Cinco Breves Reflexões
de Josef Pieper
1. A Prova da existência de Deus em Sartre
(Trad.: Jean Lauand)
A mais luminosa das argumentações formuladas nos dias de hoje para provar a existência de Deus procede de ninguém menos do que de Jean-Paul Sartre. E é não só plenamente moderna, como também completamente "existencial".
Sartre tem dois pontos de partida. Um deles é – como todo mundo sabe – a não-existência de Deus; um pressuposto que, na verdade, não vem fundamentado em nenhum argumento, mas que, em todo caso, se declara sem rodeios como pressuposto. O outro ponto de partida é a muito imediata e muito fortemente experimentada e expressa "não-necessidade do mundo". "A existência é o não-necessário", "o essencial é o acaso": são os juízos que Antoine de Roquentin – o protagonista do romance A Náusea – expressa quando contempla, ao redor do parque, as árvores, a fonte e, principalmente, a si mesmo. "Nós éramos todos um amontoado de existentes acabrunhados, não tínhamos a mínima razão para existir", "todo existente nasce sem razão, prolonga-se por fraqueza e morre por acaso".
Ora, pode-se dizer que isto seja outra coisa do que uma agressiva, mas no fundo plenamente adequada, descrição da contingência do mundo? Não é por acaso aquilo que sempre se afirmou: que nada daquilo com que nossa experiência se depara deve existir, não existe de forma necessária? Que há então de novo? Novo é, parece-me, que Sartre não aceita essa contingência: "Tive medo, mas principalmente raiva: achava aquilo tudo tão idiota, tão deslocado", "sentia uma raiva impotente". "Quando se compreende isso, o estômago começa a dar voltas: é a náusea! É absurdo que tenhamos nascido, é absurdo que morramos". "Tinha aprendido tudo sobre a existência. Voltei ao hotel e comecei a escrever".
Mas não é este exatamente o sentido da velha "prova da existência de Deus", que ainda alguém tão tardio como Hegel chama de argumento e contingentia mundi? Que – num e noutro caso – é o que se afirma, senão que um ser contingente, não-necessário, que "não se auto-sustenta" (Hegel), na realidade é nonsense, sem sentido, inconcebível, maluco, insustentável, absurdo..., a menos que...? A menos que... seja concebido em relação a um existente necessário, absoluto, fundamento e sustentação do ser: ...Deus?
Mas não poderia ser o caso de que o homem e o mundo realmente não tivessem sentido algum e, portanto, absurdo seria também esse seu fundamento? Minha resposta comporta dois pontos: 1) Ninguém pode sustentar coerentemente tal afirmação; pode-se talvez pensá-la, mas não vivê-la. O próprio Sartre não o faz, senão como poderia ele falar de responsabilidade e liberdade? E baseado em que distinguiria o justo do injusto? Mas se se quiser fazer realmente o teste de coerência plena, então: 2) Não significaria essa ausência de razão para absolutamente tudo, uma ausência de fundamento também para a afirmação da não-existência de Deus?
2. O caráter problemático de uma Filosofia "não-cristã"
(Trad.: Gabriele Greggersen e Jean Lauand)
"Uma filosofia cristã é um círculo quadrado", uma contradição em termos – esta agressiva sentença de Martin Heidegger, evidentemente determinada mais por um impulso passional do que por um juízo ponderado, provavelmente não encontrará assentimento nem mesmo entre aqueles que admitem tratar-se de assunto extremamente problemático. O mais recomendável seria evitar totalmente a equívoca expressão "filosofia cristã" e falar, em vez disso, do "ato filosófico" e da "pessoa que filosofa".
Sob este ponto de vista, atrevo-me, aliás, a afirmar – pura e simplesmente invertendo a sentença de Heidegger – que qualquer pessoa que, pela fé, admita como verdadeira a mensagem cristã, deixaria de praticar seriamente o filosofar no exato instante em que ignorasse deliberadamente os dados provenientes do âmbito supra-racional. Reconheço, no entanto, que é precisamente quando se têm em conta os dados de fé que o filosofar – seja qual for o adjetivo com que o combinemos para caracterizá-lo – torna-se ainda mais "problemático".
Não é este, entretanto, o tema de que trataremos aqui; pretendo, antes, discutir um outro aspecto, que só raramente costuma ser considerado. Trata-se da discussão não já sobre o que há de "problemático" na inclusão dos dados da fé no filosofar, mas, sim, diretamente sobre o dilema, quase inevitável, que um filosofar expressamente não-cristão enfrenta. Evidentemente, não nos referiremos aqui às concepções do ser provenientes do mundo "não-tocado" pelo cristianismo, como por exemplo as do budismo ou do hinduísmo. Nossa tese refere-se unicamente à interpretação racionalista-secular – e, portanto, assumida e decididamente não-cristã – do mundo que pretende considerar-se "filosofia" no mesmo sentido em que esse conceito era entendido pelos fundadores da tradição ocidental de pensamento, como por exemplo Platão e Aristóteles.
Nesse conceito tradicional de filosofia, o sentido antes de mais nada literal da palavra grega philosophia é tomado, sobretudo por Platão, de modo muito mais originário do que ocorre usualmente. Platão toma estritamente ao pé da letra um dito de Pitágoras segundo o qual só Deus seria sábio (sophos), enquanto o homem, na melhor das hipóteses, é somente alguém que busca amorosamente a sabedoria (um philo-sophos). A afirmação de Sócrates, em O Banquete, de que nenhum dos deuses filosofa, não passa afinal de uma outra forma de exprimir o mesmo pensamento. E não é somente um Platão – a quem Kant chama "o pai de todos os sonhadores filosóficos –, que faz essa afirmação; também um realista como Aristóteles vem a dizer o mesmo. Aristóteles está convencido de que a pergunta sobre "Que é isto? Algo real?" – formulada por ele de modo resumido e compacto, em apenas três sílabas: ti to on? –, não é apenas uma questão que se coloca "desde sempre, hoje, e para sempre"; ela estaria almejando, para além disto, como diz Aristóteles, uma resposta conhecida unicamente por Deus.
As questões verdadeiramente filosóficas (como por exemplo: "O que é o conhecer?", "O que ocorre, do ponto de vista da totalidade, quando morre um ser humano?") impelem-nos a um confronto com o todo da realidade e da existência. Quem as formula vê-se, com efeito, obrigado a falar "de Deus e do mundo", e isto é precisamente o que marca a diferença entre a filosofia e a ciência. O médico que investiga a causa de uma doença já não está lidando com o mundo como um todo; não tem necessidade de falar "de Deus e do mundo"; aliás, nem ao menos está autorizado a fazê-lo. Se, por outro lado, ocorre-lhe examinar o sentido – o que "em si" e em "última instância" significa a doença –, então não poderia estar à altura desse objeto sem, ao mesmo tempo, refletir sobre a natureza humana em relação à realidade como um todo.
Também no Banquete de Platão, cujo tema é o Eros, ocorre o seguinte: depois de terem falado o sociólogo, o psicólogo, o biólogo, alguém se levanta e diz que não se pode apreender o verdadeiro sentido do Eros sem considerar a natureza da alma e o que lhe sobreveio, nos primórdios, em confronto com os deuses. Passa então a contar o mito da perfeição originária do homem, falando a respeito da sua culpa e da sua punição. Em resumo, narra a história do paraíso perdido, interpretando Eros como o anelo pela santa forma primitiva. Ainda em Platão: no diálogo Menon, quando se torna evidente que já não é possível avançar no caminho da argumentação racional, Sócrates afirma que a partir deste momento se torna necessário apoiar-se naqueles "que são sábios nas coisas divinas". Mais uma vez, portanto, volta-se para um dado proveniente de fonte sobre-humana, cuja interpretação pode, de modo não impróprio, ser denominada Teologia.
Mesmo a reflexão crítica e fria da metafísica aristotélica não exclui de modo algum tais pensamentos. Um dos resultados mais surpreendentes da fundamental análise histórica de Werner Jaeger é a seguinte constatação: também a doutrina aristotélica do ser estaria, em última análise, determinada pelo credo ut intelligam, pelo pressuposto anterior de uma fé que transcende o pensamento e é seu pressuposto.
Enquanto, pois, não se entenda por filosofia algo inteiramente diverso do que significava o conceito em sua primeira definição no Ocidente, permanecerá implícita e inerente à filosofia a exigência de um dado anterior, supra-racional. É natural que se coloque, precisamente neste ponto, a questão da possibilidade de que uma interpretação puramente racionalista da existência – neste sentido também absoluta e decididamente não-cristã –, possa, com direito, ser chamada de filosofia. Com efeito, tudo aquilo que, na concepção de mundo platônica, é chamado "sabedoria dos antigos", "conhecimento das coisas divinas", "tradição santa, oriunda de uma fonte divina por intermédio de um desconhecido Prometeu" – tudo isto encontra-se preservado (ainda que depurado, elevado e, ao mesmo tempo, infinitamente ultrapassado) na mensagem anunciada pelo Logos divino, que o cristão crê e venera como verdade intangível.
Talvez possam objetar-me que seria absurdo afirmar que, na nossa civilização ocidental, não haja nenhuma filosofia, que possa ser, ao mesmo tempo, indubitavelmente não-cristã e continuar a chamar-se legitimamente "filosofia". Sobre isto, gostaria de fazer duas considerações:
Em primeiro lugar, existem indubitavelmente formas modernas de "filosofia" que não têm nenhuma pretensão de ser filosofia naquele sentido originário; na realidade, trata-se, no caso, de ciência, ou scientific philosophy, cujo interesse e compreensão estão reservados unicamente a especialistas e técnicos, como, por exemplo, a lógica matemática ou a análise lingüística.
Em segundo lugar: uma filosofia que se pretendesse "não-cristã" de um modo inteiramente conseqüente, na qual simplesmente não fosse mais possível detectar qualquer elemento da teologia ocidental, é, no mundo ocidental, um fenômeno extremamente raro. Assim, Descartes responde à questão central da dúvida metódica – "Como podemos ter certeza de não estar apenas sonhando?" – apelando para a veracidade de Deus, que não poderia, de forma alguma, enganar-nos. Ou seja, Descartes apóia-se explicitamente na própria tradição da fé, que, no entanto, pretendia excluir por princípio. E quando Immanuel Kant, no seu ensaio sobre a religião, cita a Bíblia mais de setenta vezes, é evidente que não permanece – conforme havia anunciado programaticamente no título da sua obra – "dentro dos limites da razão pura". Evidentemente, não podemos só por isso falar numa "filosofia cristã"; contudo, é igualmente evidente que não se pode considerar esse tratado como totalmente "não-cristão".
Contemplemos, finalmente, o caso de Jean-Paul Sartre, cuja filosofia existencialista pretende ser a forma mais radical de filosofia não-cristã: teria sido absolutamente incompreensível para um nihilista pré-cristão, como por exemplo Górgias, o sofista antigo.
É preciso ser cristão para apreender o sentido da seguinte sentença: "Não há natureza humana, porque não há Deus para concebê-la".
Numa revista americana de filosofia, publicou-se, há algum tempo, a seguinte resenha (por acaso, a respeito de um de meus livros): "A filosofia está hoje ameaçada de dois modos: por um lado, arrisca-se a perder qualquer valor humano por uma redução à semântica e à lógica; por outro, arrisca-se a ser tragada por uma teologia obscura, ambígua (ambiguous) e incompetente. Os filósofos liberais de esquerda devem enfrentar esta provocação pela formulação de uma filosofia que evite ambos os perigos". Ainda que eu concordasse de modo irrestrito com a primeira parte, não consigo reprimir a suspeita de que os leftliberals, precisamente eles, jamais acolheriam uma teologia, mesmo que ela fosse não-obscura, clara e competente – com o que caem, precisamente, naquele dilema ao qual nos referimos aqui.
3. Dois modos de ser crítico
(Trad.: Gabriele Greggersen / Jean Lauand)
Evidentemente, há dois modos distintos de ser "crítico". Pensar criticamente caracteriza-se por uma certa vigilância e cuidado. Esse cuidado dirige-se a evitar "engolir" com demasiada facilidade determinadas coisas que costumam passar despercebidas ao espírito acrítico.
Neste contexto, não deixa de ser natural lembrarmo-nos logo do pesquisador científico. Para ele, "ser crítico" significa zelar para que, apenas e tão somente, o que foi suficientemente comprovado seja aceito como válido. No entanto, para além da ciência, que por sua natureza lida com objetos que, se por um lado podem ser tratados de modo exato, por outro são particulares, há, ainda, outros modos pelos quais a verdade se nos torna acessível.
Em todo o caso, para nós, enquanto seres chamados à reflexão, não nos basta chegar a conhecer, por exemplo, como se estrutura o átomo, como se desenvolvem as doenças cancerosas ou, então, em que consiste a morte de uma pessoa do ponto de vista fisiológico.
Tais conhecimentos são-nos insuficientes e não abrimos mão de alcançar alguma concepção, seja de que tipo for, sobre a totalidade do real, bem como sobre a própria existência humana; em última análise, nosso desejo de conhecer tem por objetivo aquilo que o filósofo anglo-americano Alfred N. Whitehead chama de the complete fact, o "fato completo", a coesão global do mundo e da existência. Quanto a isto, é para nós absolutamente claro que jamais será possível um conhecimento humano exaustivo a respeito deste "objeto" e que, pelos métodos das ciências exatas, o homem talvez nem sequer possa divisar esta coesão global. No entanto, insistimos em perguntar-nos acerca dela e em procurar uma resposta para ela.
É principalmente ao filosofar que somos levados a este sentido de "direção à totalidade"; pois filosofar significa precisamente isto: considerar a totalidade, o sentido último daquilo com que deparamos na experiência. É uma tarefa que evidentemente não pode ser encerrada no âmbito delimitado de uma disciplina acadêmica especializada, uma tarefa da qual, além do mais, ninguém que tenha a pretensão de pautar a sua existência a partir do pleno impulso de sua vida do espírito se pode eximir.
Mas também para aquele que crê, isto é, para quem quer que aceite como verdadeiro o autêntico anúncio divino sobre a origem e o fim de toda criatura e que procura compreender o que isto significa realmente, certamente terá que considerar a "coesão global", ou seja, a "totalidade".
Evidentemente, porém, este filosofar e este crer, se tudo corre bem, não acontecem de modo acrítico ou simplesmente aleatório. Para quem filosofa, como para quem crê, não é permitido ignorar dificuldades ou objeções de pensamento; ambos têm por obrigação serem igualmente "críticos", ainda que cada um a seu modo específico. Em todo o caso, também eles são movidos pelo cuidado de evitar "engolir" algo determinado, o que, uma vez mais, pode muito facilmente ocorrer para o pensamento acrítico.
Aliás, este cuidado refere-se a algo completamente diverso daquilo que orienta a vigilância do pesquisador científico, que visa em especial, para usar uma formulação breve, "não deixar passar nada" (nichts durchlassen) que não tenha sido comprovado, enquanto que para o que filosofa, tal como para aquele que crê, o que vale é "não deixar de fora nada" (nichts auslassen), absolutamente nada, nem perder algo do todo do mundo e daquilo que nos foi destinado e adjudicado pela Palavra reveladora de Deus. Para evitar que nem ao menos o menor elemento da totalidade da verdade lhe escape, estaria antes pronto a contentar-se com provas menos exatas do que assumir um possível comprometimento do contato com a verdade. E no que se refere àquele que crê, permanece para reflexão a sentença de John Henry Newman, que afirma que o cuidado crítico, cuidado de quem crê, pode manifestar-se precisamente no fato de "não esperar pela prova mais perfeita que se possa imaginar".
4. Música e Silêncio
(Trad.: de Hermenegildo Marianetti Neto e Jean Lauand)
Música e Silêncio: eis aí duas realidades – diz o conhecido filósofo britânico C. S. Lewis – inconcebíveis no inferno. Tal afirmação não deixa de ser surpreendente: música e silêncio; que combinação mais esquisita!
Mas, se pensarmos bem, a conexão entre ambas tornar-se-á cada vez mais evidente. Pois é óbvio que silence, aqui, significa algo totalmente diferente do emudecimento emburrado que, mesmo na vida deste mundo, já faz parte da condenação, do inferno. E, quanto à música, não é difícil imaginar que no inferno ela esteja ausente: seu lugar é ocupado pelo ruído, o famigerado "barulho infernal".
E, aí, inesperadamente, surge um outro lado da questão: música e silêncio estão de fato, de um modo muito especial, voltados um para o outro. Pois o ruído destrói não só o silêncio como também, junto com ele, toda e qualquer possibilidade de comunicação: tanto o ouvir como o falar (daí aquela constatação do poeta Konrad Weiss: que num tempo como o nosso, extremamente ruidoso e barulhento, pode imperar um ilimitado emudecimento). Por outro lado, a música (bem entendido: música aqui significa algo mais do que mero entretenimento ou ruído ritmizado!), embora não se dê sem som, produz uma certa forma de silêncio.
Ela torna possível um silêncio que ouve, que ouve não apenas acusticamente a melodia (requisito, aliás, de qualquer silêncio que queira captar algo: quer se trate de uma palavra humana ou do batimento cardíaco ao estetoscópio). Não, trata-se de um outro silêncio que leva para ainda mais longe: pela música abre-se um espaço de silêncio de dimensão maior, dentro do qual, se tudo corre bem, pode-se, só então, ouvir e compreender uma realidade que é superior à própria música...!
5. É o amor quem canta
(Trad.: de Hermenegildo Marianetti Neto e Jean Lauand)
C'est l'amour qui chante. Nesta sentença de De Maistre diz-se algo sobre a essência do canto, da poesia e da música: seu alento advém do ímpeto da contemplação amorosa.
Mas também se diz algo a respeito da essência do próprio amor: que ele não pode externar-se senão em canto, poesia e música; no "Espírito do Vento", que ressoa pelos tubos do órgão.