Povos alimentam `caldeirão cultural'
em SP Influências estão na culinária e até na dança;
centro promove integração
LUCIANA GARBIN
Na mescla de povos que formou São Paulo, os árabes estão entre os que influenciaram
os costumes e a história da cidade. Vindos do Oriente, trouxeram seus hábitos, danças,
culinária e idioma e instalaram-se em diversos bairros. Embora a maioria tenha
concentrado-se no centro, a zona oeste também recebeu várias famílias de sírios e
libaneses.
Hoje, boa parte de seus descendentes se dedica a divulgar o que aprendeu em casa ou a
descobrir mais sobre suas origens. No Centro de Estudos Árabes da Universidade de São
Paulo (USP), 166 alunos de graduação e dez de pós têm aula de cultura, literatura e
língua árabes. Na City Lapa, uma professora está há dois anos formando dançarinas dos
ritmos do Egito, Arábia Saudita e outros países do Oriente. Em Perdizes, as receitas da
tia de Carlos Alberto Isaac foram o ponto de partida do restaurante Arabesco, que já tem
duas filiais.
Entre as muitas histórias, há casos também como o do comerciante Faisal Elias
Salemi, que viveu em outra cidade do Estado antes de se instalar na Lapa e montar seu
negócio na Vila Leopoldina. Sua família fez parte de umas das levas de árabes que
vieram para o Brasil no começo do século.
Quando o assunto é imigração sírio-libanesa, os historiadores indicam essa época
como um dos períodos de números mais expressivos. Na ocasião, a maioria dos imigrantes
era cristã. Entre 1975 e 1991, os problemas políticos no Oriente Médio causaram outra
grande afluência de árabes para o Brasil. Dessa vez, no entanto, a maior parte era de
muçulmanos.
Estudantes - Nem sempre todos os que se envolvem com a cultura árabe têm suas
origens ligada ao Oriente. A professora Aida Ramezá Hanania, do Centro de Estudos
Árabes, é filha de libaneses, mas explica que apenas 10% dos alunos dos cursos têm
ascendência árabe.
A aposentada Jamile Georges Lopes faz parte da minoria. Aluna do último ano, ela
nasceu no norte da Síria há 57 anos e chegou no Brasil aos 8 anos. Desde 1970, ela vive
no Butantã. Seus dois filhos entendem o árabe popular que ela fala e os amigos deles
adoram as comidas típicas que prepara.
No Centro de Estudos Árabes, Jamile está aprendendo a ler, escrever e falar o árabe
clássico. Como veio ainda criança para o Brasil, não foi alfabetizada. "Fiquei com
essa vontade a vida toda", diz. "Demorou para que eu aprendesse, mas é muito
gratificante ouvir a língua materna, o idioma de sua gente, de seu povo."
Segundo Jamile, o curso lhe dá muita satisfação, pois representa um retorno às
origens e à história de sua família. "Tenho fascínio pela língua."
Com uma história parecida, os pais de seu colega de curso Ahmed Hussein El Zoghbi, de
35 anos, também nasceram no Oriente. São do Vale de Bekaa, no Líbano, de uma localidade
próxima à fronteira com a Síria. Eles vieram para o Brasil na década de 60, em busca
de melhores condições de vida. Muçulmanos, conservam a prática de rezar as cinco
orações diárias e praticar o jejum no mês do Ramadã, que é o período de sacrifício
para os islâmicos. Em casa, mantêm muito da culinária e da decoração típicas dos
árabes, com muitos quadros sobre a terra natal nas paredes e objetos libaneses.
Segunda geração - Ao contrário deles, o filho que tem nome de profeta (Ahmed
significa, em árabe, aquele que louva) não freqüenta a colônia e a maioria de seus
amigos é de brasileiros. Ahmed acredita, porém, que deve ajudar a manter elementos da
cultura de seus pais e, por isso, decidiu matricular-se no curso na USP.
Em sua opinião, os árabes são comumente estigmatizados como um povo pouco
civilizado, mas especialmente do século décimo ao décimo quinto apresentaram uma
cultura muito sofisticada. "O Renascimento ocidental ocorreu graças aos árabes, que
possibilitaram o contato com as obras clássicas", afirma.
Entre os alunos que sabiam muito pouco sobre os árabes antes de freqüentar o centro,
está a historiadora Gabriela França, de 23 anos. Há quatro anos, ela assiste às aulas
de graduação como ouvinte. Seu bisavô materno era libanês, mas a cultura árabe nunca
exerceu influência em sua casa, até que decidiu estudá-la.
"Quando era criança, meu avô recebia cartas do Líbano e eu via aquelas letras
maravilhosas, escritas da direita para a esquerda, e me perguntava quem era aquele
povo", lembra. "À medida que comecei a descobri-los, passei a me interessar
mais e mais."
Na opinião de Gabriela, estudar o árabe é fundamental em São Paulo, não só pela
imigração e pela mistura, mas também pela economia e relações com o mundo oriental.
"As pessoas às vezes acham estranho e exótico, mas a cultura deles é
fascinante."
Êxito - O sucesso das aulas de árabe é grande entre os estudantes do centro.
Num questionário feito no segundo semestre de 97 para saber a opinião deles sobre o
curso, a maioria disse que pretendia seguir com as matérias. "Aqui os alunos entram
meio sem saber o que vão encontrar e acabam descobrindo um universo tão amplo e profundo
que se maravilham", afirma Gabriela. "Muita gente respondeu que pretende usar o
árabe na vida profissional, dando aulas, traduzindo textos ou seguindo carreira
diplomática."
A filosofia do Centro de Estudos Árabes é enfatizar as questões culturais e
idiomáticas dos árabes, mais do que as políticas. O centro foi criado pelo professor
Helmi Nasr para pesquisas e estudos. Em 1962, a primeira turma começou a ter aulas para
aprender a ler, escrever e traduzir a língua árabe. Em 1995, começou o curso de
pós-graduação.
Os programas das matérias incluem itens como a literatura do imigrante árabe,
características da Arábia pré-islâmica, o advento do Islã, o movimento expansionista
árabe e a assimilação da cultura pelo Ocidente. Os professores e alunos também
realizam traduções, estudam filosofia, literatura, arte, caligrafia, arquitetura e
música árabes e analisam o desenvolvimento científico oriental e a projeção do idioma
árabe no português.
Periodicamente, o centro realiza intercâmbios, publicações e convênios com
universidades espanholas, edita a Revista de Estudos Árabes, com peças, resenhas,
entrevistas e provérbios árabes, e as coleções de livros Raízes e Clássicos e
Oriente & Ocidente. O Centro de Estudos Árabes pertence ao Departamento de Línguas
Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (FFLCH-USP). Fica na Avenida Luciano Gualberto, 403, Cidade Universitária.
Telefones: 211-0585 e 818-4511. Na Internet: www.hottopos.com.
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