradição de pensamento católico, uma das quatro virtudes cardeais: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança (Já Platão e Aristóteles falavam dessas virtudes). E a Prudentia é a mais importante delas. Estou grafando Prudentia com t para diferenciar daquilo que chamamos hoje de Prudência e que, infelizmente, parece ser o oposto da Virtude Cardeal da Prudentia (vamos combinar desde já o seguinte código de abreviaturas: VC – virtude(s) cardeal(is); Pr - Prudentia; Th – Santo Tomás de Aquino; Vd – virtude0 [etc.]. Quando eu acabar minhas respostas escreverei END e peço ao interlocutor da vez que, se estiver satisfeito, tecle OK e assim podemos passar ao seguinte.
Jean Lauand:: Se vocês me permitem, vou começar por despejar aqui os dois primeiros parágrafos do texto-base para situar o tema: 1. Baseados em quê tomamos nossas decisões? A arte de decidir bem, reta e adequadamente, era denominada pelos antigos Prudentia. Originariamente, a virtude da Prudentia (a principal entre as virtudes cardeais!) não tem nada que ver com a encolhida cautela a que, hoje, chamamos prudência; Prudentia (a legítima, a verdadeira) é, pura e simplesmente, a arte de decidir certo. 2. Estudando o tratado De Prudentia de Tomás de Aquino, deparamos uma doutrina maravilhosa e riquíssima e, além do mais, de extrema atualidade. Encontramos, por exemplo, que a Prudentia é uma virtude intelectual; seu princípio é a inteligência reta, o olhar límpido capaz de ver a realidade e, com base na realidade vista, tomar a decisão boa, para “fazer a coisa certa”. A inteligência da Prudentia é uma virtude e não dotes de inteligência, digamos, de Q.I., porque só o homem bom consegue ter a inteligência que não distorce o real (pense-se, por exemplo, na dificuldade de ver a realidade por conta de preconceitos, inveja, egoísmo etc.). Virtude da inteligência, mas da inteligência do concreto: a Prudentia não é a inteligência que versa sobre teoremas ou princípios abstratos e genéricos, não!; ela olha para o “tabuleiro” de nossas decisões concretas, do aqui e agora, e sabe discernir o lance certo, moralmente bom.
Jean Lauand:: Para terminar esta apresentação inicial e passarmos às perguntas de vocês, lembro que só com enunciar o que é a Prudentia, abre-se já um riquíssimo leque de temas, decisivos para a antropologia filosófica (o estudo filosófico do homem) (e para o catolicismo). Para não esgotar o tempo e nem a paciência de vocês, vou só indicar três e depois começamos: 1. A principal das virtudes cardeais é uma virtude intelectual!!! 2. A Prudentia deve conhecer a realidade e transformar a realidade vista em decisão de ação !!! 3. O conhecimento da Prudentia versa sobre o concreto, o “aqui e o agora”, daí a liberdade do homem, a dramática liberdade do homem !!
Moderador: Para tentar garantir uma discussão aprofundada e organizada, o EVUCC - Temático tem algumas regras. O moderador é quem orienta os encaminhamentos das perguntas ao entrevistado, de forma a permitir que cada participante tenha pelo menos uma chance de fazer uma questão. Assim, por ordem de chegada, os participantes vão fazendo suas colocações entremeadas com as respostas do convidado. O bom funcionamento do debate depende da cooperação dos participantes, que devem evitar atropelar a ordem de quem realiza a pergunta. Ao elaborar sua pergunta, o participante pode fazer um comentário sobre a resposta anterior do entrevistado. Outras opiniões também podem ser emitidas ao longo do chat, mas sem compromisso do entrevistado fazer observação (exceto se ele quiser e sem prejudicar a ordem de perguntas).
Moderador: Posto tudo isso, podemos começar? Renato, faça sua pergunta. Seguiremos a ordem da lista de nomes ao lado, ok?
renato_trovao: A gente vai falar sobre a virtude cardeal da prudência. Que tal começar por definir "virtude cardeal", assim eu posso parar de boiar e ir mais a fundo (tomara...)
Jean Lauand:: Grande Renato. Virtude cardeal, vem de cardus, aqueles eixos em torno dos quais gira a porta... e abre-se a porta da vida!
Jean Lauand:: São quatro: Prudentia, Justiça, Fortaleza e Temperança. Desde o começo, a Igreja assumiu-as como a base humana da vida do cristão. E foram estudadas a fundo por S. Tomás de Aquino. A Prudentia é a mais importante. Porque a Prudentia é a arte de decidir certo! Agora, como adquirir essa importantíssima virtude... aí é que são elas. Como aprender a tomar decisões certas na vida... END? Algo mais?
renato_trovao: por enquanto não, era isso mesmo que eu queria saber, valeu!
suy: Como se relacionam Prudentia e liberdade?
esperançoso: Como decidir certo, com várias opções em mente?
Jean Lauand:: Suy, as nossas ações é que nos salvam ou nos perdem... “To be or not to be...”. Para saber o que devo fazer em cada situação da vida é preciso o discernimento da Prudentia. Se eu vir a realidade de modo errado e decidir errado me darei mal... A liberdade entra, dramaticamente, a partir do momento em que as decisões da Prudentia versam sobre o inesperado, o contingente, ações concretas no aqui e no agora...
Moderador: Bem... “Esperançoso”, perdão, você volta a perguntar depois da resposta do Jean para a Suy!
Jean Lauand:: Por exemplo, Suy, agora mesmo tenho que exercitar a Prudentia para conduzir bem este EVUCC kkkk END?
Suy: Obrigada!
esperançoso: Como decidir certo com várias opções em mente?
Jean Lauand:: O problema, “Esperançoso”, é sempre o de atingirmos a realidade... A Prudentia é simplesmente conseguir ver a realidade (dentre as várias “opções em mente". A realidade é o que nos salva. Agora, ter a limpidez para ver essa realidade (e isso é parte importante da Prudentia) não é fácil. Por isso é que a Prudentia é uma virtude. E importantissima. É da Prudentia que fala aquela sentença de Nosso Senhor: “Se teu olho for haplous, todo teu ser será luz" haplous = simples. A simplicidade é a lucidez da inteligência que vê a realidade. O problema é como atingir essa simplicidade... END?
Moderador: Jean, em que medida o conhecimento potencializa o bom discernimento e, por outro lado, não é necessariamente decisivo para isso (caso haja esta possibilidade!)?
Jean Lauand:: Brune, a Prudentia tem duas metades. A primeira metade é conhecimento, ver, com olho simples, a realidade. A segunda metade é transformar a realidade vista em decisão de ação. O conhecimento que a Prudentia requer...
Jean Lauand:: Melhor dizendo, a inteligência da Prudentia não é a inteligência, digamos, do QI ou do Prêmio Nobel, mas a sabedoria prática do homem bom, que aprendeu a “ler” sem desvios a realidade. Por isso a definição de Prudentia é: “recta ratio agibilium”, a inteligência que vê limpidamente o que deve fazer para agir bem nesta situação da vida. END?
vê: E a moral? Como pode influenciar (se influencia) a Prudentia?
Jean Lauand:: “VÊ”, a Prudentia é a base de todo nosso agir moral: ela vê o que deve ser feito e depois aplica isso à decisão de ação.
Jean Lauand:: VÊ, a crise moral que vivemos hoje decorre, em boa medida, do esquecimento da Prudentia (da verdadeira, não da nossa “Prudência” fajuta de hoje). É incrível que a mais importante das Virtudes Cardeais esteja fora dos horizontes do cristão de hoje. END?
vê: Yes
suy: Bom, aí vai uma pergunta ingênua: O tal do livre arbítrio de que nos falam as Escrituras Sagradas não tem nada a ver com irresponsabilidade então? Seria apenas a forma de usar a virtude da Prudentia pra discernir entre o certo e o errado?
Jean Lauand:: Suy, a dramaticidade da liberdade aparece na Prudentia de modo veemente. Porque se tratam de decisões concretas: que devo fazer AQUI e AGORA? Aí não há manual de escoteiro que dê conta... é só a virtude de discernir e decidir do cristão: a Prudentia. Há um texto belíssimo de Guimarães Rosa sobre isso e se me permitem vou despejá-lo aqui...
Jean Lauand:: Diz o jagunço Riobaldo no Grande Sertão: "Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma só coisa - a inteira - cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser a certa. Aquilo está no encoberto: mas, fora dessa conseqüência, tudo o que eu fizer, o que o senhor fizer, o que o beltrano fizer, o que todo-o-mundo fizer, ou deixar de fazer, fica sendo falso, e é o errado. Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e vivível mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador - sua parte, que antes já foi inventada, num papel..."
suy: hehehe... é que os kardecistas têm uma idéia de livre arbítrio um tanto quanto desordenada... liberdade por liberdade, sem moral nenhuma atuando aí, somente a consciência que agiria pelo remorso...essa concepção me parece estranha...
Jean Lauand:: Suy, Não só os kardecistas; por desconhecimento da virtude da Prudentia, muitos católicos tomam decisões em bases erradas. Bases erradas: impulsos, sentimentos, etc. Para não falar das invejas, preconceitos, egoísmos etc. A base da decisão que me abre a porta da vida é uma só em cada caso: A REALIDADE. END?
suy: Entrar na sua própria realidade não é tão simples... Então se trata mais de intelectualidade do que liberdade?
Jean Lauand:: Suy, a inteligência da Prudentia não exclui a liberdade nem a totalidade do ser humano... Pelo contrário. S. Tomás fala que há dois significados de saber... Saber, sapere em latim (e em português de Portugal também), significa saber de quem estudou e saber de quem SABOREIA. Só é sábio quem sabe porque saboreou... Lindíssimo, não é?
Ariana: desculpem-me a intromissão, só pra eu entender uma coisinha: professor, a Prudentia seria então um dom infuso, ou seja, que já nasce com a gente?
Jean Lauand:: Ariana, pergunta importantissima! A Prudentia deve ser virtude...
Jean Lauand:: Ariana, melhor dito, o principio básico do catolicismo é: "A graça NÃO destrói a NATUREZA, mas a PRESSUPÕE". Assim, o dom do Espírito Santo, o dom do Conselho (prudentia), pressupõe um exercício de adquirir a VIRTUDE NATURAL da Prudentia. Linda a doutrina de nossa Igreja, não é?
Jean Lauand:: END? Cássio?
Cássio: Caro Jean, obrigado por sua presença, mais uma vez. Penso que a percepção da realidade pode ser distorcida por diversos fatores como o próprio fanatismo, que por sua vez é uma disfunção do medo do novo, da ausência de renovação ritual. Percebe-se, então, que se trata de um círculo que, uma vez inserido, dificilmente percebe-se a disfunção sem um estímulo externo. Caso isso seja um pensamento correto, como sanar essa patologia, e caso não seja, por favor corrija-me.
Jean Lauand: A pergunta é genial. O fanatismo é precisamente abdicar da Prudentia; delegar para outras esferas aquilo que deveria ser pessoal e intrasferivel: o discernimento pessoal, a decisão pessoal.
Cássio: Caso seja uma percepção errônea, Jean, por favor corrija-me.
Jean Lauand: NÃO, Cássio, já disse que é genial e estou respondendo... E como decidir pessoalmente é um peso terrível, tendemos a fugir dele, entregando covardemente nossa liberdade para um guru que decida por nós. Há um texto fantástico do Dostoievski que vou pegar na “minha cola” e despejar aqui...
Jean Lauand:: O texto é meu citando Shakespeare e Dostoievski.
Jean Lauand:: Aí vai: “É dessa dramática imprudência da indecisão que tratam alguns clássicos da literatura: do "to be or not to be..." de Hamlet aos dilemas kafkianos (o remorso impõe-se a qualquer decisão, passando pelo “Grande Inquisidor” de Dostoiévski, que descreve "o homem esmagado sob essa carga terrível: a liberdade de escolher" e apresenta a massa que abdicou da Prudentia e deixa-se escravizar, preferindo "até mesmo a morte à liberdade de discernir entre o bem e o mal". E, assim, os subjugados declaram de bom grado: "Reduzi-nos à servidão, contanto que nos alimenteis". A grande tentação da imprudência (sempre no sentido clássico) é a de delegar a outras instâncias o peso da decisão que, para ser boa, depende só da visão da realidade. Há diversas formas dessa abdicação: das reuniões desnecessárias aos gurus, passando por runas, tarôs e toda sorte de esoterismos”.
Cássio: Eu me lembro: Escravizem-nos, desde que nos alimentem...
Jean Lauand:: END?
Cássio: Não... Gostaria de explorar um pouco o tema, posso?
Jean Lauand:: Prossiga, Cássio.
Cássio: Há alguma maneira de libertar-se dessa escravidão (tendo os olhos vendados), sem um estímulo externo, como por exemplo, uma pessoa chamar a atenção para o fato?
Jean Lauand:: Cássio, o capitulo 9 de João sempre me assusta, o cego de nascença lembra? Ocorreu a cura, e a turma insiste em negar... Vou jogar aqui um texto de um artigo que acabo de escrever sobre o fanatismo:
“Deus nos quer abertos para a realidade, para a beleza das coisas criadas, para a aventura divina da liberdade humana, e não acabrunhados pelo medo e, em última análise, cegos. Talvez com aquela cegueira suprema, denunciada por Jesus Cristo: “Se fôsseis cegos não teríeis pecado; mas vós mesmos dizeis ‘Nós vemos!’ e por isso vosso pecado permanece” (Jo 9, 41).
Cássio: Entendo. Respondido. Obrigado!!! É, eu li esse artigo...... hehehe
Jean Lauand:: O estimulo externo sem dúvida pode ajudar. Por vezes um choque de 1000 volts salva... kkkk
Cássio: HEhhehhe, eu, como Engenheiro Eletricista sou bom em estímulos!
lidiane_ee: Professor, há um “senso comum” para o que é certo? E quanto ao que é certo para mim e não para os outros? Como lidar com isso?
Jean Lauand:: Lidiane, S. Tomás e a Igreja são partidários ferrenhos do conhecimento comum, do bom senso do seu Zé da Esquina e da D. Maria, nossa vizinha... A Prudentia é a virtude que nos faz atinar com o certo (e existe um certo em cada caso) em meio ao cipoal de possibilidades de cada decisão. Como dizia o texto do Guimarães Rosa, há pouco citado, o problema é achar esse certo, em cada caso concreto. O CONCRETO é uma barra... daí a dificílima virtude da Prudentia. Por exemplo, neste momento tenho que decidir o que devo responder certo neste EVUCC kkkkk.
Dai que a Prudentia requeira outras virtudes... A simplicitas, simplicidade, que é não deixar a visão da realidade se perverter por interesses outros: egoísmo, interesses interesseiros, inveja etc. E requer também a VIRTUDE da MEMÓRIA. A memória fiel ao ser, que não se deixa subornar por vaidades tolas. E vou buscar no passado (em minha experiência do passado) a decisão para o futuro.
Jean Lauand:: Por isso que a Prudentia é representada plasticamente como tendo duas faces: uma voltada para trás, outra para a frente. O incrível é que achei isto também num samba do Paulinho da Viola.
Jean Lauand:: Paulinho da Viola " A dança da solidão". Lá ele diz: " Quando eu penso no futuro eu olho para o meu passado" END?
lidiane_ee: obrigada, professor. Os versos completos: “Meu pai sempre me dizia / meu filho tome cuidado / Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado”.
Jean Lauand:: Obrigadíssimo, Lidiane.
wmax: Jean, não sei se já foi perguntado, mas Prudentia está mais para instinto ou mais para inteligência? Percebe o que quero dizer?
Jean Lauand:: Sim William Max, grande pergunta... A Prudentia é uma inteligência..., digamos, total, em que entra o amor, (só quem ama vê a realidade) e todo nosso ser... Se não, bastaria ter QI para ser santo...
Jean Lauand:: Você, talvez sem querer, atinou com um conceito fundamental de S. Tomás (grande William)... Tomás distingue o saber per modum cognitionis (o saber, digamos, da instrução, de quem estudou) do saber de quem sabe per connaturalitatem, o saber de quem " instintivamente" fareja o bem, saboreia o bem. Saber-sabor como dizíamos há pouco. E Santo Tomás diz que não há sábio sem esse saber per connaturalitatem.
Thiago-PUR-ES: Jean, retomando um pouco o tópico do fanatismo levantado pelo Cassio...
Cássio: Opa!
Jean Lauand:: Sim, Thiago…
Thiago-PUR-ES: No seu texto você diz que uma das formas mais perigosas de renúncia a Prudentia é o fanatismo...
lidiane_ee: Eitha!! Sabia que esse assunto ainda ia voltar..hehehe
Thiago-PUR-ES: ...e isso podemos ver em outras religiões e até mesmo aqui no Brasil...
Jean Lauand:: Moderador, por que nao liberamos geral o diálogo entre todos. Seria prudente??? kkkk
Thiago-PUR-ES: ...em grupos dos quais não convém citar os nomes...
Jean Lauand:: Sim, Thiago, prossiga…
Cássio: kkkkkk
Thiago-PUR-ES: Minha pergunta é: o que poderia ser feito para que estes grupos no Brasil) pudessem ter Prudentia com relação, por exemplo, a atos que eles consideram como pecaminosos e que em nossa concepção não seriam pecado algum?
Jean Lauand:: Sim, Thiago, vou responder...
Jean Lauand:: É evidente que todas as religiões e movimentos estão (estamos) expostos a absolutizar...
Thiago-PUR-ES: E aí mano (Cassio)... o que achou????
Jean Lauand:: Porque Deus é de fato um absoluto... Agora, imaginem quando alguma coisa que não é um absoluto vira um absoluto. Ontem mesmo, a torcida de um time armou o maior quebra-quebra aqui em Sampa só porque o time perdeu... Deus é um absoluto. O problema é quando em nome de Deus se passam para outras coisas... Permita-me lembrar um episódio que vivenciei na missa do Papa em Brasília em 1980. Enquanto o Papa não chegava, o padre animador ia entretendo o público:
O padre: - Viva Karol Wojtila. E o povo: - VIVA!!!
- Viva o Papa, que é devoto de Nossa Senhora. – Viva!!!!
- Viva Nossa Senhora. - Viva!!!!
- Viva Nossa Senhora Aparecida. Viva!!!
- Viva Aparecida, Padroeira do Brasil – Viva!!!!!
- Viva o Brasil - Viva !!!!!!
E aí a sutil conclusão:
O padre: Viva o General Figueiredo, presidente do Brasil!! – E o povo: @#%##
Kkkkkkkkk. End?
Moderador: Gostaria, obviamente, de agradecer a este, antes de tudo, irmão de caminhada Jean por mais uma vez estar nos ofertando, gratuitamente, seu "coração". Que Deus siga sendo sua justificação, meu caro! Aos participantes, pela inestimável contribuição e por também doarem muito de si a todos nós.
Jean Lauand:: Eu é que agradeço Brune. Foi uma experiência incrivel, um desafio que correu bem graças à Prudentia e ao carinho de todos vocês. Deus lhes pague.