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Liberdade e Tributação:
 a Questão do Bem Comum

 

Roberto Ferraz
roberto@ferrazadvogados.com.br
PUC-PR - Mestrado em Direito
 Econômico e Social

 

1. Será próprio do homem livre pagar impostos ?

            Parece que não, pois a característica essencial do imposto é a compulsoriedade de seu pagamento, isto é, o fato de ser, precisamente, imposto. Trata-se portanto de categoria essencialmente oposta à voluntariedade e, como tal, indicadora de ausência de liberdade.

            Essa a impressão de conhecimento comum e que é confirmada tecnicamente pois, em Direito, o que tipifica o tributo é a sua compulsoriedade.

            Além da técnica jurídica, também a permanente tensão entre Fisco (sempre procurando arrecadar mais) e o Contribuinte (sempre buscando meios de pagar menos) é demonstrativo de que se está diante de uma relação de força, em que a liberdade cede ao poder do Estado. O recurso ao extremo da prisão para os sonegadores de impostos mostra a dureza desse jogo entre aqueles times. As origens da tributação também confirmam essa impressão.

O tributo ordinário trazia impresso, em todo o mundo pré-romano, o estigma da servidão. Não era diverso na Grécia antiga: sujeitavam-se a tributo os povos vizinhos, dominados na guerra: impunha-se a capitação[1] aos estrangeiros, aos imigrantes, aos forasteiros: fazia-se frente às despesas ordinárias principalmente com os direitos sobre o uso dos portos e mercados, com o produto das minas e das salinas: mas o cidadão era livre de qualquer tributo ordinário.[2]

            A tributação segue dessa maneira, inclusive com tentativas mais ou menos frustradas de implantação de impostos ordinários aos cidadãos romanos, oscilando a visão de sua imposição entre dois extremos: a idéia de que consistia numa grande honra[3], sendo sinal distintivo do civis romanus pois era justificada pelo princípio salus publica suprema lex; e a concepção oposta, da imunidade do cidadão romano à tributação, dado seu caráter servil e humilhante, especialmente agravado pelo sistema de arrecadação por arrendamento aos publicanos, cuja avidez ilimitada e arbítrio era notória, como se vê na frase de Tito Livio para quem nam neque sine publicanis exerceri posse: et ubi publicanus esset, ibi aut ius publicum vanum aut libertatem sociis nullam esse.[4]

            A história da tributação dá notícia de que a arbitrariedade da arrecadação permaneceu até o período feudal, não sendo conhecida qualquer mudança digna de nota até a Idade Média, período em que lançam-se novas bases da tributação..

2. A promoção do bem comum justifica a cobrança do tributo ?

            São Tomás coloca o problema da legitimidade da cobrança de impostos ao questionar o pecado da rapina e conclui que somente pela promoção do bem comum se justifica o emprego da força (característica essencial da tributação), para obtenção de tributos.

            De fato, não obstante fosse bastante conhecida a freqüente arbitrariedade com que eram exigidos os tributos, São Tomás de Aquino entende legítima a sua cobrança, mas não sem exigir-lhe uma condição essencial, a de que esteja orientado à promoção do bem comum, sob pena de tornar-se injusto e, assim,  não obrigar ao pagamento.

            É o que aborda na questão 66, artigo VIII (II-II), na seguinte passagem:

“Se pode haver rapina sem pecado.

(omissis)

“Solução. – A rapina importa uma certa violência e coação, pela qual e contra a justiça tiramos a alguém o que lhe pertence. Ora, na sociedade humana só pode exercer a coação quem é investido do poder público. E portanto, a pessoa privada, não investida do poder público, que tirar violentamente uma coisa a outrem, age ilicitamente e pratica uma rapina, como é o caso dos ladrões.

“Aos governantes, porém, foi dado o poder público para serem guardas da justiça. Por onde, não lhes é lícito usar de violência e coação senão de acordo com os ditames da justiça; e isto, quer lutando contra os inimigos, quer punindo os cidadãos malfazejos. E o ato violento pelo qual se lhes tira uma coisa, não sendo contrário à justiça, não tem natureza de rapina. Mas, os que, investidos do poder público, tirarem violentamente aos outros, contra a justiça, o que lhes pertence, agem ilicitamente, cometendo rapina e são por isso obrigados à restituição.

(omissis)

“Os governantes que exigem por justiça dos súditos o que estes lhes devem, para a conservação do bem comum, não cometem rapina, mesmo se violentamente, o exigirem. Os que, porém extorquirem indebitamente, por violência, cometem tanto rapina como latrocínio. Por isso, diz Agostinho: ‘Posta de parte a justiça, que são os reinos senão grandes latrocínios? Pois, por seu lado, que são os latrocínios senão pequenos reinos?’ E a Escritura: ‘Os seus príncipes eram no meio dela como uns lobos que arrebatam a sua presa.’ E portanto, estão, como os ladrões, obrigados à restituição. E tanto mais gravemente pecam que os ladrões, quanto mais perigosa e geralmente agem contra a justiça pública, da qual foram constituídos guardas.” [5]

            Claríssima, portanto, a posição de Tomás de Aquino ao indicar o critério de averiguação de legitimidade da exigência do tributo: sua orientação à promoção do bem comum.

3. Os sistemas tributários modernos se sujeitam àqueles mesmos parâmetros traçados na tradição dos antigos e tão cristalinamente expostos pelo Aquinate ?

            Dado que somente ao final da Idade Média é que começa a formar-se aquilo que hoje chamamos de Estado, muitos entendem que somente com o aparecimento deste é que se pode falar de tributo na acepção atual. Nesse caso, aqueles conceitos tradicionais não seriam aproveitáveis para a avaliação das exigências tributárias contemporâneas.

            No entanto, um dos melhores exemplos de questionamento da tributação aparece no século XIX com Henry David Thoureau com inegável e saborosa similitude com os conceitos de legitimidade dos antigos.

            Esse autor, que inspirou Gandhi em sua luta pacífica pela retirada dos ingleses da Índia, além de abordar o tema da tributação, mostra de maneira deliciosa a ligação que existe entre este e o da liberdade, em seu clássico ensaio “A desobediência civil”, quando, inconformado com o Estado de Massachusetts, que além de escravagista mantinha guerra de conquista contra o México, considerava que “Num governo que encarcere quem quer que seja injustamente, o lugar certo para um homem justo será também a prisão” e conta sua experiência pessoal:

“Não pago capitação há seis anos. Fui posto na cadeia certa vez, por uma noite, devido a isso; e, contemplando os muros de sólida pedra, de dois ou três pés de espessura, a porta de madeira e ferro, com um pé de grossura, e a grade de ferro que coava a luz, não pude deixar de ficar impressionado com a necedade daquela instituição que me tratava como se eu fosse apenas carne, sangue e ossos, a serem encarcerados. Admirei-me de que ele, por fim, houvesse concluído que o melhor uso que poderia fazer de mim era aquele, e que nunca tivesse cogitado de valer-se de meus serviços de alguma maneira. Vi que, além do muro de pedra, erguia-se entre mim e meus concidadãos outro muro ainda mais difícil de escalar ou romper para que pudessem  vir a ser tão livres quanto eu era. Nem por um momento me senti encarcerado, e os muros pareciam um grande desperdício de pedra e argamassa. Sentia-me como se, dentre todos os meus concidadãos, eu tivesse sido o único a pagar o meu tributo.”[6]

4. A noção de bem comum é de contemplação e não de uso, conforme afirma Josef Pieper em artigo sobre a “A filosofia e o bem comum”[7], ainda que, com freqüência, as pessoas identifiquem apenas esse último aspecto, estritamente material, como objetivo do Estado. É o que se vê na seguinte passagem daquele ensaio:

Nas atuais planificações sociais, no entanto, se observa outra característica: se tratam quase exclusivamente de planos de aproveitamento. Isso significa que o conceito de “bem comum” se vê expressamente reduzido ao conceito de “aproveitamento comum”, de modo que a pretensão de determinar de forma exaustiva e definitiva o “bonum commune” entendido exclusivamente como aproveitamento comum se reduz à pretensão de que a sociedade humana alcance o bem estar.  

            Efetivamente, o que se verifica atualmente é uma supervalorização da prosperidade material, com a identificação de evolução (nação evoluída, povo evoluído) exclusivamente por critérios econômicos.

            E, o que é pior, tende-se a valorizar, a medir as pessoas pela capacidade de consumo, dando lugar a distorções tão chocantes como a prostituição de adolescentes no Japão[8] praticada por meninas cujas ‘necessidades’ são o consumo de bens de grife como bolsas Lui Vuitton e outros do gênero.

            De fato, na medida em que se tende a valorizar as pessoas pelo que têm e não pelo que são, a conceituação de bem comum sempre tenderá a centrar-se na idéia de prover bens para o uso e consumo da população.

            No entanto, como acentua Pieper, “Os antigos já disseram: todas essas coisas são uma premissa necessária, mas são apenas uma das premissas para que o homem possa participar de sua autêntica riqueza.”, riqueza esta que “... não radica em poder satisfazer suas necessidades, nem tampouco em ser o dono e senhor da natureza e de suas forças. Pelo contrário, ‘a forma mais excelsa de possuir’, a forma genuína de domínio sobre o mundo seria o conhecimento da verdade.” [9] 

            Assim, ao lado daquela de liberdade ou escravidão no pagamento dos tributos, estabelece-se mais uma dicotomia: o bem comum está no consumo ou no conhecimento[10] ?

            Os esforços da sociedade organizada entorno ao Estado devem voltar-se à produção de bens de consumo, incentivando a implantação de indústrias, estruturando sistemas bancários, enfim, buscando a pujança econômica, ou, superadas as necessidades básicas, o esforço estatal haveria de voltar-se às atividades que permitam ao homem contemplar, desenvolver-se em sua condição estritamente humana, isto é, ao incentivo das artes, dos esportes, do lazer, da integração humana. A meta seria prover os lares de carros e aparelhos eletro-eletrônicos, ou de músicos, escultores, esportistas, ...

4.1       Uma definição de bem comum aceita com bastante generalidade entre autores e em diversos sistemas constitucionais é a que vem expressa na encíclica Pacem in Terris de João XXXIII, é a de que consiste no conjunto de todas as condições de vida social, que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana[11]. Esse conteúdo, bastante aceito, remete à idéia de que, superadas as necessidades básicas (...todas as condições de vida social que consintam ...), trata-se de buscar favorecer valores espirituais, e não materiais (... favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana).

            Como se voltará a abordar adiante, essa visão de bem comum é um grande consolo pois a meta de consentir e favorecer o desenvolvimento das pessoas, o “tornar-se aquilo que são” de Píndaro, é meta factível, ao passo que fornecer a todos bolsas Lui Vuitton não é (até porque quando todos as tiverem, deixarão de ser objeto de desejo).

4.2       Por outro lado, e voltando à temática liberdade/escravidão, há ainda interessantíssimos elementos trazidos por Pieper na fundamentação do que seja o bem comum.

4.2.1     O primeiro deles é de fácil confirmação e consiste na verificação de que é “propriedade essencial de todo regime totalitário é que o detentor do poder político tem a pretensão de determinar de forma definitiva e exaustiva o conteúdo concreto do ‘bonum commune’”.[12]

            Realmente, nada mais típico de regimes totalitários que pretender a orientação de toda a atividade da população, passando pela planificação econômica integral, pela censura, pela ‘tutela’ das artes, pela produção artística ‘engajada’, etc. Quem está sujeito a tais tiranias, assemelha-se ao escravo, a quem não restam escolhas.

4.2.2     O segundo elemento, ao lembrar a inexistência de uma ‘filosofia prática’, é o significado positivo dessa constatação: em nenhuma outra dedicação como na puramente teórica e filosófica sobre a realidade é o homem capaz de alcançar a liberdade. Isto é a tal ponto verdadeiro que pode chegar a carecer de importância a falta externa de liberdade.”  

            É a hora de voltarmos à fantástica passagem de Thoreau antes lembrada, para ver que:

-     num governo tirano, que define o bem comum sob um ponto de vista estritamente material, praticando o escravagismo e a guerra de conquista, é próprio do homem livre deixar de pagar tributo

-     num governo voltado a essa finalidade (econômica exclusiva) ao ponto de se utilizar de tais meios (escravidão e guerra), o lugar do homem autenticamente livre, libertado que foi pela teoria, pela contemplação (que o fez enxergar e lembrar da dignidade humana), poderá ser perfeitamente a prisão, sem que por isso, se abale sua liberdade, que, pelo contrário, se vê afirmada

            Qual será, portanto, o ponto de ligação entre Liberdade, Tributo e Bem Comum ?

            O uso da força para obtenção de valores, pelo Estado, somente se justifica quando a arrecadação estiver voltada à promoção do bem comum. Cumprida essa condição, pagar tributo será sinal de cidadania e não de escravidão.

            A sujeição da população à tributação pelo tirano, pelo contrário, será sinal de escravidão.

            Portanto, no Estado autenticamente voltado ao Bem Comum o tributo será sinal de liberdade e, ao contrário, no Estado que deturpa o autêntico significado do Bem Comum, é legítimo deixar de pagar o tributo, mesmo sob as penas (ou as honras) de prisão.

5. O Estado deverá, portanto, carrear os recursos obtidos com a arrecadação tributária para promover o desenvolvimento integral de todos, isto é, viabilizar e incentivar que todos alcancem seu máximo, muito especialmente através das artes e do ócio que levam à contemplação.

            Isso já foi o ideal grego clássico. No entanto, esse elevado objetivo grego somente se viabilizava pela existência de escravos e metecos, aos quais ficavam confiadas as atividades domésticas e as menos nobres como o comércio.

            Ainda que fantástico o ideal humanístico helênico, não se pode deixar de observar a injustiça que o acompanha ao destinar-se apenas aos cidadãos livres.

6.         No entanto, como bem observa Domenico de Masi[13], durante séculos trabalhou-se para alcançar a libertação do trabalho, ou melhor a libertação dos trabalhos que impedem o exercício das faculdades humanas da arte, da contemplação, e que “quando a verdaeira medida da riqueza não for mais o dinheiro disponível para o próprio consumo do supérfluo, mas o tempo do qual se dispõe para atividades livremente escolhidas, quando formos educados – como o Sócrates descrito por Platão no Fedro – para desfrutar intensamente das pequenas alegrias da vida diária e transformar minutos que passam em momentos que duram, então os problemas do emprego e do desemprego serão apenas uma feia lembrança e a libertação da fadiga terá se alastrado até abranger a total libertação do trabalho.”

            Efetivamente, a possibilidade de dar a todos, efetivamente, sem qualquer exceção, condições de desenvolvimento integral de personalidade chegou nesta virada de milênio, como previa John Maynard Keynes em 1930, em conferência que termina com deliciosa jocosidade e precisa referência ao tema que nos ocupa: o bem comum não se confunde com prosperidade econômica.

            O texto em referência é muito interessante e de extrema atualidade e com diversas passagens diretamente ligadas ao tema ora abordado. Optamos por citá-las na ordem inversa à que aparecem no texto, começando por aquela última irônica.

-     acima de tudo, evitemos supervalorizar o problema econômico ou sacrificar às suas necessidades atuais outras questões de maior e mais duradoura importância. Deveria ser um problema para especialistas, como tratar os dentes. Se os economistas conseguissem ser vistos como gente humilde, de competência específica, tal como os dentistas, seria maravilhoso.

-     O amor ao dinheiro como propriedade, diferente do amor pelo dinheiro como meio de aproveitar dos prazeres da vida, será reconhecido por aquilo que é: uma paixão doentia, um pouco repugnante, uma daquelas propensões meio criminosas e meio patológicas que, com um calafrio, costumamos confiar a um especialista em moléstias mentais.

-     Assim, pela primeira vez desde sua criação, o homem estará diante de seu verdadeiro e constante problema: como empregar sua libertação das agruras econômicas mais prementes, como empregar o tempo livre que as ciências e os juros compostos lhes granjearam, para viver bem, de forma agradável e sábia ?

-     Chego à conclusão de que, deixando de lado a eventualidade da guerra, de crescimentos demográficos excepcionais, o problema econômico pode ser solucionado, no decorrer de um século. Isto quer dizer que o problema econômico não é, se olharmos para o futuro, o problema permanente da espécie humana.

-     É bem verdade que as necessidades dos seres humanos podem parecer inesgotáveis. Todavia, elas se enquadram em duas categorias. Algumas são necessidades absolutas, pois as percebemos como as condições dos seres humanos, nossos semelhantes. Outras são relativas, pois existem apenas em relação à satisfação que nos proporcionam ao nos fazer sentir superiores aos nossos semelhantes. Essas últimas, as que satisfazem o desejo de superioridade, podem de fato ser inesgotáveis, pois quanto mais alto for o nível geral, tanto maiores se tornam. O que não é tão verdadeiro para as necessidades absolutas. Em relação a estas, poderemos alcançar depressa, talvez muito mais depressa do que acreditamos, o momento em que serão satisfeitas, no sentido de que preferiremos dedicar as energias restantes a fins não econômicos.[14]

            Assim, chegou o momento em que o problema econômico foi superado, em que o homem foi libertado para o contemplar, para as artes, para o esporte, o lazer, tudo como queriam os gregos clássicos.

            Chegou o momento em que a riqueza  já produzida, a tecnologia já conhecida, são suficientes para que todas as necessidades absolutas podem ser satisfeitas.

            Chegou o momento de perceber que aquelas necessidades relativas, como as bolsas de grife, são inesgotáveis pois nunca satisfazem (“quanto maior for o nível, maiores se tornam”).

            Chegou o momento de deixar aquela paixão meio doentia pelo dinheiro e descobrir como usar o tempo libertado das agruras econômicas.

6. Mas olhando ao redor, especialmente nós que vivemos em “países não desenvolvidos”[15], verifica-se que esse momento ainda não chegou; que há crianças sem nenhum brinquedo, que há vidas sem nenhuma arte, que há almas sem nenhuma contemplação[16].

            São novas formas de escravidão; são novos excluídos das vida das artes, do esporte, da admiração da filosofia. Talvez essa seja uma realidade desconhecida nos países desenvolvidos, mas é certamente muito mais presente do que imaginamos em países como o Brasil.

            Agora é John Kenneth Galbraith quem faz reparar nas novas formas de escravidão desenvolvidas pela humanidade:

Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de um cidadão quanto a absoluta falta de dinheiro [17]

            Essa realidade, também fácil de ser verificada, tem sua culpa lançada freqüentemente apenas nos rostos dos membros das camadas mais ricas dos países pobres, poupando-se os países ricos de quaisquer críticas, como membros de outro mundo (o primeiro, naturalmente).

            É certo que as camadas mais ricas são culpadas, principalmente por omissão, mas essa avaliação deve ser feita nacional e mundialmente.

            Diz ainda Galbraith, no mesmo pronunciamento que: Há outra obrigação internacional que os países afortunados devem assumir: a preocupação com o bem-estar humano não termina nas fronteiras nacionais.

            Ou, em outras palavras, e já caminhando para a conclusão do presente ensaio, a promoção do Bem Comum, consistente na busca de condições mínimas de desenvolvimento da personalidade humana, seguida da busca de seu desenvolvimento integral, inconfundível com a mera disponibilização de bens de consumo, supera as fronteiras nacionais, sendo tarefa urgente, mundial, uma guinada em favor da promoção humana, com o carreamento de esforços para as artes, o esporte, o lazer, a filosofia, especialmente nos países menos desenvolvidos.

            De fato, o pagamento de tributos, como ensina Tomás de Aquino, somente se justifica pela promoção do bem comum (inconfundível com a mera busca de bens materiais) e, na atual fase em que já ocorre a superação da fadiga para suprir as necessidades básicas, nenhum sentido faz sustentar estruturas estatais voltadas exclusivamente à performance econômica às custas de autênticos escravos consistentes nos membros das camadas mais pobres da população mundial, que ficam alijadas não apenas dos mais básicos bens materiais como de qualquer lazer ou arte.



[1]  Tributo cobrado per capita, típico de sistemas tributários primitivos. [2]  Ezio Vanoni, Natura ed Interpretazione Delle Leggi Tributarie, CEDAM, Casa Editrice Dott. A. Milani, Padova, 1932, p. 16 [3]  Rodbertus, Per la storia delle imposte romane da Augusto in poi, “Pareto – Biblioteca de Storia Economica”, vol. II, p. 713, escreve “Pagar o tributo dos cidadãos era ... o mais alto dever e a mais elevada honra, e por isso nenhuma pessoa ou parcela do patrimônio era subtraída à avaliação oficial referente a esta espécie de imposição.” [4]  Tito Livio, Storie, livro XLV, 18-5 [5]  Summa Theologica, tradução de Alexandre Correia, Ed. Siqueira, São Paulo, 1944-49, vol 18, questão LXVI, artigo VIII. [6]  Henry David Thoreau, A desobediência civil, Ed. Cultrix, 1968, p. 34 [7]  Josef Pieper, La filosofia y el bien común, Folia Humanistica, , Tomo XVIII, número 205, p. 23, Editorial Glarma, Barcelona, 1980. [8]  O fenômeno não parece ser exclusivo do Japão, mas, como naquele país a prostituição, mesmo infantil,  não constitui crime, se tem notícia dessa prática incentivada pelo consumismo.  [9]  Josef Pieper, La filosofia y el bien común, Folia Humanistica, , Tomo XVIII, número 205, p. 29, Editorial Glarma, Barcelona, 1980. [10]  Ou na contemplação como quer Pieper no artigo ora comentado. [11]  Papa João XXXIII, Encíclica Pacem in Terris, I, 58. [12]  Josef Pieper, Ob. e loc. cit., p. 24 [13]  Sviluppo sensa lavoro, Edizioni Lavoro, Roma, 1994, consultado em sua versão portuguesa Desenvolvimento sem trabalho, Editora esfera, 1999, citação p. 87 [14]  John Maynard Keynes,  “Economic Possibilities for our Grandchildren” ou Perspectivas econômicas para nossos netos, conferência em Madrid, junho de 1930, transcrita na edição de Desenvolvimento sem trabalho, de Domenico de Masi, consultada em sua versão brasileira pela Editora Esfera, São Paulo, 1999, 2ª ed., pp.103, 100, 98, 96 e 95   [15]  Usando dessa nomenclatura tão comum e tão denunciadora de uma pobreza absoluta de categorias para classificar povos e nações. [16]  O jornal “Folha de São Paulo”, um dos maiores do Brasil, em edição de 28.05.2000, por exemplo, dá notícia de que “O atraso de três meses no pagamento da bolsa-escola do governo federal está levando de volta ao trabalho dos laranjais do sul de Sergipe parte das 9.200 crianças atendidas pelo programa.”, onde a bolsa-auxílio, de R$ 25,00 mensais, cerca de US$ 14,00,  paga a famílias com renda abaixo do limite de pobreza, sob a condição de que as crianças sejam encaminhadas à escola e não ao trabalho

[17]  John Kenneth Galbraith, The social concerned today, palestra proferida na Universidade de Toronto em 1997, publicada em versão na Folha de São Paulo, 20.12.98, caderno Mais!, p. 4/5