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Natureza Humana
 e Filosofia Jurídica

(Este estudo foi ampliado no livro O Ponto de Arquimedes. Natureza Humana, Direito Natural, Direitos Humanos, Coimbra, Almedina, 2001)

 

Paulo Ferreira da Cunha
Universidade do Minho
Universidade Portucalense

 

Ensaio Primeiro[1]

“La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles(...)"

Baudelaire
[2]

 

1. Contexto do problema

            Um dos problemas mais complexos e mais importantes da Filosofia, hoje e sempre, e dos que têm mais consequências na nossa vida pessoal e social, é a questão de saber se existe uma natureza humana.

            Tal não significa, evidentemente, que esta questão se encontre sequer na agenda ou ordem do dia das discussões da moda. Pelo contrário. Discutir séria e abertamente, radicalmente, se há uma natureza humana pressupõe, como é lógico, a prévia disponibilidade para vir a admitir a hipótese de que tal coisa existiria (ou a sua contrária). Ora o pensamento único, hoje avassalador, já decidiu, com a sua petulante tirania do espírito, armado do seu desprezo suficiente e da sua ácida e fulminante ironia de intelectual, que não existe nada de natural, e muito menos a natureza humana. “-Que é isso de natureza?” “-Que é isso de Homem?” Só quando quer aniquilar as instituições e outros artefactos culturais que ainda vão segurando o dique da anomia social, ou cede ao romântico apelo ecologista ou afim, o filosoficamente correcto apela para o tópico “natureza”...

            Evidentemente, é sabido que este problema da natureza humana se conexiona desde logo com o de se saber se há uma natureza em geral, quer no sentido de uma “ordem do mundo”, quer no sentido de uma “natureza das coisas”[3] (natura rerum, natura rei), quer noutras acepções ainda. Também, entretanto, e a meio caminho, se pode questionar se há uma natureza dos animais, ou dos animais e das plantas, uma espécie de natureza biológica. E que relações essas naturezas estabelecem com a humana...

            Tem-se tentado o elogio do humano e a sua prevalência sobre o animal (e os demais reinos da natureza), assinalando-lhe a diferença específica da racionalidade, da religiosidade, da arte, da própria sociabilidade. Mas todos estes aspectos se encontram em crise. Mesmo o da religiosidade, e (embora um pouco menos) o da arte, que, não podendo facilmente ser detectadas entre os animais, todavia se encontram postas em causa enquanto características propriamente humanas. Por um lado, pela vaga irreligiosa hodierna, pelo menos a nível urbano e intelectual, que poria em causa a universalidade da característica nos seres humanos; embora haja sempre deuses que os homens adoram, só que agora, verdadeiramente, ópios e ídolos. E por outro, pela cada vez mais aguda dificuldade em determinar o que possa ser arte, sobretudo face ao bluff “artístico”[4], tão em voga ainda nas artes plásticas, embora já em franca inversão de marcha, por exemplo, no domínio da Literatura[5]. Entretanto, que haveria pelo menos uma certa racionalidade animal (a humana também se pulverizou, como, por exemplo, quanto aos diversos tipos de inteligência) e que há animais que vivem em sociedade (a etologia o diz) começam a constituir-se em lugares comuns.

            E ecoam, então, nos ouvidos do nosso tempo as palavras de Nietzsche: “Aber wann werden wir am Ende mit unserer Vorsicht und Obhut sein! Wann werden uns alle diese Schatten Gottes nicht mehr verdunkeln? Wann werden wir die Natur ganz entgöttlicht haben! Wann werden wir anfangen dürfen, uns Menschen mit der reinen, neu gefundenen, neu erlösten Natur zu vernatürlichen.”[6]

            Mas, como veremos, essa proposta não é também solução: porque mesmo essa natureza dita natural, liberta, reencontrada (afinal a natureza no seu “estado puro”) é pensada, concebida e descrita por homens, portadores de uma cultura, e nem por isso menos ideologizados... Leonardo Coimbra explicitou-o magistralmente, em duas páginas, com o exemplo da queda dos graves (exemplo de método) e das leis do magnetismo (exemplo de doutrina), e assim conclui, provocatório: “Eis como, meus caros patetas à S. Tomé, tudo é pensamento e ideal.Qualquer canto das ciências, para quem tenha o bem raro trabalho (incluo muitos sábios (?)) de as pensar, revela a idealidade do Ser. E uma rosa no acordo da sua livre simetria tem mais pensamento que a cabeça do maior jornalista português.”[7]

            Por isso, a única forma de verdadeiramente contrariar essa natureza (que volta a galope, como diz o aforismo francês) é estigmatizá-la e anulá-la, já que o naturalismo conservador seria uma mística de falsificação, o naturalismo perverso uma mística de transgressão, e o próprio naturalismo revolucionário uma mística de repressão[8].

2. Classificação epistemológica e implicações ético-jurídicas

            A questão é principalmente do âmbito da antropologia filosófica, mas tem implicações profundas em todos os demais ramos filosóficos, designadamente na ética e na filosofia política e do Direito, que é o que aqui especialmente nos preocupa.

            Designadamente, a decisão que se tome (porque estamos em crer ser nos nossos dias, cada vez mais, uma decisão: embora devesse decorrer de uma conclusão analítica mais racional) sobre a existência ou inexistência de uma natureza humana influenciará de forma indelével a opção que de igual modo venha a fazer-se sobre um Direito Natural.

            Assim, e retomando a formulação de Mário Bigotte Chorão, “A noção de direito natural pressupõe o conceito fundamental de natureza (...) Procurando simplificar e abreviar, diremos que a lei natural, como regra suprema do agir humano, implica que o homem se comporte segundo a sua própria natureza (e, de um modo mais genérico, em conformidade com a natureza das coisas, no respeito do seu ser e dos seus fins).”[9]

            Também António Braz Teixeira explicita essa conexão e essa dependência do direito natural relativamente ao direito positivo: “(...) a ideia de um Direito Natural, contraposto ao Direito positivo faz apelo a uma determinada ideia ou noção de natureza, na qual se conteria, implícita mas cognoscível, essa legalidade ou normatividade que constitui o Direito Natural, e segundo a qual essa mesma natureza seria permanente e imutável, o que explicaria a permanência e a imutabilidade que seriam atributos do Direito Natural”[10].

            Em rigor, dever-se-ia dividir o entendimento desta natureza em natureza num sentido físico ou cosmológico, e em natureza em sentido substancialista ou ontológico[11] (como é a pressuposta pela visão realista clássica e pressuposta no extracto de Bigotte Chorão). Mas parece indesmentível que ambas as concepções são sujeitas ao fenómeno da contaminatio.E assim cada visão física do mundo recorda visões coevas sobre o dever-ser do mundo e toda a visão substancial forma um dever-ser que não pode deixar de ter em conta, como horizonte de realidade, as perspectivas correntes sobre o que é[12].

            Estamos em crer que um direito natural que prescinda da ideia de uma natureza humana em absoluto só poderá conceber-se como designação aproximativa e metafórica para, por exemplo, um anelo (relativamente desenraizado) pela justiça, mas não algo de realmente jusnatural[13].

            Alain, por exemplo, considera que a justiça não existe, embora seja uma das coisas que, precisamente porque não existem, devem ser feitas[14]. Nesse sentido se poderá falar ainda de direito natural para aquelas visões que, negando a natureza do Homem, ainda assim sacrifiquem a Témis, deusa da justiça. Porque muitos haverá que considerarão a justiça pieguice, sem-sentido, simples ideologia[15]...

3. Natureza Humana e Condição Humana

            Uma inserção do indivíduo numa sociedade de homens sem natureza, ainda assim poderia ter a ligá-los uma espécie de “destino” ou “situação” comum: não uma natureza humana, mas uma condição humana.

            Por exemplo: Sebastião Salgado, nas suas impressionantes fotografias sobre as desgraças e misérias da humanidade, diz querer revelar a condição e a dignidade humanas. Uma grande pergunta a fazer é se esses destroços e essa resistência ou sobrevivência de algum modo espelham ainda alguma natureza, e se tal natureza é ainda positiva, como se tendeu a crer, sobretudo na senda das ideias do Bom Selvagem, e das Luzes em geral.

            Que natureza pode haver nas imagens da degradação ou da dor, como alguns dos cartazes da Beneton? Que dignidade? Apenas a do sofrimento? A da morte?

            Será caso para dizer, glosando Camões: “estranha condição”...

4. Uma Natureza selvagem ou uma Natureza eticizada?

            Mas insistamos: a questão não será despicienda, porque a aproximação direito natural/natureza é a mesma que entre justiça e bem, pelo que seria um terramoto teórico se se concluísse que, sendo a natureza perversa ou, ao menos, de um amoralismo feroz, o direito natural deveria seguir-lhe as pisadas. O exemplo clássico é o da chamada “lei do mais forte” ou “lei da selva”. O “estado de natureza tal como concebido por Hobbes[16] ou até Locke[17] é o contrário das ideias de um direito natural. Mas também o as concepções de Rousseau o contrariam[18]. Nem o lobo do homem hobbesiano, nem o bom selvagem rousseauista, nem o homem que pratica o excesso de legitima defesa lockeano.

            Por consequência, quando se fala de natureza pode estar a aludir-se a muita coisa. Limitemo-nos, muito simplesmente, a três visões:

            Por um lado, é o estar-aí de uma paisagem, um como que axiologicamente indiferente pano de fundo ou mesmo se inócuo elemento de diálogo com o Homem.

            Por outro lado, é a natureza da selecção natural, da lei do mais forte, etc. (embora pareça hoje provado que o humanamente natural seja a solidariedade para com o mais fraco e não essa rude imitatio naturae...).

            Finalmente, é uma natureza eticizada, que estilizamos e culturalizamos, e na qual vemos o arquétipo da civilização e dos valores.

            A confusão entre estes sentidos tem levado a caminhos sinuosos do razoar. Por exemplo: fala-se que o extrair o dever-ser (sollen) do ser (sein) é incorrer numa alegada falácia naturalística. E que os valores se não podem extrair da simples realidade (natural).

            Ora para o realismo clássico, aristotélico-tomista, a natureza não é um dado empírico, mas um conceito metafísico-teleológico. E aí já ser e dever-ser se encontram em diálogo[19]. Assim, “Se comprende entonces que cuando dentro de esta versión del iusnaturalismo se afirma que algo es natural al hombre, no estamos perante un enunciado meramente descriptivo que constata la existencia de ese algo como dado empíricamente con el hombre, sino al mismo tiempo ante un enunciado valorativo que considera como lo bueno, lo mejor. Por eso, el argumento que, a partir de dicha afirmación, concluye que ese algo, que es lo natural, es lo que debe hacerse, no incurre propiamente en la falacia naturalista.”[20]

            Por isso, como sintetiza entre nós o problema Mário Bigotte Chorão: “O conceito de natureza humana subjacente à noção de direito natural tem, pois, um sentido metafísico (referido à essência ontológica da pessoa humana) e não meramente naturalístico, fenoménico ou empírico. E é, como se viu, um conceito teleológico, que implica o dinamismo da acção do homem em direcção aos seus fins essenciais. (...) Em suma, o teleológico radica na metafísica do ser, na plenitudo essendi, que é, assim, um verdadeiro valor.”[21]

            Afinal, o homem não é ainda o Homem, tem de tornar-se Homem, tornar-se no que é, como diria Píndaro. Por isso não adiante procurar no homem antropológico ou no homem sociológico o Homem ou a sua natureza...

            Sempre se poderá dizer que o homem concreto ou o homem científico tomou uma atitude ou formou a sua personalidade... contra natura.

            Nesta perspectiva da natureza, não pode falar-se de falácia naturalista. O que poderá é questionar-se um conceito de natureza que os seus contraditores considerarão excessivamente “culturalizado” ou “ideologizado”, ou “teologizado”.

            Uma analogia: mesmo no domínio médico parece que a “virtude”, tal como para Aristóteles[22], ainda está no meio... E esse meio é, de algum modo, também um ideal... Ora o meio, ético como médico, não é média nem mediana, mas, tal como o miticamente feito pelos primeiros juristas romanos para o ius redigere in artem, o fruto de uma ponderação axiologizada (ainda que só medianamente exigente) da observação do real... O médico também não exige, para a saúde, a constituição atlética... Na verdade, não se resigna nem com uma população de consumismo hipercalórico (via das massas), nem com o caminho dietético anoréxico (via de pseudo-elites), empreendido em nome de um ideal estético de impossível generalização dada a diversidade dos tipos.

            De todo o modo, talvez este exemplo médico (mas também estético...) esteja na linha desta contundente formulação de Jacques Leclercq: “Puisque le drot naturel correspond aux exigeances sociales de la nature humaine, les institutions sociales contraires à la nature ne donneront pas ses fruits de développement qu’elles doivent donner, Cette formule abstraite signifie concrètement que les hommes resteront barbares et e seront pas heureux.”[23]

5. Existencialismo, Antropologia e fim da Natureza Humana

            Em Portugal, a perturbação relativamente à questão da natureza humna em relação com o Direito e o direito natural entrou, que saibamos, pela mão de João Baptista Machado, que nas suas angustiadas indagações jusfilosóficas acabaria por, de uma banda, negar a natureza humana, apoiando-se na antropologia e no existencialismo, e, de outra banda, por advogar um novo direito natural.

            Duvidamos seriamente da possibilidade de rigorosa compatibilização de ambas as teses, salvo pelo artifício a que já aludimos supra.

            Mas as ideias de Baptista Machado nos sirvam como guia. Não as vamos, evidentemente, resumir, mas assinalar apenas o que cremos terem marcado no nosso pensamento nacional.

            O autor começa mesmo por interrogar-se como nós: “Ora o problema começa logo aqui: Qual é essa natureza? Será mesmo que o homem tem propriamente uma natureza ou essência? Será o homem um ser prefixado na sua essência?”[24]

            Imbuído das ideias da sua circunstância intelectual (e é curioso que não fugimos nunca a ela... mesmo quando os nossos tempos são de relativismo), Baptista Machado considera que o homem é um ser “aberto ao mundo”[25], o que é evidente, mas relaciona essa abertura com a inespecificidade dos seus instintos naturais, e a sua incapacidade individual de sobrevivência, que dele faria uma espécie de “prematuro” ou “quase aborto”[26]. Assim, o Homem seria um “ser artificial”[27]

6. O círculo vicioso do relativismo

            Evidentemente, o contexto mental em que tais especulações surgem é o da ascensão das preocupações pelo “homem concreto”, que se sucedem ao fracasso do idealismo alemão (estes fracassos são sobretudo de moda, porque todas as filosofias são de todos os tempos, e nenhuma derrota cientificamente outra...). Donde se assinale a antropologia como chave para o desvendamento do homem, e, ao nível mais especulativo, sobressaia a epistemologia, decerto como resíduo do filosófico, depois do que dele restava após a fenomenologia husserliana.

            Mas cada ordem de ideias, cada círculo de pensamento, encerra como que axiomas que se volvem em preconceitos e impedem de ver mais longe, e, muitas vezes, de se ver ao espelho da auto-crítica.

            Todos os pensamentos anti-preconceito e pró-relativismo esquecem essa verdade fundamental que é o serem eles um outro preconceito e feridos também de relatividade.

           É o que sucede com esta teoria antropológico-existencialista.

            A perspectiva existencial-antropológica sobre o Homem é, ela também, uma forma de mitificação do Homem. E é uma absolutização (ainda que relativista) de um certo ponto de vista.

            Para esta visão, que parece partir de um paradigma zoológico (os instintos têm lugar de relevo, e também assim os animais, que por eles são profundamente determinados), o Homem é “um ser artificial”[28], em que “a ideologia é um substituto do instinto”[29].

            Porém, as ideias antropológicas e biológicas que presidem a estas preocupações não estagnaram. E logo em 1973, pouco tempo após a recepção portuguesa e jusfilosófica do problema, com Baptista Machado, Edgar Morin publicava o seu Le Paradigme Perdu: la nature humaine[30]. Ao contrário do que o título pode induzir, o seu pensamento é bem mais matizado a este propósito.

            De entre as múltiplas superações dos reducionismos (e por isso dogmatismos) antropologistas (mas também biologistas e sociologistas), o autor, apoiado em dados e conjecturas mais recentes, conclui que a ambiguidade do Homem não lhe permite dizer se a sua essência reside na espécie, na sociedade ou no indivíduo, antes cada um dos três elementos serve os demais[31]... Ora esta tríplice “natureza” é muito mais plástica e muito menos fixista que a oposição homem-animal referida.

            Por outro lado - e tal não é questão de somenos - Morin deixa completamente aberta a porta para a ideia de uma universalidade de traços humanos. Um texto de tão eloquente e subjectiva sinceridade como este parece-nos revelá-lo à saciedade: “Apesar da diáspora etnocultural, todos os seres humanos se exprimem fundamentalmente pelo sorriso, pelo riso, pelas lágrimas. Eles dispõem não só dos mesmos meios de expressão, mas também exprimem uma mesma natureza afectiva, e isto apesar dos floreados, das variações, dos estereótipos, das codificações, das ritualizações, que as culturas introduziram no sorriso, no riso e nas lágrimas.”[32]

            O relativismo induzido a partir da ciência parece começa, assim, a relativizar-se...

7. Negação da Natureza Humana, fim do Direito Natural

            Como dissemos já, do desfazer da natureza humana decorre a impossibilidade do Direito Natural, ou, pelo menos, de certo direito natural: “...não pode haver um Direito Natural no sentido tradicional. Fundado numa natureza-essência previamente dada ao homem e numa ordem essencial entre os homens que de tal natureza se deduziria.”[33]

            Importa, evidentemente, sublinhar que as concepções de Direito Natural são múltiplas. Desde os grande nove grupos catalogados por Eric Wolf[34], às que se podem incluir na mais simples e recente díade de Jestaz e Oppetit: o “grande direito natural da consciência” e o “pequeno direito natural do bom senso ditado pela natureza das coisas”[35]. Mas, se as concepções são múltiplas, tal como afirma Eric Wolf no seu clássico livro, a sua função é una, como fundamento e limite, ético e prático, de todo o direito[36]. E esta função pode parecer importante, como uma espécie de “direito do direito” como alguém disse. O problema é se há algo em que fundar esse policiamento do direito positivo... e se esse policiamento é natural ou, por exemplo, ideal[37]...

8. Imagens do Homem e Paradigmas Perspectivadores

            Pois bem. Importa desfazer alguns equívocos, ou confirmar algumas afirmações cuja audácia ainda nos não parece ter encontrado prova abonatória.

            Retomemos o problema antropológico. Quando se vai buscar a inespecificidade instintiva do Homem para negar a sua natureza ou essência, não será isso um enorme contra-senso?

            Se o Homem fosse um animal já teria natureza? Quer dizer, se fosse programado instintivamente poderíamos dizer que teria uma essência?

            Então os animais têm uma essência. E há, então, uma natureza animal... Isso poderá querer dizer que há até uma natureza “natural”, porque parece que os mundos vegetal e mineral ainda são mais determinados que o animal.

            Então natureza equivalerá, sem mais, a pré-determinação?

            Cremos que aqui está um dos erros...

            A natureza humana não tem de confundir-se com determinação, com falta de liberdade. Pelo contrário. A liberdade é a essência da natureza humana. A inespecificidade instintiva é um outro nome para o livre-arbítrio. E o carácter prematuro ou “quase de aborto” do homem, que é fundamento de instituições num sentido antropológico de artefactos culturais algo arbitrários, e ideologias substitutivas, pode ser positiva e valorativamente considerado como ponto de partida para o carácter social (ou político) do Homem. Onde os pessimistas, ou niilistas, ou cépticos lêem desprotecção (porque pensando de forma individualista), vêem os comunitaristas sociabilidade. Onde os primeiros vêem ausência de natureza por debilidade instintiva, interpretam os segundos capacidade de orientar a sua existência, liberdade, e maior dignidade.

            Para o antropologismo existencialista, o Homem seria artificial porque, no fim de contas, não seria animal. Mas o animal, assim concebido pelos seus instintos apenas, não é até ele rebaixado ao lugar da máquina, e, assim, da pura artificialidade?

            Sem natureza, ao contrário dos bichos, o Homem seria inferior ao animal. E não admiram assim as teorias dos direitos animalescos de Singer, que chegaria a colocar pelo menos alguns acima daquele em dignidade.

            Dá vontade de recordar o velho Thomasius, sempre tão citado para a diferenciação entre moral e direito, e esquecido para tudo o demais. A forma como colocava a questão dos instintos animais e da vontade humana tem a virtualidade de nos levar a uma outra região do pensar, a um diverso paradigma. Atentemos apenas numa passagem: “Los animales sientem también tales impulsos (conatus) en su corazón y, sin embargo, no tienen voluntad. (...) Igualmente el impulso de los animales se ejerce en la potencia locomotiva del cuerpo, pero sin pensamiento. Pero el impulso de la voluntad no sólo se dirige a la potencia locomotiva del cuerpo, sino que impele a la propia inteligencia a considerar más la realidad amada y los medios de conseguirla y disfrutar de ella. En conclusión: la voluntad es el deseo del corazón siempre unido al pensamiento de la inteligencia. De ahí que se considera aparte la capacidad (potentia) de pensar, se llama ‘apetito sensitivo’”[38]

            As perspectivas por que se encara o Homem são diversas. Não pode, por isso, chegar-se aos mesmos resultados. O paradigma zoológico (da antropologia, da psicologia, da biologia ou da etologia, não importa...) é profundamente diverso do paradigma da dignidade e liberdade humanas, seja ele laico ou invoque a religiosa “imagem e semelhança de Deus”. Was ist der Menschen Leben? Ein Bild der Gottheit, assim começa Hoelderlin o seu poema. Não estão, pois, as diversas partes, a falar da mesma coisa. O Homem do paradigma zoológico, curiosamente, sendo um animal débil, é mais animal, e menos Homem. O da dignidade humana define-se pelo seu próprio sonho, ou pelo seu próprio projecto, independentemente do casulo animal (embora ténue) que o manieta.

            É que, não sendo a liberdade e a responsabilidade humanas um “dado” empírico como outros, as ciências empíricas (entre as quais a antropologia) podem não se pôr sequer o problema, podem não interpretar os factos de modo a conceber os conceitos de liberdade e responsabilidade...O contrário, porém, ocorre nas disciplinas normativas, como a Ética ou o Direito.

9. Consequências jurídicas e juspolíticas do determinismo zoológico

            A importância jurídica destas questões é, com efeito, enorme. Se o Homem fosse só instinto, então haveria razão no lombrosianismo e os criminosos natos haveriam que ser medicamente neutralizados. Se o Homem fosse só instinto, ou se nele o instinto prevalecesse, a legitimidade social de reprovar e punir poderia apenas, e quanto muito, limitar-se a uma defesa social contra os agentes perigosos. Se fosse instinto, não seriam os valores valores, ou poderia ainda haver valores saídos do instinto?

            Se não existir natureza humana, mesmo dando de barato o problema do direito natural, como poderão fundamentar-se os direitos do homem? E ainda haverá homem?

            Um outro problema, não menos importante, encontra-se já na dimensão jurídico-política. Não é de modo nenhum indiferente às concepções fundantes do Poder e às suas consequências práticas o saber-se se há uma natureza humana, e quais as relações do Homem como uma “eventual” natureza e uma “possível” divindade. Logo nas primeiras páginas da primeira edição da sua Ciência Política, assim equacionava o problema Adriano Moreira: “ (...) na tradição ininterrupta do pensamento, discute-se se a natureza social do homem tem alguma coisa de específico. A resposta a esta questão influencia as teorias que respeitam ao Estado e também ao reconhecimento ou negação da autonomia de outros grupos humanos menores.

            Toda a concepção do Estado e do Poder é tributária da questão que pode talvez enunciar-se deste modo: qual a posição do homem na natureza?, e isto tem inegável elo com o entendimento da relação do homem com Deus.

            Sempre que se admite que existe alguma coisa superior ao homem, a alternativa comum é entre Deus e o Estado.”[39]

            Estas reflexões conduzem-nos a outro problema. Por muito que nos queiram hoje convencer do contrário, não só por motivos teológicos, mas também por motivos práticos, se poderá dizer que o zoologismo humano poderá desembocar numa realidade estadualista e o teocentrismo, ao invés, revelar-se mais humanista. Assim como, e mais ainda, a submissão do Homem à Divindade parece ser muito mais libertadora que a sua pura dependência do Estado. Até porque a vontade de Deus se não impõe (pelo menos hic et nunc) coactivamente como a deste.

10. Excelência da natureza humana: valores, liberdade, responsabilidade

            Ora os valores (que são uma espécie de “instituições” em sentido antropo-sociológico, o que curiosamente aproxima estas teorias muito da visão marxista que identifica quase toda a cultura – não “natura” – com a superestrutura) são algo de específico ao Homem, e decorrem não da sua limitação, como “recurso” para um animal de segunda classe, desprovido de uma carapaça instintiva forte, mas da excelência da natureza humana, precisamente livre, e capaz de conduzir a sua vida não por tiques inscritos no código genético ou no genoma, mas por horizontes de possibilidades face aos quais o Homem, senhor do seu destino (ainda que limitado por si e pela sua circunstância, pano de fundo do seu drama), decidirá soberanamente.

            A liberdade do homem não instintivo concebido pelos existencialistas é, muito frequentemente, uma liberdade sem norte. Porque apenas se viu cortada das amarras do instinto ou de qualquer artificial dogma ou autoridade, sem ter vislumbrado, no âmago do próprio coração[40], a lei natural, bússola segura de valores.

            Mas as amarras do Homem são asas para o infinito... Pois na dupla finitude e infinitude existe. E o que é determinação e o que é liberdade não estão pré-definidos... E alguns vêem nessa situação a essência do Homem...

            Tal essência é assim uma tensão entre liberdade e responsabilidade, rectius, é uma liberdade que em si mesma implica a responsabilidade. E a isso se poderá chamar talvez personalidade. A essência ou natureza do Homem é, assim, não a sua animalidade, nem sequer apenas a sua humanidade, mas a sua personalidade, feita de auto-responsabilização.

            Essa ideia de responsabilização pessoal também encontra ecos na fundamentação dos Direitos do Homem, constando logo do primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a par da liberdade e da igual dignidade dos homens, também a sua razão e consciência, que os deve levar a agir fraternalmente uns para co os outros.

            E será certamente significativo verificar que o direito constitucional mais recente explicitamente caminha não só para a recepção de uma dimensão de Pessoa (ou dignidade da pessoa humana), como é o caso da Constituição Portuguesa, assim como para a constitucionalização de “valores”, como ocorre com a Constituição Espanhola[41].

11. As lições do realismo clássico: Homens e Animais unidos no Digesto

            Com a sua habitual concisão, sem grandes explicações, mas indo ao fulcro do problema, os Romanos deixaram-nos no Digesto algumas pistas, tanto mais que não se esqueceram dos nossos amigos animais nessa estilizada teorização: “Ius naturale est, quod natura omnia animalia docuit: nam ius istud non humani generis proprium, sed omnium animalium, quae in terra qua in mari nascuntur, avium quoque commune est Hinc descendit maris atque feminae coniunctio, quam nos matrimonium appelamus, hinc liberorum procreatio, hinc educatio: videmus etenim cetera quoque animalia, feras etiam istius peritia censeri.”[42]

            E é curioso que, ao contrário do antropo-existencialismo que domina (ainda que surda e inconscientemente) boa parte das cosmovisões anti-jusnaturalistas de hoje, o pensamento jurídico romano liga, não separa, a relação de homens e animais na natureza.

            Aqueles dividem animais instintivos e homens vogando no batel sem norte da situação. Estes, ao invés, aproximam homens e animais, como sendo precisamente determinados (não diz institivamente, mas isso agora pouco importa) pela natureza.

            Assim, a natureza ensinaria precisamente aos homens e aos animais o direito natural (concebido de uma maneira ainda muito geral). E esse direito acabaria por analisar-se em três coisas: coniunctio, procreatio e educatio.

            Claro que a “concepção actual” do direito natural (na sua diversidade) de algum modo engloba também o que os Romanos chamaram ius gentium (pelo menos desde S. Isidoro de Sevilha que os sentidos começaram a derrapar entre um e outro[43]) Pelo que os três elementos qualificados pelos romanos como de direito natural acabam por ser elementos da natureza humana e animal, que, decerto, ninguém contestará.

            Mas perguntar-se-á de que serve para o Direito e a Ética a conclusão de uma tal natureza.

            Os nossos tempos conturbados sem dúvida se perguntam já, a vários níveis e com diversos matizes, sobre as formas tradicionais e naturais de exercer essas três funções aparentemente tão imutáveis. E decerto se ganharia em que o Direito apenas olhasse com bons olhos as relações naturais de casamento, procriação e educação...

            E evidentemente que se estas três funções fossem justamente usadas, muito boa parte dos nossos problemas hodiernos decerto desapareceriam.

            Mas também se perguntará: o que será cada uma delas de acordo com a natureza? Não é coisa que prescinda de alguma interpretação...

12. As lições do realismo clássico: Aristóteles

            Outro clássico nosso companheiro é Aristóteles. Que recordaremos do que disse sobre a questão e da sua relação com o nosso tema?

            Antes de mais[44], parece-nos útil considerar que as virtudes morais se não criam em nós naturalmente, dado que nada do que é natural poderia ser modificado pelo hábito, sendo certo que, se tal ocorresse, seríamos sempre e naturalmente virtuosos. Esta ideia parece importante para afastar algum tipo de moralismo que subliminarmente possa introduzir-se nas concepções afirmativas da natureza humana.

            Mas o Filósofo também não considera as virtudes separadas da natureza, e muito menos contra-natura. A natureza deu ao Homem a capacidade de as receber e cultivar, pelo hábito. E só pelo hábito, isto é, pelo constante exercício das virtudes, cada uma se adquire. Aristóteles dá, além doutros, especificamente o exemplo da Justiça: é praticando acções justas que nos tornamos justos.

            O Estagirita é, porém, categórico a propósito de algo que importa muito ao nosso tema. Perecisamente um dos exemplos que matérias sobre as quais considera não haver lugar para deliberação, inclui “a ordem do mundo”[45]: pois tal ordem tem muito a ver com a natureza das coisas, se é que não é dela sinónimo.

            Um dos aspectos sem dúvida interessantes e úteis a reter nas esparsas considerações do autor atinentes ao nosso tema é o facto de considerar que aquilo que toca mais directamente a nossa natureza humana é o prazer[46]. Tal afirmação desconsertará sem dúvida alguns.

            Com efeito, prazer e dor ou prazer e castigo governam toda a nossa vida, e é com um e outro que educamos os mais novos, afirma. Contudo, há, evidentemente, prazeres verdadeiramente próprios do Homem, e outros que o não são[47]. O que nos remete de novo, certamente, para esse enorme problema que nos vem ocupando...

            A ligação de dor e prazer à educação assim estabelecida, associada ao facto de Aristóteles considerar também natural a nossa inclinação para o saber[48], para afinal estudar, investigar, reflectir, etc., evoca-nos de novo o elemento educatio, um dos três do direito natural do Digesto.

            Mas o Estagirita vai mais longe ainda, e directamente nos esclarece que, se o fogo queima igualmente na Grécia e na Pérsia, já o direito é visivelmente sujeito a variações. Não muda o direito dos deuses; mas no mundo, embora exista uma certa justiça natural, tudo nesta matéria é passível de alteração. Mesmo a superioridade da mão direita face à esquerda, como exemplifica[49].

            Assim, não só o direito é em parte mutável, como a natureza (não jurídica) nem sempre permanece idêntica: o fogo queima sempre, mas a mão direita nem sempre é a mais destra... Por isso, nas coisas humanas, da natureza humana, ao contrário do que sucederia com a imutabilidade das rotas dos astros, há lugar à incerteza e a via para vislumbrar uma saída será a dialéctica[50]. Mas tal não quererá significar que o valor das nossas ideias sobre o bem, o belo e o justo seja mero jogo de argumentos...

            Michel Villey, sempre seguindo “o Filósofo”, dá exemplos diversos de como “imitamos” a natureza... Um nos baste: o das belas artes. Mesmo artistas abstractos têm seus modelos em formas da natureza[51]. E, acrescentaríamos nós, algumas representações aparentemente mero fruto do espírito passariam hoje pormretratos realistas de algumas realidades físicas, designadamente microscópicas.

13. As lições do realismo clássico: Tomás de Aquino

            S. Tomás é um autor de ordem e de bom senso[52]: até para as insondáveis coisas da fé, que fará para as do Homem. No seu exemplar livro sobre Tomás de Aquino, ditado de cor, Chesterton enaltece a filosofia do Doutor Comum precisamente como a filosofia do senso comum. E desenvolve o tema com humor: “...a filosofia de S. Tomás toma como ponto de partida a convicção universal de que um ovo é um ovo. Um hegeliano dirá que um ovo é uma galinha, porque não passa de um momento do devir; um berkeleiano sustentará que os ovos de galinha não existem senão na medida em que o sonho existe, porque tanto podemos tomar o sonho como causa do ovo, como o ovo por causa do sonho; o pragmatista acreditará que o melhor que podemos tirar de um ovo estrelado é esquecer que se trata de um ovo para não nos recordarmos senão do estrelar. (...) O tomista, com todos os seus irmãos humanos, constata sob a quente luz do sol, que o ovo não é uma galinha, nem um sonho, nem uma ideia pura; mas uma coisa atestada pela autoridade dos sentidos que vem de Deus.”[53]

            Porquê esta insistência, aparentemente deslocada, no senso comum, como sinónimo de bom senso?

            É que a propósito de natureza humana e de Homem os últimos tempos têm vivido períodos de confusão tremenda, e é provável que o futuro próximo ainda muito sofra pela falta de clareza lhana do espírito. É que, se para S. Tomás o Homem é precisamente (como para Pascal depois) nem um animal nem um ente extrasensível, e o Homem nem sequer (como afinal sucedia para S. Agostinho) se identifica com a sua alma[54], hoje já se começa a não se saber onde começa o homem e acaba a coisa, onde há pessoa apenas humana ou porventura poderá haver “pessoa” animal (stupete gentes!)[55].

            Mas, S. Tomás é claríssimo, o Homem, o Homem total, é corpo e alma: ambas as coisas. E até em corpo e alma há-de ressuscitar. Afirma, comentando S. Paulo: “A união de corpo e alma é certamente natural, e qualquer separação da alma do corpo vai contra a sua natureza e é-lhe uma violência. Assim, se a alma se encontra privada do corpo, ela existirá imperfeitamente tanto quanto tal situação permaneça.”[56]

            Ora, novamente temos de inflectir o nosso apego de princípio a citar os clássicos directamente e de novo retomar Chesterton, resumindo o pensamento de S. Tomás. E fá-lo-emos ainda para mais, servindo-nos, com a devida vénia, de tradução alheia: “o homem não é um globo que suba no espaço nem uma toupeira que sulque o subsolo, mas uma espécie de árvore cujas raízes se nutrem debaixo da terra enquanto os seus ramos tendem a tocar os astros...”[57]

            Baptista Machado, que tinha a sua formação tomista, também possuía esta aspiração para o Homem. Pelo menos pela alusão à “raiz” e à “asa” da dedicatória enternecedora do seu Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador[58].

            Mas há um outro elemento, de pelo menos igual importância, a não esquecer no pensamento de S. Tomás sobre a natureza humana, e para mais manifestado aquando da discussão de um problema jusfilosófico, precisamente a distinção entre direito natural e direito positivo.

            O doutor angélico é muito claro, e certamente (e de novo) apto a desfazer as certezas que o tomam por um dogmático e um fixista, porquanto enfatiza o carácter mutável da natureza humana: “O que é natural a um ser dotado de uma natureza imutável deve ser universalmente e sempre o mesmo. Mas tal não ocorre com a natureza humana, que está sujeita à mudança; eis porque o que é natural ao homem pode por vezes faltar.”[59]

            De seguida, exemplifica como por vezes é preciso fugir a regras naturais, precisamente porque há casos de corrupção da natureza: e então lidar naturalmente com uma natureza corrupta não seria já correcto. É da igualdade natural restituir o que nos foi confiado. Mas não é lícito devolver armas de que somos depositários se no-las pedir de volta um louco furioso ou um inimigo do Estado.

            Ora a lição principal agora parece ser esta: a natureza humana muda, e está sujeita a degradar-se. Por isso, nem sempre o que vemos aí será o espelho da natureza humana: algumas será a imagem da sua corrupção.

            Finalmente, mais duas lições do anjo das escolas: há que identificar bem e ser (ens et bonum convertuntur), e o bem está nas coisas, não nos seus observadores (bonum est in re).

            Michel Villey retoma estas duas proposições de S. Tomás de forma muito eloquente. Ilustra a primeira com a sua miopia, que atribui aos seus olhos não terem acedido à sua plenitude, inscrita em potência no seu “programa”. E a segunda com a beleza de uma montanha inexplorada, de belezas extraterrestes nunca vistas, de um vinho bom indiferente ao paladar de quem o prova, e finalmente com o D. Giovanni de Mozart, que, ao contrário do que parecem pensar certos sociólogos, não é belo porque o público o dita, mas porque é em si belo[60].

            Que tiramos daqui para o nosso propósito? Que a natureza humana é boa; que pode haver nela aspectos potenciais que se não traduzem em acto (resultando assim um mal que é privação, ausência de bem); e que a “cognoscibilidade” e a representação do bom ou do belo (ou do justo, por extensão) não influem na sua essência.

            Mas S. Tomás encerra ainda muitas preciosidades esquecidas, que deveriam ser revisitadas pelos jusfilósofos e pelos juristas tout court, sem preconceitos cronocêntricos, ou outros[61].

14. Da Escolástica ibérica aos Direitos do Homem

            Não podendo ainda integrar-se no realismo clássico, mas aproveitando muito do legado tomista, a Escola ibérica do Direito Natural também reflectiu profundamente sobre a natureza humana, sobretudo a partir de Francisco Vitória e do problema dos Índios da América[62].

            Operou-se assim uma mudança de paradigma: da visão do Homem cristão e da cristandade como principal horizonte do Direito, passa a encarar-se a natureza humana e a Humanidade como pano de fundo da juridicidade. Os índios têm direitos porque participam da mesma natureza humana, o que não ocorre com os animais. Evidentemente que tal natureza humana é concebida como feita à imagem e semelhança de Deus, mas, uma vez assim fundada, pode perfeitamente autonomizar-se, e anunciar uma nova fase de laicismo. E tal ocorreu efectivamente. Apesar, evidentemente, de autores como um Jean-Paul Sartre negarem essa possibilidade de concepção laica de uma natureza humana. Para este existencialista, “il n'y a pas de nature humaine, puisqu'il n'y a pas de Dieu pour la concevoir'"[63].

            Em todo o caso, a segunda escolástica continua a chamar a nossa atenção para a mesma natureza de todos os seres humanos, distinta da de outros seres, e de tal natureza vai deduzir um direito natural (além de um novo direito das gentes que, agora sim, será direito internacional). Mais tarde, o Padre António Vieira, de novo defendendo os índios no Brasil, recorda essa natureza humana de forma retórica e interrogativa, no seu verbo esplendoroso: “"Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os esquenta o mesmo sol?"[64]

            Quando se ouvem as justas reivindicações modernas e contemporâneas pelos Direitos do Homem, não podemos deixar de pensar que respondem a António Vieira? A Declaração Universal dos Direitos do Homem responde, logo no seu art.º 1.º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

            Já antes afirmava, no princípio do seu art.º 1.º, a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen:“Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits.”

            Sem uma concepção, ainda que tácita e difusa, da comum natureza humana (que, como as Declarações citadas afirmam, é feita de liberdade, igualdade, razão e consciência), dificilmente se podem filosoficamente fundar os hoje tão consensualmente aceites Direitos Humanos.

            Donde o problema dos direitos de plantas, animais (e outras criaturas?) ser efectivamente demolidor e fruto da maior confusão quando, defendendo-se aqueles (por moda, sentimentalismo, ideologia, etc.), tal não seja feito com base na ideia de Homem e da sua particular natureza e dignidade.

15. Inventar uma natureza ou aceitar uma natureza?

            Mas retomemos as objecções e críticas.

            Se não há uma natureza humana parecerá a alguns que será preciso pressupô-la. Ainda que inventada, é de algum modo produto da nossa natureza: pelo menos da nossa tendência para nos reflectir-nos e para de nós fazermos uma ideia, pressuposto imediato de uma ideia de justiça. A natureza humana pode ser criação mental do Homem. Mas por isso terá de ser só falsa consciência, só ideologia? Não poderá ser um sistema de valores, tornados natureza? E não é isso uma magnífica criação do que, sendo claramente cultura, está em potência na natureza desse único bicho que sabe falar, e que quer falar sobre a Justiça?

            Ou será que esta natureza, assim inventada, pode até ser anti-natural?

            Se dissermos que o é, voltamos a acreditar numa natureza, mas numa desconformidade da representação ou do discurso sobre ela relativamente realidade natural.

            Então como se pode contestar um discurso sobre a natureza humana? Negando que exista: afirmando a pluralidade do Homem, a sua inespecificidade, o seu não contraste com o real, as coisas, os seres...

            O não contraste do Homem com as coisas é muito típico de filosofias orientais, mas difícil de aceitar para o senso comum, de que os juristas deveriam ser especialistas.

            O não contraste ou um contraste que rebaixa o Homem face aos animais é hoje moda pela via dos “direitos dos animais”.

            Mas será alguma destas coisas consistente para negar a natureza humana?

            Não. Ainda o que mais a ataca é a ideia dissolvente sobre o Homem, segundo a qual ele é uma casca de noz no mar ancapelado da vida...E daí que não houvesse estruturas comuns, princípios comuns, a todos os homens. A diversidade seria a regra, e daí o total relativismo ético e jurídico se imporia...

            Se apenas se puder decidir, voto na natureza humana – dirá alguém. Ainda não me provaram racionalmente que ela não existe. Há duas fontes do conhecimento: a fé e a razão, baseando-se a primeira na confiança num saber por outrem revelado, e a segunda não aceitando senão o que parece demonstrado rigorosamente[65]. Pois então a razão tinha o ónus de provar que não há nada de natural unindo os homens... ou que só há uma natureza biológica, a qual não teria consequências culturais necessárias, ainda que dentro de um espectro variável... Como até agora me não convenceu, eu prefiro acreditar na revelação, por fé, que há uma natureza humana.

            Mas viremos o feitiço contra o feiticeiro. Pela razão será possível, então, provar a existência natureza humana? E que características terá, então, essa natureza?

            A sensação é a de que andamos em círculos.

            Pode ser que aconteça com a natureza humana o mesmo que ocorreria, segundo o citado Wolf, para o direito natural: a razão não os pode explicar cabalmente, porque a precede...

            Tal como do direito natural, que ajudaria, para alguns, a sustentar, afinal a natureza humana (onde se lê direito natural leia-se natureza humana): “É apaixonantemente indefinível o que constitui essa realidade, e em todo o caso não se pode determinar a priori. O que significa e é (aqui, agora, para mim, para nós, para todos) o direito natural não pode senão ser experimentado, não ensinado: vive-se, não se inventa, não se descobre, nem se investiga. Por quê? Porque o direito natural não é uma realidade da consciência, mas uma entidade dada sempre (e como tarefa) antes de toda a possível reflexão sobre ela, uma entidade que não se faz vinculante por obra da consciência, nem ganha em obrigatoriedade por obra da sua racionalização”[66]

16. Descrever a Natureza Humana: o exemplo de Jorge Adame Goddard

            Tem havido tentativas, mais ou menos dogmáticas, de determinar quais possam ser as características da natureza humana.

            Uma das mais recentes, e com a vantagem de estar integrada num estudo dirigido especialmente a juristas, é a de Jorge Adame Goddard[67].

            O autor retoma a distinção animal/homem, para insistir na ideia de que o Homem é um animal racional, mas que melhor se diria um espírito encarnado[68]. E mesmo quando se diz animal racional importa sublinhar que não só a sua diferença específica é ser racional, como o que verdadeiramente o constitui como Homem é a racionalidade. Não uma racionalidade qualquer, mas uma racionalidade de capacidade espiritual de fazer frente aos instintos.

            Por isso, no final de uma longa investigação sobre o problema, em que o Autor alude nomeadamente às potências da alma, às paixões do Homem., à sua natureza racional (entendimento, vontade e liberdade), à unidade e imortalidade da alma humana e suas relações com o corpo, bem como à origem da natureza humana[69], assim conclui: “Bajo esta perspectiva del hombre como espíritu encarnado se comprende mejor lo que está conforme con sua naturaleza o es “natural”: Lo natural para el ser humano es lo que se deriva de su naturaleza de espíritu encarnado, no lo que deriva de su aparato sensitivo. Es natural el dominio de sus pasiones y no su desenfreno. Es natural que habite en casas y no en cuevas. Es natural que reflexione, medite y contemple la realidad y no que sólo experimente sensaciones y emociones. Es natural que ame el bien objectivo y verdadero, aunque le cause dolor. El ser humano plenamente conforme consu naturaleza no es el “buen salvaje”, parecido a las bestias, sino el santo, parecido a los ángeles”[70].

            É interessante assinalar que um outro angelismo é o do “homem novo” socialista. Em 1884, escrevia Zorli, em La Questione Soziale: “Sepultada a iníqua sociedade burguesa, actualizado o ideal socialista, acabará a miséria, faltarão os motivos para delinquir e a educação acabará por converter os homens em anjos” (traduzimos).

            Uma tal previsão nem os mais seráficos idealistas haviam ousado esboçar.

17. Problemas de um conceito de natureza humana metafisicamente fundada

            O grande problema para teorias como as de Goddard é saber como poderão por elas ser persuadidas pessoas que recusem os seus pressupostos metafísicos. O de teorias como as de Zorli é talvez mais complicado ainda: porque se funda numa metafísica não reconhecida, e pretensamente antimetafísica. Curiosamente, a vox populi letrada fica mais satisfeita e é muito mais complacente para com a utopia que jamais mostrou conseguir realizar as maravilhas prometidas.

            Por outro lado, parece evidente que a concepção de Goddard do homem como “espírito encarnado” recorda a posição dos platónicos segundo a qual o Homem (logo a sua natureza ou essência) não seria senão “uma alma que se serve de um corpo”, a qual, em S. Agostinho, levaria à fórmula “uma alma razoável que se serve de um corpo terrestre e mortal”: Homo igitur ut homini apparet, anima rationis est mortali atque terreno utens corpore[71]. Ou, noutro passo, o Homem é uma alma racional possuidora de um corpo: Quid est homo? Anima rationalis habens corpus[72].

            O problema que consequentemente se põe é o do reducionismo do Homem à sua alma[73]. E assim, evidentemente, não se poderá avançar muito face ao olhar impiedoso dos múltiplos materialismos em que nos movemos. Mas, mais ainda, não se poderá captar o que a unidade Homem é. Falar de um homem emcarcerado no corpo é recusar a dimensão corporal ao próprio Homem, ainda que tal não fosse a vontade de quem o afirma. E identificar o Homem com a alma e passar a descrever o Homem falando dela corre o risco de esquecer o Homem concreto, e conceber uma antropologia filosófica que estuda um fantasma.

            Outra questão ainda, conexa com esta (e com estas implicações ultimamente referidas) é: porque será que certas pessoas se inclinam para acreditarem que há uma natureza humana e outras não? O que motiva umas e outras?

            Certa psicologia, certa sociologia e certa introspecção serão aqui necessárias. Evidentemente.

            A definição de Goddard da natureza humana e as características que lhe atribui, dentro de uma cosmovisão clara, e que será, lato sensu, a cristã, teve, além de outras, a virtualidade de despertar em mim uma desconfiança, que talvez possa contribuir para a dilucidação destas questões. Não será que estamos, na actual sociedade de pluralismo a todos os níveis, perante duas imagens do Homem: uma, em que se enfatiza o elemento simplesmente natural, e aí, realmente, dada a indeterminação dos seus instintos, ele não tem natureza, é vário, é o que quiser ser em tensão com o que o deixarem ser factores endógenos e exógenos...; outra, em que se hipervaloriza o elemento espiritual, e nessa perspectiva o homem efectivamente vai a caminho do angelismo.

18. A dupla dimensão da natureza humana: “Ni ange ni bête”

            Todavia, temos tendência a crer que não será “nem-nem-ismo” burguês (como diria Roland Barthes) duvidar da radicalidade de ambas as soluções.

            E contra uma animalidade (ainda que por defeito, e por isso implicitamente criticada por alguns) e um angelismo (ainda que também por defeito, e do mesmo modo tacitamente criticada por outros) humanos, não será de invocar o pascaliano ni ange ni bête? Ou será que esta dupla negação espelha apenas a condição (de natureza decaída, corrompida[74]) e não a natureza humana?

            Não o cremos. Porque a natureza humana do jardim do Éden antes da queda nos não interessa. Apenas a natureza actual, a natureza que possa servir-nos na qualidade de homens que hoje somos. Por isso, cremos que Pascal está mais certo: não ser anjo e não ser animal é ser Homem. Mas que partilhamos de limitações do animal e de sonhos de angelismo, os quais também são realidades, isso é verdade, e é difícil de negar.

            Antropologismos e existencialismos mais radicais esquecem, assim, a dimensão de sonho e mito, e magia que há no Homem, o anjo que quer ser... Espiritualismos demasiados podem quedar-se pelo sonho, esquecendo os limites da máquina animal.

            Mas o que realmente parece, assim, constituir o Homem é essa dupla natureza.

            A natureza dos anjos é relativamente fácil de conhecer, pelo menos para quem se fie na autoridade sobre a matéria, Dionísio o Areopagita. A dos animais vai sendo conhecida, ou pelo menos pressuposta, por zoólogos e mesmo pelos antropólogos que ao Homem vejam como simples animal, ainda que “defeituoso”.

            A dos Homens não pode sequer ser pensada à imagem e semelhança senão de Deus, para quem nele creia[75] (e Deus não é da mesma natureza dos anjos). Mas, depois de tudo o que ficou dito, para quem descreia, também não será difícil conceber que não são nem animais nem anjos os padrões por que pautar-se a construção mental de uma teoria da natureza humana: primeiro, porque deveria ser impossível crer em anjos sem crer em Deus; e segundo, porque precisamente a animalidade como padrão levaria, como aflorámos já, à diminuição do valor do Homem face aos animais: ou seja, o Homem, na perspectiva da natureza insitintiva, não chega a ser um animal... é um animal falhado.

            Afora os militantes extremistas dos direitos dos animais, poucos verão certamente no Homem um minus em relação aos nosso irmãos bichos. E a nossa natureza, mesmo nos mais brutais e angustiados tempos e lugares de degradação, certamente ainda procura brilhar: pelo altruísmo, pelo estoicismo, pela perseverança, pela inventiva, etc.. E embora a exaltação da espécie pela definição das suas característcas contrativas possa ser também um mecanismo legitimador, ideológico, a verdade é que dizer mal de nós próprios parece comportar sempre algo de malsão, de insalubre.

19. O Homem que crê e o Homem que não crê na sua natureza

            Não acalentando ilusões, como se vê, sobre eventuais estratégias discursivas com implicação no comportamento humano (designadamente induzido a partir da teorização da existência ou inexistência de uma natureza humana, e em que termos), sempre propendo para pensar que há uma diferença muito importante na concepção de Homem entre umas e outras.

            O Homem concebido pelos defensores da natureza humana é um Homem sem dúvida mais ideal, hierático, conservador[76]; mas também ligado a valores, só que esses valores são mais ou menos os perfilhados pelo autor... Poderia, porém, ser de outra forma? Os valores de cada um também são projecções ideais, por muito que a sua praxis seja a eles contrária... No caso do Direito e da Justiça, são a sua ideia de Justo.

            Por seu turno, o Homem que nega a natureza humana está sem dúvida mais permeável à variedade do espectáculo do mundo, ao relativismo dos valores, aceita com mais à vontade as mudanças do que parecia sacrossanto. Pode admitir uma Justiça e outros valores (e nesse caso devemos venerá-lo pela sua inteligência e acerto), mas a maioria não o fará... porque, pensando-o ou não, no fundo descrê do Homem, que lhe parece um agregado (nominalista) de seres isolados, diversos. Talvez trágicos, mas de uma tragédia surrealista.

            Quem com muita certeza afirma a natureza humana, e lhe dá uma coloração qualquer, corre o risco de se tornar num dogmático, num reaccionário; quem a nega terá dificuldade em ultrapassar um certo conformismo com o desconserto vário do mundo, ou a estupefacta admiração do seu multicolorido, ou deixar de aproveitar a sua sorte fazendo o que lhe apetece... já que natureza (ou “o natural”) não há...

20. Ideologias da suspeita e a consequente impossibilidade da ciência

            E voltamos ao só supra esboçado problema das psicologias... Daqui a afirmar-se que a psicologia de quem crê na natureza humana é conservadora e a de quem dela descrê é o seu contrário, vai um passo...

            Mas poderemos eternamente tudo reduzir a esse instrumentarium da suspeita[77], que começa na pirueta marxista de tudo assinalar como interessado e socialmente determinado nos demais (porque seriam burgueses, objectiva ou subjectivamente), e continua hoje pelo pós-modernismo contra toda a normalidade, acusando-a de etnocêntrico, racista, sexista, e todos os preconceitos? É que por esse caminho nenhuma ciência será mais possível, tudo será ideologia ou meta-ideologia. Esse círculo vicioso não poderá quebrar-se? Pois haver ou não natureza humana (realmente, no mundo dos factos...mas o problema é que as ideias também são factos... e lêem os factos.... e até de algum modo podem criar os factos por simples interpretação....Ai de nós!) dependerá de se propender psicologicamente mais para a mudança ou para a conservação, mais para o dogma ou mais para a análise livre-pensadora, mais para o esprit géometrique ou mais para o esprit de finesse?

21. Uma achega poética: um trecho de Vinicius de Moraes

            Andava eu às voltas com estes problemas, quando, abrindo casualmente e para desenfado as Obras de um poeta, topei com um texto em prosa que me pareceu muito propositado para o nosso intento. A partir dele desenvolverei algumas hipóteses: “...apareciam, infalivelmente, no belo logradouro, três padres e cinco gatos. Cabe dizer, em nome da verdade, que os padres chegavam bem menos sorrateiramente que os gatos e, estou certo, com intenções muito menos maléficas; pois se vinham os padres para se aquecer um pouco ao sol e ler seus breviários, os gatos surgiam, esgueirando-se das ruas laterais, para cumprir uma fatalidade do seu destino, que é comer pombos. (...) Deus sabe que, entre gatos e pombos, eu sou francamente pela primeira espécie. Acho os pombos um povo horrivelmente burguês, com seu ar bem-disposto e contente da vida, sem falar na baixeza de certas características de sua condição, qual seja a de, eventualmente, se entredevorarem quando engaiolados.”[78]

            A natureza ensina coisas aos animais que não nos pode ensinar a nós. Ensina, por exemplo, uma cadeia alimentar. Pusemos vacas a alimentar-se de carne (ainda que indirectamente) e ficaram loucas…. Os animais têm regras estritas que é perigoso ultrapassar. O lobo pacifica o outro lobo oferecendo-lhe a veia jugular, e o vencedor não o mata. Quanto teria o Homem a aprender, neste caso, com o ritual dos lobos. Homo homini lupus? Não, pior que lobo, muitas vezes. Mas também capaz de ser melhor que lobo. Muito melhor. O lobo oferece a veia quando sabe que perdeu. O homem ganha quando oferece a outra face, sem nada ter perdido ainda.

            A fatalidade do destino dos gatos é comer pombos ou outros pássaros. A fatalidade dos homens não é fazerem-se padres nem lerem breviários ao sol matinal de Florença. Se bem que o ler o breviário seja, para o padre, uma segunda natureza, e possamos confundi-lo quase com um instinto.

            A natureza dos gatos impele-os a comerem pombos. A natureza dos homens impele-os a pensarem num Além e num Absoluto, e por isso alguns adoptam uma religião, e alguns se fazem padres, e lêem breviários.

            A natureza de gatos, homens e pombos impele-os para a luz de Florença, onde todos convivem, cada um com seu destino, cada um com sua essência… Embora aos padres sempre melhor fique (ao menos por enquanto) aterem-se ao terceiro vector jusnatural segundo o Digesto.

            Não é fácil atribuir a cada um o que é seu em matéria de reconhecimento das naturezas - difficilis quaestio de natura naturae, dizia já o nosso Thomasius. Mas será que aqueles padres (que são homens) o são e assim agem apenas pela sua circunstância?

            E Vinicius de Morais (que homem é), por que procura ele aquela cena, e por que a pinta? Qual é a circunstância que o move?

            Talvez não haja mesmo uma natureza humana (mas o que significa isso de não a haver?), mas então não há, deveras, sequer Homem. E se não há Homem, só há gatos um pouco maiores devorando pombos… Ou melhor: seremos todos pombos entredevorando-nos na gaiola da nossa situação. Porque é isso que os pombos estão votados a fazer em cativeiro.

            Mas ainda que não haja natureza humana (o que quer que tal signifique), há o dever de lutar pela Justiça. Mais: ainda que a Justiça seja contrária a essa singular natureza humana que consiste no Homem não ter Natureza Humana...

22. Entre o Jusnaturalismo e Teoria da Justiça

            Tal significa uma coisa que não tem sido suficientemente advertida. Que o não-monismo jurídico (a não redução do Direito ao direito postivo) não é exclusivo de posições jusnaturalistas (ou, pelo menos, assim se afirmando: porque algumas vezes o que se pretende parece ser apenas não vestir a pele de adepto do direito natural, apodo desacreditado em alguns círculos...). E assim, pode novamente haver metafísica e ontologia (e novas críticas a elas e a estes seus novos cultores por parte dos positivistas): “Advirta-se, porém, que a recusa ou a crítica das concepções tradicionais e modernas do Direito Natural em nome de uma nova antropologia e de uma nova ontologia não significa a negação ou o desconhecimento de um fundamento transcendente ao Direito nem a sua redução a uma positividade sem limites ou sem garatia superior ou a sua identificação com a vontade do Estado.”[79]

            Mas certamente que esta ideia de substituir a teoria do direito natural por uma teoria da justiça, entendida ainda em termos não exclusivamente imanentistas ou empiristas, decerto não agradará nem a Gregos nem a Troianos: para uns foi-se longe demais, para outros ter-se-á ido longe de menos... Em certo sentido até, uma teoria da justiça explicitamente fundada numa metafísica da justiça[80], é até mais coerentemente “ontologista” que algumas formulações “laicistas” ou aprentemente “laicistas” do jusnaturalismo...

            E sempre se poderá dizer que se trata de um jusnaturalismo com outro nome. Por isso, alguns terão sempre a tentação de continuar fiéis à “velha marca”. Afinal, que se tem a perder? Afinal, parece que não é possível nunca demonstrar more geometrico uma juridicidade para além da positiva... Se ainda uma teoria da justiça conseguisse provar que há uma natureza humana e que o Direito teria, assim, de com ela se compatibilizar? Mas não... Porque há sempre uma valoração e na apresentação dessa valoração há sempre um conjunto de tópicos... E tudo se pode subverter alegando-se subjectividade, parcialidade, interesse, determinação do pensamento, ilusão, alienação...

            Perante o desconserto do nosso mundo, as formas multivariadas dos nossos comportamentos, sentimentos, visões, perante a impermeabilidade de tantos a uma concepção realista, idealista ou metafísica, tende-se a baixar os braços e a não acreditar mesmo que o Homem tenha uma natureza, a qual, evidentemente, ou é malévola (a que está-aí) ou néscia[81] e então o Direito terá de ser anti-natural, ou então é benévola, e obriga a que o Homem se reencontre...

            Mas como encontrar essa natureza? E porque chamar-lhe natureza e não apenas uma ideologia[82], ou uma utopia, uma quimera ou ilusão? É que não se vislumbra, senão em casos mito excepcionais, que o Homem possa sair da caverna do seu estar actual para ver a luz do ser verdadeiro ser... Haverá mesmo essa natureza, fora da caverna do nosso actual viver? Parece que não.

            E todavia... E se a natureza estivesse apenas escondida? “A natureza gosta de se esconder, ou dissimular”, dizia Heraclito[83]. E “filosofar es muchas veces ver conscientemente lo que está uno harto de ver sin darse cuenta...”[84]

            Continuaremos a procurar...



[1] Estudo preliminar, a aprofundar ulteriormente, e a publicar em livro, conjuntamente com outros ensaios.

[2] BAUDELAIRE, Les Fleurs du Mal, Spleen et Idéal, IV. “Correspondances”.

[3] Cf., entre nós, MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, “Natureza das Coisas”, in  Temas Fundamentais de Direito, Coimbra, Almedina, 1986, p. 111 ss. (com importante bibliografia). Para o síntese sobre as várias correntes que recuperam hoje a ideia da natura rerum (quer como “estrutura lógico-objectiva da realidade jurídica”, quer como “estrutura objectivo-histórica do homem e do mundo social”), ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, 2.ª ed., Lx., Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000, p. 211 ss..

[4] A propósito da arte do “bluff”, cf. o nosso Le droit et les sens, Paris, L’Archer, 2000, p. 92 ss..

[5] Sobre o “bluff” literário, típico dos anos setenta, cf. o nosso Da actual questão literária ou um problema dos diabos, in “Cadernos de Literatura”, n.º 4, Coimbra, Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1979, p. 32 ss..

[6] FRIEDRICH NIETZSCHE, Die fröhliche Wissenschaft, III, 109.

[7] LEONARDO COIMBRA, O Idealismo da Natureza (Notas para ulterior trabalho), in Dispersos. III. Filosofia e Metafísica, compilação, fixação do texto e notas de Pinharanda Gomes e Paulo Samuel, Lx., Verbo, 1988, p. 252.

[8] Neste sentido, especificamente, CLÉMENT ROSSET, L’anti-nature, Paris, P.U.F., 1973, trad. cast. de Francisco Calvo Serraller, La Anti-Naturaleza. Elementos para una filosofía trágica, Madrid, Taurus, 1974, máx. p. 299 ss..

[9] MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, Introdução ao Direito, I. O Conceito de Direito, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 142-143.

[10] ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Op. Cit., p. 158.

[11] Para mais desenvolvimentos, entre nós, ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Op. cit, p. 160 ss..

[12] Cf. Ibidem.

[13] Contra a confusão resultante de incluir o simples objectivismo ou um “jusnaturalismo axiológico” no jusnaturalismo proprio sensu, de base metafísica, JAVIER HERVADA, Lecciones propedéuticas de filosofía del derecho, Pamplona, EUNSA, 1992, p. 476 (cf., para melhor enquadramento, também p. 471 ss.).

[14] ALAIN, Propos, II, p. 280.

[15] Cf., v.g., ALF ROSS, Sobre el Derecho y la Justicia, trad. cast. de G. R. Carrió, Buenos Aires, Eudeba, 1979, máx. p. 267, afirma designadamente: "La ideología de la justicia es una actitude militante de tipo biológico emocional, a la cual uno mismo se incita para la defensa ciega e implacable de ciertos interesses."

[16] THOMAS HOBBES, De Cive, I, 2-6, et passim; Leviathan, I, 13; cf. ainda  II, 17.

[17] JOHN LOCKE, An essay concerning the true original extent and end of civil government (segundo tratado do governo civil), II., 4-15.

[18] JEAN-JACQUES ROUSSEAU, Discours sur l’origine et fondements de l’inégalité parmi les hommes, in Oeuvres Complètes, col. L’intégrale, Paris, Seuil, 1971, máx. p. 223 ss..

[19] Cf., para o Direito, e no mesmo sentido, v.g., JOSÉ DELGADO PINTO, De nuevo sobre el problema del Derecho Natural, Salamanca, Ed. Univ. Salamanca, 1982, p. 21 ss.. Comentando-o, ALBERTO MONTORO BALLESTEROS, Naturaleza, Razón, Derecho (Notas sobre la necesidad, posibilidad y significación del derecho natural), in “Persona y Derecho. Revista de fundamentación de las Instituciones Jurídicas y de Derechos Humanos), vol. 29, Universidad de Navarra, 1993**, p. 239 ss..

[20] JOSÉ DELGADO PINTO, Op. Cit., pp. 21-22.

[21] MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, Introdução ao Direito, I. O Conceito de Direito, cit., p. 143.

[22] ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, II, 5.

[23] JACQUES LECLERCQ, Du droit naturel à la sociologie, Paris, SPES, 1960, p. 135 (há trad. bras.).

[24] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Antropologia, Existencialismo e Direito. Reflexões sobre o discurso jurídico, separata da “Revista de Direito e Estudos Sociais”, vols. XI e XII, 1965, in ex in Obra Dispersa, ed. de Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos, II, Braga, Scientia Iuridica, 1993, p. 72.

[25] Ibidem, p. 73.

[26] Ibidem, p. 75.

[27] Ibidem, p. 74.

[28] Cf. JOÃO BAPTISTA MACHADO,Op. Cit., p. 74.

[29]  JOAN ROBINSON, Economic Philosophy, Harmondsworth, 1964, p. 10, apud JOÃO BAPTISTA MACHADO, Op. cit., p. 76.

[30] EDGAR MORIN, Le Paradigme perdu: la nature humaine, Paris, Seuil, 1973, trad. port. de Hermano Neves, O Paradigma Perdido. A Natureza Humana, Mem  Martins, Europa-América, 1975.

[31] Ibidem, p. 197.

[32] EDGAR MORIN, Op. cit., pp. 203-204.

[33] MAIHOFFER, Naturrecht als Existenzrecht, p. 21, apud JOÃO BAPTISTA MACHADO, Op. cit., p. 85.

[34] ERIC WOLF, El problema del derecho natural, trad. cast. Ariel, Barcelona, 1960.

[35] PH. JESTAZ, L’avenir du droit naturel ou le droit de seconde nature, RTD civ. 1983, p. 233 s., apud BRUNO OPPETIT, Philosophie du droit, Paris, Dalloz, 1999, p. 113.

[36] ERIC WOLF, Op. cit., p. 213.

[37] Cf., v.g., JOSÉ MARIA RODRÍGUEZ PANIÁGUA, Derecho Natural o Axiología Jurídica?, Madrid, Tecnos, 1981.

[38] CHRISTIAN THOMASIUS, Fundamenta Iuris Naturae et Gentium, 1705, I, 1, $ 35, trad. cast. e notas de Salvador Rus Rufino e M.ª Asunción Sánches Manzano, Fundamentos de Derecho Natural y de Gentes, Madrid, Tecnos, 1994, p. 53.

[39] ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, Amadora, Bertrand, 1979, p. 15.

[40] PAULO, Rom. XI, 15; Hebr. VIII, 10.

[41] Cf. MILAGROS OTERO PARGA, Valores Constitucionales, Santiago de Compostela, Universidade de Santiago de Compostela, 1999; GREGORIO PECES-BARBA, Los Valores Superiores, 1.ª reimp., Madrid, Tecnos, 1986. Entretanto, sobre a geral crise de valores, por todos, cf. PAUL VALADIER, L’anarchie des valeurs, Paris, Albin Michel, 1997.

[42] D. 1, 1, 1 (ULPIANUS) $ 3 (=  Inst. Iust. 1, 1, pr.).

[43] ISIDORO DE SEVILHA,  Etymologiae, V, IV, 1. Cf. o nosso "Do Direito Clássico ao Direito Medieval. O papel de S. Isidoro de Sevilha na supervivência do Direito Romano e na criação do Direito Ibérico", in Para uma História Constitucional do Direito Português, Coimbra, Almedina, 1995, p. 93 ss., máx. 102 ss.. Cf., porém, TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, IIa IIae, q. 57, art. 3.

[44] ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, II, 1.

[45] Ibidem, III, 5.

[46] Ibidem, X, 1.

[47] Ibidem, X, 5 in fine.

[48] ARISTÓTELES, Metafísica, I, 1 (A).

[49] ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco, V, 10.

[50] Cf. MICHEL VILLEY, Philosophie du Droit, II. Les moyens du Droit, 2.ª ed., Paris, Dalloz, 1984, p. 133 ss..

[51] Cf. MICHEL VILLEY, Ibid.,  pp. 134-135.

[52] Esse bom senso por vezes torna-se mesmo no senso comum, patente, por exemplo, em fórmulas-feitas da nossa linguagem comum. Cf. L. JEAN LAUAND, “Antropologia e Formas quotidianas - a Filosofia de S. Tomás de Aquino Subjacente à nossa Linguagem do Dia-a-Dia”, in Actualidad del Pensamiento de Tomás de Aquino, Salamanca, Editorial Arvo, 2000. A edição electrónica desse capítulo encontra-se em : http://www.hottopos.com/notand1/antropologia_e_formas_quotidiana.htm
 .

[53] G. K. CHESTERTON, Saint Thomas Aquinas, trad. fr. de Antoine Barrois, Saint Thomas du créateur, Niort, Dominique Martin Morin, 1977, p. 106.

[54] TOMÁS DE AQUINO, Super Epist. Primam Pauli Apostoli ad Corinthios, 15.

[55] Cf., v.g., PETER SINGER, Practical Ethics, Cambridge University Press, 1993, trad. port. de Álvaro Augusto Fernandes, Ética Prática, Lx., Gradiva, 2000, máx. p. 129 ss..

[56] TOMÁS DE AQUINO, Super Epist. Primam Pauli Apostoli ad Corinthios, 15 (trad. a partir da de Timothy Mc Dermoth).

[57] Apud JOÃO AMEAL,  São Tomaz de Aquino, 2.ª ed., Porto, Tavares Martins, 1941, p. 419. C. K. CHESTERTON, Op. Cit., p. 121.

[58] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, reimp., Coimbra, Almedina, 1985.

[59] TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, IIa IIae, art. 2, soluções, 1. A mutabilidade da natureza humana é também afirmada, por exemplo, por DAVID HUME, A Treatise of Human Nature, II, 1, 4.

[60] MICHEL VILLEY, Op. cit., p. 129.

[61] Cf., para maiores aprofundamentos, MICHEL VILLEY, Questions de St. Thomas sur le droit et la politique  ou le bon usage des dialogues,  Paris, P.U.F., 1987.

[62] Sobre este tema, cf. a excelente síntese de PIERRE FRANÇOIS MOREAU, “Nature, culture, histoire”, in Les Idéologies, III. De Rousseau à Mao, Verviers, Marabout, 1981, p. 25 ss.

[63] JEAN-PAUL SARTRE, L'existentialisme est un humanisme, Paris, 1946, p. 22.

[64] ANTÓNIO VIEIRA, “Sermão Vigésimo Sétimo”,  Sermões, vol. XII, Porto, Lello, 1959, p. 330. Cf.ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, O Jusnaturalismo de António Vieira, ed. on line: http://www.ip.pt/~ip200901/jusnatav.html

[65] ALAIN SÉRIAUX, Le droit naturel, 2.ª ed.,  Paris, PUF, 1999, p. 3. Esta diferença de “crenças” (porque afinal ambas as possibilidades são formas de fé...) relembra também a diferente maneira de entender dos espíritos de finura e os de geometria... Cf. (BLAISE) PASCAL, Pensées de…, texto da edição de Brunschvicg, Paris, Garnier, 1925, p. 65 ss..

[66] ERIC WOLF, Op. cit., p. 214 (traduzimos).

[67] JORGE ADAME GODDARD, Filosofía social para juristas, México, Universidad Nacional Autónoma de México/ Mc Graw-Hill, 1998.

[68] Cf. ainda JACQUES MARITAIN, Quatre Essais sur l’esprit dans sa condition charnelle, Paris, Desclée De Brouwer, 1939.

[69] JORGE ADAME GODDARD, Op. Cit., pp. 41-82.

[70] Ibidem, p. 82.

[71] AGOSTINHO, De Moribus Ecclesiae, I, 27, 52.

[72] AGOSTINHO, In Joan. Evang., XIX, 5, 15.

[73] Neste sentido, e com mais ampla documentação, ETIENNE GILSON, L’esprit de la philosophie médiévale, Paris, Vrin, 1979, trad. cast., El Espíritu de la Filosofía Medieval, Madrid, Rialp, 1981, pp. 181-182. Cf. ainda IDEM, La Philosophie au Moyen Âge, Paris, Payot, 1986, p. 536 ss..

[74] Cf., v.g., PASCAL, Op. cit., p. 69 ss..

[75] Sobre essa dimensão teológica, entre nós, v.g. MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, Introdução ao Direito, I. O Conceito de Direito, cit., pp. 143-144.

[76] Cf., v.g., EDGAR MORIN, Op. cit., p. 16.

[77] A nossa “era of suspicion” manifesta-se em todos os domínios, e ecoa nas palavras dos mais díspares observadores, que, obviamente, não atribuem todos ao conceito o mesmo significado. Assim, cf., por todos, JOÃO PAULO II, Fides et Ratio, v.g., Introdução, 5; GABRIEL JOSIPOVICI, On Trust. Art and the Temptation of Suspicion, Yale Univ. Press, 2000; FRANK KERMODE, Simple Mysteries, “The Times Literary Supplement”, n.º 5056, February, 25, 2000, pp. 44-45, comentando o título anterior.

[78] VINICIUS DE MORAIS, Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1998, p. 901-902.

[79] ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Op. cit., p. 220.

[80] Ibidem, p. 290.

[81] Não se pode englobar como exemplos da natureza humana toda a multidão de homens envilecidos ou estultos. Sobre estes últimos, cf. L. JEAN LAUAND, “La Tontería y los Tontos en el Análisis de Tomás de Aquino”, in Op. cit., ed. online: http://www.hottopos.com.br/rih2pII/tontos.htm

[82] PIERRE FRANÇOIS MOREAU, Op. loc. cit., encara a questão numa perspectiva ideológica (pelo menos no período Barroco, mas certamente extensível a qualquer um).

[83] HERACLITO, Fragmentos, B CXIII.

[84] FRANCISCO PUY, Topica Juridica, Santiago de Compostela, Imprenta Paredes, 1984, p. 148.