Home | Novidades | Revistas | Nossos Livros | Links Amigos Resenha - Opus Dei – Os Bastidores
Profa. Maria Amália Longo Tsuruda
Doutoranda – História da Educação - FEUSP
A abertura do diálogo Protágoras, de Platão, é bastante teatral. Nele Platão relata as circunstâncias que levaram Sócrates a conversar com o grande sofista Protágoras, conversa essa que é o assunto da obra. Poderíamos fazer uma pequena peça de teatro. Imaginemos a cena: é madrugada, tudo está escuro, e Sócrates é acordado por alguém que grita seu nome e bate à porta. Ao abrir, depara-se com um jovem, Hipócrates, filho de Apolodoro. O adolescente, tomado de grande excitação, agarra e sacode o filósofo, anunciando que Protágoras está na cidade e que é necessário que Sócrates o apresente a ele. Mesmo que isso custe uma fortuna, Hipócrates considera que precisa estudar com Protágoras. O rapaz está tomado de grande urgência, mas ainda é muito cedo, e Sócrates não deixaria passar a oportunidade de examinar uma questão tão interessante. A conversa que se segue entre o filósofo bastante vivido e o jovem inexperiente é muito esclarecedora:
“Sócrates: - E então, sabes a que espécie de perigo vais expor a tua alma? Se tivesses de confiar teu corpo a alguém correndo o risco de que ele se tornasse saudável ou doentio, longamente irias examinar se deverias confiá-lo, e te aconselharias com amigos e com parentes, refletindo durante dias seguidos; sobre o que porém consideras mais importante que o corpo, a alma, e de que depende que tudo teu seja bem ou mal sucedido, se se torna bom ou mau, sobre isto não consultaste teu pai nem teu irmão nem qualquer dos nossos amigos, se deves confiar ou não a tua alma a esse recém-chegado estrangeiro; ao contrário, ouvindo à noite que ele chegou e chegando aqui de madrugada, sobre isso não fazes nenhum julgamento ou consulta, se deves ou não confiar-te a ele, como se tivesses concluído o absoluto dever de freqüentar Protágoras, a quem não conheces, como dizes, com quem nunca conversaste, a quem chamas de sofista, mas o que é este sofista evidentemente ignoras, ao qual no entanto vais te confiar.” Platão, Protágoras, 313 a-c [1] .
O livro Opus Dei – Os Bastidores, de Dario F. Ferreira, Jean Lauand e Márcio F. da Silva (Campinas: Ed. Verus, 2005) causa um choque em todos aqueles que, por um acaso da vida, ficaram fora da obra e para quem, portanto, Opus Dei “é alguma coisa da Igreja”, alguma coisa nebulosa, da qual pouco se sabe. E a grande missão desse livro reside exatamente no desvelamento do segredo que cerca o Opus Dei e do qual ele se alimenta. Socraticamente, o livro disseca a obra para que jovens Hipócrates do nosso tempo saibam a quem estão entregando a sua alma. Para aqueles que, desgraçadamente, entregaram o seu corpo e sua alma ao Opus Dei, é um chamamento para que vençam as barreiras da vergonha e da tristeza e relatem a suas experiências. Somente o instrumento psicanalítico de falar e de descobrir que existem outras pessoas que foram vítimas da mesma grande mentira e que, portanto, não se está só no mundo, não se é um pária, um leproso da alma, poderá restituir o equilíbrio a todos os que, após sofrimentos inacreditáveis, conseguiram se livrar das garras do grande monstro.
O Segredo:
O livro tem uma função “subversiva”: desvelar o segredo, escancarar as portas fechadas a sete chaves, colocar no meio do palco e sob os holofotes todo esse “belo mal”. Pois o Opus Dei se alimenta do segredo. É a falta de conhecimento que fornece carne jovem, e principalmente almas jovens, para o grande moedor de carne que homogeneiza pessoas e consciências. Quem entra no Opus Dei não sabe no que está entrando, nem o que será exigido a partir do momento em que “apitou” [2] . Não lhe foi permitido ver a parte de dentro da casa. Apenas viu o que foi mostrado: gente feliz, animada, um ambiente alegre de grande camaradagem. Mas o segredo já está presente: “Não fale com seus pais...” É preciso afastar Sócrates... Não é dito que lhe será negado o colo da mãe, o casamento, os filhos e a vida comum, a posse de bens adquiridos pelo suor de seu trabalho. Não é dito que a sua vida será uma eterna mortificação do corpo e, o que é pior, da alma, que lhe será negado o direito de pensar.
Destruir o segredo é destruir a Obra. Pois ninguém, de sã consciência, conhecendo o que realmente acontece dentro do Opus Dei, entraria em algo assim.
Pessoas desajustadas ou Obra insana?
O objetivo expresso pelo Opus Dei é o de santificar o mundo por meio do trabalho de seus membros. O livro expõe a imensa insatisfação dos membros do Opus Dei causada pelo fato da própria estrutura da Obra impedir a realização desse objetivo. Como resultado, existe um desajuste nas pessoas que vivem o Opus Dei em tempo integral, desajuste esse que pode resultar em doença mental, e não são poucos os relatos de casos de doentes mentais. No livro, aborda-se o problema do descompasso entre o que é colocado como objetivo (a santificação do mundo, da vida e do trabalho) e o que é exigido no dia a dia de cada um dos membros: aquelas milhares de pequenas (no sentido de mesquinhas) obrigações que impedem a realização do objetivo maior. Eu aponto uma outra, que considero tão importante quanto a anterior: a opção por esse tipo de vida é antinatural, sob o ponto de vista biológico e sob o ponto de vista estrutural. Segundo o meu ponto de vista: nós somos seres vivos, e a primeira obrigação de um ser vivo, sob o ponto de vista biológico, é manter-se vivo; a segunda é manter viva a sua espécie. Para eliminar essa segunda obrigação é necessário que haja um ambiente extremamente bem estruturado (penso, por exemplo, nas ordens monásticas ocidentais e orientais, de tão longa tradição em tratar das coisas humanas). Sexo é um elemento de satisfação muito grande. Basta ver como as pessoas dormem como pedras depois de um sexo bem feito. Em um ambiente bem estruturado, seja ele uma casa, seja um convento ou monastério, as tarefas diárias e a satisfação pela realização delas podem colocar o sexo em segundo plano. Agora vejamos: em um ambiente em que a pessoa, ao invés de se alegrar com as realizações do dia, é obrigada a fazer um mea culpa por aquilo que não fez ou fez mal feito, isso todo santo dia, que tipo de satisfação pode ter? Essa ênfase na falha, na culpa, na imperfeição do indivíduo, que deve ser pública e humilhante, como se o indivíduo, na reflexão íntima de seus atos, não fosse o juiz mais rigoroso que existe no mundo, posto que ele pode esconder qualquer coisa dos outros, mas não pode enganar a si mesmo, só pode deixar a pessoa muito infeliz. Pela descrição feita no livro, não existe lugar para a alegria da vida no Opus Dei. E haja água benta na cama (e cilício, e disciplinas, como se isso resolvesse o problema que, afinal das contas, não é de pureza, é de satisfação pessoal).
Mortificar o corpo, mortificar a alma:
Muito procurarão o livro para saber sobre o cilício e as disciplinas (e banhos frios, dormir no chão, jejuns, etc.). De fato, neste ano de 2005 de Nosso Senhor, tais temas certamente causarão escândalo aos honestos católicos comuns que andam naturalmente nesse mundo de Deus. Mas se trata de assunto acessório, um mero sintoma de uma doença muito mais grave: o fato de que a Obra acredita que o homem não procurará o Bem a não ser que anule seu corpo. O corpo é visto como intrinsecamente mau. Ela não ignora que somos compostos de corpo e alma, mas deve lastimar. Como deve lastimar profundamente que as três grandes religiões monoteístas (o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo) vetem terminantemente o suicídio, que nos livraria de maneira radical desse corpo tão incômodo, e que causa tantos problemas, como o da pureza. Como convencer pessoas razoáveis de que devem abrir mão daquilo que é natural (no sentido de que pertence ao mundo biológico): o prazer sexual e, conseqüentemente, o imenso, o incomensurável prazer e orgulho de ver a face do filho que ficou escondido, mas tão presente, dentro do corpo da mãe [3] ? Mortificando o corpo, reprimindo o corpo, machucando o corpo, negando tudo o que é legítimo e natural que, biologicamente, o corpo exija: conforto, comida, sono, sexo.
Mas tudo isso seria ineficaz sem a ajuda da mortificação da alma e esse sim, deveria ser o grande motivo de escândalo. Pois é necessário quebrar a vontade, destruir a consciência, passar uma borracha na alma e nela escrever uma nova “verdade”, isto é, muitas grandes mentiras, entre elas a de que só é possível a perfeição dentro da Obra, e uma extremamente danosa: a de que o homem não é filho de seus pais, que eles são mero acidente, que o mais importante é o Opus Dei.
Família biológica?
Isso traz à baila o problema da “família biológica”, que aqui chamarei de família verdadeira, que é o que ela é. Quem teve a graça de ser aluno do Prof. Luiz Jean Lauand aprendeu que, no mundo moderno, inventamos eufemismos para esconder, camuflar, escamotear os nossos erros e enganar as nossas consciências (por exemplo: o crime de evasão fiscal pode ser chamado de “caixa dois”, ou “dinheiro não contabilizado”). O termo “família biológica”, no contexto do Opus Dei, existe para escamotear a verdade segundo a qual só existe uma família, aquela em que nascemos e para a qual a nossa lealdade deve ser dirigida em primeiro lugar. Parafraseando Aristófanes: graças à velhice de meus pais eu fui criada “como um filhotinho” e cheguei até aqui. Por isso eu não posso censurar essa velhice, nem abandoná-la, agora que ela precisa de mim. Eu poderia não ter nascido. O leitor já pensou nessa possibilidade? O leitor também poderia não ter nascido. Ou nós dois poderíamos ter nascido e ter sido jogados em qualquer lugar, numa lixeira, num canto de rua, na porta de desconhecidos. Mas não. Por vontade livre de nossos pais, nascemos e fomos muito bem criados. E justamente porque uma pessoa qualquer foi muitíssimo bem criada, ela se torna um alvo preferencial para as más intenções do Opus Dei. E pela mesma razão é necessário massacrar essa lealdade, um dos sentimentos mais puros que existe, pois, mesmo que sejamos velhos caducos, nos braços de nossas mães seremos sempre crianças. Em circunstâncias normais, a lealdade de qualquer pessoa estaria voltada para os seus pais. Ao primeiro sinal, a pessoa correria para eles e para eles voltaria a sua dedicação, as suas preocupações, o seu tempo e, principalmente, o seu dinheiro. Ora, a Obra dedica parte da sua doutrinação à substituição da família verdadeira por uma espécie de família sobrenatural que é ela mesma, como se todas as criaturas de Deus já não fizessem parte naturalmente de uma família sobrenatural (posto sermos todos filhos de Deus) e como se o batismo não nos introduzisse na grande família sobrenatural que é a Igreja Católica. A destruição de algo tão puro, profundo e íntimo, a família verdadeira, só pode gerar desajustes e doença mental. O Opus Dei tenta destruir estruturas sem as quais nenhum ser humano pode ser realmente feliz. Nem as ordens monásticas mais rígidas têm coragem de atacar a família verdadeira de seus membros. É claro que ninguém, de sã consciência, compararia instituições que têm séculos e, em alguns casos, mais de um milênio de tradição e de respeito ao ser humano com um fenômeno extremamente novo na história da Igreja como o Opus Dei, cujo plano não é a glória de Deus mas, pelo que entendemos a partir da leitura do livro, a tomada do poder.
O crime contra as crianças:
As pessoas que conseguem sair do Opus Dei sofrem demais. A obra, malevolamente, esconde a sua grande mentira e escamoteia os seus erros estruturais, jogando-os sobre os ombros de seus ex-membros. Se ele tem dúvidas, se ele vê o descompasso entre o que é proposto e o que é feito, se ele sai, é porque ele é um homem de pouca fé, porque ele não aproveitou os tesouros que lhe foram oferecidos, porque ele é um traidor de Deus!
Depois de passar toda uma vida em um ambiente artificial, sofrem ainda por serem jogados no mundo sem um amigo (todos os amigos pertencem à Obra e, obedientemente voltam-lhe as costas [4] ), sem bens, sem um tostão furado e sem saber organizar as coisas mais simples da vida: afinal, ele nunca pagou suas contas, gerenciou seu salário, se preocupou em achar um lugar para viver, nunca lavou suas roupas ou fez faxina. Mas o pior é, partindo da constatação de que ele foi usado e abusado pelo Opus Dei, enfrentar o julgamento das pessoas comuns que fazem parte do plano comum da vida, fora da seita: companheiros de trabalho, membros da família, conhecidos “comuns” “Como você foi tão tolo?” “Como permitiu que fizessem isso com você?” Ou ainda “esse é um idiota”. Quem assim pensa não conhece o conceito de “modelo pedagógico” [5] e nada sabe sobre a lavagem cerebral realizada nos membros de determinadas linhas político-ideológicas ou, como é o caso, de determinadas seitas religiosas. Espantam-se com a existência de terroristas suicidas, mas não refletem sobre o tipo de doutrinação que foi feita para que no indivíduo fosse totalmente aniquilado o amor à vida. Pois bem: o mesmo acontece dentro do Opus Dei, sem tirar nem por. O indivíduo caiu numa armadilha da qual não pode ser livrar, pois Sócrates (seus pais, seus amigos, pessoas experientes) foram afastados ou, sempre devido ao segredo (tudo o que os que estão fora sabem é que “é uma coisa da Igreja, religião é sempre bom”), não conseguem ver o mal que reside aí. Se o caso é ter caído em uma armadilha, que tipo de discernimento pode ter uma criança de 14 ou 15 anos? Que tipo de experiência de vida ou que estofo teórico poderia ter para evitar cair nessa esparrela? O que viu da vida, o que estudou e leu? Criminoso é quem criou o sistema, mas vejam, ele está aí, canonizado. É um crime que se comete contra crianças, e ainda mais grave porque se aproveita de tudo o que existe de mais puro e santo no ser humano, o amor por Deus e pela Humanidade. É a verdadeira flor da juventude que é colhida e esmagada, para no fim, secar em amargura e descrença. E depois, quando adulto, por que não manda tudo às favas e vai viver a sua vida em paz, não vai ser normal? Na verdade, a grande pergunta é: como um homem dono de uma mente brilhante, pode viver tanto tempo nessa abominação? Não existe culpa em qualquer membro do Opus Dei, pois quando o membro já está adulto, a doutrinação já fez seus estragos sobre uma consciência enfraquecida, afastada daqueles que têm um amor verdadeiro por ela que acredita que as contradições do sistema são culpa sua, que as “tentações da carne” que sofre são culpa sua, não uma simples vicissitude biológica, mas uma falha moral, uma mente completamente aterrorizada com as chamas do inferno, pois esqueceu, ou melhor, fizeram com que esquecesse, que Deus é um pai que ama seus filhos. Reitero que isso é um crime continuado que vem sendo perpetrado contra seres humanos, e que considero tão grave quanto o assassinato. Pois mata o que existe de mais divino no ser humano, transforma homens e mulheres em molambos, títeres, autômatos. É o assassinato da alma.
O pecado da soberba e a idolatria deslavada:
No entanto, esses membros do Opus Dei se consideram os únicos católicos que estão no caminho verdadeiro. Tendo praticamente eliminado o corpo (só falta morrer para completar, definitivamente, a obra) podem se dar ao luxo do pecado da soberba, um pecado de anjo! O mais antigo, nobre e tradicional pecado, tão verdadeiro que até mesmo os gregos pagãos o conheciam (hýbris [6] )! Olham com um desprezo e sentimento de superioridade as multidões de católicos que andam por aí, felizes e comendo o feijão do mundo comum, assistindo missas comuns, rezadas por padres comuns, não muito preocupados com seus pecadinhos tão comuns, que cometem a cada santo dia. Tão altos, nobres, puros, esquecem que, no fim da tragédia a hýbris, soberba, leva o personagem à mais negra miséria moral. Agem e pensam como se o futuro da Igreja, essa mesma Igreja que já tem dois mil anos e que sobreviveu à perseguição, às heresias, à peste negra que matou dois terços da cristandade, dependesse de sua obra de setenta anos. Realmente, o nome concorda com o objeto: o pecado da soberba é soberbo!
Mas eles seguem, firmes e fortes na sua obra de destruição de famílias e de sanidade mental, pois seu sistema criado por quem? Por um santo, devidamente canonizado por um Papa que parecia considerar que cada família católica tinha o direito de ter uns três santos, no mínimo [7] . E em nome de quê? De política? Pois no fundo é isso, um sistema que deseja tomar de assalto a Igreja católica e transformar todos nós, católicos comuns, em figuras tristes em preto e branco, num mundo cinza e com gosto de cinzas. Um mundo em que os partos serão apenas “dor e sangue”, as famílias serão apenas “biológicas” e os nossos filhos serão apenas carne mais para a máquina de moer do Opus Dei.
Afinal, no frigir dos ovos, qual é a diferença entre o Opus Dei e a TFP? Até onde eu sei sobre as duas organizações (sim, eu sei o que os pesquisadores que agora estão lendo esta resenha vão objetar sobre a quantidade e a qualidade dos dados de que disponho) apenas o fato de que o Opus Dei não caiu na idolatria deslavada, mas isso apenas pelo fato de que conseguiu canonizar o seu fundador. Ambas apresentam as mesmas técnicas de captação de novos membros, atacam a mesma faixa etária, usam métodos similares de massacre da personalidade do ser humano e no final temos o mesmo tipo de “produto”: pessoas infelizes, sem senso crítico, meras marionetes [8] . Isso sem falar no fato de que preconizam uma vida religiosa bastante adequada para a ... Idade Média! De qualquer forma, a possibilidade de idolatria está latente.
O futuro do Opus Dei:
O futuro do Opus Dei? Deve ser nenhum. Deus possui a eternidade para esperar a correção dos erros do mundo, mas os pobres seres humanos que lá estão não. Deveria haver uma intervenção rápida e urgente, seguindo o modelo do cirurgião que extirpa um câncer (pois é isso que o Opus Dei é: um câncer no corpo da Igreja, em estado de metástase, pelo que pude entender). Suas casas deveriam ser dissolvidas e seus membros mais perigosos encaminhados, sei lá para onde, com recomendação de silêncio absoluto sobre essas coisas, para que não façam estragos aonde chegarem (existe algum tipo de presídio de segurança máxima para religiosos? Se não, deveria. Mas devem existir ordens monásticas, de bondade e eficiência comprovadas, que caridosamente reduzam ao silêncio e ao confinamento eternos esses verdadeiros criminosos). Pois existem vários tipos de crimes sendo cometidos de maneira contínua e, embora todos eles sejam menores do que o de ataque à integridade mental dos seres humanos, nem por isso deixam de ser graves: aliciamento de incapazes, estelionato, fraude fiscal (uma boa auditoria externa descobre). O livro deveria ser entregue ao Ministério Público, pois, reclamar a quem? Ao bispo? Se o Opus Dei responde somente ao Papa!
O livro é bastante esclarecedor, mas sendo muito sincera, se eu não soubesse de antemão o que as seitas fazem com seus membros e se eu não conhecesse a sua seriedade de um dos autores, seria bastante difícil acreditar nele da maneira completa que está acontecendo comigo, pois esse despautério existe dentro da Igreja Católica Apostólica Romana! O Opus Dei é um mal, o tipo de mal que afasta as pessoas da Igreja e da religião, como se ela mesma fosse o mal, corrompida e prostituta, veículo da desesperança, da descrença e da morte.
Sobre cavalos com asas:
Muitos já tentaram descrever a alma humana. Porém creio que a mais bela imagem da alma esteja em um texto pagão, o Fedro de Platão (246 e segs.). Nesse diálogo, o autor apresenta a alma como um conjunto formado por um carro puxado por dois cavalos alados e o seu condutor. Um cavalo é branco e o outro é negro. A missão da alma é subir aos céus e aproximar-se o máximo possível do séqüito dos deuses, um cortejo também formado por carros alados que contemplam as Idéias verdadeiras, eternas e imutáveis. O problema da alma humana é que o cavalo branco é dócil à rédea e à vontade do condutor e sua tendência é subir, ao passo que o cavalo negro é rebelde e deseja descer e permanecer na terra, longe da verdade. Poderíamos associar toda a história da luta do ser humano por ser melhor a essa imagem da tarefa do cocheiro em manter os dois cavalos no mesmo passo e na mesma direção segura. Raciocinemos: a ênfase do Opus Dei em eliminar o cavalo negro, entendido como o corpo e suas vicissitudes, bem como as fraquezas e os pequenos erros humanos, só consegue quebrar as asas desse cavalo. Ao fazer isso, quebra também as asas do cavalo branco, pelo simples esforço de ter que tentar realizar sozinho o trabalho que deveria ser dos dois. Ou seja, a tentativa de realizar a verdadeira obra de Deus sem aceitar que somos seres humanos e que, portanto, devemos reconhecer a humanidade que existe em nós, sem desmerecê-la, sem repudiá-la, sem lamentá-la, só pode ter como resultado almas de asas quebradas, sem possibilidade de ascender, pobres sombras dos nobres cavalos alados que deveriam ser. Não é possível ser bom, manter o cavalo negro em compasso ajustado com o branco, quando todo dia os desvios do cavalo negro são colocados em destaque. Quando se pede que o cavalo branco suba ao mesmo tempo em que se puxa a rédea, brecando o movimento. E, principalmente, quando se joga a culpa do fracasso no cavalo branco que, dócil como é próprio de sua natureza, aceita sem questionar. O resultado só pode ser confusão, fracasso e doença mental.
Conclusão:
Os autores desse livro podem ser vistos como homens de grande estatura. Eles tiveram a coragem de denunciar um grande mal. Entretanto, sempre devemos ter em conta que não se trata apenas de simples denúncia, mas também de uma confissão. E não é fácil mostrar o rosto e confessar que se foi vítima de uma piada muito amarga, que se deixou enganar por uma mentira imensamente maliciosa, submeter-se ao julgamento de todos aqueles com quem se convive. Um professor ensinou aos seus alunos, durante mais de vinte anos, que a virtude da prudência não é característica de homens pequenos. O passar dos séculos mudou o significado da palavra prudência. A verdadeira prudência, ensina o professor, não é a atitude mesquinha e acovardada daquele que, diante de uma situação qualquer, procura a saída que lhe cause menos dano, e sim a daquele que, vendo a mesma situação, age no sentido de solucioná-la segundo o que deve ser, mesmo que isso lhe cause prejuízos. Pois bem: o professor passou do ensino à ação, e com muita prudência denunciou o mal, mesmo que corresse o risco de ser julgado pelos leitores e por todos os seus conhecidos. A ele e aos seus colegas de denúncia, eu digo que aqueles que não receberem o livro com respeito serão apenas homens pequenos, incapazes de dar o devido valor à atitude de renúncia das vaidades e que, portanto, seu julgamento não merece ser levado em conta. O livro não é extenso, tem apenas 227 páginas, mas está destinado a causar uma grande revolução. Pois, como já disse antes, o Opus Dei se alimenta do segredo. Enquanto perdurar o segredo, conseguirá mais adeptos e continuará a sua tarefa de se infiltrar na sociedade. Ao desvelar o segredo e anunciar a verdade, o livro socraticamente abrirá os olhos de todos aqueles que, por falta de conhecimento, acreditam que o Opus Dei “é coisa da Igreja, e tudo o que é da Igreja é bom”. Pela primeira vez nos é dado ver, a nós, que “somos de fora”, o Opus Dei. E a conclusão a que se chega é que o Opus Dei é mau porque o resultado da sua ação é também mau. Afinal, diante de seus ex-adeptos, alguns mergulhados no desequilíbrio mental, outros tentando se adaptar ao mundo e viver de maneira normal, mas com fortes cicatrizes na alma, não se pode contestar as palavras de Cristo: “Não há árvore boa que dê fruto mau, nem árvore má que dê fruto bom; porque cada árvore é conhecida por seu próprio fruto” (Lucas 6, 43-44).
[1] Platão, Protágoras, tradução de Eleazar Magalhães Teixeira, Fortaleza: Edições UFC, 1986.
[2] Gíria própria dos adeptos e que significa o momento em que a pessoa resolve que dedicará a sua vida, na totalidade, à Obra.
[3] Perdoem-me os homens, mas lamento profundamente as pessoas que não quiseram, ou não tiveram a chance de carregar um filho na barriga e viver um parto. Algumas pessoas poderiam descrever o parto apenas como “dor e sangue” mas a verdade é que não existe maravilha maior do que ver a face do filho amado e sentir o que se sente. É indescritível o orgulho, a maravilha, a felicidade. É reviver o momento primordial da Criação, é o momento em que sentimos que realizamos uma parte da obra da Deus, pois criamos vida.
[4] Também aqui o segredo faz os seus estragos. Quando uma pessoa muito conhecida ou muito importante sai, e não é possível ocultar a sua ausência, pode acontecer de ser divulgada uma mentira, do tipo “foi transferido” ou “está atendendo em outro lugar”. Assim, um membro comum que, em um esforço hercúleo, consiga se desligar do Opus Dei, tem negado o direito de saber que existem outros de já seguiram o caminho. Fica-lhe a impressão de que ele está só, é o único apóstata nesse universo. Sua companheira é a amargura de saber que amizades de anos eram falsas, pois poucos têm coragem de ampará-lo.
[5] O que chamo aqui de “modelo pedagógico” é um modelo que, partindo de premissas que podem ser político-ideológicas, religiosas, etc., sempre apresentadas como verdades absolutas e irrefutáveis, é aplicado na educação que visa a criar o “homem novo”, perfeitamente adaptado ao sistema proposto. É como se fosse um “molde” que fabrica pessoas exatamente iguais umas às outras, programadas para pensar e agir de acordo com aquilo que nelas é incutido. É bastante comum encontrá-lo em ideologias totalitárias.
[6] A hýbris talvez seja o único pecado que os gregos antigos reconheciam. É a conjugação da hýbris (soberba) e da hamartía (erro de julgamento) do herói que possibilitam o final desastroso nas tragédias gregas.
[7] Parece que logo, logo o Opus Dei terá um novo santo. O que aconteceu com nossos bons e velhos santos tradicionais que, durante séculos, deram conta das necessidades e dos problemas dos católicos comuns? Por outro lado, não desejo discutir aqui a infalibilidade do Papa, pois acredito que ele mesmo já discutiu isso, ao pedir perdão pelos erros passados da Igreja. E isso é mais um sinal do pecado de soberba do Opus Dei: o Papa pode admitir que a Igreja errou, mas o Opus Dei considera que não erra.
[8] Não me causou qualquer tipo de admiração o fato dos autores terem relatado que em determinado colégio ligado, pelo menos ideologicamente, ao Opus Dei, haja membros da extinta TFP. O parentesco entre as duas organizações parece estar patente: ambas abusam psicologicamente de seus membros, odeiam a instituição da família, têm pavor do feminino, recrutam crianças e têm uma visão medieval da vida religiosa.