Silvia
M. Gasparian Colello
Tradicionalmente,
a oposição entre Oriente e Ocidente tem sido um critério de
distinção entre homens e culturas. Entretanto (e de modo paradoxal),
o confronto entre esses dois mundos apresenta uma dimensão catártica
sobre nós porque, em primeiro lugar, é possível vislumbrar,
para além das diferenças, a mesma essência de ser humano e,
em segundo, porque, ante ao "espelho dos antagonismos",
é inevitável que passemos a nos enxergar por um outro ângulo,
evidenciando dimensões do ser nunca antes consideradas.
Isso quer dizer que
"conhecer o outro" traz a reboque a possibilidade
de "conhecer-se através do outro". Do ponto de vista
educativo, o conhecimento a respeito dos outros faz parte daquilo
que é essencial à aprendizagem: saber como meio de saciar a
infindável curiosidade do ser humano e, assim, ampliar os horizontes
da sua existência; conhecer para respeitar, compreender, analisar
e, sobretudo, para estabelecer vínculos e dialogar. Menos evidente,
mas não de menor importância, "conhecer-se através do outro"
possibilita uma dimensão complementar (o que somos, conhecemos
e fazemos em oposição àqueles supostamente diferentes).
No confronto com o
Oriente(1), a constatação das diferenças ou daquilo que nos
falta permite ao educador uma ampla (re)visão de seus princípios
pedagógicos, podendo considerar outros alvos e outros meios
para o desenvolvimento humano a despeito das tendências (determinismos?,
amarras?) da cultura na qual estamos submersos. Se é verdade
que os nossos sistemas educacionais estão impregnados de valores
específicos do nosso mundo, é também verdade que a escola, potencialmente,
configura-se como um meio privilegiado para se pensar criticamente
os rumos da educação, buscando princípios mais equilibrados
para a realização do homem.
Nessa perspectiva,
o presente artigo pretende retomar a oposição Oriente-Ocidente,
buscando especificamente no confronto do trinômio "cultura,
educação e linguagem", implicações e eventuais alternativas
para o ensino de língua materna no Ocidente. Sem a pretensão
de generalizar a inevitável diversidade nas formas de atualização
lingüística ou de qualquer universo cultural, fixo a minha argumentação
em tendências genericamente apontadas e reconhecidas por diversos
autores.
Antes disso, porém,
importa precisar os pressupostos básicos deste ensaio, a saber,
a concepção de linguagem, suas implicações educativas e a constatação
de alarmantes tendências ocidentais na produção da escrita,
aspecto este que motiva a busca de alternativas à luz de outros
valores culturais.
1. Linguagem: do potencial educativo
ao prejuízo das produções escritas
Tomar a linguagem
como tema de estudo ou alvo educativo requer a consideração
de seus três eixos fundamentais (Geraldi, 1993): a língua, a
fala (ou escrita) e a interlocução. Enquanto legado histórico
e cultural, a língua apresenta-se como um sistema de regras
e normas instituídas, sem as quais ela perde significado. Entretanto,
sua existência está vinculada à atualização pela fala (ou pela
escrita) em processos eminentemente criativos e contextualizados.
Longe de ser um sistema restrito e determinado, a língua prevê
a (re)construção de sentidos a partir do referencial disponível
e nunca totalmente estabelecido. A negociação de significados
é permanentemente conquistada nos processos interlocutivos,
entendidos não como mecanismos artesanais de elaboração pessoal
em acidentes momentâneos de expressão, mas como formas de expressão
e de intercâmbio que, situadas no bojo dos significados históricos
e sócio-culturais, constroem o universo discursivo. O falante,
por sua vez, integra-se em uma dimensão potencialmente ativa,
que, pelo dizer, acaba também completando-se, construindo-se
e transformando-se. É esta a dimensão constitutiva da linguagem
que, inegavelmente, lhe confere o potencial educativo.
O tema da aprendizagem
lingüística, tal como é concebido no âmbito do presente trabalho,
ultrapassa, portanto, o alvo específico de assimilar as regras
do sistema e aplicá-las em contextos estritamente funcionais
de fala ou de escrita. Considerando a dimensão ampla da língua,
não se trata de dominá-la para tornar-se seu usuário. Mais que
isso, é preciso entender a língua como instrumento a serviço
do homem. Refiro-me ao rol de experiências lingüísticas (incluindo
as situações institucionais de ensino) que ampliam as possibilidades
de expressão e de comunicação, incrementam o uso da língua nas
suas diversas funções ou objetivos, determinam modos de inserção
social, interferem na formação de mentalidades e influem na
organização do pensamento, favorecendo o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores (tipicamente humanas). Mais
do que um recurso técnico, o efetivo aprendizado lingüístico
possibilita o acesso ao uso inteligente da língua e à "aventura
da comunicação", requisitos indispensáveis para a emancipação
do homem e para a convivência democrática. Em síntese, fazer
da alfabetização um meio para o ingresso diferenciado em nossas
sociedades representa o salto qualitativo entre a "escrita
do dizer" e a "escrita do transformar"(2), um
dos maiores desafios a ser enfrentado pelos educadores.
Infelizmente, o potencial
lingüístico com todas as suas desejáveis implicações educativas
está longe de ser uma realidade para a maioria da população.
No Ocidente vivemos a condição paradoxal cuja modernização das
possibilidades comunicativas, a sofisticação dos recursos tecnológicos
e o encurtamento das distâncias convivem com o progresso da
incultura, da marginalidade e do isolamento de grupos humanos
em movimentos de progressiva restrição lingüística(3).
Durante muito tempo,
a explicação para tal realidade limitava-se às estatísticas
de evasão escolar ou aos índices de analfabetismo. Hoje, percebemos
com muita clareza de que se trata de um risco que atinge também
aqueles que permanecem na escola. Nesse sentido, muitos são
as entidades, educadores e pesquisadores a denunciar o baixo
nível de leitura da população, a dificuldade dos jovens e adultos
em produzir textos, interpretá-los e sobretudo em formar juízos
críticos a seu respeito.
Em estudo recentemente
realizado com crianças de 6 a 12 anos, alunos de escola pública
em São Paulo (Colello, 1987), tive a oportunidade de constatar
a precocidade dessas tendências, que, desde muito cedo, condicionam
determinados usos da escrita pela prioridade da forma sobre
o conteúdo, do objetivo sobre o pessoal, do racional sobre o
poético, do funcional sobre o expressivo, do pré-estabelecido
sobre o criativo, do determinado sobre o crítico, do descritivo
sobre o dissertativo, do estático sobre o dinâmico, do real
sobre a fantasia, do imediato sobre o permanente e do artificial
sobre o autêntico. O resultado disso se faz sentir em produções
escritas pouco criativas, insípidas, repletas de clichês, vazias
de conteúdo ou de emoção, tais como as de seus colegas mais
velhos que chegam às portas da universidade(4). Assim, as produções
escritas, mesmo nos casos em que se garantam a correção ortográfica,
gramatical, sintática e lógica, parecem apenas cumprir a tarefa
de "marcar o preto no branco", isto é, de preencher
o espaço do papel, apresentando dados, sem necessariamente usufruir
os benefícios dessa possibilidade.
Não se pode negar
que a dificuldade na produção da escrita é, em grande parte,
conseqüência das concepções e metodologias de ensino assim como
das práticas escolares que insistem nos padrões de correção
e na prioridade de usos específicos da língua (considerados
melhores, mais apropriados e legítimos) em detrimento do significado,
da vontade de dizer e do equilíbrio das possibilidades de expressão.
Em geral, seja por intermédio dos livros didáticos, seja pelo
próprio modelo instituído como parâmetro ideal (eventualmente,
o único!) de produção, o que predomina na escola é o texto informativo,
tão mais valorizado quanto maior o número de dados veiculados,
a objetividade da apresentação e o teor supostamente científico.
A informação pela escrita consagrou-se como elemento tão indispensável
na transmissão de conhecimentos, que muitos não mais percebem
que o texto pode ser também objeto de fruição e de expressão
informal. Sem desmerecer a importância dos textos informativos,
o que está em questão é a super valorização deles em face de
outras formas igualmente legítimas de dizer pela via escrita.
A pouca ênfase atribuída
às diferentes possibilidades textuais (como poemas, contos,
cartas, exercícios de ficção, produções humorísticas, teatrais
e escritas de manifestação pessoal dos sentimentos, fantasias,
emoções, opiniões e defesas de idéias) não é sequer percebida,
nem muito menos lamentada. Em primeiro lugar, porque elas realmente
não são consideradas relevantes para o processo de conhecimento,
a superação das etapas escolares, o ingresso nas universidades,
o sucesso no mercado de trabalho e, finalmente, para o uso social
que, covencionalmente, se possa fazer da escrita. Em segundo
lugar, porque prevalece (até mesmo entre os professores!) a
idéia de que as simples habilidades de juntar letras e associar
palavras garantem, por si só, o acesso aos mais variados usos
e possibilidades de expressão, como se a multidimensionalidade
e a multifuncionalidade da língua não fossem também alvos de
descoberta e processos de construção cognitiva que merecessem
a atenção específica e o empenho dos educadores.
Se o produto da aprendizagem
escolar (incluindo suas tendências típicas de incompletude ou
fracasso) é, em grande parte, tributário aos princípios e práticas
do ensino, estes, por sua vez, merecem ser examinados à luz
de valores, mentalidades e paradigmas sociais que, indiscutivelmente,
condicionam concepções, prioridades educativas e formas de ser
educador. Em outras palavras, na compreensão de nossos problemas
(o que não temos, o que nos falta), a abordagem binária "ensino-aprendizagem"
é simplista, restritiva e imensamente obscura se não for contemplada
pela ótica cultural que lhe dá sentido (ou que, no caso do confronto
com o Oriente, possa apresentar-se como um contraponto nos moldes
antes mencionados).
2. Linguagem, educação e cultura
Na tentativa de compreender
a relação do ensino da língua materna com a cultura e com valores
socialmente estabelecidos, vale a pena lembrar a distinção apontada
por Garcia Hoz (1988) entre a "pedagogia visível"
e a "educação invisível", enquanto dimensões mais
ou menos explícitas de objetivos, conteúdos e critérios que
se incorporam à ação docente, influindo nas suas concepções,
meios e resultados. No caso da linguagem, é possível situar
o ensino formal da escrita, suas regras e usos previstos, como
elemento visível (e previsível) em qualquer programa de ensino
escolar. Mas, ao lado do "saber escrever" e do "bem
escrever" considerados nas salas de aula, fica implícita
uma certa mentalidade pedagógica e lingüística
que, em cada universo cultural, condiciona, de modo invisível,
o como, o porquê, o para quê ou o para quem escrever.
No campo da educação,
o grande divisor de águas entre Ocidente e Oriente parece situar-se
na própria concepção de aprendizagem. Na versão mais tipicamente
ocidental, prevalece a educação como um subproduto do ensino,
isto é, compreendida como conseqüência previsível do acúmulo
de saberes. O conhecimento, imprescindível na organização das
massas, é tão mais valorizado quanto maior for a quantidade
ou a aplicabilidade prática de seu potencial. A alfabetização,
por sua vez, faz parte de uma "bagagem cultural mínima",
legítima pela sua dimensão funcional (em ações concretas tais
como assinar o nome, preencher formulários, seguir instruções,
etc.) e também como meio para o acesso a outras informações.
De modo inverso, a
tradição oriental - sempre, tipicamente falando - privilegia
a concepção de ensino como subproduto de um processo maior e
mais amplo que é a própria educação. Assim, toda e qualquer
aprendizagem incluindo a da língua materna é um
meio para a formação do homem. Assim o expõe Herrigel, analisado
por Gusdorf nas conclusões de seu clássico Professores para
quê?:
"O japonês, expõe Herrigel, concebe
a arte do arco e flecha não como uma capacidade esportiva,
adquirida através de um treinamento físico progressivo,
mas como uma força espiritual decorrente de exercícios onde
é o espírito que determina a finalidade, de modo que a pontaria
do arqueiro vise a si mesmo, pois , se atingir o alvo, ele
mesmo é alvejado. Hoje, como antigamente, o manejo do arco
continua sendo um combate de vida ou morte, na medida em
que é um combate do arqueiro contra si mesmo. Vemos
que não se trata de uma formação esportiva, segundo os parâmetros
ocidentais na qual se tentaria preparar um campeão para
triunfar nos concursos. O noviço europeu (teria que fazer)
essa experiência através das sucessivas desilusões (...)
até compreender o sentido profundo dos exercícios que lhe
foram impostos. O arco, as flechas, o alvo não são fins,
mas apenas meios pelos quais o discípulo deve, pouco a pouco,
conquistar as mais elevadas verdades. Os exercícios
espirituais suscetíveis de fazer da técnica do manejo do
arco uma arte e, eventualmente, uma arte despojada de arte,
são exercícios místicos. Ou seja, o que está em causa não
é a obtenção de um resultado exterior com arco e flechas,
mas a realização de alguma coisa que valha por si mesma".
A formação que "vale
a pena por si mesmo", valor ainda preservado no Oriente,
é a busca do auto-conhecimento e da auto-disciplina, os quais,
tanto pelas habilidades corporais como por intermédio das atividades
mentais, visam atingir o plano espiritual, reintegrador da pessoa
humana. No Ocidente, a demanda social e a crescente preocupação
em medir e controlar o produto do ensino colocaram a ação escolar
rumo à especialização, qualidade sempre muito admirada entre
os modelos de excelência. Assim, passando por inúmeros especialistas
(o matemático que ensina matemática, o historiador que ensina
história...), o aluno convive, desde muito cedo, com a fragmentação
do saber. E tal é o envolvimento neste processo que, muitas
vezes, ele perde a possibilidade de chegar a uma consciência
crítica a respeito do conjunto dos conhecimentos humanos, ou
mesmo de seus próprios saberes, conformando-se com mecanismos
específicos para atender as exigências (eventualmente até contraditórias)
de cada disciplina ou de cada professor. Nesse contexto, sua
individualidade aparece como um "reduto de resistência
pessoal" na negação do que lhe foi sistematicamente oferecido.
Contribuindo também
para o processo de fragmentação da pessoa, há que se considerar
a relação professor-aluno nos moldes como se processa o ensino.
O ideal da especialização associado ao princípio didático da
"transmissão do saber" permite-nos compreender a relação
autoritária e monológica que rege a ação educativa na maior
parte das escolas ocidentais. O desequilíbrio entre "aquele
que detém o conhecimento" o professor e "o
que tudo ignora" o aluno justifica práticas
de imposição de saberes que, muitas vezes, desrespeitam e despersonalizam
o aprendiz. O conhecimento consagra-se como produto estático,
eventualmente sem sentido, conseguido mediante captação passiva
ou através de exercícios meramente reprodutivos, ambos motivados
por alvos externos ao próprio saber (a nota, o passar de ano...).
Em oposição, a imagem
mais típica do ensino oriental é a do discípulo que colhe do
mestre seus atos e palavras como desafios pessoais ou como convites
à descoberta e à construção do conhecimento. A motivação intrínseca
desses encontros é a chama da curiosidade, permanentemente alimentada
pela relação dialógica. Assim, mais importante do que o objeto
do ensinamento, os recursos materiais ou físicos que possam
eventualmente apoiar o processo de aprendizagem, há o investimento
maior na relação entre pessoas, que se educam mutuamente pelo
exemplo, pela experiência de compartilhar saberes e pela mística
que envolve essa relação.
Além das concepções
educativas, as mentalidades que regem a produção lingüística
no Oriente e no Ocidente são igualmente esclarecedoras na compreensão
dos usos mais típicos da escrita ocidental. Vale lembrar que
o interesse em situar diferenças lingüísticas certamente ultrapassa
a mera descrição de aspectos formais com os quais os povos costumam
se manifestar. Mais que isso, a expressão humana reflete modos
de compreender, de lidar e de se situar perante o mundo.
Marcada pelo modelo
racionalista que privilegia formas de saber objetivas, quantificadas,
classificadas e precisas, a linguagem tipicamente ocidental
incorpora o padrão de determinação expressiva que pretende apreender
o real pela uniformidade dos processos, pela fixidez das tendências
e pelo enquadramento à homogeneidade e transparência. É o princípio
do "preto no branco" para o qual, uma vez tendo sido
registrado no papel, não deve haver margem à dúvida nem à dupla
interpretação. O significado está dito e garantido. A digressão
aos princípios positivistas do dizer (do pensar, do conceber...)
fica por conta das crianças em formulações consideradas infantis
e imaturas (que, por esse motivo, confrontam-se com os esforços
educativos). Elas podem também ser encontradas entre os poetas,
artistas e literatos que, no contexto ocidental, não fazem parte
do "mundo produtivo", do "universo técnico-científico"
ou simplesmente dos "homens de negócio".
Superando a razão
fria que recorta e reduz a realidade e sem a pretensão de dominá-la
pelo enquadramento das idéias, o homem oriental se permite conviver
com a magia, o incontável, o imagético, o pluriforme, o poético,
o encantamento e o afetivo. Assim:
"Em vez de longos e articulados
discursos, a língua árabe (o pensamento árabe) expressa-se
de modo muito mais natural e autêntico por rápidas sentenças
de caráter incisivo, que atingem o íntimo do interlocutor
por condensarem séculos (ou milênios...) de uma sabedoria
mais do que humana. Os ergo e os demonstrandum
do Ocidente dão lugar à milenar voz da sabedoria que, por
eles, fala. É a verdade das coisas que se deixa ver na trouvaille
do dito." (Hanania, 1994, p.49)
Compactada pela terminologia
de denso significado e pelas sentenças nominais(5), a língua
oriental é cúmplice da tradição capaz de resgatar a essência
perene do ser humano. Este é, por exemplo, o caso dos provérbios
árabes, tão indissociáveis da expressão comum, conforme nos
explica Lauand:
"Enquanto agentes privilegiados
da educação invisível, os provérbios recolhem o saber popular,
condensam a experiência sobre a realidade do homem em sua
existência quotidiana: as condições de vida, o sensato e
o ridículo, as alegrias e as tristezas, as grandezas e as
misérias, as realidades e os sonhos, a objetividade e os
preconceitos... Mais do que qualquer outra expressão literária,
os provérbios têm, freqüentemente, o dom de incidir sobre
o núcleo permanente, atemporal da realidade do homem. e
daí, também, decorre sua perene atualidade." (1997,
p. 20)
De fato, em uma formulação tipicamente oriental(6)
como "Casa de ferreiro, espeto de pau", observa-se
a representação concreta (trazida literalmente pela imagem)
que traduz o tradicional reconhecimento coletivo da idéia
de que "nem sempre os especialistas apropriam-se da sua
habilidade para lidar com suas questões particulares".
A interpretação aproximada deste significado é delegada ao
leitor (ou ouvinte) que se apropria da flexibilidade semântica
como meio de recuperar/recriar o significado. Tal característica
interpretada pelo ocidental como falta de precisão
permite uma apreensão profunda do dizer na medida em
que incorpora a complexidade dos significados (plurissemia).
Nesse sentido, o "pensamento
confundente"(7), mesmo (e justamente porque) convivendo
como o mistério e com o poético, permite novos olhares para
uma mesma realidade, eventualmente, outras possibilidades de
apreensão e de entendimento.
Considerações finais (e certamente
não definitivas)
Ao considerar as tendências
ocidentais na produção da língua escrita e sobretudo as suas
dimensões de fracasso ou de dificuldade, não se pode negar o
papel da escola, dos recursos didáticos e da metodologia em
sala de aula. Mas o processo de conhecimento não se explica
pela relação binária "ensino-aprendizagem", entendida
como um mecanismo de causa e efeito, isto é, como "um toma
lá da cá" pedagógico. Trata-se, evidentemente, de um processo
muito mais amplo de vivenciar e construir, no conjunto das experiências
vividas, esquemas de ação e de compreensão que fazem sentido
pela mentalidade ou pelo referencial de valores nos quais foram
conquistadas. Em outras palavras, não aprendemos só porque fomos
ensinados, mas também pelo que somos (pensamos, valorizamos,
concebemos, buscamos...). Em uma dimensão pouco visível, também
as relações ensino-aprendizagem e professor-aluno são igualmente
dependentes de mentalidades e de "patterns of behavior"
culturalmente estabelecidos.
À luz das concepções
de ensino pouco comprometidas com um projeto educativo, da relação
unilateral entre mestre e discípulo, da valorização da linguagem
informativa (racional, objetiva e precisa) em detrimento de
outros modos de expressão, e, finalmente, da fragmentação do
conhecimento e da formação do ser humano podemos melhor situar
as tendências ocidentais na produção da língua escrita. Pela
dimensão "visível" da pedagogia, constatamos a presença
de uma escola que efetivamente ensina a ler e a escrever; pela
dimensão "invisível", pode-se supor um longo e penoso
processo de enquadramento lingüístico que muitas vezes restringe
possibilidades de expressão, roubando a vontade e o direito
de dizer.
Na busca de alternativas
educativas, os métodos de ensino, os recursos didáticos e as
cartilhas podem ser revistos, renovados, corrigidos e até eventualmente
substituídos, mas as mentalidades que os sustentam resistem
teimosamente, assim como a atitude daqueles que discriminam
os diferentes universos culturais, em posturas etnocêntricas,
esquivando-se do saber, do diálogo, da convivência democrática
e também da compreensão de si mesmo.
Um convite ao diálogo
com o Oriente!
Referências Bibliográficas
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e Possibilidades, Tese de Doutorado apresentada à Fac. de
Educação da USP, São Paulo, 1997.
GARCIA, HOZ, Victor Pedagogia Visível
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GERALDI, João Wanderley (org) O Texto
na sala de Aula Leitura e Produção, Cascavel, Assoeste,
1984.
GERALDI, João Wanderley Portos de Passagem,
São Paulo, Martins Fontes, 1993.
GUSDORF, Georges "Professores
para Que?" Para uma Pedagogia da Pedagogia, São Paulo,
Martins Fontes.
HANANIA, Aida Oriente e Ocidente: Sentenças
de Sabedoria dos Antigos, São Paulo, DLO-FFLCHUSP/EDIX,
1994.
HANANIA, Aida e LAUAND, Jean Oriente
e Ocidente: Lingua e Mentalidade, São Paulo, Centro de Estudos
Árabes FFLCH-USP/Apel, 1993.
LAUAND, Jean Provérbios e Educação
Moral, São Paulo, Hottopos, 1997.
LEMOS, Claudia "Algumas Estratégias",
Cadernos de Pesquisa, n. 23, São Paulo, Fundação Carlos
Chagas, Dez/1997.
PÉCORA, Alcir Problemas de Redação,
São Paulo, Martins Fontes, 1992.
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